OBJECTO DO PROCESSO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
EXEQUIBILIDADE
LIQUIDEZ
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
ACESSO AOS TRIBUNAIS
Sumário

SUMÁRIO (artigo 663.º, n.º 7, do CPCivil):

I.–Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.

II.–As decisões judiciais que condenem uma pessoa no cumprimento de uma obrigação certa, exigível e líquida constituem títulos executivos.

III.–A obrigação é certa quando o seu objeto está substancialmente determinado, delimitado no seu conteúdo.

IV.–A obrigação é exigível caso possa ser imposta ao devedor pelo respetivo credor, o que sucede se a obrigação não estiver sujeita a termo, condição ou outra limitação.

V.–A obrigação é líquida quando o objeto da sua prestação está quantitativamente definido, ou seja, está determinado quanto à sua quantidade ou montante.

VI.–As obrigações sujeitas a condição suspensiva só são exigíveis depois da prova da verificação da condição, pelo que deduzidos embargos de executado em execução fundada em sentença condenatória na qual o réu foi condenado em obrigação sujeita a condição, não verificada esta, procedem os embargos e a execução deve ser extinta.

VII.–Conforme artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, 26.º, n.º e 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, a todos deve ser garantido o acesso aos Tribunais, os quais, no exercício da sua função judicial, devem salvaguardar os direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente os direitos ao bom nome e reputação.

VIII.–O facto de improceder judicialmente a pretensão de uma das partes não constitui só por si ofensa daqueles preceitos constitucionais.

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I.


RELATÓRIO.


Fundados em sentença, em 23.12.2020 os Exequentes, MS, RS e JS, deduziram execução para pagamento de quantia certa, com processo sumário, contra o Executado, MILLENIUM/BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, liquidando em €3.093.474,76 a quantia exequenda.

Efetuada a penhora, o Executado veio deduzir oposição à execução, alegando, em suma, que os Exequentes apresentaram como título executivo uma decisão judicial em que a condenação do aqui Executado é genérica e ilíquida, adulterando, por interpretação insidiosa, o decidido em tal decisão judicial, termos em que concluíram pela procedência da oposição à execução.

Admitidos os embargos de executado e notificados os Exequentes para contestarem, vieram os mesmos referir, em síntese, que a execução funda-se em título exequível, sendo a sua obrigação certa, liquidável e exigível, termos em que concluíram pela improcedência dos embargos de executado e pela condenação do Embargante como litigante de má-fé.

O Embargante pronunciou-se quanto àquele pedido condenatório, sustentando a sua improcedência.

Cumpridas as formalidades legais, em 02.07.2023 o Juízo de Execução de Lisboa julgou procedente a aposição à execução e extinguiu esta, bem como absolveu o Embargante do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformados com aquela decisão, os Exequentes/Embargados interpuseram dela recurso, apresentando as seguintes conclusões:
«1.Alude a sentença recorrida à necessidade de interpretar o título (sentença/acórdão) dado à execução, nos termos do art. 236º do CC, o que manifestamente não fez, olvidando o enquadramento dos factos, bem como as consequências da decisão.
2.Com relevo para o recurso temos o seguinte: foi fixado o valor dado à execução em €3.093.474,76, que na data da prolação da sentença já é superior.
3.O executado assumiu uma obrigação – a saber, libertação dos avales dos exequentes na livrança reclamada no processo …/… – que não cumpriu, podendo tal prestação ser exigida pelos exequentes.
4.Nos termos da sentença recorrida, o executado não foi condenado a pagar aos exequentes o valor titulado pela livrança em execução, mas tão somente pagar aos exequentes o valor que cada um voluntariamente ou por via da penhora e venda de bens pagar ao Novo Banco.
5.Nada tendo sido liquidado ao Novo Banco pelos exequentes o BCP nada tem a pagar – isto apesar do reconhecido incumprimento – faltando a exigibilidade ao título dado à execução, que se encontra subordinada à verificação de uma condição suspensiva, facto futuro e incerto nos termos do art. 270º do CC.
6.A vingar a tese da sentença recorrida, tendo em linha de conta o valor da execução (que por via dos juros está sempre a aumentar), cada vez que fosse feito um pagamento, penhorada uma conta ou apreendido e vendido um bem, cada um dos 3 exequentes teria de intentar a respectiva execução para se ressarcir, o que por outras palavras determina que as execuções se protelariam ad aeternum para gáudio do infractor e descrédito dos sistema de justiça que desta forma nega tutela a quem tem um direito reconhecido.
7.É entendimento dos exequentes que a sentença recorrida e a fundamentação dada não podem proceder à luz dos títulos dado à execução e dos factos dados como provados, para o que se enumeram os direitos em jogo:
8.O Novo Banco é portador de uma livrança dada à execução, assim nos termos do art. 398º, nº 2 do CC o interesse do credor é digno de protecção legal, execução que dura desde 2005;
9.O BCP assumiu uma obrigação negocial – libertação dos avales da referida livrança – que era condição do negócio de que veio a beneficiar e, incumpriu essa obrigação, agindo naturalmente de má fé.
10.Colhe um benefício imediato no âmbito negocial - e não foi de animo leve que o acórdão dado à execução transcreveu o negócio subjacente à libertação dos avales (págs. 46 e 47) –, não liberta os avales conforme se obrigou e a sentença recorrida premeia o infractor com a verificação de uma condição impossível, que na prática determina que nunca venha a pagar nada, numa clara denegação de justiça quer aos exequentes quer ao Novo Banco.
11.Por seu turno os exequentes, vítimas do incumprimento do infractor, têm direito ao bom nome, a ter acesso ao crédito, a poder ter bens em seu nome, ou seja, uma vida normal, libertos do opróbrio de uma dívida que nunca poderão pagar, isto apesar de lhes ter sido reconhecido um direito de crédito autónomo, que tem como contrapartida poderem exigir o cumprimento da prestação ao executado BCP.
12.Está bem de ver que o sistema jurídico repudia este tipo de aberrações e, por recurso ao mecanismo da boa fé ou da responsabilidade por actos ilícitos (art. 483º do C), poderia a sentença recorrida ter composto a solução do litígio naquilo que seria uma solução justa para as partes, ponderados os valores em jogo e os factos provados.
13.De resto, relacionado com a questão da interpretação da sentença, art. 236º do CC, está o art. 661º, nº1 do CPC que estabelece que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
14.O pedido dos aqui exequentes na PI do Proc. …/… assentava na condenação do BCP ao pagamento aos A. de € 1.903.406,04 acrescido de juros até integral pagamento.
15.A sentença recorrida adultera o a decisão do título dado à execução, ignorando o facto de existirem outros executados no processo movido pelo Novo Banco aos exequentes o que determinou o sentido da decisão, uma vez que figurando além dos AA como executada a H-F____ e inexistindo qualquer obrigação de a ré libertar a mesma. De tal dívida, a obrigação da ré apenas existe em relação aos AA. E só na medida de pagamento por estes da divida em causa face aos avales prestados e na sequência destes, os quais deveriam ter sido libertados nos termos assumidos pela ré.”
16.Ou seja, pretendeu a sentença evitar que o BCP respondesse perante dividas de entidades terceiras, para além daquilo a que havia sido condenado.
17.Ao determinar o título dado à execução, que - o banco réu deverá ser condenado nesta acção a pagar o montante a liquidar (art. 609º, nº 2 do CPC) e correspondendo ao valor que os AA vierem a pagar na execução em causa à exequente BES. Pois figurando além dos AA como executada a H-F____ e inexistindo qualquer obrigação de a ré libertar a mesma de tal dívida a obrigação da ré apenas existe em relação aos AA e só na medida de pagamento por estes da dívida em causa face aos avales prestados e na sequência destes, os quais deveria ter sido libertados nos termos assumidos pela ré,- tinha como propósito que o BCP seria condenado apenas ao pagamento do valor a liquidar ao Novo Banco pelo exequentes, no enquadramento de que existiam outros executados.
18.E, por isso, os exequentes liquidaram o valor em falta, por mero cálculo aritmético como se impunha, juntando aos autos o doc. 2 correspondente ao único valor que até à data o Novo Banco recebeu, não se perspetivando que, 18 anos depois, venha a receber o que quer que seja por via dos restantes executados.
19.Obviamente a sinépica – ponderação das consequências da decisão – e o sentido útil a retirar da decisão abonam a favor da interpretação dos exequentes e impunha que o tribunal a quo retirasse um efeito útil do título executivo (em dupla conforme), por apelo aos mecanismos que o sistema coloca ao seu dispor, entre outros, o princípio da boa fé que surge como uma válvula de escape do sistema para fazer face a situações injustas que de outra forma resultam numa denegação de justiça e num prémio ao infractor.
20.Ou seja, provado que o BCP praticou um acto ilícito atentatório da boa fé e dele retirou e retira proveito em detrimento dos exequentes – que têm o direito ao bom nome e acesso ao crédito vetado - terá de indemnizar os exequentes, por força do art.º 483, n.º 1 do CC, pelo que, sendo a indemnização preferencialmente feita mediante a reconstituição natural (arts. 562º e 566º, nº 1 do CC), daqui se retira que terá de pagar o valor da divida dos exequentes no presente momento ao Novo Banco, colocando os exequentes na situação a que teriam direito se o BCP tivesse cumprido aquilo a que se obrigou daí retirando um benéfico.
21.É para esse caminho aponta o acórdão dado à execução:
22.Consequentemente, a não realização da prestação convencionada em beneficio dos autores por parte do réu, ora apelante, constitui-o na obrigação de indemnizar tal como foi equacionado na bem fundamentada sentença objecto de impugnação.
23.Assim, a sentença recorrida encontra-se ferida de inconstitucionalidade denegando justiça aos exequentes porquanto apesar de considerar que têm um direito, determina que o mesmo não é executável, infringindo o art. 20º da CRP, em concreto no segmento do preceito que assegura que todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão,
24.É que a decisão que a sentença encerra, ao subordinar a exequibilidade do título a uma condição suspensiva impossível, não dirime o conflito, eterniza-o, denegando a tutela do direito aos exequentes, bem sabendo, que face aos valores em jogo sempre a aumentar por via dos juros aplicáveis em termos práticos não é passível liquidar a dívida ao Novo Banco e consequentemente exigir o pagamento ao BCP.
25.Igualmente determina que os exequentes nunca mais possam recuperar o seu bom nome, ficando para todo o sempre com o acesso ao crédito vedado,
26.Está bem de ver que nesse segmento a sentença determina também uma violação do art. 26º, nº 1 da CRP, porquanto apesar de ser pacífico e facto assente que os exequentes não são devedores ao Novo Banco, não há como demonstrar o contrário, ficando os exequentes com o seu bom nome comprometido,
27.Os arts 20º e 26º fazem parte do núcleo duro dos direitos fundamentais, e enquadram-se nos direitos, liberdades e garantas o que significa que tem uma força acrescida vinculando entidades publicas e privadas à sua observância.
28.Igualmente a douta sentença recorrida viola o art. 202º, nº 1 e 2, da CRP na medida em que os tribunais tem como função administrar justiça e assegurar os direitos e interesses dignos de protecção legal em jogo dirimindo os conflitos de interesses.
29.Ora, como se disse uma sentença que sujeita a exequibilidade do título à verificação de uma condição impossível, e consequentemente nula, na prática, à luz do caso concreto, eterniza os exequentes como devedores, esvaziando de conteúdo o segmento da sentença que determina que o BCP incumpriu a obrigação assumida sendo responsável por isso sendo por contrapartida os exequentes beneficiários da respectiva tutela.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação e consequentemente:
a)-Declarar a Sentença recorrida nula por omissão do dever de pronúncia das questões levantadas pelos exequentes (nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) e 608º, nº 2 do CPC);
b)-Declarar a exequibilidade do título, uma vez que é possível liquidar o valor em dívida na presente data, sendo consequentemente o título imediatamente executável;
c)-Declarar que uma sentença sujeita à verificação de uma condição impossível não pode proceder e é nula, por eternizar os exequentes como devedores do Novo Banco, condenando-os para todo o sempre a não ter acesso a uma vida normal por conta de uma dívida que afinal não é deles!
d)-Se pronuncie o Venerando Tribunal da Relação sobre as inconstitucionalidades apontadas, que consubstanciam uma violação dos arts. 20º, 26º (fazem parte do núcleo duros dos direitos fundamentais, por consistirem em direitos liberdades e garantias e terem uma força vinculativa acrescida) e 202º todos da CRP.
e)-Condenar o BCP ao pagamento do valor em dívida apurado na data da prolação do Acórdão ao Novo Banco.
Assim decidindo farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada JUSTIÇA!»

Notificado do recurso, o Executado/Embargante apresentou contra-alegações, concluindo pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar a decidir.

II.

OBJETO DO RECURSO.

Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.

Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelos Recorrentes, não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, está em causa apreciar e decidir:
· Da nulidade por omissão de pronúncia,
· Da exequibilidade do título dado à execução,
· Das arguidas inconstitucionalidades.

Assim.

III.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:
«1.Os exequentes intentaram ação executiva para pagamento de quantia certa contra o aqui embargante, no valor de 3 093 474,76€, munidos de acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, transitado em julgado em 31.10.2018, que manteve a sentença proferida no processo nº. …/…, que correu termos no Juízo Central Cível de Lisboa – Juiz 13, e de cuja decisão consta:
“Em face do exposto, o Tribunal julga a acção procedente e, em consequência, condeno o banco réu a pagar o valor a liquidar e que tenha sido pago/liquidado pelos AA. ou decorrente da penhora e venda de bens dos Autores no âmbito da livrança peticionada pelo BES no âmbito da acção que corre termos na 1ª secção do 3º Juízo de Execução de Lisboa, sob o nº …/…” (acórdão e sentença que se dão por integralmente reproduzidos).
2.Na ação executiva n.º …/… não consta terem sido penhorados bens aos aqui exequentes (informação prestada por esse processo em 13.04.2023)».
*
* *
Em complemento, conforme certidão judicial junta pelos aqui Recorrentes com o seu requerimento executivo na execução à qual respeitam os presentes embargos de executado, este Tribunal da Relação considera ainda pertinente dar como provado que:
A.Nos termos da referida sentença no processo nº. …/…, de 29.06.2017, páginas 5, 6 e 21 a 23, o Juízo Central Cível de Lisboa
- Deu como provado que:
«4.Em 17 de Dezembro de 2003 foi subscrito pela ré [aqui Embargante/Recorrida] e a sociedade “H-F____, SGPS” um documento particular denominado “Contrato de reestruturação de créditos”, (…), prevendo-se além do mais, que (…) o Banco [aqui Embargante/Recorrida] compromete-se a diligenciar para que seja aceite o “Contrato promessa de Compra e venda das Ações”, bem como a que esta entidade assegure a substituição dos avales da família C..... e S..... pelos avales do Dr. AS e mulher (…)», encontrando-se tal acordo assinado na qualidade de avalistas por AS e MES»;
(Negrito da autoria dos aqui subscritores)
- Na fundamentação de direito consta da referida sentença que:
«(…) face ao contexto negocial evidenciado nos autos um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, extrairia do contrato a interpretação que a ré [aqui Embargante/Recorrida] se comprometia (…) a libertar os avales da família C..... e Família, substituindo-os apenas pelos pais e libertando os filhos, ora AA. [aqui Embargados/Recorrentes]. É certo que não figura no contrato que avales em concreto, mas tal resulta que os únicos prestados pelos filhos no âmbito das sociedades do Grupo eram os relativos à livrança dada à execução [no âmbito do processo n.º …/… intentada pelo BES contra os aqui Embargados/Recorrentes].
(…) não existe qualquer prova que a ré [ora Embargante/Recorrido] tenha diligenciado por libertar os avales tal como constava do contrato, e não o tendo feito incumpriu o acordado, podendo tal prestação ser exigida por terceiros, ora AA. [Embargados/Recorrentes].
Assim, resultando que corre termos na 1ª secção do 3º Juízo de Execução de Lisboa, sob o nº …/…, uma acção intentada por Requerimento Executivo apresentado pelo BES, na qualidade de Exequente, apresentando para tal uma livrança, emitida em 18/6/1999 e vencida em 27/6/2005, no valor de 1.894.478,63€ (acrescida de juros desde o vencimento) alegando-se que a mesma não foi paga no vencimento nem posteriormente, figurando como executados a “H-F___ – Sociedade G_____ P_____, S.A.”, subscritora da livrança, e avalistas AS, RS, MS, JS e MES, e dado que esta era a livrança em causa, o Banco réu não tendo cumprido o que havia assumido no âmbito negocial nos termos referidos, deverá ser condenado nesta acção a pagar o montante a liquidar ( artº 609º nº 2 do CPC) e correspondente ao valor que os AA. vierem a pagar na execução em causa à exequente BES. Pois figurando além dos AA. como executada a H-F____ e inexistindo qualquer obrigação de a ré libertar a mesma de tal dívida, a obrigação da ré apenas existe em relação aos AA. e só na medida de pagamento por estes da dívida em causa face aos avales prestados e na sequência destes, os quais deveriam ter sido libertados nos termos assumidos pela ré. Os juros serão devidos pela ré, a partir da verificação desse pagamento pelos AA., ou liquidação efectuada na sequência de venda do património dos AA. na execução».
(Negrito da autoria dos aqui subscritores)
B.O ora Embargante/Recorrido interpôs recurso daquela sentença de 29.06.2017 para este Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, em acórdão de 27.09.2018, manteve a decisão recorrida, rematando a fundamentação de direito nos seguintes termos:
«Consequentemente, a não realização da prestação convencionada em benefício dos autores por parte do réu, ora apelante, constitui-o na obrigação de indemnizar tal como foi equacionado na bem fundamentada sentença objeto de impugnação».

IV.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Conforme referido, no presente recurso cumpre dilucidar quanto (i) à suscitada omissão de pronúncia, (ii) exequibilidade do título dado à execução e (iii) invocadas inconstitucionalidades.

Vejamos.

1.DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA.

A Embargada/Recorrente alega, em síntese, que «não foi feita a ponderação das consequências da decisão a que a sentença aqui em crise inevitavelmente conduz ao deixar de se pronunciar sobre questões trazidas à colação pelos exequentes», termos em que conclui que este Tribunal da Relação deve «a) Declarar a Sentença recorrida nula por omissão do dever de pronúncia das questões levantadas pelos exequentes».

Ora, segundo o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPCivil, o Tribunal «deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».

No que aqui releva, o artigo 615.º n.º 1, alínea d), do CPCivil dispõe que «[é] nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».

Na omissão de pronúncia estão, pois, em causa questões e não simples razões ou argumentos aduzidos pelas partes.

Sem prejuízo da prejudicialidade que o discurso jurídico impõe, o juiz deve referir-se aos temas, aos assuntos nucleares do processo, suscitados pelas partes, bem como àqueles de que oficiosamente deva conhecer, cumprido que se mostre o contraditório, não se exigindo, contudo, que o juiz aprecie toda e qualquer consideração ou argumento tecido pelas partes.  

Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, edição de 2019, página 737, «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».

No mesmo sentido refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.12.2023, processo n.º 619/21.6T8VCT.G1-A.S1, que «a omissão de pronúncia não se confunde com as razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas): só a omissão da abordagem de uma qualquer questão temática central integra vício invalidante duma sentença/despacho, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».

In casu.

Os presentes autos constituem uns embargos de executado.

Na sua petição de embargos, o Embargante, aqui Recorrido, suscitou como questão a inexequibilidade do título executivo dado à execução.
Na sua contestação, os Embargados, ora Recorrentes, sustentaram a exequibilidade do título executivo e arguiram como questão a dirimir a condenação do Embargado como litigante de má-fé.
O Embargante respondeu àquele pedido, concluindo pela sua improcedência.
A decisão recorrida abordou explicitamente tais questões, concluindo pela procedência dos Embargos e pela improcedência do pedido de condenação do Embargante como litigante de má-fé.
Ou seja, é manifesto que o Tribunal recorrido apreciou as questões suscitadas pelas partes nos articulados constantes dos embargos de executado, inexistindo, pois, o invocado vício de omissão de pronúncia.
Dilucidar quanto à justeza de uma tal apreciação já não tem a ver com o vício da omissão de pronúncia, mas quanto ao mérito desta, aspeto a abordar de seguida.
Improcede, pois, nesta sede o recurso.

2.DA EXEQUIBILIDADE DO TÍTULO DADO À EXECUÇÃO.

Nos termos do artigo 10.º, n.º 5, do CPCivil, «[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva».
Conforme artigo 703.º n.º 1, alínea a), do mesmo Código, «[a]s sentenças condenatórias» «podem servir de base» «[à] execução».
 Do disposto nos artigos 704.º, n.º 6, e 713.º do ainda CPCivil decorre que a obrigação exequenda deve ser certa, exigível e líquida. 
Do cotejo de tal normativo decorre, pois, que as decisões judiciais que condenem uma pessoa no cumprimento de uma obrigação certa, exigível e líquida constituem títulos executivos.
A obrigação é certa quando o seu objeto está substancialmente determinado, delimitado no seu conteúdo.
A obrigação é exigível caso possa ser imposta ao devedor pelo respetivo credor, o que sucede se a obrigação não estiver sujeita a termo, condição ou outra limitação.
A obrigação é líquida quando o objeto da sua prestação está quantitativamente definido, ou seja, está determinado quanto à sua quantidade ou montante.

Como refere Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, edição de 2023, páginas 181, 182, 186 e 195, «[a] obrigação diz-se certa quando o objeto da respetiva prestação se encontra perfeitamente delimitado ou individualizado em relação à sua qualidade (…) ou conteúdo, isto é, quando se sabe precisamente o que se deve (…)».
 «A obrigação exequenda diz-se exigível quando já se encontra vencida ou quando o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor (…), isto é, quando já pode ser exigida (…)».
«A obrigação diz-se líquida quando a prestação se encontra determinada em relação à sua quantidade ou montante, isto é, quando se sabe exatamente quanto se deve (…) ou quando se sabe exatamente quanto se deve (…) ou quando essa quantidade é facilmente determinável através de uma operação de simples cálculo aritmético, com base em elementos constantes do próprio título (…)».
No caso vertente.
O título dado à execução é a decisão condenatória proferida no âmbito do processo n.º …/… em que os ora Embargados/Recorrentes são autores e o Embargante/Recorrido é réu.
Conforme decorre da fundamentação de facto do presente acórdão, o aqui Embargante/Recorrido foi condenado a pagar aos Embargados/Recorrentes o «valor a liquidar e que tenha sido pago/liquidado pelos» Embargados/Recorrentes ou decorrente da penhora e venda de bens» daqueles «no âmbito da livrança peticionada pelo BES no âmbito da ação (…) n.º …/…».
Trata-se, pois de uma condenação cuja obrigação de pagamento está sujeita a condição suspensiva: o pagamento pelos aqui Embargados/Recorrentes de quantia no âmbito daquela ação executiva ou a penhora e venda de bens dos mesmos naquela execução.
Diversamente do alegado pelos Recorrentes, não decorre, pois, do título executivo dado à execução a condenação do Recorrido no pagamento da quantia titulada pela referida livrança e respetivos juros.
A obrigação de pagamento está sujeita a duas condições alternativas, ambas de natureza suspensiva, por subordinadas a acontecimento futuro e incerto, sendo que este não foi alegado, e muito menos demonstrado, pertencendo o ónus na matéria aos Embargados/Recorrentes, conforme disposto nos artigos 270.º e 343.º, n.º 3, ambos do CCivil e 715.º, n.º 1, do CPCivil.

Como refere Lebre de Freitas, A ação Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, edição de 2014, página 109, «[a] prestação de obrigação sob condição suspensiva só é exigível depois de a condição se verificar, pois até lá todos os efeitos do respetivo negócio constitutivo, [no caso a sentença exequenda], ficam suspensos (art. 270 CC)».
«Daí que o art. 715, n.ºs 1 a 4, exija ao credor exequente a prova da verificação da condição, sem o que a execução não é admissível».

No mesmo sentido, João de Castro Mendes e Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume II, página 541, referem que «[a]s obrigações sujeitas a condição suspensiva (art. 270.º CC) só são exigíveis depois da prova da verificação da condição (art. 715.º, n.º 1). A sujeição da obrigação a uma condição suspensiva pode constar do documento negocial ou da sentença que é apresentada como título executivo. Este último caso verifica-se quando (…) o tribunal condena» o réu «a realizar a prestação se e quando essa condição de vier a verificar».
«(…) Incumbe ao credor exequente alegar no requerimento executivo a verificação da condição suspensiva (art. 715.º, n.º 1, e 724.º, n.º 1, al. h)). O ónus da prova da verificação da condição também recai sobre o exequente (art. 715.º, n.º 1, confirmando, aliás, o disposto no art. 343.º, n.º 3, CC). A prova pode ser realizada através de documentos ou de qualquer outro meio de prova (art. 715.º, n.º 2)».
Nestes termos, no caso vertente, por não verificada nenhuma das condições suspensivas alternativas de que depende a obrigação exequenda, esta é inexigível, pelo que o título executivo em causa é por ora inexequível e, por isso, carece de fundamento a execução, devendo procederem os embargos de executado e a execução ser declarada extinta, nos termos dos artigos 729.º, alínea e), e 732.º, n.º 4, do CPCivil, conforme decisão recorrida que, assim, importa manter.
Com o devido respeito, a posição diversa sufragada pelos Recorrentes funda-se em argumentos que não atendem ao título exequendo em causa, nos termos que ficaram indicados, olvidando que a sentença exequenda determina os limites da respetiva execução, termos em que mostra-se, assim, prejudicada a demais argumentação dos Embargados/Recorrentes na matéria ora em causa.
Improcede, pois, também nesta sede o recurso.

3.DAS ARGUIDAS INCONSTITUCIONALIDADES.

Os Embargados/Recorrentes alegam que a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 20.º, 26.º e 202.º da Constituição da República Portuguesa.
Referem, em resumo, que «a vingar a tese da sentença recorrida» o «sistema de justiça (…) nega tutela a quem tem um direito reconhecido», comprometendo o «bom nome» dos Recorrentes.

Apreciemos.

Sob a epígrafe «Acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva», na parte aqui pertinente, o artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição República Portuguesa preceitua que «[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)», sendo que «[p]ara defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos».
Por sua vez, igualmente na parte que ora releva, segundo o artigo 26.º, n.º 1, igualmente da Constituição, com a epígrafe «Outros direitos pessoais», «[a] todos são reconhecidos os direitos (..) ao bom nome e reputação (…)».
Finalmente, nos termos do artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, ainda da Constituição, com epígrafe «Função Judicial», «[o]s tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo», sendo que «[n]a administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados».
No que ora releva, do cotejo daquelas normas constitucionais decorre que a todos deve ser garantido o acesso aos Tribunais, os quais, no exercício da sua função judicial, devem salvaguardar os direitos e interesses legalmente protegidos, nomeadamente os direitos ao bom nome e reputação.

Como refere Jorge Miranda, Direitos Fundamentais, edição de 2020, páginas 405 a 407, «[o] eficaz funcionamento e o constante aperfeiçoamento da tutela jurisdicional dos direitos das pessoas são sinais de civilização jurídica».
«Porém, o Estado de Direito acrescenta algo mais (…): 1.º), a reserva de jurisdição aos tribunais, órgãos independentes e imparciais, com igualdade entre as partes, e que decidem segundo critérios jurídicos; 2.º) a possibilidade de os cidadãos se dirigirem a tribunais para a declaração e a afetivação dos seus direitos não só perante outros particulares mas também perante o Estado e quaisquer entidades públicas».
«Por definição, os direitos fundamentais têm de receber, em Estado de Direito, proteção jurisdicional. Só assim valerão inteiramente como direitos, ainda que em termos e graus diversos consoante sejam direitos liberdades e garantias ou direitos económicos, sociais e culturais (…)».

No que respeita ao direito ao bom nome e reputação, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, edição de 2005, página 289, referem que tal direito «tem um alcance jurídico amplíssimo, situando no cerne da ideia de dignidade da pessoa. A relevância constitucional da tutela do bom nome e da reputação legítima a criminalização de comportamentos como a injúria, a difamação, a calúnia e o abuso de liberdade de imprensa ou a admissibilidade, no âmbito da responsabilidade civil, da compensação dos danos não patrimoniais advenientes de actuações ilícitas por ofensa do bom nome e da reputação das pessoas».

In casu.

Não se vislumbra minimamente a violação de tais preceitos constitucionais.
Os Embargados/Recorrentes acederam ao Tribunal, deduzindo nele as pretensões que entenderam, com as causas de pedir que consideraram adequadas.
O Tribunal considerou motivadamente os factos e aplicou o direito ao caso.
Os Embargados/Recorrentes discordaram da decisão do Tribunal de 1.ª instância e recorreram para o Tribunal da Relação, sendo que este decidiu justificadamente o recurso.
A circunstância das pretensões dos Embargados/Recorrentes terem improcedido em ambas as instâncias não coloca em crise as garantias constitucionais conferidas pelos apontados preceitos legais.
O facto de improceder judicialmente a pretensão de uma das partes não constitui só por si ofensa daqueles preceitos constitucionais.
Na situação em apreço, o Tribunal recorrido, em decisão sufragada por este Tribunal da Relação de Lisboa, aplicou o Direito ao caso, com o que assegurou nele a tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente garantida.
Quanto ao direito ao bom nome, a mesma escapa ao objeto da execução e, pois, dos respetivos embargos, inexistindo de todo o modo matéria de facto provada nessa sede que reclame a aplicação de normativo quanto àquele direito.
Os Recorrentes não estão inibidos de interporem nova ação em defesa do seu bom nome, assim se salvaguardando o apontado normativo constitucional quanto ao direito ao bom nome e reputação.       
Improcede, assim, o recurso.
*

Quanto às custas do recurso.

Segundo o disposto nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPCivil e 1.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o recurso é considerado um «processo autónomo» para efeito de custas processuais, sendo que a decisão que julgue o recurso «condena em custas a parte que a elas houver dado causa», entendendo-se «que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção que o for».

Ora, in casu improcede a pretensão dos Recorrentes.

Na relação jurídico-processual recursiva os Recorrentes configuram-se como parte vencida, pois a improcedência do recurso é-lhes desfavorável.
Nestes termos, as custas do recurso devem ser suportadas pelos Recorrentes.

V.DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso, mantendo-se, pois, a sentença recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelos Recorrentes.



Lisboa, 9 de maio de 2024



Paulo Fernandes da Silva - (relator)
Higina Castelo - (1.ª Adjunta)
João Vaz Gomes - (2.º Adjunto)