DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DESPESAS REALIZADAS EM BENEFÍCIO DE OUTREM
Sumário

I - Se a lei exige documento autêntico para a prova de um facto, já não vale um documento autenticado, pois este tem apenas o mesmo valor probatório (cfr. art. 377.º), nem vale igualmente a prova por confissão.
II - Exigindo-se documento autêntico – a certidão judicial das pertinentes peças processuais de outra acção -, não bastam cópias parciais de elementos dos autos para que, com a segurança que se impõe, possam estabelecer-se os factos, do mundo judicial/processual, de que depende decisão sobre excepção alegada.
III - Ora, a junção de documento imprescindível à demonstração de facto que o favoreça integra, naturalmente, o ónus probatório do interessado.
IV - Não o cumprindo, a consequência vem a ser a da falta de prova dos factos respectivos.
V - Integra uma situação típica de enriquecimento sem causa a hipótese de realização de despesas em favor ou benefício de outrem, com o contraponto da poupança de despesas pelo beneficiado.
VI - Implicando a habitação no mesmo edifício, mediante acordo ou convenção pelas partes de residirem ambos na mesma casa, evidenciando-se o assentimento quanto a coexistirem no mesmo edifício, exercendo cada um deles o direito de nele habitarem, despesas com água, luz e gás, são ambos responsáveis pelas despesas respectivas, com o que não se antolhe qualquer causa para que a Ré/Reconvinte beneficie do pagamento da totalidade destas pelo Autor, após a partilha e o fim do património conjugal. É que em causa despesas relacionadas à fruição ou habitação do mesmo edifício, da responsabilidade, assim, da Ré, por via agora da convenção de residência na mesma casa/edifício/prédio.

(Da responsabilidade do Relatora)

Texto Integral

Processo nº 986/18.9T8AVR. P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Aveiro - Juiz 1



Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1º Adjunto: João Venade
2º Adjunto: Aristides Rodrigues de Almeida


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Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

AA propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, concluindo pedindo a condenação da Ré a satisfazer-lhe a quantia global de 32.803,62€ e juros, contados à taxa legal a partir da data da citação.

Aduz para fundamentar a respectiva pretensão que foram casados entre si, tendo acordado residir ambos na mesma moradia e, como tal, no pagamento, na proporção de metade para cada um, das despesas relacionadas com a utilização dessa moradia. Mais alega que tem sido o autor a suportar, por inteiro, as despesas de água, eletricidade e gás, tem direito a haver da ré metade do respetivo somatório, ou seja, a quantia de 19.563,22€. Alega, também, que emprestou à ré a importância de 13.240,00€, da qual pretende a restituição.

A Ré contestou, impugnando os factos aduzidos e deduziu reconvenção, tendo em vista fazer operar a compensação de créditos, invocou um crédito que tem sobre o autor, no montante de 35.350,43€, para ser tido em consideração na dívida que reconhece ter perante aquele, no valor de 10.636,09€, tendo, por isso e ainda assim, a receber do autor a quantia de 24.714,34€.

Na réplica, o autor negou a dívida exercida por via reconvencional.

A ré deduziu articulado superveniente, concluindo pela redução do pedido reconvencional para a importância de 23.490,34€, com fundamento na circunstância de dever ao autor o montante de 1.224,00€, a título de custas de parte no âmbito de outro processo cível, i.é., reconduzindo-se bem assim ao instituto da compensação, a cuja operância o Réu se opôs.

Foi proferido despacho saneador, que admitiu a reconvenção, não admitiu o articulado superveniente, fixou o valor da ação, identificou o objeto do litígio, enunciou os temas da prova e admitiu os meios probatórios.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a qual decidiu, na procedência (parcial) da ação e da reconvenção e operando a compensação dos créditos entre o autor e a ré: reconhecer que a ré BB deve ao autor AA a quantia global de 11.497,37€ (onze mil, quatrocentos e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora civis, contados desde a data da citação; reconhecer que o autor AA deve à ré BB as quantias de 50.000,00€ (cinquenta mil euros) e de 24.939,90€ (vinte e quatro mil, novecentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos), sendo esta última acrescida de juros desde 31 de dezembro de 2007; c) consequentemente condenando o Autor recorrido a satisfazer à reconvinte Ré o montante que resultar da dedução ao crédito desta do crédito daquele; absolvendo as partes do demais peticionado.

É desta decisão que vem interposto recurso, pelo Autor-reconvindo, que conclui nos seguintes termos:

I – Ao conhecer de crédito da reconvinte do valor de 50,000,00€ e ao condenar o a reconvinte no pagamento do saldo resultante da sua compensação, indo assim conhecendo da causa de pedir e decidindo além do pedido deduzidos na reconvenção, em contrariedade com o objecto da reconvenção, a douta sentença violou o princípio da instância imposto pelo artº 260º e incorreu nos vícios a que alude as alíneas d) e e) do Artº 615º, todos do C.P.C., pelo que a douta sentença recorrida deve ser julgada nula:

II - Por efeito do douto despacho proferido 14/7/2020, sob a referência 112065615, que imediatamente se seguiu ao saneador, do qual não houve reclamação, as partes e o Tribunal ficaram processualmente vinculados aos temas da prova, e bem assim à concreta matéria de facto alegada susceptível de integrar esses temas.

III – Ora, o Tribunal não julgou a matéria de facto alegada em 11., 15, 17., 18. e 19. da réplica, claramente integrante desses temas da prova, com interesse para a boa decisão da causa, porque, se não essenciais, no mínimo são factos instrumentais, relevantes para a demonstração de outros facto, que devem ser acolhidos e considerados para a decisão pelo Tribunal, nos termos do artº 5º, nºs. 1 e 2, al. a) e b) do C.P.C.devendo o seu conhecimento, na lógica da elaboração da sentença, designadamente do nº 3 do artº 607º, anteceder, e condicionar, a escolha, interpretação e aplicação das regras de direito substantivo;

IV – Assim, o Tribunal omitiu pronúncia acerca de factos de que deveria tomar conhecimento, sendo por conseguinte nula a douta sentença recorrida, conforme o disposto no artº 615º, nº 1, d), do C.P.C.

V – Os elementos de prova existentes nos autos permitem que a os ditos factos (alegados em 11., 15, 17., 18. e 19. da réplica) sobre os quais o Tribunal se não pronunciou, devam ser julgados provados (aliás, o Tribunal recorrido, sem algo sobre eles ter decido, tece na fundamentação considerações atinentes a que os mesmos se verificam);

VI-Ouvidos s depoimentos das testemunhas CC, gravado na sessão de 15/4/2023, entre as 15 horas e 4 minutos e as 15 horas e 13 minutos; o de DD, prestado mesma na sessão de julgamento do dia 19/4/2023, gravado entre as 14 horas e 48 muitos e as 15 horas e 2 minutos ; e também o de EE, prestado na sessão de julgamento de 4/11/22, entre as 14 horas e 27 minutos e s 14 horas e 37 minutos, conjugados com as facturas emitidas pelas sociedades a que estão ligadas, constantes da certidão judicial apresentada em 10/10/2022, sob a referência 112065615, o tipo, a quantidade, as dimensões e os preços dos materiais que delas constam, bem como as datas dos fornecimentos são elementos suficientes e adequados a gerar a convicção de que tais factos devem ser julgados provados;

VII- Sendo caso de que a decisão pretendida sobre os factos (alegados 1em 1., 15, 17., 18. e 19. da réplica) não dever dever ser tomada pelo Venerando Tribunal de recurso por se não aplicar o disposto no nº 1 do artº 662º, estar-se-á então perante situação de deficiente decisão sobre matéria de facto relevante, cuja consequência deve ser a anulação da sentença, conforme o disposto na alínea c) do nº 2 do mesmo Artº 662º do C.P.C.

VIII - O Tribunal julgou provado, e bem, como facto nº 12, que “ em 12 de julho de 2007, por documento particular reconhecido notarialmente, o autor declarou dever à ré a quantia de 74.819,69€, a pagar da seguinte forma: a) 49.879,79€, através de cheque bancário; b) duas prestações, cada uma no valor de 12.469,95€, vencendo-se a primeira em 31 de dezembro de 2007 e a segunda em 28 de março de 2008.” sem ter igualmente julgado provado que a prestação referida em a) foi paga pelo autor, porque isso resulta de confissão expressa nos artºs. 41º e 42º da contestação/reconvenção, devendo por conseguinte a douta decisão ser alterada nesse sentido, nos termos do artº 662º, nº 1, do C.P.C.

IX – Os meios de prova descritos nas diferentes alíneas dos pontos 26., 27. e 28. das presentes alegações, em que se inclui a prova gravada lá citada, impõem, por si, nos termos do nº 1 do Artº 662º do C.P.C., a alteração dos factos julgados não provados das alíneas g), i), j) e k), no sentido de passarem a ser julgados provados.

X – Pelos motivos constantes das alíneas do ponto nº 29., deve a decisão de facto relativa ao facto provado nº 3º, ser alterada por forma a a que o seu primeiro segmento seja substituído pela expressão “após a partilha, realizada em 2/12/2011...”

XI –Constando o alegado crédito da ré do plano especial de recuperação do autor, referido em 15.º,aprovado e homologado, o qual, além do mais, previa que os demais credores, a que pertencia a ré, reduziam a dívida de capital em 3 %, prescindem dos juros vencidos e vincendos, sendo pagos em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas, com vencimento no dia 15 de cada mês, e início seis meses após o trânsito em julgado da decisão judicial que aprove o presente plano e não tendo o autor cumprido esse plano, deveria ter sido interpelado, conforme o disposto do nº 1 do Artº 218º C.I.R.E (DL. nº 53/2004, de 18 de Março) para, dentro de 15 dias, cumprir o determinado no plano. Como essa interpelação não foi efectuada, deve o autor reconvindo, na procedência de tal excepção, de conhecimento oficioso, ser absolvido da instância.

Deve ser julgado procedente o presente recurso, revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue a acção provada e procedente e condene a ré no pedido e a reconvenção julgada improcedente e o autor absolvido do pedido.

Contra-alegou a Ré, pronunciando-se pela improcedência total do recurso, nos termos e com os fundamentos que melhor resultam do articulado de resposta constante dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são de facto e de direito as questões a tratar. Assim:
A) Da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, violação do princípio do pedido;
B) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a factos oportunamente alegados e interessando à decisão, mediante agora a ampliação da matéria de facto provada ou, não sendo possível, a anulação da sentença;
C) Do erro de julgamento da matéria de facto havida por não provada sob g), i), j) e k), a qual deve ter-se por demonstrada;
D) Da falta de verificação da interpelação para pagar crédito abrangido por PER incumprido e respectiva consequência;
E) Da procedência da pretensão do Autor desconsiderada, por via do instituto do enriquecimento sem causa.

III.


A) Quanto à nulidade da decisão

Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.

As alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º preveem causas de nulidade da decisão por falta ou excesso de pronúncia. Trata-se de uma clara manifestação do princípio dispositivo quanto ao thema decidendum: a decisão deve ter por objeto o mesmo objeto que as partes deduziram – nem mais, nem menos, nem outro[1].

Estas nulidades respeitam ao teor do ato decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objeto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento. Veja-se esta contraposição no Acórdão da Relação de Guimarães de 4-10-2018, no Proc. 1716/17.8T8VNF.G1 (EUGÉNIA CUNHA).

O excesso de pronúncia decorre de duas situações: a primeira afere o excesso de pronúncia por relação com o objeto processual colocado pelas partes; a segunda afere, especificamente, o excesso de pronúncia por relação com os pedidos das partes. Em termos breves, “a causa do julgado não se identifica com a causa de pedir ou o julgado não coincide com o pedido” ( Acórdão do TCAS 11-1-2018, no Proc 338/17.8BESNT (JOAQUIM CONDESSO)).

Há excesso de pronúncia quando o tribunal aprecie um pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. 

Há que apelar ao regime jurídico do próprio objeto do pedido e aos critérios gerais de interpretação da sentença, nos termos e para os efeitos do artigo 295º do CC, posto que constituindo-se como um acto jurídico não negocial, ao qual são aplicáveis as regras gerais da interpretação do negócio jurídico.

A lei admite também a rectificação de erros materiais da decisão judicial no artigo 614.º do CPC. O erro material é uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real do juiz[2]: “o juiz escreveu coisa diversa daquela que queria escrever” (RC 10-3-2015 /Proc. 490/11.6TBOHP-D.C2 (CATARINA GONÇALVES)).

Sempre, dada a dificuldade em apurar a “boa” ou “não errada” vontade real do juiz, a lei apenas releva o erro material que seja manifesto[3]. É manifesto o erro material que se revele no contexto do teor ou estrutura da decisão, à semelhança dos “erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada” pela parte, do artigo 146.º, n.º 1[4]. Por isso, “[n]ão pode ser qualificada como rectificação uma alteração da parte decisória do acórdão cuja incorrecção material se não detectava da leitura do respectivo texto” ( Neste sentido o Acórdão do STJ 26-11-2015, no Proc. 706/05.6TBOER.L1.S1 (MARIA DOS PRAZERES BELEZA)). O seu objeto não é, pois, o conteúdo do ato decisório, mas a sua própria expressão material – o corpus por que se exterioriza a vontade do juiz –, podendo distinguir-se entre (i) erro de escrita[5], (ii) erro de cálculo e (iii) “quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto”, em termos em tudo idênticos aos do artigo 249.º do Código Civil.

Sobre os critérios de interpretação da vontade do juiz, Paula Costa e Silva, Acto e Processo, 2003, pp. 75-76, 375 ss.

Tal vício formal não se corrige pela revogação da decisão, mas por mero ato de retificação, i.e., de substituição da parte viciada por outra escrita ou cálculo que correspondam à vontade decisória.

LEBRE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado II, 3ª ed., 2017, p. 732, mais ressalvam o poder de a Relação interpretar a decisão “defeituosa”. Devemos, porém, notar que uma coisa é a Relação interpretar, outra é a Relação modificar, de facto, a decisão: o que está vedado pelo artigo 614.º, n.º 2 do CPC.

Ora, quando se considere a sentença recorrida, não se evidencia a possibilidade de interpretação/correcção desta a que se reconduz a recorrida/apelada/reconvinte, precisamente na medida em que não apenas os termos/texto do segmento decisório, como, decisivamente, a fundamentação, são inconclusivos no sentido de a M.ma Juiz ter dito mais que o que pretendia…

Assim é que, como resulta, na sentença e de forma não escamoteável no segmento decisório/condenatório desta, vai reconhecido um crédito quanto ao qual a Reconvinte não manifestou a pretensão de compensação quanto ao crédito do autor, determinando-se outrossim, sem possibilidade de distinção a partir da expressão escrita do segmento final, como da fundamentação, a condenação num valor que, por não liquidado/calculado, não permite também se faça “luz” sobre a convocada “vontade real”…

Evidencia-se, assim, a nulidade da sentença, por violação (excesso) do pedido (reconvencional).

De todo o modo, nos termos e para os efeitos do art. 665º, n.º 1 do CPC, é possível conhecer do objecto da apelação.

Na verdade, no que interessa agora à nulidade que vem de reconhecer-se, cabe tão só “reduzir” o segmento decisório da decisão recorrida ao âmbito definido pelo aludido princípio do pedido, reconhecendo à Ré/reconvinte um crédito sobre o Autor/reconvindo no montante de 24.714,34 EUR, consequentemente condenando o Autor recorrido a satisfazer à reconvinte Ré o montante que resultar da dedução ao crédito desta do crédito daquele, como acolhido na decisão recorrida; tudo sem prejuízo do mais que vier a decorrer do conhecimento do restante objecto do recurso.

Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”[6]

De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.

Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objeto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das exceções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, exceções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos.

Já quanto às questões de facto em cuja decisão assenta a resolução daquelas, o “juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor” ( Assim, TCAS 15-5-2014/Proc. 07508/14 (JOAQUIM CONDESSO)) ou as exceções do réu[7].

Por isso não há omissão de pronúncia quanto a factos que não integram a causa de pedir tal como configurada pelo autor[8] ou a causa de excepcionar tal como convocada pelo Réu. Deste modo, a legalidade, suficiência e correção da seleção dos factos – e, bem assim, a interpretação dos factos[9] – apenas pode ser sindicada em recurso, sem prejuízo do disposto no artigo 616.º, n.º 2, al. b).

É firme ou constante a jurisprudência nos termos da qual não há omissão de pronúncia, mas erro de julgamento da matéria de facto, quando: (i) “o juiz deixa de dar como provado ou como não provado determinado facto que o recorrente considera importante para a decisão da causa” (RG 24-11-2014/Proc. 29/13.9TBPCR.G1 (FILIPE CAROÇO), (ii) “nos fundamentos da sentença ou acórdão o tribunal não atende a um facto que se encontre provado ou se considera facto que não devesse ser atendido em face dos requisitos do artigo 5.º, n.ºs 1 e 2” (STJ 23-3-2017/Proc. 7095/10.7TBMTS.P1.S1 (TOMÉ GOMES))
Não se verifica, assim, a nulidade da sentença com o fundamento da omissão de pronúncia quanto a factos oportunamente alegados, sem prejuízo do conhecimento da pertinência destes factos e da sua eventual omissão em sede de aferição do também convocado erro de julgamento.

C) Do erro de julgamento da matéria de facto

O recurso pode ter como objeto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).

O mesmo art. 640º, n 1 do C.P.C.  dispõe que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Mais se estabelece que quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (art. 640º, nº 2, al. a) citado).

Nas conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo A. vem perfeitamente caraterizada a indicação dos concretos pontos de facto cuja decisão o tribunal ad quem deve reapreciar, como bem assim a indicação do sentido da decisão a proferir sobre eles e ademais invocados os meios de prova que determinam aquisição probatória distinta. 

Por isso, nas conclusões das alegações de recurso o recorrente cumpriu cabalmente os requisitos obrigatórios que condicionam a possibilidade de apreciação da matéria de facto, da qual, assim, pois, se conhecerá, sem prejuízo da parcial inutilidade do mesmo conhecimento, nos termos infra.

Feitas estas considerações gerais, são os seguintes os factos provados:

1.º O autor e a ré foram casados um com o outro, dissolveram o seu casamento por divórcio e fizeram partilha dos bens comuns, por acordo no processo de inventário n.º 273/09.3T6AVR-C, o qual foi homologado por sentença.

2.º O autor e a ré acordaram que ambos ficariam a residir na moradia sita na Rua ....

3.º Em data não concretamente apurada de 2017, o autor e a ré acordaram que as despesas relacionadas com a utilização dessa moradia, designadamente com a eletricidade, a água e o gás, seriam pagas por ambos, na proporção de metade.

4.º Entre junho de 2012 e 28 de janeiro de 2018, o autor despendeu a quantia de 9.293,70€ [no ano de 2018, despendeu 151,12€], em consumo de água.

5.º Entre janeiro de 2012 e novembro de 2017, o autor despendeu a quantia de 19.534,16€, em consumo de eletricidade.

6.º Entre dezembro de 2011 e março de 2018, o autor despendeu a quantia de 9.298,58€ [no ano de 2018, despendeu 210,10€], em consumo de gás.

7.º A pedido da ré, o autor emprestou-lhe, em numerário, a quantia de 6.200,00€.

8.º Também a pedido da ré, o autor emitiu a seu favor cheques no valor global de 3.000,00€.

9.º Ainda a pedido da ré e a título de empréstimo, o autor pagou pela ré ao Serviço de Finanças ... a quantia global de 1.426,15€.

10.º Mais uma vez a pedido da ré e também como empréstimo, no dia 21 de janeiro de 2015, o autor pagou uma taxa de justiça do valor de 510,00€, para processo em que a ré era parte.

11.º No âmbito do processo de inventário referido em 1.º, o autor ficou obrigado a dar tornas à ré, no valor de 50.000,00€, importância que não foi paga e deu origem ao processo de execução n.º 675/12.8T2OVR do Juízo de Execução de Ovar.

12.º Em 12 de julho de 2007, por documento particular reconhecido notarialmente, o autor declarou dever à ré a quantia de 74.819,69€, a pagar da seguinte forma:

a) 49.879,79€, através de cheque bancário;

b) duas prestações, cada uma no valor de 12.469,95€, vencendo-se a primeira em 31 de dezembro de 2007 e a segunda em 28 de março de 2008.

13.º Mais aceitou que a falta de pagamento de uma prestação implicava o vencimento das restantes.

14.º A ré instaurou ação executiva no Juízo de Execução de Ovar, que aí correu termos sob o n.º 482/08.2TBAVR, para obter o pagamento por parte do autor das duas prestações referidas em 12.º, no valor de 24.939,90€, com juros desde 31 de dezembro de 2007.

15.º Correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro, sob o n.º 2255/13.1T2AVR, processo especial de revitalização (PER) em que o autor figurava como devedor, tendo sido proferido despacho de homologação do acordo de revitalização.

16.º A ré requereu a renovação da instância do processo executivo referido em 14.º, o que foi indeferido.

Foram havidos como não provados os seguintes factos:

a) O acordo referido em 3.º foi firmado em 2011.

b) Para além do valor referido em 8.º, o autor emitiu a favor da ré, em 28 de agosto de 2014, um cheque no valor 1.200,00€.

c) No dia 17 de junho de 2014, a pedido da ré e sob empréstimo, o autor pagou a reparação do seu veículo automóvel, o que importou em 400,00€.

d) No dia 7 de julho de 2014, o autor, a pedido da ré e a título de empréstimo, pagou por ela a quantia de 356,70€, pela reposição do vidro da porta de uma loja a ela pertencente.

e) Para além da importância referida em 9.º, o autor pagou, em 28 de agosto de 2014, a quantia de 147,55€.

f) A partir de janeiro de 2018, a ré pagou metade das despesas em eletricidade, gás e água.

g) No âmbito do PER referido em 15.º, foi aprovado plano de recuperação que, além do mais, previa que «os demais credores reduzem a dívida de capital em 30%, prescindem dos juros vencidos e vincendos, sendo pagos em 10 prestações mensais, iguais e sucessivas, com vencimento no dia 15 de cada mês, e início seis meses após o trânsito em julgado da decisão judicial que aprove o presente plano».

h) A ré requereu a renovação da instância do processo executivo referido em 11.º, o que foi indeferido.

i) O autor e a ré acordaram que o custo das obras realizadas na fachada do prédio sito na Rua ..., ..., ... - que à data ainda integrava o património indiviso do ex-casal -, as quais importaram no valor de 60.501,17€, seria integralmente assumido pelo autor.

j) Em contrapartida, a ré abateria no seu crédito metade da importância referida em i) e, como tal, considerava-se integralmente paga da dívida do autor aludida em 12.º.

k) O acerto de contas entre o autor e a ré relativamente ao crédito desta referido em 11.º ficaria para quando o valor das obras no interior do prédio descrito em i) fosse quantificado.


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Como é sabido, o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, assenta em três regras: a pronúncia cinge-se à matéria de facto impugnada pelo Recorrente; quanto a essa impõe-se um novo julgamento;  no qual a convicção do tribunal de recurso é formada de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Sempre, nos termos do nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Ora, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos objecto do julgamento somente mediante o juízo que objectivamente funda no mérito concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo, sendo apenas necessário e imprescindível que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes por forma a, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, seja possível controlar a razoabilidade da decisão sobre o julgamento de um facto como provado ou não provado.

Nos termos do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação deve, oficiosamente, além do mais, anular a decisão recorrida, quando não constarem do processo todos os elementos que nos termos do nº 1 do mesmo preceito permitam a alteração da decisão da matéria de facto, quando considere indispensável a ampliação da decisão da matéria de facto.

Deste modo, incidindo legalmente a ampliação da decisão da decisão da matéria de facto sobre matéria indispensável, há que concluir que o mesmo não se justifica quando esteja em causa matéria instrumental, apenas respeitando a matéria essencial para a prova dos factos constitutivos do direito do autor ou de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor ou reconvinte, já que, só nesta eventualidade, se poderá afirmar tratar-se de factualidade indispensável.

Certo que a restrição do instituto da ampliação da decisão da matéria de facto à aludida matéria essencial não significa que toda e qualquer matéria instrumental seja desprovida de relevo em sede de reapreciação da decisão da matéria de facto ou de ampliação da decisão da matéria de facto, mas apenas que a referida matéria, a comprovar-se, servirá a demonstração ou infirmação de relevante factualidade essencial para a prova dos factos constitutivos do direito do autor ou de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Como matéria ou facto instrumental, contudo, é de boa técnica a sua consideração apenas e só em sede de motivação ou fundamentação da decisão de facto, enquanto substrato do juízo probatório quanto ao facto principal a demonstrar ou infirmar.

Assim, quanto às convocadas “omissões” pelo Recorrente, parcialmente sem razão.

Inútil ou inócua a consideração probatória da aquisição do pagamento da quantia sob a al. a) do facto sob 12, porquanto é a Reconvinte mesma quem “resolve” a questão mediante o pedido deduzido, em termos de não se alcançar qualquer utilidade ao facto cuja adição vem suscitada.

Instrumentais, como indiciários do acordo que se constituía como facto extintivo do crédito da Reconvinte sobre o Reconvindo e por isso que dos factos havidos por indemonstrados sob i) a k) aqueles sob 17 a 19 da Réplica. Com o que, pelas razões supra anotadas, não se impõe a sua consideração autónoma e a necessidade de ampliação, sem prejuízo do eventual relevo da sua indiciação probatória para efeitos da avaliação a fazer acerca do arguido erro de julgamento quanto aos factos sob i) a k).

Quanto agora à questão da ampliação pretendida quanto aos factos sob 11 da Réplica, a saber, a da qualidade da Reconvinte, de credora “abrangida” por um PER, o qual correu termos no Juízo de Comércio de Aveiro, sob o n.º 2255/13.1T2AVR, em que o autor figurava como devedor, tendo sido proferido despacho de homologação do acordo de revitalização…

O problema conexiona-se também com o convocado erro na decisão da matéria de facto sob g), porquanto pretende o recorrente seja havido aquele facto como provado.

Ora, é líquido que é invocada uma acção judicial, assim o PER, a qual teria corrido termos no Juízo de Comércio de Aveiro, sob o n.º 2255/13.1T2AVR.

É-o pelo Reconvindo, na medida da caracterização de uma excepção à invocação pela Ré/reconvinte da compensação com um crédito seu, por via da inexigibilidade do crédito oposto, na medida da falta de cumprimento pela Reconvinte da condição exigida pelo artigo 218º, n.º 1, al. a) e 2 do CIRE.

Desde logo, no CIRE não existe um regime para o incumprimento do PER, sendo a lei omissa neste sentido. Crf.  Bertha Esteves, Da aplicação das normas relativas ao plano de insolvência ao plano de recuperação conducente à Revitalização, in II Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, Coimbra, 2012; Maria do Rosário Epifânio, O processo especial de revitalização, Almedina, 2016, pág. 97.

Não sendo pacífica a aplicação do 218.º a este regime, algumas decisões, como por exemplo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/11/2012 (Proc. n.º 1457/12.2TJPRT-A.P1 (José Amaral),  sustentam que as moratórias e perdões concedidos pelos credores se mantêm.

Ainda quando o PER definitivamente abarque todos os credores do apresentante, mesmo aqueles que não tenham participado nas negociações (art.º 17º-F, n.º6 e 126.º, n.º3) do CIRE (assim, por todos, Maria do Rosário, Manual de Direito da Insolvência, cit, pág.335), sempre o convocado artigo 218º, de aplicação ao plano da insolvência, no seu número 2, preceitua que a  mora do devedor apenas tem os efeitos previstos na al. a) do nº 1 (a exigir a interpelação) se disser respeito a créditos reconhecidos pela sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado.

Donde a argumentação do recorrente quanto ao interesse ou relevância dos factos sob 11 da Réplica.

Como se vê da última parte da al. a) do n.º 1 do art. 218º do CIRE, o desencadeamento das consequências (a ineficácia da redução e perdão implicados pelo plano)  que a lei liga à falta de pagamento pontual do que é devido está imperativamente condicionado à prévia interpelação pelo credor para o devedor cumprir, o que terá de suceder após verificada a falha relativamente ao prazo inicialmente previstos. Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 796. Com efeito, estamos perante formalidade necessária para o desencadeamento das consequências que a lei liga à falta de pagamento pontual do que é devido. Isto é, a efectiva exigibilidade do pagamento por banda dos credores (das prestações devidas, conforme acordado no plano) está imperativamente condicionado à prévia interpelação pelo credor para o devedor cumprir, interpelação essa, portanto, que não pode deixar de ter lugar após verificada a falha relativamente ao prazo inicialmente previsto.

Cabe ainda ao credor que invoque o incumprimento, e nos termos do n.º 1, do art. 342.º, do CC, a prova de ter feito a imperativa interpelação admonitória. CFR., Ac. da RE, de 11.04.2019, Processo n.º 425/18.5T8BJA-A.E1, na base de dados da dgsi.

De todo o modo, a existência mesma e o teor ou termos de PER, enquanto facto modificativo do contra-crédito oposto em sede reconvencional pela Ré (quanto ao montante e quanto à exigibilidade), nos termos gerais da distribuição do ónus da prova, incumbem ao Reconvindo, enquanto parte a quem aproveitam os factos probandos.

Porém, estando em causa factos atinentes ao conteúdo de processo judicial especial, não se mostram junta a certidão judicial correspondente, sem a qual, adiante-se, inviável ter por provados ou demonstrados os factos pertinentes de suporte, para o que seria imprescindível a correspondente certidão judicial com nota de trânsito em julgado.

Reitera-se, tal certidão não foi junta – que se veja – pela parte a quem interessam, do ponto de vista defensional, os factos respectivos.

É, de resto, à falta de junção de tal certidão que se reconduz a M.ma Juiz a quo para justificar a falta de prova do facto agora apreciando.

É certo que as partes, no plano alegatório, parecem, no essencial, concordar relativamente à pendência de PER e à aprovação ali de um plano, entretanto incumprido. Foi o que justificou, de acordo com a decisão mesma, a aquisição probatória do facto sob 15º.

O preceito do art.º 574.º, n.º 2, do CPC, quanto ao ónus de impugnação, exclui da admissão por acordo por via de não impugnação (confissão ficta) os factos que só puderem ser provados por documento, visto prevalecerem aqui «interesses de ordem pública»[10].

Assim, quando se tratar de factos que «careçam de prova documental qualificada», «esse documento não é dispensável, pelo que o silêncio da parte, tal como a declaração expressa de confissão, não pode sobrepor-se-lhe»[11].

E o art.º 364.º, n.º 1, do CCiv. – quanto à exigência legal de documento escrito –, estabelece que, se a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

Já o n.º 2 do mesmo artigo preceitua que, se resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.

O acordo ou admissão parcial de realidade processual pelas partes em sede de articulados não pode substituir, para o efeito de aquisição dos factos em que assenta a circunstância modificativa excepcionada pelo Reconvindo quanto ao crédito da Ré cuja compensação lhe é oposta, a certidão judicial em falta.

Nem o pode também a mera cópia (parcial) de actos ou termos daquele processo. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[12], «se a lei exige documento autêntico, já não vale um documento autenticado, pois este tem apenas o mesmo valor probatório (cfr. art. 377.º), nem vale igualmente a prova por confissão»[13].

Parece-nos, salvo o devido respeito, fora de dúvida que no caso se exige documento autêntico – a certidão judicial das pertinentes peças processuais daqueloutra ação, incluindo o plano, a decisão de homologação e a sentença de verificação de créditos, com nota de trânsito em julgado[14]– para que, com a segurança que se impõe, possam estabelecer-se os factos, do mundo judicial/processual, de que depende a decisão sobre a excepção alegada…

Ora, a junção de documento imprescindível à demonstração de facto que o favoreça integra, naturalmente, o ónus probatório do interessado.

Não o cumprindo, a consequência vem a ser a da falta de prova dos factos respectivos.

Com o que, ao invés de se justificar a demonstração, pretendida, dos factos sob g) dos não provados, o que se impõe é a relegação do facto sob 15º dos assentes para o domínio dos não provados, bem assim.

É que, finalmente, não é caso de considerar a insuficiência dos meios de prova para a decisão, nos termos e para os efeitos do art. 662º n.º 2, al c) do CPC, nem também de vislumbrar uma omissão relevante dos poderes deveres de iniciativa oficiosa pelo juiz quanto à junção de documentos, nos termos e para os efeitos do art. 436º do mesmo Código.

Com efeito, em causa a mera falta de junção pela parte a quem cabe o ónus probatório respectivo de documento imprescindível e insubstituível à comprovação de factos nos quais se estriba a defesa.

Nessa medida, improcedente a arguição do erro de juízo quanto ao facto não provado sob g), inviável a prova daqueles sob 11 da Réplica, e, outrossim, por via da falta de aquisição probatória dos factos interessando à questão jurídica subjacente, afastada a necessidade de afrontar a questão sob D) das elencadas supra.

Cabe tão só, como adiantado, determinar oficiosamente (por violação das regras legais que exigem a prova por certidão) da eliminação do facto sob 15 do elenco dos demonstrados.

Finalmente, reconduzidos já aos limites acima explicitados da análise suscitada pelo recorrente, temos para nós que, com relação aos segmentos postos em causa (factos não provados sob i) a k)), inviável a pretendida alteração/modificação.

Desde logo, improcedente a argumentação quanto à desconsideração do facto sob 15º da Réplica, o qual, ainda que sujeito a redacção diversa se mostra considerado precisamente nos factos não provados, cujo erro na apreciação probatória vem arguido…

Na verdade, e é o que justifica bem assim a improcedência da argumentação pelo Recorrente quanto à prova dos factos considerandos, irreleva quem decidiu levar a cabo ou quem suportou os custos das obras em causa [sempre se diga que assiste razão em toda a linha à M.ma Juiz quanto à insuficiência/inconcludência probatória de tê-lo sido o Autor mesmo, que não a sociedade Unipessoal que explorava, sabido serem entidades juridicamente distintas].

A argumentação no recurso vem a sê-lo quase unicamente no que se reporta a este segmento do facto complexo a que se reconduz a defesa, o que sempre se revela inútil. Sempre os documentos a que se reconduz o recorrente não têm a virtualidade de demonstrar que o dispêndio o foi por ele.

Ora, o cerne do facto defensivo, a saber, o acordo entre Autor e Ré no sentido da extinção do crédito da última por aquele modo não colhe qualquer suporte probatório directo ou indiciário em nenhum dos meios de prova a que se reporta o recorrente.

Quanto a este, pois, apenas e só os termos das declarações de parte pelo próprio Autor (ou corroborações imprestáveis de “ouvir dizer” a este). Frontalmente contrariadas pela (o)posição da Ré, prova absolutamente ausente da realidade daquele acordo ou convenção extintiva. De resto, prova indiciária da inexistência daquele, por via do comportamento processual do próprio Autor, em sede da execução inicialmente instaurada para cobrança do crédito ora oposto…, como do PER, posto que não convocando naquelas sedes, como seria natural, o acordo que nestes autos invoca.

Tudo para dizer da falta de corroboração probatória dos factos tidos por não provados, que não se basta, obviamente, com as meras declarações do Autor/reconvindo, quando desacompanhadas de qualquer elemento de credibilização, mesmo que indirecta, como sucede.

Quanto agora à pretendida alteração da decisão de facto relativa ao facto provado nº 3º, por forma a que o seu primeiro segmento seja substituído pela expressão “após a partilha, realizada em 2/12/2011...”

Ora, mais uma vez, não assiste razão ao recorrente.

Com efeito, a argumentação sob o ponto 29. das respectivas alegações de recurso, na parte utilizável, já que a demais se reconduz a argumentação meramente jurídica, prende-se com a conformidade do acordo que convocava como causa de pedir a juízos de normalidade e regras de experiência… Na verdade, compreensivelmente, estando em causa o teor de acordos ou convenções de natureza privada ou do foro íntimo, a prova dos mesmos, fora das situações de confissão, é função, as mais das vezes, de factores de corroboração emergentes de juízos assentes nas determinantes do normal devir ou acontecer…

Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 23-02-2023, proc. n.º 30/21.9T8PVZ.P1 (ARISTIDES RODRIGUES), in www.dgsi.pt: “[…] a circunstância de um facto ser verosímil ou possível não significa que o mesmo seja verdadeiro, mas o contrário também é correcto. A vida diz-nos que por vezes ocorrem factos que eram pouco verosímeis ou não ocorrem factos que além de possíveis eram perfeitamente verosímeis. No entanto, o normal é haver verosimilhança no processo causal gerador de um facto, pelo que a maior verosimilhança do facto torna-o mais provável e a menor verosimilhança menos provável. São as regras da experiência que o determinam. Daí que se possa afirmar a seguinte regra probatória não escrita: quanto mais inverosímil e improvável o facto é, à luz da inteligência que rege os comportamentos humanos e das leis das ciências exactas, normalmente reconduzidas às regras da experiência, mais ou melhor prova deve ser exigida.  

Quando os factos têm intervenção humana ou resultam de acções humanas é necessário atentar que as pessoas movem-se por interesses, motivações, objectivos, propósitos, emoções, impulsos. Estes são resultado do funcionamento do intelecto da pessoa enquanto animal dotado de razão, consciência, identidade pessoal. Nessa medida, perscrutar a realidade de um facto humano ou com intervenção humana é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz a essa actuação, que lhe dá origem e a orienta, e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de actuação de qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias. 

Por isso, um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, ou seja, a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que por definição possuem motivações apreensíveis(…).”

Na situação decidenda, não se evidencia sequer a probabilidade de uma tal convenção ou acordo o ter sido aquando da partilha, como pretende o recorrente. Muito menos uma probabilidade qualificada desta realidade. Assim quando se considere o muito pertinentemente observado na motivação da decisão recorrida “acordo quanto à administração e partilha dos bens do casal” junto aos autos com o requerimento de 19-11-2019 (referência 9470086) do qual consta que, aquando do divórcio entre as partes, o autor se obrigou «a pagar as despesas de água, eletricidade e gás da casa de morada de família», no confronto agora com a ausência de qualquer estipulação escrita de sentido inverso em sede de partilha mesma, o que seria “natural” perante a conflitualidade entre as partes. Não se esqueça bem assim que o filho do Autor e dele mais próximo, como resulta da prova, também reside na mesma habitação e que a Autora nunca desempenhou actividade profissional remunerada durante o tempo do matrimónio ou posteriormente…

Por isso que de reduzidíssimo peso indiciário os factos aduzidos sob 19 das alegações, no confronto com outros que têm de haver-se também por adquiridos e susceptíveis de tornar verosímil que o pagamento das despesas da casa onde todos habitavam após a partilha o continuasse a ser pelo A…

Correcto, pois, ainda nessa parte, o juízo probatório da sentença recorrida.
E) Da invocabilidade do instituto do enriquecimento sem causa

De todo o modo, na falta de prova de um acordo ou convenção expressos ou efectivos no sentido de uma repartição “a meias” das despesas da habitação convocada, passível de apreciação a atribuição ao Autor de um valor a título de despesas com gastos na habitação (entre a ocasião da partilha e a data que a sentença recorrida teve por atendível) por via do subsidiariamente convocado instituto do enriquecimento sem causa.

Com efeito,

Estabelece o artigo 473º, nº 1, do Código Civil, que "aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou", acrescentando o nº 2, que "a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que foi indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou".

O enriquecimento sem causa é, assim, uma fonte de obrigações que cria uma obrigação de restituir, em que figura como credor o sujeito à custa de quem o enriquecimento se verificou e como devedor o beneficiário desse direito (vd. Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pg. 178; Manuel de La Camara-Luis Diez-Picazo, Dos Estudios Sobre el Enriquecimiento Sin Causa, Civitas, 1988, pgs. 49 a 60).

É uniformemente entendido, que só há enriquecimento sem causa, quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa justificativa (Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 6ª edição, pg. 179 ; Vaz Serra, BMJ nº 81, pg. 56) .

O enriquecimento traduz-se na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, resultando da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido, e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento: o enriquecido "fica em melhor situação do que aquela que de outro modo apresentaria", correspondendo a essa vantagem "um prejuízo suportado pelo sujeito que requer a restituição" (Rui de Alarcão, ob. cit., pg. 185) .

Em suma, dir-se-á que o facto que enriquece uma pessoa tem de produzir o empobrecimento de outra.

Assim, é ponto assente que a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa exige a verificação cumulativa de alguns requisitos . A saber : existência de um enriquecimento à custa de outrem (1); existência de um empobrecimento (2) ; nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento (3) ; ausência de causa justificativa (4); inexistência de acção apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído (5)[15].

São, assim, elementos do instituto em análise o enriquecimento de um património e o correlativo empobrecimento de outro decorrentes do mesmo facto e a ausência de causa justificativa para a concernente deslocação patrimonial por eles envolvida.

A falta originária de causa justificativa da prestação que constitui o enriquecimento, pela sua natureza, assim como integrada no instituto do enriquecimento sem causa, assume no tipo legal do artigo 473.º a natureza de elemento constitutivo do direito, devendo os respectivos factos integradores ser, pois, qualificados como constitutivos do direito à restituição, mesmo em caso de dúvida (artigo 342.º, n.º 3), e cabendo, por consequência, na lide ao demandante o respectivo ónus probatório (n.º 1 desse artigo), cujo incumprimento se resolve em seu desfavor. Neste sentido se pronunciaram diversos autores, designadamente Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., p. 482/483, nota 1, que afirma, "ser a quem exige a restituição da quantia voluntariamente entregue a outrem que cabe o ónus da prova da falta de causa justificativa da atribuição patrimonial" e Almeida Costa, Direito das Obrigações, p. 458, nota 2: "de harmonia com o princípio geral do art. 342.º, cabe à pessoa que pede a restituição do indevido não só alegar, mas também provar a falta de causa da atribuição patrimonial".

Apesar de a configuração dogmática do enriquecimento sem causa suscitar certa controvérsia na doutrina – com a adopção da teoria unitária da deslocação patrimonial, da teoria da ilicitude e da doutrina da divisão do instituto[16], cremos que é de acolher, por ser a interpretação mais correcta ou conforme ao pretendido pelo Legislador, aquela que é defendida sumariamente por Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in ob. cit, pg. 27 e exaustivamente na dissertação de doutoramento (O enriquecimento sem causa no direito civil, Estudo Dogmático sobre a Viabilidade da Configuração Unitária do Instituto, face à contraposição entre as diferentes categorias de enriquecimento sem causa, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2005), ou seja, aquela que, desde logo considera que “a cláusula geral do art. 473.º, n.º1, … apresenta-se demasiado genérica, não permitindo o tratamento dogmático unitário do enriquecimento sem causa. Haverá, por isso, que estabelecer uma tipologia de categorias que permita efectuar, através da integração do caso numa dessas categorias, a referida subsunção.”… Por esse motivo, - diz o autor – “distinguimos no âmbito do enriquecimento sem causa as seguintes situações: i) o enriquecimento por prestação; ii) o enriquecimento por intervenção; iii) o enriquecimento por despesas realizadas em benefício de outrem e iv) o enriquecimento por desconsideração de um património intermédio.”

Para o que aqui importa, interessa, apenas, considerar o enriquecimento por despesas realizadas em favor ou benefício de outrem/poupança de despesas.

Verifica-se, nesta sede, uma situação de enriquecimento sem causa se ocorre a ausência de causa jurídica para a despesa. A ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido objectivo, como a estraneidade ou alieneidade da despesa à esfera do empobrecido…

No caso, a matéria de facto evidencia, a mais do acordo quanto à divisão (ou critério de divisão) a meias das despesas relacionadas com a utilização da moradia, designadamente as de eletricidade, a água e o gás, um outro e primeiro acordo, conforme facto sob 2º da matéria assente.

Esse primeiro acordo ou convenção foi o de residirem ambos na mesma casa, evidenciando-se o assentimento quanto a coexistirem no mesmo edifício, exercendo cada um deles o direito de nele habitarem.

Ora, implicando a habitação no mesmo edifício despesas com água, luz e gás, são ambos responsáveis pelas despesas respectivas, com o que não se antolhe qualquer causa para que a Ré/Reconvinte beneficie do pagamento da totalidade destas pelo Autor, após a partilha e o fim do património conjugal. É que em causa despesas relacionadas à fruição ou habitação do mesmo edifício, da responsabilidade, assim, da Ré, por via agora da convenção de residência na mesma casa/edifício/prédio.

Sempre da demonstração do acordo quanto ao critério de repartição das despesas não é possível retirar que anteriormente havia qualquer acordo no sentido de ser o réu a suportar essas despesas ou qualquer acordo no sentido de repartir as despesas de outra forma. Aliás, o autor também alega a despesa com a empregada doméstica e que desde a primeira hora a ré paga metade do seu salário, o que ela aceita.

Adquirida, pois, a falta de causa para o réu suportar as despesas com a água, o gás e a electricidade que a ré gasta também desde a partilha e o fim do seu património conjugal.

A ré alegou acordo do qual resultaria essa obrigação do réu suportar essas despesas, reconduzindo-se, contudo, como resulta da articulação entre o alegado na contestação e os documentos juntos pela Autora para a comprovação daqueles, muito relevantemente aquele sob a referência 9470086, a convenção/acordo aquando do divórcio e anterior à partilha[17] mediante a qual se substitui a prestação alimentar pelo recebimento de uma renda de um imóvel – entretanto atribuído à Ré em partilha, mais se obrigando  o Autor, até à partilha, a suportar as despesas da habitação que já então acordaram usar ambos.

Realizada a partilha, cessada, pois, a convocada causa convencional, com o que, como se expôs, permanece apenas a beneficiação pelo A. à Ré, mediante a poupança a esta de uma despesa sua.

Quanto ao modo ou critério de repartição de uma tal despesa, estando o uso da habitação de que as despesas são condição atribuído a ambos, tem-se por justificada a repartição a meias da despesa[18], a qual ascende a 19.043,22 EUR (metade das quantias caracterizadas sob 4º a 6º dos factos assentes, sendo que os valores relativos a 2018 já se mostram computados na quantia global de 11.497,37€ (onze mil, quatrocentos e noventa e sete euros e trinta e sete cêntimos) que foi reconhecida como devida ao A. pela primeira instância.

III.

Tudo visto, concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência, reconhecendo à Ré/reconvinte um crédito sobre o Autor/reconvindo no montante de 24.714,34 EUR, acrescido de juros desde 31 de dezembro de 2007, condena-se a Ré Recorrida a satisfazer ao Autor o montante que resultar da dedução ao crédito desta do crédito daquele [na quantia global de capital de 30.540,59 EUR[19], acrescida de juros de mora civis, contados desde a data da citação]; absolvendo as partes do demais peticionado.

Custas do recurso e da acção na proporção do decaimento.

Notifique.


Porto, 18 de Abril de 2024
Isabel Peixoto Pereira
João Venade
Aristides Rodrigues de Almeida

_______________________
[1] Assim, os Acórdãos do STJ 24-4-2012, Proc. 497/07.8TBODM-A.E1.S1 (GABRIEL CATARINO) e da Relação de Évora de 16-6-2016, Proc. 406/13.5TBVNO-A.E1 (ALBERTINA PEDROSO).
[2] Assim, STJ 12-2-2009/Proc. 08A2680 (SEBASTIÃO PÓVOAS) (“é o equivalente ao erro-obstáculo tratado no direito substantivo”), RP 2-6-2014/Proc. 3953/12.2TBVNG-B.P1 (CARLOS QUERIDO), STA 2-12-2015/Proc. 0413/14 (TERESA DE SOUSA) (“divergência formal entre o que se pretendeu dizer e o que se disse”), RC 10-3-2015 /Proc. 490/11.6TBOHP-D.C2 (CATARINA GONÇALVES) e RE 22-10-2015/Proc. 1692/12.3TBABT-L.E1 (ELISABETE VALENTE)
[3] Erros manifestos são “aqueles que facilmente se detectem e se identifiquem como tais pelo e no seu contexto e que respeitem à expressão material da vontade e já não os que possam ter influenciado a formação dessa vontade” (STA 26-6-2014/Proc. 0586/14 (CARLOS CARVALHO). Nesta segunda hipótese, o erro reside na própria vontade real do juiz merecendo recurso, nos termos do artigo 627.º, n.º 1 do CC, para se obter uma “modificação ou alteração substancial” da decisão judicial (STJ 12-2-2009/Proc. 08A2680 (SEBASTIÃO PÓVOAS)), ou, na inadmissibilidade daquele, reforma se for manifesto lapso para os efeitos do artigo 616.º, n.º 2.
[4] Assim, STJ 26-11-2015/Proc. 706/05.6TBOER.L1.S1 (MARIA DOS PRAZERES BELEZA). Por isso, é um erro que “possa ser percebido por outrem (e não apenas pelo juiz que os proferiu) que o juiz escreveu coisa diversa daquela que pretendia” (RC 10-3-2015 /Proc. 490/11.6TBOHP-D.C2 (CATARINA GONÇALVES)).
[5] Os erros dizem-se de escrita “quando se escreve ou representa, por lapso, coisa diversa da que se queria escrever ou representar” enuncia o ac. STA 26-6-2014, já citado.
[6] A falta (ou omissão) de pronúncia está prevista na primeira parte da referida al. d) e decorre da violação das normas que impõem ao tribunal o dever de tomar posição sobre certa questão, o que ocorre tanto para as questões de conhecimento oficioso (cf., por ex., os artigos 578.º e 579.º), como para as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cf. a primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º). Assim, STJ 27-10-2010/STJ Proc. 70/07.0JBLSB.L1.S1 (PIRES DA GRAÇA): a “omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar”; identicamente, RC 14-1-2015/Proc. 38/13.8JACBR.C1 (OLGA MAURÍCIO). No sentido de que a nulidade por omissão de pronúncia comina a violação do artigo 670.º, n.º 2 (=atual artigo 608.º, n.º 2), veja-se o ac. STJ 6-5-2004/Proc. 04B1409 (ARAÚJO BARROS); ainda, o ac. TCAN 14-9-2017/Proc. 00067/03 – Porto (MÁRIO REBELO).
[7] Neste sentido, o ac. RC 16-1-2018/Proc. 1094/14.7TBLRA.C1 (MOREIRA DO CARMO): “[n]ão deve confundir-se uma nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre as questões que o juiz devia apreciar (art. 615.º, n.º 1, d), 1ª parte do NCPC), com alegada falta de consideração de elementos probatórios, esta susceptível de conduzir a um erro no julgamento de facto”.
[8] RP 16-1-2017/Proc. 2311/14.9T8MAI.P1 (NELSON FERNANDES).
[9] STJ 9-11-2017 Proc. 9526/10.7TBVNG.P1.S1 (SOUSA LAMEIRA).
[10] V. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2014, p. 492.
[11] Cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, ps. 543 e 544.
[12] V. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, 323.
[13] Bem se compreendendo que também ocorra inadmissibilidade de prova testemunhal (art.º 393.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv.).
[14] Cfr. ainda os art.ºs 619.º e segs. do CPC.
[15] Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 4ª edição, pgs. 454 seguintes; Luis Manuel Telles de Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal nº 76, Centro de Estudos Fiscais, 1996, pgs. 858 a 896 - que concentra os requisitos em três, a saber, o enriquecimento, a sua ocorrência à custa de outrem, e que tenha ocorrido sem causa justificativa; Galvão Teles, ob. cit., pgs. 179 seguintes; Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, I, AAFDL, pg. 237.
[16] Cfr, entre outros, na doutrina nacional, Rui de Alarcão, in Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 1983, pg. 178, Galvão Telles, in Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Coimbra, 6.ª edição, pg. 179 e Vaz Serra, BMJ n.º81, Moitinho de Almeida, in Enriquecimento sem Causa, Almedina, Coimbra, 1996, pg. 45.
[17] Assim é que após a partilha apenas se reconduziu à pura e simples manutenção do pagamento das despesas pelo Autor, como até então.
[18] Não resultando caracterizado um  qualquer direito do filho a residir no prédio, a questão do uso por ele das condições de habitabilidade não contraria o critério alcançado, por via da poupança de uma despesa da responsabilidade da usuária, na medida em que uma tal residência se tem de inferir sê-lo mediante a disponibilidade pelos detentores do direito de uso e habitação, não sendo geradora da obrigação de pagar.
[19] Sendo, pois, a diferença de capital a favor do Autor no montante de 5 826,25 EUR.