CONTRATO DE SEGURO
SINISTRO
FURTO DE VEÍCULO
PROVA
PARTICIPAÇÃO À GNR
Sumário

1. Fundamentar uma decisão relativamente a cada facto concreto, ou com referência a um conjunto de factos, desde que entre eles exista qualquer conexão, significa expor as razões que conduziram à decisão de julgar como provado ou não provado, respetivamente, um facto ou conjunto de factos, de tal modo que em função da consistência da argumentação apresentada pelo julgador seja possível, em termos objetivos, aceitar a decisão como razoável. O julgador tem de fazer a análise crítica da prova, o que significa que tem não só de indicar os meios de prova produzidos e em que funda a decisão, mas, sobretudo, e necessariamente, explicar as razões que o levaram a conferir mais credibilidade a umas provas do que a outras, de molde a que seja possível entender a razão pela qual julgou como provados determinados factos e como não provados outros.
2. Não pode ser conferida credibilidade a uma testemunha que não denota afastamento relativamente aos factos sobre que depõe; que falta à verdade sobre acontecimentos de que tem necessariamente conhecimento pessoal e que assumem relevo para o apuramento de matéria com interesse para a decisão; que presta declarações em contradição com elementos constantes de documentos elaborados a partir de informações por si prestadas perante a GNR (participação criminal de furto) e a seguradora; e cujo depoimento não é suscetível de ser comprovado por qualquer outro meio de prova objetivo e fidedigno.
3. Na ação cível destinada a obter a indemnização convencionada no âmbito do contrato de seguro celebrado entre a seguradora e o segurado, é este último que está onerado com a prova da ocorrência do sinistro, e, constituindo este um crime, exige-se-lhe a prova dos elementos objetivos e subjetivos do tipo (base) (os elementos subjetivos podem ser firmados a partir dos elementos objetivos apurados, depois de analisados à luz das regras da lógica, da experiência e da vida), só não lhe sendo exigível que faça a prova da autoria do crime (pode firmar-se a existência de crime e não ser possível identificar o(s) respetivo(s) autor(es)).
4. A mera participação de furto feita perante órgão de polícia criminal não constitui prova da ocorrência do furto.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
B…, residente na Avenida ….., em Lisboa, veio propor ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “Seguradoras Unidas, S.A”, que, entretanto, alterou a sua designação para “Generali Seguros, S.A.”,[1] com sede na Avenida da …, Lisboa, alegando, em síntese, que lhe furtaram o veículo de que era proprietário e que se encontrava seguro na ré, responsável pelo pagamento das quantias infra peticionadas por força da cobertura contratada, pedindo, assim, seja a mesma condenada nos seguintes termos:
a) a pagar-lhe a quantia de €45.926,23 a título de indemnização pelo desaparecimento, furto/ roubo do veículo seguro;
b) a pagar-lhe a quantia de €3.000,00 a título de indemnização pelo não pagamento da quantia mencionada na alínea a), causa da diminuição do nível da satisfação das necessidades familiares;
c) a pagar-lhe juros de mora calculados à taxa de 4% e desde a data em que deveria ter ocorrido o pagamento da indemnização - 26 de novembro de 2018, até efetivo e integral pagamento, quanto ao pedido inserto na alínea a).
*
A ré foi citada para contestar, o que fez, pugnando pela não ocorrência do alegado furto da viatura e, consequentemente, pela sua absolvição dos pedidos.
Mais pediu a condenação do autor como litigante de má fé, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 542º, nº 1, al. a), do CPC, em multa e indemnização à ré a fixar com recurso a critérios de equidade.
O autor não respondeu a tal pedido.
*
Foi dispensada a realização da audiência prévia.
Saneado o processo, foram fixados o objeto do processo e os temas da prova.
*
Realizado o julgamento foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:
“(…)
1. Julga-se parcialmente procedente esta ação e condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de €43.926,23, acrescida de juros de mora cíveis, vencidos desde a instauração desta ação.
2. Julga-se improcedente o incidente deduzido pela ré e absolve-se o autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas do processo pelas partes, na proporção do respetivo decaimento.
Custas pela ré quanto ao incidente de condenação do autor como litigante de má-fé, que se fixam no mínimo legal de 0,5 UC.
(…)”
*
A ré não se conformou com a decisão e recorreu, formulando a final as seguintes conclusões:
“1. Em cumprimento do ónus que decorre para a Recorrente do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do C.P.C., especifica a Recorrente que os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados são os pontos 12 a 21, 48 a 51, 53 a 56 e 60 dos factos provados e os pontos 62, 62, 65 e 66 dos factos não provados, aos quais deveria ter sido dada resposta diversa atenta a prova produzida, para o que se requer a reapreciação da prova gravada.
2. A pretensão do Recorrido, ainda na qualidade de Autor, foi a de ser ressarcido pela Recorrente, na qualidade de Ré, do prejuízo sofrido pelo alegado furto do veículo seguro por esta, furto esse que constitui um dos riscos assumidos no âmbito do contrato de seguro celebrado entre as partes, pelo que de acordo com as mais elementares regras de distribuição do ónus da prova, sempre caberia ao Recorrido a prova do facto que sustenta a sua pretensão, conforme decorre, entre muitos, do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2012, disponível em www.dgsi.pt.
3. Sendo o furto o facto essencial que íntegra a causa de pedir e sendo esse facto que, uma vez provado, fundamenta a procedência da pretensão do Autor, se este não lograr provar a sua efetiva ocorrência, a ação não poderá proceder, impossibilidade que em nada depende da prova produzida pela Ré a respeito dos factos que fundamentaram a sua posição de recusa da responsabilidade.
4. Ao Autor cabia a prova do furto e, de acordo com o entendimento da Recorrente, tal ónus não foi por si cumprido, pelo que mal andou o Tribunal recorrido ao dar como provado os factos acima impugnados, conforme se passará a demonstrar.
Dos factos provados sob os números 12 a 21
5. A matéria de facto impugnada pela Recorrente prende-se, desde logo, com os
factos relativos às circunstâncias do alegado furto, nomeadamente o seu estacionamento em determinado dia, hora e local e o respetivo desaparecimento posteriormente detetado, as quais se encontram vertidas nos factos impugnados sob os números 12 a 21.
6. Decorre da fundamentação da sentença, que o Tribunal formou a sua convicção nas declarações do pai do Autor e da testemunha A.D., incorrendo num manifesto erro de julgamento de apreciação da prova cuja correção se impõe que seja feita por este Tribunal de recurso, conforme se passa a demonstrar.
7. No depoimento do pai do Autor prestados na sessão de julgamento de 21 de junho de 2023, este procurou arranjar justificações para todas as incongruências que foram desde logo identificadas em sede de contestação quanto: (i) aos dias em que o veículo teria sido visto na casa, (ii) o dia em que o veículo teria sido utilizado (iii) o local onde o veículo foi estacionado após a utilização, (iv) e as declarações que prestou à GNR versos as declarações que prestou à Ré, conforme excerto do depoimento entre os minutos [00:18:17] e [00:45:58], [00:52:30] e [00:55:18] e ainda [01:06:34] e [01:08:03].
8. Com efeito, tudo o que foi mencionado pela testemunha que se reforça é pai do Autor e por isso tem um claro interesse no desfecho dos autos, foi previamente estudado e justificado depois de ter acesso à contestação da Ré na qual são identificadas de forma taxativa as incongruências que tinham sido anteriormente detetadas sobre as circunstâncias em que o veículo tinha sido utilizado a última vez, onde tinha ficado estacionado e quando é que tinha sido detetado o seu suposto desaparecimento.
9. Aliás o facto da testemunha ter declarado que o veículo tinha ficado estacionado na rua teve consequências diretas relacionadas com a atuação das autoridades, conforme o GNR que foi ouvido no dia 13 de Setembro de 2023, explicou ao tribunal, entre os minutos [00:06:41] e [00:15:33].
10. Por outro lado, o Tribunal deu ainda como assente (facto 15 da matéria assente) que o veículo se encontrava dentro da casa no dia 07/08/2018 com base no depoimento da testemunha A.D., que prestou depoimento no dia 21 de junho de 2023, e que prestou entre os minutos [00:04:56] e [00:08:37 e entre, [00:10:35] e [00:16:11].
11. Ora resulta da audição deste depoimento que a testemunha apenas sabia que tinha de ir dizer a tribunal que tinha ido à casa no dia 07/08/2018 e que tinha visto o veículo estacionado no interior, acontece que quando se pergunta o que a testemunha sabe mais sobre o alegado furto, começa logo a dizer que o pai do Autor lhe ligou no dia 06/08/2018 - ou seja, no dia anterior - a dizer que o veículo tinha desaparecido.
12. Sempre que se tenta esclarecer a questão das datas e se volta a questionar se o Senhor A.D. esteve na casa dia 07/08/2018 este diz que já não sabe bem porque já foi há imenso tempo.
13. Ora resulta evidente que a testemunha não se encontra a prestar um depoimento sério e verdadeiro, porque não sabe concretizar os aspetos básicos ligados à sua alegada presença na casa. Alias a testemunha nem sabe concretizar a frequência com que ia à casa.
14. Face ao exposto, a Recorrente entende que este depoimento, que foi o único meio de prova que o Tribunal utilizou para dar com assente o facto 15, deve ser desvalorado e em consequência o facto 15 passar para o elenco dos factos não provados.
15. Por identidade de razões a Recorrente entende que o depoimento da testemunha V.G. também não poderá proceder, pois resulta à saciedade que o seu depoimento foi proferido com o intuito de contar uma história ao Tribunal que servisse para justificar as falhas que a Ré tinha detetado.
16. E nesses termos os factos 12 a 21 devem todos passar para o elenco dos factos não provados.
17. O mesmo é perguntar: com base em que prova é que o Tribunal recorrido deu como provado que (i) em 05/08/2018, o veículo foi utilizado pelo pai do Autor, (ii) o veículo desapareceu entre a noite de dia 05/08/2018 e a noite de dia 07/08/2018, que (iii) foi levado por alguém cuja identidade não se conseguiu apurar e que o fez seu, e que (iv) nunca foi encontrado?
18. A resposta é simples: com base, única e exclusivamente, no depoimento do pai do Autor, e numa testemunha que se percebeu claramente, pela atrapalhação do depoimento que não esteve no local na data dos factos, pois mais nenhuma prova documental ou testemunhal foi apresentada para validar tais declarações, escassez probatória que deveria ter sido refletida na decisão sobre a matéria de facto, dando-se como não provada a ocorrência do furto do veículo – ou seja, os factos 12 a 21 dos factos provados.
19. Com efeito, tendo em conta a natureza do risco aqui em análise - furto do bem seguro -, o mínimo que se exigia ao Recorrido era a prova, de que estacionou o veículo na sua casa no Algarve desde o início do ano, que subsequentemente o veículo ainda tinha bateria para circular em agosto desse ano, o local exato onde ficou estacionado após a alegada utilização de dia 05 de agosto e o dia e hora exato em que o pai terá dado por conta do alegado desaparecimento.
20. Atenta a circunstância de o pai do Recorrido ter declarado que chegou no dia
05/08/2018 ao Algarve acompanhado com a sua mulher e que estacionou o veículo depois de ter circulado com o mesmo nesse dia estaria ao alcance do Recorrido arrolar a mulher do pai, que confirmasse o estacionamento do veículo naquele local no dia em, ou até o seu desaparecimento, pois o expectável seria o pai do Recorrido comentar esse facto com o seu agregado familiar.
21. Face a todo o exposto, requer-se que se dê como não provados os factos impugnados – 12 a 21 -, o que implica que, não se provando o furto, facto que integra o núcleo essencial da causa de pedir do Recorrido, seja a Recorrente absolvida do pedido.
Do facto provado sob o número 48 a 51, 53 a 56 e 60
22. Ré não pode deixar de demonstrar que o Tribunal fez uma incorreta apreciação do depoimento do pai do Autor, mesmo quando o Tribunal dá como assente factos que vão de acordo com o que a Ré alegou, senão vejamos:
23. No facto 47 o Tribunal dá como assente que no dia 25/03/2018 o veículo foi rebocado e deixado no exterior da N… acompanhado pelo pai do Autor.
24. E dá como assente que o pai do Autor estava com o reboque na oficina com base no depoimento da testemunha A.J. condutor do reboque e ainda com base no depoimento do pai do Autor.
25. O depoimento da testemunha A.J. que foi ouvido no dia 10/11/2023, declarou de facto que se fez acompanhar do dono do veículo, entre os minutos [00:10:31] e [00:11:25], porém o pai do Autor declarou o oposto entre os minutos [01:08:31] e [01:09:14].
26. Ainda assim o Tribunal entendeu que os dois depoimentos confirmavam a presença do pai do Autor junto da oficina, quando claramente o pai do Autor faltou à verdade neste facto e os depoimentos são completamente contraditórios.
27. Posto isto, importa então analisar a restante matéria de facto que o Tribunal deu como assente apenas com base no depoimento do pai do Autor e que no entender da Ré também não foi devidamente ponderada e como tal deve ser reapreciada pelo Tribunal ad quem.
28. A respeito destes factos, importa analisar conjuntamente as justificações que o pai do Autor foi arranjando com (i) o depoimento do rebocador, (ii) a informação que consta dos autos da N… a folhas 121 e (iii) o depoimento da testemunha L.N. que se deslocou à N… em questão para saber em que circunstâncias e que serviço foi prestado ao veículo.
29. A este respeito o pai do Autor justificou-se com o facto de apenas ter ido para a N… carregar a segunda bateria, totalmente sem custos, nomeadamente entre os minutos [01:09:35] e [01:10:35], porém, o condutor do reboque no seu depoimento explicou que tem determinados procedimentos e cuidados exatamente porque sabe que a N… não faz intervenções em veículos elétricos, entre os minutos [00:03:48] e [00:04:29] e entre [00:07:25] e [00:10:10] e entre [00:11:27] e [00:12:17] e por fim entre [00:13:31] e [00:13:46].
30. A informação que a N… não faz intervenção de nenhum tipo em carros elétricos foi confirmada pela oficina que remeteu aos autos a informação a folhas 121 e por outro lado, o perito averiguador da Ré, L.N., quando prestou depoimento no dia 13/09/20203, esclareceu ainda o Tribunal que na deslocação que fez à N… apurou que não existia nenhum registo de entrada do veículo na oficina, nomeadamente entre os minutos [00:35:42] e [00:40:08]. E no mesmo sentido o depoimento prestado pelo coordenar de averiguação, R.S. que foi ouvido no dia 13/09/2023 e que esclareceu entre os minutos [00:49:12] e [01:13:16].
31. Resulta dos depoimentos analisados que não existe nenhuma evidencia que o veículo tenha sido simplesmente carregado na N…, conforme o pai do Autor alega. Não é credível que a N… aceite prestar serviços sem registar a entrada dos veículos na sua oficina e que não cobre nada pelos mesmos.
32. Acresce que estes factos são importantes porque para além da Ré não ter conseguido confirmar a presença do veículo nos dias 05, 06 e 07 de agosto de 2018 no Algarve também não conseguiu confirmar que tenha feito a viagem entre Lisboa e o Algarve entre março e agosto.
33. A única vez que a Ré sabe que o veículo foi visto, foi quando foi pedida assistência em viagem, pelo pai do Autor, e numa situação em que o veículo estava sem circular com indicações da assistência em viagem de bateria em fim de vida, pelo que é legitimo a Ré questionar-se se o veículo estaria em condições para fazer uma viagem entre Lisboa e o Algarve, uma vez que não resultou demonstrado que o problema que originou o pedido de assistência em viagem tenha ficado resolvido.
34. Face ao exposto, a Ré entende que os factos sob o número 48 a 51, 53 a 56 e
60 deveriam passar para o elenco dos factos não provados.
Do facto não provado sob os números 62, 63, 65 e 66
35. Relativamente ao facto 62, para além de todas as incongruências e faltas com a verdade que a Ré já identificou anteriormente a Ré entende ainda que o Tribunal deveria ter feito uma valoração diferente do depoimento da testemunha L.N., que declarou de forma clara, convincente e credível as seguintes contradições e omissões intencionais no discurso do pai do Autor, nomeadamente entre os minutos [00:25:41] e [00:42:12],
36. Resulta deste depoimento que:
c) No contacto que a testemunha fez com o pai do Autor o mesmo declarou que o veículo seguro nunca teve qualquer assistência ou problema mecânico que levasse à intervenção de mecânico numa oficina, no entanto junto do Serviço de assistência e respetivo rebocador confirmou-se o facto da assistência de dia 25-03-2018 ter sido solicitada por si, tendo o mesmo acompanhado o veículo até às instalações da N… em Alfragide;
d) Diversas contradições entre o depoimento do Pai do Autor, em relação à participação do furto efetuada via email pelo Autor e participação do furto junto das Autoridades;
37. Dos factos aqui identificados resulta evidente que o pai do Autor no seu depoimento faltou à verdade e como tal o facto 62 do elenco dos factos não provados, deve passar para o elenco dos factos provados.
38. Os factos não provados sob os números 63, 65 e 66 dizem respeito a elementos integraram o conjunto de circunstâncias que levaram a Recorrente a recusar a assunção de responsabilidade.
39. Atentando na fundamentação da sentença, temos que o Tribunal recorrido deu a resposta de não provado a tais factos por entender que os mesmos não foram suportados em qualquer meio de prova conclusão com a qual não se pode, naturalmente, concordar.
40. Com efeito, não corresponde à verdade que aqueles factos não se encontrem suportados em qualquer meio de prova dado que a Recorrente logrou produzir prova documental, através dos ofícios que requereu a diversas entidades e testemunhal que os confirmasse, nomeadamente por via do depoimento da testemunha L.N., R.S., Agente G. e A.J.
41. Conforme resulta dos excertos que já se teve oportunidade de transcrever, a Recorrente apresentou ao tribunal um conjunto de testemunhos e elementos documentais que todos conjugados permitem concluir que existiu um objetivo claro de receber o valor do capital seguro por um veículo que apresentava problemas, cuja resolução não é conhecida, veículo esse que não se encontrava ligado à marca, uma vez que tinha sido vendido como salvado nos EUA, motivo pelo qual não se tornou possível detetar o veículo, o que o Autor já sabia de antemão, mas não comunicou tal facto junto da Ré, conforme resulta da troca de emails que se encontra junto aos autos com a contestação, emails esses que foram trocados com a testemunha R.S. que teve oportunidade de prestar o seu depoimento em tribunal.
42. Deixou-se, assim, definida a alteração à resposta à matéria de facto que, no entender da Recorrente, deverá proceder e conduzir a uma necessária alteração da decisão de direito.
43. O entendimento do Tribunal recorrido incorre na adoção de uma visão absolutamente limitadora que não se coaduna com o propósito maior de ter em conta todos os factos relevantes para a boa decisão da causa.
44. Não deixando de ter presente que, no caso em apreço, o facto essencial em discussão é a ocorrência do furto, também os factos alegados pela Recorrente, e nos quais a mesma fundou a sua posição de recusa da assunção da responsabilidade pelo sinistro participado, são relevantes na medida em que pretendem estender a visão do Tribunal a um alcance muito maior do que a mera alegação do desaparecimento de um veículo.
45. A convicção do Tribunal não pode deixar de ser adquirida com base na apreciação conjugada e crítica de toda a prova produzida nos autos, à luz das regras da experiência comum e de acordo com juízos de normalidade, bem assim, como na posição processual manifestada pelas partes.
46. Outro critério essencial é o do ónus da prova, sendo que o seu significado é dar o critério da decisão em caso de dúvida relevante, ou seja, na não superação da dúvida, o tribunal decide contra a parte a quem o facto aproveite (art.º 414.º do C.P.C.).
47. É essencial que os factos alegados, enquanto tradução de um comportamento racional que tem necessariamente uma componente mental (intenção) e física (ação), possam ser investigados e explicados, pois nenhum ato de vontade surge do nada, e todos assentam em motivações, interesses ou desejos.
48. Não sendo a realidade social aleatória, é neste quadro que cumprirá aquilatar da validade epistémica das versões dos factos trazidas a juízo.
49. Estamos perante versões diversas dos factos e, sendo ambas válidas do ponto de vista formal, cumpriria validar a hipótese que se apresenta como a mais provável atendendo à conjugação da prova produzida com as regras de corroboração da experiência (sintomas da verdade).
50. Ora, do ponto de vista da construção da pretensão veio o Recorrido alegar que é tomador do contrato de seguro relativo a uma viatura automóvel, o qual abrange a cobertura de furto ou roubo do bem seguro, e que esse bem foi, efetivamente, furtado.
51. E se do ponto de vista formal, certo é que tanto bastaria para que a ação judicial tivesse provimento (o que no caso em apreço nem sequer ocorre tendo em conta o que se deixou exposto acima), sempre caberia ao Tribunal fazer uma análise crítica da prova, e da própria posição processual assumida pelas, não se bastando a atividade probatória com a verificação da existência de indícios meramente formais.
52. O pedido de reapreciação da prova gravada ora apresentado pela Recorrente sustenta-se, precisamente neste propósito maior de se alcançar uma decisão que seja coerente com a normalidade das coisas.
53. Não obstante a livre apreciação da prova de que goza o julgador, a convicção da Recorrente é a de que, conforme acima se referiu, deverá o julgador adotar uma visão dos factos que não se baste com a mera aparência de verdade, tantas vezes conseguida através de manobras documentais, e atentar em detalhes que, ainda que numa primeira abordagem se possa situar distantes do âmago da questão a discutir, apontam para que o facto essencial – no caso, o furto do veículo -, seja absolutamente duvidoso.
54. Repita-se que o furto, em face da ausência de provas físicas (o que é perfeitamente concebível) é de difícil demonstração, mas atendendo àquilo que se expôs, nem por presunção judicial se poderia alcançar esse resultado.
55. Em resumo, a alteração que se requer à resposta dada à matéria de facto impõe que o furto – facto constitutivo do direito do Recorrido – não se possa considerar como provado o que, por sua vez, redunda, na não verificação do risco assumido pela Recorrente, na qualidade de seguradora.
56. Como tal, não se pode considerar a Recorrente constituída na obrigação de indemnizar o Recorrido, motivo pelo qual deverá ser revogada a decisão recorrida e substituída por decisão que absolva a Recorrente do pedido.
Pelo exposto, requer-se que seja a sentença ora recorrida revogada nos termos acima expostos, com o que se fará a costumada Justiça.”.
*
O autor respondeu ao recurso e culminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1-A Recorrente apresentou Recurso com vista á reapreciação da matéria de facto, no que concerne à alteração de factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo.
2- Alegando a Recorrente que a decisão a quo deveria atender a duas circunstâncias distintas, pois apenas da verificação das mesmas se poderia concluir pela condenação da Recorrente:
A verificação do Sinistro-furto, e circunstâncias em que o mesmo ocorreu.
3- Alega a Apelante, nas suas conclusões que, com base na prova produzida, e no que concerne à matéria de facto:
a) os factos dados com os nºs 12 a 21, 48 a 51, 53 a 56 e 60, deveriam ser tidos pelo Tribunal a quo como não provados,
b) os factos dados como não provados nos nºs 62, 63, 65 e 66, deveriam ser considerados como factos provados.
4- Não assiste razão à Recorrente.
5- Ademais, as alterações da qualificação dos factos como não provados ou provados, preconizadas pela Recorrente, em nada obstaculizam à manutenção da decisão proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que não estão conectadas temporalmente com o furto do veículo, nem às circunstâncias do seu desaparecimento, nem são aptas a afastar a responsabilidade da Recorrente.
6- Consta da elencagem dos factos dados como provados em 1 a 6, da sentença do Tribunal a quo, em resumo que, o Autor era o proprietário do veiculo, e que á data do furto, encontrava-se válido o contrato de seguro celebrado com a Recorrente, que abrangia que, para além do seguro de responsabilidade civil obrigatório, contemplava igualmente, no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, com cobertura em roubo e furto, e que das condições particulares do contrato de seguro, consta na rubrica coberturas, além de outras, o furto ou roubo.
7- Tais factos dados como provados não foram sujeitos a reapreciação da prova requerida pela Recorrente, neste recurso.
8- O Autor, aqui Recorrido, logrou provar a efetiva ocorrência do furto, facto gerador do dever de indemnizar por parte da Apelante, conforme decorre, nomeadamente do artigo 342.º do C.C.
10- Tendo ficado provado, em Primeira instância que na sequência da verificação do desaparecimento do veículo, foi apresentada queixa crime que correu termos com o n.º …, e foi arquivado, por não ter sido possível apurar a identidade dos agentes do crime. Vide factos provados 22, 23.
9- Na data em que foi detetado o desaparecimento do veículo, 7 de Agosto de 2018, o contrato de seguro estava em vigor. - Vide facto provado 24
10- O veículo nunca veio a ser encontrado. - Vide facto provado 60.
11- Pelo que dúvidas não restam que se verificou o furto do veículo, que constitui evento que determina o pagamento de indemnização pela seguradora ré ao autor, como assim determinou o Tribunal a quo.
12- No que concerne à alteração da qualificação dos os factos provados sob os números 12 a 21, para factos não provados:
13- Tais factos referem-se, essencialmente às circunstâncias do alegado furto.
14- Alega a Recorrente, que o Tribunal a quo deu tais factos como provados, com base no depoimento das testemunhas V.G. - Pai do Autor, e A.D., incorrendo num manifesto erro de julgamento de apreciação da prova.
15- Resulta o facto dado como não provado em 62, “O pai do autor faltou à verdade”, ademais, não se consegue atingir a razão pela qual a Recorrente alega que a testemunha V.G., pai do Autor tem um claro interesse no desfecho dos autos.
16- Acresce que, tal como dado como provado nos factos 9, 13 a 22, na douta sentença, a testemunha V.G., quando chegou com a esposa ao algarve no dia 5 de Agosto de 2018 para uma temporada, e depois de verificarem o desaparecimento do veiculo, diligenciou quer junto da vizinhança quer junto das autoridades policiais locais pela comunicação do desaparecimento.
17- Mais conforme consta do processo esta testemunha era quem estava no local à data do desaparecimento do veículo segurado.
18- Pelo que se revela meramente conclusiva a conclusão da Recorrente ao alegar que: “V.G. também não poderá proceder, pois resulta à saciedade que o seu depoimento foi proferido com o intuito de contar uma história ao Tribunal que servisse para justificar as falhas que a Ré tinha detetado.”
19- Sem se aceitar, mas que só por mero dever de raciocínio se concebe, não obstante os factos elencados como provados em 12 a 21, sejam considerados não provados, tal alteração não prejudica a decisão que foi proferida de condenação da Ré.
20- Pois prova existe que se verificou o desaparecimento (furto) do veículo segurado, e que existia, um contrato de seguro valido à data do seu desaparecimento, verificando-se assim, os requisitos para a atribuição da responsabilidade da Recorrente, por verificação da causa de pedir.
21- Pelo que o depoimento das testemunhas V.G. deve ser considerado isento, e consequentemente ser mantidos como provados os factos nºs 12 a 21 da sentença a quo.
22- No que concerne à alteração da qualificação dos os factos provados sob os números 48 a 51, 53 a 56 e 60, para factos não provados:
23- No que concerne aos factos sob os nºs 48 a 51, 53, a 56 referentes à necessidade de verificação de assistência, a mesma ocorreu no o dia 25 de Março de 2018, data muito anterior ao sinistro/furto do veiculo, pelo que tal assistência, e forma como a mesma aconteceu, em nada tem repercussões com o desaparecimento do veículo, e consequente responsabilidade da Recorrente, pois o futuro do veiculo veio a ocorrer em Agosto.
24- Pelo que, ainda que tais factos – 48 a 51 e 53 a 56, venham a ser considerados como não provados, nenhuma relevância tem para a substituição da decisão recorrida, por não terem qualquer conexão com o furto do mesmo.
25- No que concerne o facto dado como provado sob o n.º 60, “O veículo nunca veio a ser encontrado”.
26- O Recorrido não consegue alcançar como pode, pretende a Recorrente considerar ser tal facto considerado como não provado, pois não logrou fazer prova do seu contrário, como lhe incumbia.
27- Entende, assim, o Recorrido, que os factos sob o número 48 a 51, 53 a 56 e 60 devem manter-se no elenco dos factos provados.
28- No que concerne à alteração da qualificação dos os factos não provados sob os números 62, 63, 65 e 66 para provados.
29- Os factos sob os números 63, 65 e 66 dizem respeito às circunstâncias que levaram a Recorrente a recusar a assunção de responsabilidade.
30- Consta da fundamentação da decisão recorrida que:
a) A factualidade não provada em 62., 63., deve-se a falta de prova.
b) A factualidade não provada em 65. deve-se ao teor do documento de fls. 64.
31- Incumbia à Recorrente em sede de produção de prova fazer, em sede de julgamento que interesse do A. é o de receber o valor do capital seguro por um veículo com problemas de dimensão desconhecida e com eventuais alterações/adulterações que impossibilitariam o mesmo de ser apresentado à marca. - O que logrou fazer.
32- Da prova produzida em sede de julgamento e a prova reproduzida pela Recorrente nas suas alegações não demonstrou que o Autor, pretendia com a ação que intentou, de receber o valor do capital seguro, pelo que o facto 63. deve manter-se como não provado.
33- O mesmo se diga quanto aos factos 65., por nenhuma relevância ter para substituição da sentença proferida em Primeira Instância.”
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das partes, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
- Impugnação da decisão de facto;
- E, caso seja procedente a impugnação, saber se se impõe a revogação da decisão de 1ª instância.
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Fundamentação de Facto
Em 1ª instância foi fixado o seguinte quadro factual:
Factos Provados:
1. O autor é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca TESLA, de matrícula …, conforme certificado de matrícula de fls. 6 verso - 7.
2. O autor celebrou com a ré acordo escrito denominado contrato de seguro que, para além do seguro de responsabilidade civil obrigatório, contemplava igualmente, no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, com cobertura em roubo e furto, cf. documento de fls. 8 e seguintes.
3. O contrato de seguro era continuado, com a periodicidade anual e com pagamento anual.
4. O contrato de seguro era de periodicidade anual, com renovação anual, com pagamento em uma só prestação, e com o prémio comercial e anual do contrato de seguro celebrado era no valor de €680,52.
5. Em 21 de janeiro de 2018, a ré remeteu ao autor, a renovação das condições gerais e particulares do contrato de seguro.
6. Das condições particulares do contrato de seguro, consta na rúbrica coberturas, além de outras, o furto ou roubo.
7. De igual modo, consta que o capital segurado em caso de roubo ou furto, para a anuidade de 27/02/2018 a 26/02/2019 é de €45.926,23.
8. E franquia de €2.000,00, cf. fls. 8 verso.
9. Os pais do autor são os proprietários de vivenda na Rua…, em Vilamoura.
10. A moradia é delimitada por um muro, com um parque de estacionamento no interior, cujo acesso é feito através de um portão.
11. Na perspetiva do exterior a moradia tem um portão para entrada de veículos.
12. O portão de acesso para entrada de carros, é um portão que depois de terceiros acederem ao espaço interior, pode ser aberto manualmente, bastando para tal puxar as portadas, que estas abrem facilmente.
13. O pai do autor (testemunha V.G.) e esposa chegaram ao Algarve no dia 5 de agosto de 2018 para uma temporada.
14. Quando chegaram, viram o veículo, que estava estacionado, desde março, no interior da moradia, num espaço destinado a estacionamento. A testemunha V.G. foi dar uma volta no veículo.
15. No dia 7 de agosto de 2018, de manhã, o veículo continuava na casa.
16. No dia 7 de agosto de 2018, a testemunha V.G. deu por falta do carro, quando chegaram a casa da parte da tarde.
17. O portão estava encostado, mas não estava fechado na fechadura.
18. Os linguetes do portão não estavam enfiados na calçada. Não havia sinais de arrombamento.
19. Não houve danos nem objetos furtados na casa.
20. Imediatamente a seguir, o pai do autor contata com os vizinhos para saber se tinha havido na zona alguma situação anómala, tendo-lhe sido referido que não se tinham apercebido de nada.
21. O pai do autor telefonou para a GNR, que lhe disseram que não poderiam ir lá. E que tinha de ir à esquadra.
22. Seguidamente o pai do autor, uma vez que este se encontrava no estrangeiro, deslocou-se ao Posto Territorial da GNR de Vilamoura, Comando Territorial de Faro, e apresentou queixa contra desconhecidos por furto do veículo, que deu origem ao NUIPC …, cf. conforme auto de fls. 11, de 7.8.2018. Em que a testemunha V.G. disse: “Que estacionou o veículo de matrícula …, marca tesla, cor preta, propriedade do seu filho, o Sr. B..., melhor identificado no presente auto, no estacionamento da rua.. - Vilamoura, no dia 5 de Agosto, por volta das 23 horas. Relata que estacionou de forma legítima e que deixou a viatura devidamente fechada. Afirma que no presente dia de hoje de 7 de Agosto de 2018, ao chegar junto da referida viatura, por volta das 16 horas, verificou que a mesma não se encontrava no local acima referido. Prontamente procurou nas mediações na rua, ou se algum vizinho seu tinha visto algo fora do normal, a que se confirmou que nenhum dos seus vizinhos tenha avistado algo. O denunciante refere que não sabe precisar o valor comercial do veículo, e que o mesmo veio importado do Estados Unidos de América a cerca de 3 ou 4 anos. O Sr. V.G. declara que o seu filho o Sr. B…. não se encontra no país, visto que se encontrava no estrangeiro a trabalho e que só regressa ao país em finais de Outubro. Cita que todos os documentos referentes ao veículo furtado encontravam-se dentro do porta luvas do mesmo, menciona que não sabe precisar qual a seguradora do veículo, mas que futuramente vai chegar o documento. Alude que deseja procedimento criminal contra o autor do crime.”
23. O inquérito … foi arquivado, por não ter sido possível apurar a identidade dos agentes do crime, cf. fls. 91 verso e 84.
24. Na data em que foi detetado o desaparecimento do veículo, 7 de agosto de 2018, o contrato de seguro estava em vigor, cf. fls. 13 verso - 14.
25. A participação do alegado furto à ré foi formalizada através de comunicação da testemunha V.G. de 7.8.2018, recebida pela ré, de fls. 48 e verso. “No dia seis de Agosto de 2018 pelas 23 horas ausentei-me da minha moradia em Vilamoura tendo verificado que o veículo … se encontrava no interior da moradia estacionado pelo meu filho há mais ou menos dois ou três meses. Ausentei-me para Albufeira nessa noite, tendo regressado no dia 7 de Agosto, mais ou menos pelas 19 horas.” Previamente, o autor enviou à ré o email de fls. 43 verso.
26. Após troca de correspondência via mail entre as partes, a ré remeteu em 07 de novembro de 2018, uma comunicação ao autor, a declinar qualquer responsabilidade pela liquidação decorrentes do mesmo, cf. fls. 13.
27. Na carta, a ré escreve: “(…) após análise do processo, nomeadamente averiguação efetuada, se constatou a existência de um conjunto de irregularidades que nos levam a concluir que o sinistro não terá ocorrido de uma forma aleatória, súbita e/ou imprevista …”.
28. Na sequência da participação do sinistro efetuada, a ré procedeu às diligências averiguatórias habituais.
29. No que toca à averiguação, o A. informou que o mesmo se encontrava estacionado desde 28.03.2018 em Vilamoura, tendo o seu desaparecimento sido detetado em 07.08.2018.
30. O autor informou que o veículo se encontrava estacionado no interior da moradia das buganvílias sita na R…, em Vilamoura, propriedade dos seus pais.
31. No âmbito da averiguação foi efetuada deslocação ao local, tendo-se constatado que se trata de uma zona de moradias de luxo com ocupação sobretudo sazonal visto serem propriedades, na sua maioria, de aluguer.
32. Da perspetiva do exterior verificou-se que a moradia tem um portão para entrada de veículos, não apresentando o mesmo qualquer dano nem na sua estrutura nem na fechadura – tudo conforme fotografias do local que se juntam como doc. 04 e se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
33. Sobre a utilização de Via Verde, o autor costuma viajar para o Algarve sempre por estradas nacionais, nomeadamente no percurso de ida.
34. Prosseguindo com as diligências da averiguação, foi o pai do autor contatado pelo averiguador da Ré.
35. Conforme email de fls. 116, a Tesla não dispõe de qualquer registo de entrada da viatura nos serviços, em Portugal.
36. A Tesla informou este Tribunal que o veículo “foi considerado como salvado nos Estados Unidos em 2014, passando a ser um veículo Unsupported pela Tesla a partir desse momento, não havendo qualquer registo de entrada do mesmo em instalações da empresa após agosto de 2014. Tratando-se de veículo Unsupported, o mesmo ficou desconectado da nossa rede, pelo que deixámos de ter acesso remoto ao mesmo, uma vez que o veículo passou a ser offline. (…) Em relação a saber se o sistema GPS do veículo se encontra funcional ou não, poderemos proceder a diagnóstico com o veículo nas nossas
instalações, caso o mesmo nos seja solicitado.”, cf. fls. 214.
37. A Tesla informou este Tribunal que o veículo foi considerado salvado em 2014 devido aos danos no veículo resultantes de um acidente que causou a perda total do mesmo, cf. fls. 226.
38. O veículo segurado foi importado pelo autor dos Estados Unidos da América.
39. O IMTT informou este Tribunal que não consta registo de qualquer informação associada a inspeções efetuadas à viatura com a matrícula …. “Conseguiu-se, no entanto, apurar que esta viatura teve antes a matrícula … (dos Estados Unidos) e foi com esta matrícula que foi inspecionada para efeitos de atribuição de matrícula nacional em 3.2.2017. Nada consta sobre as inspeções obrigatórias seguintes. Segue em anexo a informação da inspeção atrás referida onde consta a data da inspeção seguinte.”, cf. fls. 123. A fls. 125 consta que o veículo de matrícula … foi inspecionado em 3.2.2017, sendo a data da próxima inspeção em 25.4.2018.
40. O veículo deveria ter sido sujeito a IPO até ao dia 25.04.2018, o que não aconteceu, mantendo-se desde essa data sem IPO válida.
41. A fls. 133 verso encontra-se documento de 3.2.2017, do IMTT certificando que o veículo de matrícula … se encontra em condições de circular em segurança.
42. O veículo para ser legalizado em Portugal teve que ser sujeito a adaptação de Stops, pois os sinais de Stop americanos não são compatíveis com os de Portugal, pelo que o autor teve que proceder à adaptação do veículo para poder ser enquadrado na legislação portuguesa.
43. Inexiste cláusula do seguro que exclua a responsabilidade em caso de ausência de IPO.
44. O veículo segurado era modelo S, elétrico, conforme consta do certificado de matrícula.
45. O veículo tem 2 baterias: Uma das baterias é a do registo central, e uma outra corresponde a bateria, que define a autonomia de circulação, esta segunda bateria em caso de falta de energia impede o veículo de circular.
46. No dia 25 de março de 2018, foi feito um pedido de assistência pelo pai do autor, tendo o carro sido rebocado para a N… de Alfragide.
47. O veículo foi deixado no exterior da oficina, com o pai do autor. O reboque foi-se embora.
48. Esse pedido de assistência não decorreu por motivo de avaria da bateria/ bateria em fim de vida, mas tão-somente por bateria descarregada, ou seja, falta de energia da bateria.
49. Em virtude da falta de bateria, a N… de Alfragide procedeu ao carregamento da mesma, encontrando-se assim, o carro apto para circular, tendo nos dias seguintes o veículo circulado para o Algarve onde ficou estacionado até à data do seu desaparecimento.
50. Não se tratou se avaria de bateria, mas tão-somente falta de carga.
51. O veículo não apresentava quaisquer avarias ou baterias no fim de vida, mas sim falta de carga.
52. A falta de carga impede do veículo de circular.
53. Rebocado o veículo para a oficina foi a bateria carregada e o veículo começou a circular, razão pela qual não existia qualquer registo de entrada ou intervenção no veículo.
54. O carregamento da bateria é gratuito, pelo que não ficou registada a sua entrada na oficina.
55. Não se procedeu a troca de baterias por “estarem em fim de vida”, mas tão somente ao seu carregamento.
56. O veículo não foi sujeito a qualquer intervenção que não fosse o simples carregamento de bateria, pois tal oficina dispunha de mecanismos aptos ao carregamento.
57. O autor havia efetuado na N… mudança de pneus e alinhamentos na referida oficina durante o ano de 2017.
58. A Euro… informou este Tribunal que “confirmamos a solicitação de assistência em viagem ao veículo de matrícula …, que ocorre cerca das 16.20 horas do dia 25.3.2018. Este pedido ocorre por motivo de avaria, encontrando-se a viatura na Avenida …, em Cascais. O pedido de assistência foi-nos dirigido pelo Sr. V.G., que indicou ser pai do segurado. A viatura foi rebocada para a oficina N…, em Alfragide.”, cf. fls. 119 verso.
59. A N… informou este Tribunal que não tem meios de reparação/substituição de baterias para os veículos de marca Tesla, modelo model S, cf. fls. 121.
60. O veículo nunca veio a ser encontrado.
61. Em 25.07.2019 a ré recebeu a notificação para penhora de créditos do autor relativamente à indemnização pelo furto do veículo, cf. fls. 50 verso e 56 verso.
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Foram julgados como não provados em 1ª instância, os seguintes factos:
62. O pai do autor faltou à verdade.
63. O interesse do A. é o de receber o valor do capital seguro por um veículo com problemas de dimensão desconhecida e com eventuais alterações/adulterações que impossibilitariam o mesmo de ser apresentado à marca.
64. Acresce que, em virtude do não atempado pagamento do valor indemnizatório devido contratualmente por uma seguradora, no âmbito do seguro facultativo, por danos próprios, com a consequente não disponibilidade ao lesado da respetiva quantia para adquirir esse novo veículo, causou uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades familiares, profissionais e de lazer do proprietário, devendo fixar-se o respetivo valor de ressarcimento, que se fixa em €3.000,00.
65. O veículo mantinha um recall da marca tesla com data de 29.3.2018.
66. Por fim, refira-se que se apurou que o A. se encontra ligado à importação de uma marca de veículos elétricos, …., sendo engenheiro mecânico e tendo ele próprio efetuado as alterações ao nível dos Stops, para que o veículo seguro pudesse ser legalizado em Portugal – conforme prints que se junta como doc. 14 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, salientando-se a correspondência entre o número de contacto da empresa e o número de contacto do A. constante da sua ficha de cliente na R..
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Da impugnação da decisão de facto
Dispõe o art.º 662º, nº 1, do CPC: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Por seu turno, e de acordo com o estipulado no art.º 640º, do mesmo Código:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)”.
A propósito deste art.º 640º, salienta-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2022, que “(…) é possível distinguir dois tipos de ónus, como tem vindo a entender a jurisprudência deste Supremo e está bem explícito no acórdão de 29/10/15, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1[6], a saber:
- “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes” e consta do transcrito n.º 1 do art.º 640.º; e
 – “um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”, previsto no n.º 2 do mesmo preceito.
O ónus primário refere-se à exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, visa fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto e tem por função delimitar o objeto do recurso.
O ónus secundário consiste na exigência da indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, e visa possibilitar um acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Os requisitos formais, impostos para a admissibilidade da impugnação da decisão de facto, têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objecto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso.
(…).”[2]
A propósito do cumprimento do ónus imposto pela al. a), do nº 2, do mesmo art.º 640º, tem vindo a entender-se que basta que o recorrente indique o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou a indicação do ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico, complementando estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos que o mesmo tenha como relevantes para o julgamento do objeto do recurso.
Defende Abrantes Geraldes[3], que “(…) se, em lugar de uma sincopada e por vezes estéril localização temporal dos segmentos dos depoimentos gravados, o recorrente optar por transcrever esses trechos, ilustrando de forma mais completa e inteligível os motivos das pretendidas modificações da decisão de facto, deve considerar-se razoavelmente cumprido o ónus de alegação neste campo. A indicação exata das passagens das gravações não passa necessariamente pela sua localização temporal, sendo a exigência formal compatível com a transcrição das partes relevantes dos depoimentos.”
Em face do exposto, têm-se por cumpridos, pelo recorrente, os sobreditos ónus.
Acrescente-se, ainda, que no caso temos como pertinente chamar à colação a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2023 (processo nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1, acessível em www.dgsi.pt), de cujo sumário consta o seguinte:
“(…)
II - A impugnação da matéria de facto deve, em regra, especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, relativamente a cada um dos pontos da matéria impugnada.
III -. Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.
No caso, podemos efetivamente concluir pela existência de uma conexão entre os factos que o recorrente impugna por blocos, sendo que toda a matéria factual impugnada diz respeito ao facto essencial em discussão, no qual radica o fundamento da ação deduzida pelo autor contra a ré, ou seja, o furto do veículo, pois só da prova deste facto ilícito-criminal emergirá a responsabilidade contratual da ré (considerando o contrato de seguro materializado na apólice vigente à data dos factos, cujo teor é aceite pelas partes).
De salientar, ainda, que conforme Acórdão do STJ de 7 de setembro de 2017 (processo 959/09.2TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt), “… o nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure”.
E como igualmente foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão proferido em 8 de janeiro de 2019 (processo nº 3696/16.8T8VIS.C1.S1, acessível no sítio da internet www.dgsi.pt), “(…) embora não se tratando de um segundo julgamento, mas antes de uma reponderação, até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respetivas instâncias, não basta que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova (…)”.            
Efetivamente, não obstante estar garantido um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, não compete à Relação proceder a um segundo julgamento, competindo-lhe apenas reapreciar os pontos de facto que deverão ser enunciados pela(s) parte(s), mantendo-se também em vigor na instância de recurso o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil, segundo o qual, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
O julgador é livre na apreciação das provas, mas liberdade não é sinónimo de arbitrariedade. A liberdade  está “..vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no probatório” (vide sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1/10/2008, processo nº 3/07.4GAVGS.C2, acessível no sítio da internet www.dgsi.pt.).
A fundamentação, e nomeadamente a decisão de facto constitui uma parte crucial da decisão, pois é através dela “(…) que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório[4].
Exige-se, por isso do julgador, e desde logo em 1ª instância, onde estão plenamente presentes os princípios da imediação, da oralidade, e da concentração – princípios limitados na instância de recurso -, que exponha as razões da sua convicção.
Fundamentar uma decisão relativamente a cada facto concreto, ou com referência a um conjunto de factos, desde que entre eles exista qualquer conexão, significa expor as razões que conduziram à decisão de julgar como provado ou não provado, respetivamente, um facto ou conjunto de factos, de tal modo que em função da consistência da argumentação apresentada pelo julgador seja possível, em termos objetivos, aceitar a decisão como razoável. O julgador tem de fazer a análise crítica da prova, o que significa que tem não só de indicar os meios de prova produzidos e em que funda a decisão, mas, sobretudo, e necessariamente, explicar as razões que o levaram a conferir mais credibilidade a umas provas do que a outras, de molde a que seja possível entender a razão pela qual julgou como provados determinados factos e como não provados outros.
No que diz respeito à prova testemunhal, com referência aos factos sobre que depôs cada testemunha, o julgador deve dar a conhecer os motivos por que julgou credível o seu testemunho, conjugando-o e analisando-o conjunta e criticamente com os depoimentos de outras testemunhas que tinham conhecimento sobre o mesmo facto ou conjunto de factos, ou com outras provas que tenham sido apresentadas, designadamente, com prova documental, que sempre que seja usada para firmar a convicção do tribunal, deve também ser não só concretamente indicada, como explicada, de modo a perceber-se como é que determinado documento, por si, ou conjugado com a prova testemunhal (ou outra prova) permite confirmar, ou não, determinado facto ou factos.
“A estatuição do citado nº 4 do art.º 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança (…). Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado).”[5] – o sublinhado é nosso -.
“(…) tendo presente o alcance da exigência legal ínsita no n.º 4 do artigo 607.º do CPC, não pode deixar de se entender que a “fundamentação suficiente” se consubstancia na indicação do fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção[4] por forma a que se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado(..)”.[6]
Como diz Miguel Teixeira de Sousa[7], o julgador, ao expor a fundamentação, tem de passar de convencido a convincente, e embora aceitando este tribunal que a fundamentação possa ser realizada por referência a um conjunto de factos, desde que conexos entre si, e na sequência do que deixámos referido, temos por pertinente, citá-lo, quando afirma que “(…) A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha) determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos” – o sublinhado é nosso -.
A impugnação da decisão de facto tem, deste modo, como ponto de partida a fundamentação de facto da 1.ª instância, pois será sobre tal decisão que o Tribunal da Relação terá de aferir se ocorreu qualquer erro na formação da convicção do julgador ou se, pelo contrário, em face da exposição de motivos, se pode concluir pela razoabilidade da sua convicção, quando analisada e avaliada à luz das regras da lógica, da ciência e da experiência de vida.
Nesta instância, e tendo presente, ainda, o sobredito princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve socorrer-se de todos os meios probatórios constantes dos autos, e, se necessário, recorrer a presunções judiciais, e caso venha a proceder à alteração de qualquer facto terá de aferir sobre a necessidade de alterar outro ou outros factos concretos, que não obstante não tenham sido objeto de impugnação, exijam também alteração em consequência e por força das alterações introduzidas na matéria de facto que tinha sido objeto de impugnação.
Retomando o caso dos autos, verificamos que o primeiro bloco de factos impugnados pela ré é o que engloba os que foram julgados como provados sob os nºs 12 a 21, e que a mesma pretende sejam julgados como não provados.
Para o efeito, indica os elementos probatórios que pretende ver reapreciados e indica as razões que no seu entender conduzem a entendimento diferente do que foi firmado em 1ª instância.
Consigna-se que se procedeu à audição da prova gravada em audiência.
Os factos impugnados são os seguintes:
12. O portão de acesso para entrada de carros, é um portão que depois de terceiros acederem ao espaço interior, pode ser aberto manualmente, bastando para tal puxar as portadas, que estas abrem facilmente.
13. O pai do autor (testemunha V.G.) e esposa chegaram ao Algarve no dia 5 de agosto de 2018 para uma temporada.
14. Quando chegaram, viram o veículo, que estava estacionado, desde março, no interior da moradia, num espaço destinado a estacionamento. A testemunha V.G. foi dar uma volta no veículo.
15. No dia 7 de agosto de 2018, de manhã, o veículo continuava na casa.
16. No dia 7 de agosto de 2018, a testemunha V.G. deu por falta do carro, quando chegaram a casa da parte da tarde.
17. O portão estava encostado, mas não estava fechado na fechadura.
18. Os linguetes do portão não estavam enfiados na calçada. Não havia sinais de arrombamento.
19. Não houve danos nem objetos furtados na casa.
20. Imediatamente a seguir, o pai do autor contata com os vizinhos para saber se tinha havido na zona alguma situação anómala, tendo-lhe sido referido que não se tinham apercebido de nada.
21. O pai do autor telefonou para a GNR, que lhe disseram que não poderiam ir lá. E que tinha de ir à esquadra.
Na sentença recorrida foi exposta a seguinte motivação quanto à sobredita decisão da matéria de facto:
“(…)
Em geral:
O Tribunal fundou a convicção, relativamente à factualidade provada e não provada, no conjunto da prova produzida nos autos, analisada conjugada e criticamente.
Para o efeito, foi considerado o acordo das partes, o teor dos documentos juntos aos autos, o depoimento das testemunhas A.D., V.G., F.T., K.G., L.N., R.S., A.J..
Em síntese:
A factualidade provada em 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 26., 43., 57., resulta do acordo das partes nos articulados.
A factualidade provada em 8., 22., 23., 24., 25., 27., 35., 36., 37., 39., 40., 41., 58., 59., 61. consta dos respetivos documentos.
A factualidade provada em 9., 10., 11., 12., 13., 14., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 38., 42., 44., 45., 46., 48., 49., 50., 51., 52., 53., 54., 55., 56., 60, deve-se ao depoimento da testemunha V.G., pai do autor.
A factualidade provada em 15. deve-se ao depoimento da testemunha A.D..
(…)”.
Cumpre dizer, antes de mais – e não podemos deixar de o fazer – que a fundamentação relativa à decisão de facto, quer no que concerne ao dito bloco de factos, quer relativamente aos demais, mormente aos que também foram objeto de impugnação, roça, na realidade, a falta de fundamentação. Não basta dizer que se fez a análise crítica da prova.  A análise tem que ficar exposta na sentença, de modo a poder ser compreendido o processo de formação da convicção do julgador. O Mmº juiz do tribunal a quo limitou-se a elencar os elementos probatórios que diz ter ponderado, sem proceder à mínima análise crítica dos depoimentos das testemunhas que identificou e sem os analisar conjugadamente com a prova documental, que também se limitou a indicar, desconhecendo-se em que termos formou  a sua convicção, em particular, a razão pela qual julgou credível o depoimento de V.G., pai do autor, ponderando, por um lado, a inexistência de prova testemunhal ou documental suscetível de comprovar o depoimento que produziu em audiência quanto a factos essenciais à discussão – ponderada a causa de pedir -, por outro, que o seu testemunho revelou contradições com o teor de documentos elaborados com base em declarações que a mesma testemunha prestou perante outras entidades, designadamente, a participação de furto que fez perante a GNR de Vilamoura e a que endereçou à ré seguradora.
Posto isto, apreciemos, então, a impugnação dos factos infra referidos.
O facto nº 12 reporta-se às características do portão que permite o acesso de viaturas automóveis ao espaço/logradouro da casa identificada nos autos. Tais características foram descritas pela testemunha V.G., proprietário da casa (como se intitulou), e por isso, neste tocante, e apelando, inclusivamente, a regras da experiência, as suas declarações não podem deixar de merecer credibilidade, pois é  normal que um portão se abra manualmente, e com facilidade, a partir do logradouro de uma habitação, para o exterior. Mas, assim sendo, a abertura do portão por essa via é acessível a qualquer pessoa, autorizada, ou não, a permanecer na moradia e/ou no espaço exterior envolvente, não fazendo sentido, à luz das regras da lógica e da experiência, que se dê por assente o seguinte trecho factual: “…é um portão que depois de terceiros acederem ao espaço interior, pode ser aberto manualmente…”.
Deste modo, e tendo por base as declarações de V.G., que neste tocante se afiguram credíveis, porque suscetíveis de serem confirmadas pelas regras da lógica e da experiência, o facto nº 12, passa a ter a seguinte redação:
12. O portão de acesso para entrada de carros pode ser aberto manualmente, a partir do logradouro da habitação, bastando, para tal, puxar as portadas, que abrem facilmente.
*
No mais, com vista à apreciação da impugnação dos factos julgados como provados sob 13, a 21 (e, porventura, desde já, de outros que foram igualmente objeto de impugnação e com eles estritamente conexionados) e ponderada a exposição de motivos da recorrente, cumpre proceder à análise crítica do depoimento da testemunha já identificada, em ordem a aferir sobre a sua credibilidade.
Comecemos pela questão factual relacionada com o estacionamento do veículo no logradouro da moradia, desde março de 2018.
De acordo com o documento junto a 16/12/2020 (referência citius 27994106), correspondente a declaração emitida pela “Euro.”, V.G. efetuou pedido de assistência em viagem, em 25 de março de 2018, em Cascais, relativamente ao veículo identificado nos autos, “por motivo de avaria”.
O documento nº 5 junto com a contestação - cópia da guia de transporte efetuado pela “…” no dia 25 de março de 2018 – demonstra que sob a rúbrica “Estado Descritivo” foi feito constar “Bateria”.
V.G. confirmou em audiência que acionou o pedido de assistência em viagem. Negou, não obstante, que o veículo tivesse qualquer avaria (não esclareceu se deu essa indicação aquando do pedido de assistência), mas, apenas, uma das baterias descarregada (a mais pequena), o que o impedia de circular, razão pela qual chamou a assistência em viagem (o que não se mostra conforme com o que resulta do primeiro documento assinalado, onde é salientado que o pedido de assistência foi feito por motivo de avaria ).
Acrescentou que o veículo foi conduzido, em reboque, para as oficinas da empresa “N…”, em Alfragide, onde procederam ao carregamento da dita bateria, sem cobrarem qualquer quantia por tal serviço.
V.G. afirmou em audiência que não acompanhou o veículo, tendo ido, inclusivamente, juntar-se a amigos em Lisboa (que identificou) e que o foi recolher quando lhe telefonaram da N….
As suas declarações estão em contradição com as que foram prestadas por A.J., condutor do reboque, e cujo depoimento revelou imparcialidade e isenção, pelo desinteresse demonstrado relativamente aos factos em discussão, tendo sido assertivo quando disse que para levar um “carro destes” para a “N…” tinha de ir acompanhado pelo “segurado” (reportando-se inequivocamente a V.G. que pediu a assistência em viagem), porque não ia levar sozinho um carro para a dita oficina, sabendo, de antemão, que ali não ia ser recebida (disse que a N… não tem baterias para os veículos Tesla), o que é sustentado pela informação prestada pela “N…” em 17/12/2020 (referência citius 28003891): informou que não tem meios de reparação/substituição de baterias para os veículos de marca Tesla, modelo Model S.
A dita testemunha foi, ainda, confrontada com um documento, do qual consta a assinatura de quem assume a responsabilidade pela viatura no local do destino, tendo dito que foi assinado pela pessoa que o acompanhou.
O seu depoimento só não nos permite extrair uma conclusão segura sobre a causa que, na realidade, determinou o pedido de assistência em viagem, e nomeadamente, se o carro apresentava avaria não determinada, uma bateria em fim de vida a necessitar de substituição, ou se necessitava apenas de ser carregada, uma vez que  revelou não possuir conhecimento sobre tal situação.
O seu testemunho, pelas razões indicadas, é merecedor de credibilidade, tendo ficado por esclarecer o motivo pelo qual V.G. prestou declarações em sentido oposto, ou seja, negando a sua presença junto da oficina no dito dia 25 de março de 2018, faltando, sem dúvida, e nesta parte, à verdade.
V.G. disse que era cliente habitual da N..., sita em Alfragide, por ali serem assistidas todas as viaturas de que é proprietário, tendo sido essa a justificação apresentada para o Tesla ser para ali deslocado e não para qualquer outra oficina mais próxima do local de onde foi rebocado.
Então, questionamos: tendo acompanhado a viatura, não procurou qualquer colaborador seu conhecido? Não procura, saber, de imediato, qual o problema real que o veículo apresentava (não sendo técnico/mecânico, como poderia ter a certeza de que a bateria só necessitaria de ser carregada: quando pediu a assistência disse que o carro apresentava “avaria” e a guia de transporte refere simplesmente como problema “bateria”)?; e não questiona a oficina sobre o “timing da intervenção”?; sobre se o veículo poderia ser, ali intervencionado?.  
Tratam-se de comportamentos que o cidadão médio, colocado na mesma posição da testemunha, não deixaria seguramente de adotar.
E o que fez, efetivamente V.G. no local, para onde foi conduzido no reboque? O que procurou fazer para resolver a situação da viatura? Não olvidemos que sob o ponto 47, e não obstante o supra referido testemunho de V.G. (que negou perentoriamente o acompanhamento da viatura no reboque), foi dado como provado que: “O veículo foi deixado no exterior da oficina, com o pai do autor. O reboque foi-se embora.” – itálico nosso -, sem que resulte da motivação a razão pela qual só neste ponto em concreto o depoimento de V.G. não foi credível, não se compreendendo, aliás, à luz das declarações que o mesmo prestou em audiência e tendo presente o que foi julgado provado sob aquele ponto 47, se venha a considerar, que não ficou demonstrado que V.G. tenha faltado à verdade (!!!) – (primeiro “facto” dado como não provado, relativamente ao qual, por ora, pese embora venha impugnado, não nos pronunciaremos -).
V.G. também não aludiu a qualquer contato mantido com a oficina para falar sobre o “problema” da viatura, situação que mais uma vez não se mostra conforme com as regras da vida.
Não foi produzida prova que demonstre que o carro deu entrada na oficina (o condutor do reboque deixou a viatura no exterior).
A testemunha L.N., no âmbito da averiguação que efetuou a propósito do sinistro comunicado à ré, apurou junto da oficina N…. que esta não tinha qualquer registo de entrada do veículo nas oficinas, nem registo de prestação de qualquer serviço (remunerado ou não), por referência à sobredita data, o que não se compatibiliza com os procedimentos habituais de uma oficina, especialmente da dimensão da N…, independentemente do tipo de intervenção.
Não foi apresentada qualquer testemunha que confirmasse a entrada do veículo na oficina e/ou que ali tivesse sido feito o carregamento de bateria(s).
Na ausência de elementos probatórios objetivos que comprovem: a) que o veículo apresentava, à data, qualquer disfunção, ou, a tê-la, em que consistia efetivamente o problema; b) que o veículo deu entrada na oficina depois de ser rebocado e ter ficado estacionado no exterior daquela; c) que tenha sido objeto de qualquer intervenção por parte da N…; d) e sopesando as declarações não verdadeiras de V.G. acerca do acompanhamento do veículo aquando do seu reboque, o depoimento desta testemunha é insuficiente para ter como garantido, com o mínimo de segurança exigível, que a N… procedeu ao carregamento de uma das baterias do veículo, na data do reboque ou em qualquer data posterior a essa.
V.G. declarou, ainda, que depois do carregamento da bateria o carro foi conduzido para o Algarve, pelo seu filho, onde permaneceu até ao dia 7 de agosto de 2018.
Não foi produzida qualquer outra prova que permita sustentar a deslocação do veículo para o Algarve e sobre quem o conduziu.
Ponderadas as fragilidades já apontadas ao testemunho de V.G. relativamente aos acontecimentos atinentes à alegada assistência prestada ao veículo, o seu testemunho é, de per si, insuficiente, para ter como demonstrada a realização da viagem efetuada pelo seu filho, naquele mês de março, para o Algarve.
E eis-nos chegados ao período temporal compreendido entre 5 e 7 de agosto de 2018.
V.G. disse que chegou a Vilamoura no dia 5 de agosto, entre as 23H e as 00H00 do dia 6/08. Do seu depoimento não resulta que tivesse vindo para passar “uma temporada”, tendo dito, ao invés, que depois do dia 7 deixou o Algarve.
Acrescentou que depois de chegar retirou o Tesla do local onde estava estacionado (no logradouro da casa) – para que andasse um pouco - e que foi comprar alimentação (- salada e hamburger - o que, não sendo minimamente relevante para o caso, acaba por relevar no seguinte: fez questão de esclarecer que não foi ao M…, mas, mais à frente do seu depoimento, de forma espontânea, disse que se tinha dirigido precisamente a um restaurante daquela cadeia, o que é revelador de falta de consistência no relato, que, sendo fluente, revelou-se sistematicamente prolixo, com introdução de factos sem o mínimo interesse para a discussão e que, não raro, visavam contornar contradições com que foi confrontado, como veremos infra); que regressou a casa e estacionou o veículo no mesmo local. Acrescentou que  no dia seguinte foi para Albufeira, para outra casa que ali possui, onde pernoitou, e que regressou a Vilamoura no dia 7 de agosto, tendo chegado a casa cerca das 19H, altura em que deu pela falta do veículo; que de imediato percorreu a zona questionando pessoas a fim de aferir sobre se tinham visto algo anómalo. Prosseguindo o seu depoimento, disse que ninguém tinha dado conta de algum acontecimento, tendo discorrido, a este propósito, sobre as pessoas que residiam nas casas próximas, que até vigiavam a sua moradia. Curiosamente, nenhum desses moradores foi chamado como testemunha, para depor, por exemplo, sobre a permanência do veículo no início de agosto de 2018 no logradouro da residência, nem foram identificadas quaisquer das pessoas a quem a testemunha se terá dirigido para aferir sobre acontecimentos “anómalos” ocorridos entre 6 e 7 de agosto, até às 19H, ou até, para poderem confirmar, como sustentou em audiência, que não deixou o veículo estacionado na rua, questão que abordaremos infra.
Quem veio dizer que no dia 7 de agosto de 2018, pela manhã, a viatura de marca Tesla estava no logradouro da residência, foi a testemunha A.D..
O seu testemunho não nos pode merecer, porém, e no que importa, qualquer credibilidade.
Disse que cuidava do exterior da casa, onde se deslocava duas vezes por mês, e que lhe pediram para ir no dia 7 de agosto de 2018 (não indicou quem lhe pediu para ir trabalhar nesse dia).
Passados cinco anos sobre os factos, a testemunha revelou não ter memória segura (ou mesmo qualquer memória) sobre várias questões que lhe foram colocadas a propósito da manutenção que fazia na casa, excetuando sobre a seguinte situação, que repetiu sistematicamente ao longo do seu depoimento: que no dia 7 de agosto, de manhã, quando se dirigiu à casa para realizar trabalhos, o veículo estava estacionado no local destinado a parqueamento. Repetiu, ainda, espontaneamente, que no dia 6 de agosto, o Sr. V.G. lhe ligou a comunicar que a viatura tinha desaparecido, sem se dar conta da incongruência de tal afirmação, mesmo depois de ser alertado para o efeito, tendo-a reiterado, revelando um nervosismo típico de quem não “está à vontade” no depoimento, o que foi “visível” nesta instância através da audição integral do seu testemunho, não se compreendendo deste modo, dando-se razão à recorrente, como é que o facto 15 pode ser dado como provado apenas com base num depoimento incongruente e inconsistente como foi o da dita testemunha, cuja memória seletiva não temos como justificar. 
V.G. não fez referência à presença desta testemunha no dia 7 de agosto, no local, não se tendo apurado, sequer, como se disse, quem teria solicitado a prestação de quaisquer trabalhos naquela mesma data.
 Ninguém confirmou a presença de V.G. na casa de Vilamoura, nos dias 5 e/ou 7 de agosto de 2018.
Ninguém confirmou que o mesmo circulou com o veículo Tesla no dia 5 de agosto, à noite.
Ninguém confirmou a realização de telefonema para a esquadra da GNR, facto que não revela, porém, interesse, relevando, apenas, o facto de V.G. ter feito uma participação de furto de veículo, no dia 7 de agosto de 2018, às 21h23, no posto territorial de Vilamoura, como se colhe da participação feita junto daquela força militar e cuja cópia foi apresentada com a petição inicial.
Nessa participação, diz que depois de circular com o veículo Tesla no dia 5 de agosto de 2018, estacionou-o “(…) no estacionamento da rua …, Vilamoura no dia 05 de Agosto de 2018 por volta das 23H”
Mais disse que estacionou de forma legítima e que deixou a viatura devidamente fechada e que “…no dia de hoje 07 de agosto de 2018 (…) por volta das 16H00 verificou que a mesma não se encontrava no local acima referido.”
Em julgamento, confrontado com a circunstância de resultar da dita participação que teria deixado o carro estacionado na rua, explicou que estacionou na rua, “…dentro da moradia, dentro do jardim da moradia”, que se situa na Travessa ….
A dita justificação, não permite superar a contradição.
Quando se diz que se estaciona um veículo no estacionamento de qualquer rua, quer dizer-se que se estaciona na via pública e não no logradouro de habitação, situado nessa rua. A testemunha revelou ter facilidade de comunicação e um discurso fluente, pelo que saberia distinguir uma situação da outra. Acresce que, recorrendo às regras da lógica e da experiência, quando se estaciona no logradouro de uma habitação própria, não se afirma que se estacionou de forma “legítima”, tal expressão só é compreensível para justificar o estacionamento em local público, adequado para tal fim e em conformidade com as regras estradais.
V.G. disse em audiência que deu pela falta do veículo às 19H do dia 7 de agosto (saiu da casa de Albufeira entre as 16H e as 17H, mas ainda foi à marina, “Geralmente, o ex-libris é ir à marina tomar um café e estar um bocadinho na marina”, e que só foi para casa uma hora ou duas depois), quando, na GNR, participou que tinha dado pela falta do veículo às 16H, contradição que não foi explicada em julgamento.
Dito isto, e tendo apenas por base o depoimento da referida testemunha, não podemos ter como verdadeira a versão dos factos relatados em audiência, sendo que o militar da GNR ouvido no julgamento confirmou que na Travessa onde se situa a casa do autor existe lugar para estacionamento automóvel, resultando, ainda, das suas declarações que do que ficou escrito extrai que o carro tinha ficado estacionado na rua, circunstância que tem influência na intervenção dos militares da GNR na investigação de crime de furto, pois quando existe notícia de que um veículo foi retirado do interior de espaço vedado, têm de fazer deslocação ao local para aferir sobre a existência de arrombamento (a experiência na área criminal revela-nos, precisamente, que um dos atos de investigação quando há notícia  de furto praticado em espaço vedado é a deslocação ao local a fim de se aferir sobre a possibilidade de a subtração do bem ter sido cometida por arrombamento, escalamento ou chaves falsas – o que permitirá aferir sobre o crime efetivamente cometido – cf. Arts. 203º, 204º, nº 2, al. e), e 202º, al. d), do Código Penal e/ou para aferir da possibilidade de recolha de impressões digitais), o que no caso não aconteceu, como decorre quer das declarações do militar da GNR ouvido em audiência, quer da certidão junta aos autos atinente ao inquérito criminal.
As declarações prestadas em audiência pela testemunha V.G. também estão em contradição com o que relatou à seguradora em 27/09/2018. Do documento designado como nº 5 apresentado com a contestação (hás dois documentos com esta numeração) e que traduz a participação feita por V.G. à Companhia de Seguros naquela data, consta o seguinte: “No dia seis de agosto 2018 pelas 23H00 ausentei-me da minha moradia em Vilamoura tendo verificado que o veículo 57-50-34 se encontrava no interior da moradia estacionado pelo meu filho mais ou menos dois três meses.
Ausentei-me para Albufeira nessa noite, tendo regressado no dia 07 de Agosto mais ou menos pelas 19h00 altura em que dei pelo furto do veículo (…)”.
Ora, em audiência, a testemunha disse que se ausentou para Albufeira no dia 6 de agosto, onde esteve todo o dia a preparar um apartamento para entregar para gozo de férias de outrem, e que só regressou a Vilamoura, no dia 7, dentro do horário já referido.
Não foi apresentada justificação para esta contradição.
Já do documento nº 3, apresentado com a contestação e que traduz a comunicação efetuada pelo autor à seguradora, foi feito constar o seguinte:
“Data: a data da ocorrência não é certa pois o veículo encontrava-se estacionado desde dia 28 de março de 2018, em Vilamoura, na travessa ….
(…)
Descrição: A viatura foi estacionada na travessa …. dentro da moradia das …, no dia 28/03/2018 por volta das 23h. O desaparecimento da mesma foi detetado no dia 07/08/2018 quando o meu pai não encontrou.
(…)”
O que se estranha nesta comunicação é a falta de precisão quanto à data da ocorrência. Pai e filho não falaram sobre o “desaparecimento” do veículo? O testemunho de V.G. aponta no sentido de que falaram efetivamente um com o outro, o que, apelando mais uma vez às regras da lógica e da experiência, é normal ter sucedido. Inexiste, pois, justificação para a indicação dada pelo autor quanto à dilação temporal para a ocorrência do “furto”, e a indicação de que a data do sinistro não era certa, quando, a crer em V.G., aquele teria necessariamente ocorrido entre a manhã do dia 6 de agosto de 2018 e as 19H do dia 7 de agosto do mesmo ano, sendo do conhecimento comum que havendo notícia segura sobre o balizamento do circunstancialismo temporal da prática de um crime, este não deixará de ser relatado, por se tratar de elemento relevante.
Por último, cabe referir que não foi produzida prova sobre as circunstâncias em que “terceiros” poderiam ter tido acesso à chave do veículo para o colocar em funcionamento e como é que o mesmo, atentas as suas características (algumas já tinham sido objeto de modificação, como resulta da circunstância do veículo ter sido reparado depois ter sido dado como perda total nos EUA, o que determinou, inclusivamente, a desconexão com os serviços da marca) poderia ter sido colocado em andamento.    
Os factos relatados por V.G. em audiência não foram confirmados por qualquer outro elemento probatório objetivo e fidedigno; a testemunha, não revelou distanciamento nem isenção face aos acontecimentos descritos; faltou à verdade a propósito da matéria supra enunciada e apreciada; entrou em contradição com o teor de documentos elaborados a partir de declarações que havia prestado anteriormente perante terceiros; gerando, assim, dúvidas acerca dos acontecimentos narrados, que não lograram ser superadas, pelo que, de per si, o seu testemunho é insuficiente para sustentar a prova dos factos referenciados na decisão recorrida.
Em face do exposto, e no que tange aos factos que foram provados sob 13 a 21, mormente, dos que revestem interesse para a decisão, à luz da causa de pedir na qual o autor funda a sua pretensão, decide-se alterar a decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos: os factos provados sob 13, 14, 15, 16, 17, 18 (1ª parte), 20 e 21, passam a ter-se como não provados.
A segunda parte do facto nº 18 “Não havia sinais de arrombamento”, para além de estritamente conclusiva, encerra um conceito de direito, que careceria de ser concretamente descrito por referência ao disposto no art.º 202º, al. d), do Código Penal, razão pela qual não pode a dita matéria constar do elenco factual da decisão.
Ainda em consequência do exposto e dada a análise global efetuada, os factos 48, 49, 50, 51, 53, 54, 55, e 56 passam a considerar-se como não provados, assim como o 60, na medida em que tem como subjacente o alegado furto do veículo.
Não se altera o facto 19, por o mesmo não ter qualquer relevância para a decisão.
A ré também impugnou a decisão relativamente aos pontos da matéria de facto nºs 60, 62, 63, 65 e 66.
Relativamente à matéria descrita em 62, e tendo em consideração o que já se deixou expendido, não se pode manter a decisão de 1ª instância. Acresce, porém, que se trata de matéria sem a mínima relevância para a discussão e decisão da causa e, que, como tal, não deveria constar da fundamentação (relevaria, quando muito, para se aferir sobre a necessidade de extrair certidão das declarações prestadas pela testemunha para fins de procedimento criminal – cf. Art.º 359º, Código Penal), pelo que decide-se eliminá-la do rol dos factos não provados.
A causa de pedir da ação funda-se na ocorrência dum sinistro – furto de veículo pertencente ao autor – na qual, e por força do contrato de seguro celebrado com a ré, o autor pede que lhe seja pago o valor peticionado a final, no âmbito da cobertura contratada.
Deste modo, cabia ao autor, por força das regras sobre o ónus da prova previstas no art.º 342º, nº 1, do CC, a demonstração dos factos suscetíveis de revelar a ocorrência do furto (tipo base – cf. art.º 203º, nº 1, do Código penal).
Entendemos que não haverá lugar à reapreciação da matéria de facto quando em face das circunstâncias próprias do caso, a mesma não tenha relevância jurídica para a decisão, porque sempre redundaria na prática de um ato inútil, que é vedado por lei (cfr. art.º 130º CPC).
“(…) A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que nada impede o Tribunal da Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil. Assim, “Não viola o dever de reapreciação da matéria de facto a decisão do Tribunal da Relação que não conheceu a matéria fáctica que o Apelante pretendia que fosse aditada ao factualismo provado (…) tendo subjacente a sua irrelevância para o conhecimento do mérito da causa (…)”. Na verdade, “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância”.[8]
Assim, não se procede à reapreciação da matéria de facto contida nos pontos 60, 63, 65 e 66.
Por força das alterações introduzidas à decisão de facto, urge, ainda, proceder à retificação do facto provado sob o nº 24 (Na data em que foi detetado o desaparecimento do veículo, 7 de Agosto de 2018, o contrato de seguro estava em vigor, cf. fls. 13 verso - 14.), que passa a ter a seguinte redação:
24. Na data em que foi comunicado o desaparecimento do veículo, 7 de agosto de 2018, o contrato de seguro estava em vigor, cf. fls. 13 verso - 14.
Tendo presente a certidão extraída do processo criminal instaurado na sequência da participação do autor, impõe-se, ainda, alterar o facto descrito em 23), de molde a conformá-lo com o teor e alcance do despacho certificado, uma vez que do mesmo não resulta a evidência de ter sido recolhida prova suscetível de evidenciar a ocorrência de factos subsumíveis aos elementos objetivos do crime (base) de furto.
Assim, o facto 23, passa a ter a seguinte redação:
23. O inquérito … foi arquivado com o fundamento de que não foi possível apurar a identidade dos agentes de crime.
*
Na sequência do exposto os factos relevantes para a decisão de mérito, e para além dos descritos em sede de relatório, são os apurados em 1ª instância com as alterações supra decididas por este Tribunal, pelo que o quadro factual que importa considerar é o seguinte:  


Factos Provados:
1. O autor é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca TESLA, de matrícula …, conforme certificado de matrícula de fls. 6 verso - 7.
2. O autor celebrou com a ré acordo escrito denominado contrato de seguro que, para além do seguro de responsabilidade civil obrigatório, contemplava igualmente, no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, com cobertura em roubo e furto, cf. documento de fls. 8 e seguintes.
3. O contrato de seguro era continuado, com a periodicidade anual e com pagamento anual.
4. O contrato de seguro era de periodicidade anual, com renovação anual, com pagamento em uma só prestação, e com o prémio comercial e anual do contrato de seguro celebrado era no valor de €680,52.
5. Em 21 de janeiro de 2018, a ré remeteu ao autor, a renovação das condições gerais e particulares do contrato de seguro.
6. Das condições particulares do contrato de seguro, consta na rúbrica coberturas, além de outras, o furto ou roubo.
7. De igual modo, consta que o capital segurado em caso de roubo ou furto, para a anuidade de 27/02/2018 a 26/02/2019 é de € 45.926,23.
8. E franquia de €2.000,00, cf. fls. 8 verso.
9. Os pais do autor são os proprietários de vivenda na Rua …, em Vilamoura.
10. A moradia é delimitada por um muro, com um parque de estacionamento no interior, cujo acesso é feito através de um portão.
11. Na perspetiva do exterior a moradia tem um portão para entrada de veículos.
12. O portão de acesso para entrada de carros pode ser aberto manualmente, a partir do logradouro da habitação, bastando, para tal, puxar as portadas, que abrem facilmente.
13. Não houve danos nem objetos furtados na casa.
14. O pai do autor, uma vez que este se encontrava no estrangeiro, deslocou-se ao Posto Territorial da GNR de Vilamoura, Comando Territorial de Faro, e apresentou queixa contra desconhecidos por furto do veículo, que deu origem ao NUIPC …, cf. conforme auto de fls. 11, de 7.8.2018. Em que a testemunha V.G. disse: “Que estacionou o veículo de matrícula …, marca tesla, cor preta, propriedade do seu filho, o Sr. B..., melhor identificado no presente auto, no estacionamento da rua … – Vilamoura, no dia 5 de Agosto, por volta das 23 horas. Relata que estacionou de forma legítima e que deixou a viatura devidamente fechada. Afirma que no presente dia de hoje de 7 de Agosto de 2018, ao chegar junto da referida viatura, por volta das 16 horas, verificou que a mesma não se encontrava no local acima referido. Prontamente procurou nas mediações na rua, ou se algum vizinho seu tinha visto algo fora do normal, a que se confirmou que nenhum dos seus vizinhos tenha avistado algo. O denunciante refere que não sabe precisar o valor comercial do veículo, e que o mesmo veio importado do Estados Unidos de América a cerca de 3 ou 4 anos. O Sr. V.G. declara que o seu filho o Sr. B.... não se encontra no país, visto que se encontrava no estrangeiro a trabalho e que só regressa ao país em finais de Outubro. Cita que todos os documentos referentes ao veículo furtado encontravam-se dentro do porta luvas do mesmo, menciona que não sabe precisar qual a seguradora do veículo, mas que futuramente vai chegar o documento. Alude que deseja procedimento criminal contra o autor do crime.”
15. O inquérito … foi arquivado com o fundamento de que não foi possível apurar a identidade dos agentes de crime.
16. Na data em que foi comunicado o desaparecimento do veículo, 7 de agosto de 2018, o contrato de seguro estava em vigor, cf. fls. 13 verso - 14.
17. A participação do alegado furto à ré foi formalizada através de comunicação da testemunha V.G. de 7.8.2018, recebida pela ré, de fls. 48 e verso. “No dia seis de Agosto de 2018 pelas 23 horas ausentei-me da minha moradia em Vilamoura tendo verificado que o veículo … se encontrava no interior da moradia estacionado pelo meu filho há mais ou menos dois ou três meses. Ausentei-me para Albufeira nessa noite, tendo regressado no dia 7 de Agosto, mais ou menos pelas 19 horas.” Previamente, o autor enviou à ré o email de fls. 43 verso.
18. Após troca de correspondência via mail entre as partes, a ré remeteu em 07 de novembro de 2018, uma comunicação ao autor, a declinar qualquer responsabilidade pela liquidação decorrente do mesmo, cf. fls. 13.
19. Na carta, a ré escreve: “(…) após análise do processo, nomeadamente averiguação efetuada, se constatou a existência de um conjunto de irregularidades que nos levam a concluir que o sinistro não terá ocorrido de uma forma aleatória, súbita e/ou imprevista …”.
20. Na sequência da participação do sinistro efetuada, a ré procedeu às diligências averiguatórias habituais.
21. No que toca à averiguação, o A. informou que o mesmo se encontrava estacionado desde 28.03.2018 em Vilamoura, tendo o seu desaparecimento sido detetado em 07.08.2018.
22. O autor informou que o veículo se encontrava estacionado no interior da moradia das buganvílias sita na Rua …, em Vilamoura, propriedade dos seus pais.
23. No âmbito da averiguação foi efetuada deslocação ao local, tendo-se constatado que se trata de uma zona de moradias de luxo com ocupação sobretudo sazonal visto serem propriedades, na sua maioria, de aluguer.
24. Da perspetiva do exterior verificou-se que a moradia tem um portão para entrada de veículos, não apresentando o mesmo qualquer dano nem na sua estrutura nem na fechadura – tudo conforme fotografias do local que se juntam como doc. 04 e se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais.
25. Sobre a utilização de Via Verde, o autor costuma viajar para o Algarve sempre por estradas nacionais, nomeadamente no percurso de ida.
26. Prosseguindo com as diligências da averiguação, foi o pai do autor contatado pelo averiguador da Ré.
27. Conforme email de fls. 116, a Tesla não dispõe de qualquer registo de entrada da viatura nos serviços, em Portugal.
28. A Tesla informou este Tribunal que o veículo “foi considerado como salvado nos Estados Unidos em 2014, passando a ser um veículo Unsupported pela Tesla a partir desse momento, não havendo qualquer registo de entrada do mesmo em instalações da empresa após agosto de 2014. Tratando-se de veículo Unsupported, o mesmo ficou desconectado da nossa rede, pelo que deixámos de ter acesso remoto ao mesmo, uma vez que o veículo passou a ser offline. (…) Em relação a saber se o sistema GPS do veículo se encontra funcional ou não, poderemos proceder a diagnóstico com o veículo nas nossas
instalações, caso o mesmo nos seja solicitado.”, cf. fls. 214.
29. A Tesla informou este Tribunal que o veículo foi considerado salvado em 2014 devido aos danos no veículo resultantes de um acidente que causou a perda total do mesmo, cf. fls. 226.
30. O veículo segurado foi importado pelo autor dos Estados Unidos da América.
31. O IMTT informou este Tribunal que não consta registo de qualquer informação associada a inspeções efetuadas à viatura com a matrícula …. “Conseguiu-se, no entanto, apurar que esta viatura teve antes a matrícula … (dos Estados Unidos) e foi com esta matrícula que foi inspecionada para efeitos de atribuição de matrícula nacional em 3.2.2017. Nada consta sobre as inspeções obrigatórias seguintes. Segue em anexo a informação da inspeção atrás referida onde consta a data da inspeção seguinte.”, cf. fls. 123. A fls. 125 consta que o veículo de matrícula … foi inspecionado em 3.2.2017, sendo a data da próxima inspeção em 25.4.2018.
32. O veículo deveria ter sido sujeito a IPO até ao dia 25.04.2018, o que não aconteceu, mantendo-se desde essa data sem IPO válida.
33. A fls. 133 verso encontra-se documento de 3.2.2017, do IMTT certificando que o veículo de matrícula … se encontra em condições de circular em segurança.
34. O veículo para ser legalizado em Portugal teve que ser sujeito a adaptação de Stops, pois os sinais de Stop americanos não são compatíveis com os de Portugal, pelo que o autor teve que proceder à adaptação do veículo para poder ser enquadrado na legislação portuguesa.
35. Inexiste cláusula do seguro que exclua a responsabilidade em caso de ausência de IPO.
36. O veículo segurado era modelo S, elétrico, conforme consta do certificado de matrícula.
37. O veículo tem 2 baterias: Uma das baterias é a do registo central, e uma outra corresponde a bateria, que define a autonomia de circulação, esta segunda bateria em caso de falta de energia impede o veículo de circular.
38. No dia 25 de março de 2018, foi feito um pedido de assistência pelo pai do autor, tendo o carro sido rebocado para a N… de Alfragide.
39. O veículo foi deixado no exterior da oficina, com o pai do autor. O reboque foi-se embora.
40. A falta de carga impede do veículo de circular.
41. O autor havia efetuado na N…. mudança de pneus e alinhamentos na referida oficina durante o ano de 2017.
42. A Euro… informou este Tribunal que “confirmamos a solicitação de assistência em viagem ao veículo de matrícula …, que ocorre cerca das 16.20 horas do dia 25.3.2018. Este pedido ocorre por motivo de avaria, encontrando-se a viatura na Avenida …, em Cascais. O pedido de assistência foi-nos dirigido pelo Sr. V.G., que indicou ser pai do segurado. A viatura foi rebocada para a oficina N…, em Alfragide.”, cf. fls. 119 verso.
43. A N… informou este Tribunal que não tem meios de reparação/substituição de baterias para os veículos de marca Tesla, modelo model S, cf. fls. 121.
44. Em 25.07.2019 a ré recebeu a notificação para penhora de créditos do autor relativamente à indemnização pelo furto do veículo, cf. fls. 50 verso e 56 verso.
*
Factos Não Provados:
A) O pai do autor (testemunha V.G.) e esposa chegaram ao Algarve no dia 5 de agosto de 2018 para uma temporada.
B) Quando chegaram, viram o veículo, que estava estacionado, desde março, no interior da moradia, num espaço destinado a estacionamento. A testemunha V.G. foi dar uma volta no veículo.
C) No dia 7 de agosto de 2018, de manhã, o veículo continuava na casa.
D) No dia 7 de agosto de 2018, a testemunha V.G. deu por falta do carro, quando chegaram a casa da parte da tarde.
E) O portão estava encostado, mas não estava fechado na fechadura.
F) Os linguetes do portão não estavam enfiados na calçada.
G) Imediatamente a seguir, o pai do autor contata com os vizinhos para saber se tinha havido na zona alguma situação anómala, tendo-lhe sido referido que não se tinham apercebido de nada.
H) O pai do autor telefonou para a GNR, que lhe disseram que não poderiam ir lá. E que tinha de ir à esquadra.
I) Esse pedido de assistência não decorreu por motivo de avaria da bateria/ bateria em fim de vida, mas tão-somente por bateria descarregada, ou seja, falta de energia da bateria.
J) Em virtude da falta de bateria, a N… de Alfragide procedeu ao carregamento da mesma, encontrando-se assim, o carro apto para circular, tendo nos dias seguintes o veículo circulado para o Algarve onde ficou estacionado até à data do seu desaparecimento.
K) Não se tratou se avaria de bateria, mas tão-somente falta de carga.
L) O veículo não apresentava quaisquer avarias ou baterias no fim de vida, mas sim falta de carga.
M) Rebocado o veículo para a oficina foi a bateria carregada e o veículo começou a circular, razão pela qual não existia qualquer registo de entrada ou intervenção no veículo.
N) O carregamento da bateria é gratuito, pelo que não ficou registada a sua entrada na oficina.
O) Não se procedeu a troca de baterias por “estarem em fim de vida”, mas tão somente ao seu carregamento.
P) O veículo não foi sujeito a qualquer intervenção que não fosse o simples carregamento de bateria, pois tal oficina dispunha de mecanismos aptos ao carregamento.
Q) O veículo nunca veio a ser encontrado.
R) O interesse do A. é o de receber o valor do capital seguro por um veículo com problemas de dimensão desconhecida e com eventuais alterações/adulterações que impossibilitariam o mesmo de ser apresentado à marca.
S) Acresce que, em virtude do não atempado pagamento do valor indemnizatório devido contratualmente por uma seguradora, no âmbito do seguro facultativo, por danos próprios, com a consequente não disponibilidade ao lesado da respetiva quantia para adquirir esse novo veículo, causou uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades familiares, profissionais e de lazer do proprietário, devendo fixar-se o respetivo valor de ressarcimento, que se fixa em €3.000,00.
T) O veículo mantinha um recall da marca tesla com data de 29.3.2018.
U) Por fim, refira-se que se apurou que o A. se encontra ligado à importação de uma marca de veículos elétricos, …., sendo engenheiro mecânico e tendo ele próprio efetuado as alterações ao nível dos Stops, para que o veículo seguro pudesse ser legalizado em Portugal – conforme prints que se junta como doc. 14 e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, salientando-se a correspondência entre o número de contacto da empresa e o número de contacto do A. constante da sua ficha de cliente na R..
Fundamentação de Direito
A alteração da decisão relativa à matéria de facto impõe decisão de direito distinta da que foi proferida em 1ª instância.
O contrato de seguro é um acordo mediante o qual o segurador assume perante o tomador do seguro a cobertura de determinados riscos – aqueles que forem efetivamente contratados – satisfazendo as indemnizações ou o pagamento do capital seguro em caso de verificação do sinistro.
É o que resulta do disposto no art.º 1º, do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril (posteriormente alterado pelas Leis nºs 147/2015, de 9/09 e, mais recentemente, pela Lei nº 75/2021, de 18/11), de acordo com o qual, “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
De acordo com o disposto no art.º 37º do mesmo diploma, o texto da apólice de seguro inclui todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente, as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis (nº 1), dela devendo constar, além do mais, a natureza do seguro; os riscos cobertos (nº 2, alíneas c), e d)); os direitos e obrigações das partes, o capital seguro ou o modo da sua determinação (nº 2, alíneas f), e g)). 
Em regra, o contrato de seguro é um contrato de adesão, mas não deixa de se reger pelo princípio da liberdade contratual (cf. art.º 11º do dito diploma legal), consagrado no art.º 405º, nº 1, do Código Civil, de acordo com o qual as partes têm a faculdade de “(…) fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”, na medida em que seguradora e segurado podem integrar cláusulas particularmente negociadas, a que pretendem vincular-se.
Deste modo, o contrato de seguro, a par de cláusulas gerais que não são objeto de negociação individual e a que o segurado se limita a aderir, pode integrar cláusulas contratuais negociadas pelas partes, integrando habitualmente tais cláusulas as condições particulares da apólice.
No caso, está demonstrado que o autor celebrou com a ré acordo escrito denominado contrato de seguro, que para além do seguro de responsabilidade civil obrigatório do ramo automóvel (Decreto-Lei nº 291/2007, de 21/08) relativo à circulação do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca TESLA, com matrícula …  contemplava, igualmente, para o que ora importa, e no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel, a cobertura de furto.
Em 7 de agosto de 2018, V.G. participou junto da GNR de Vilamoura o furto da viatura.
A indemnização é devida se for feita prova da ocorrência do furto, não bastando a mera participação de tal ilícito criminal, junto da seguradora, de qualquer órgão de polícia criminal ou mesmo perante o Ministério Público, pois que a participação constitui uma mera notícia de um crime, não constituindo prova da sua efetiva ocorrência.
Na ação cível destinada a obter a indemnização convencionada no âmbito do contrato de seguro celebrado entre a seguradora e o segurado, é este último que está onerado com a prova da ocorrência do sinistro, e, constituindo este um crime, exige-se-lhe a prova dos elementos objetivos e subjetivos do tipo (base) (os elementos subjetivos podem ser firmados a partir dos elementos objetivos apurados, depois de analisados à luz das regras da lógica, da experiência e da vida), só não lhe sendo exigível que faça a prova da autoria do crime (pode firmar-se a existência de crime e não ser possível identificar o(s) respetivo(s) autor(es)).
Segundo o art.º 203.º, n.º 1, do Código Penal, pratica o crime de furto quem “… com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia …”.
A realização típica do crime haverá assim de implicar como seus elementos necessários um sujeito ativo (“quem”), um sujeito passivo (a pessoa relacionada com a coisa móvel alheia), uma ação (“subtrair”), um dolo específico (“ilegítima intenção de apropriação”) e um beneficiário (o agente do crime ou “outra pessoa”).
Em termos objetivos, a consumação do crime de furto basta-se com a efetivação da subtração. Mas subtração e desaparecimento não são sinónimos. Grosso modo, e para o que ora importa, subjacente ao primeiro conceito - com relevância penal -, está o apoderamento de um bem contra a vontade do(s) proprietário(s), enquanto que o desaparecimento traduz-se numa mera falta/ausência/ocultação de um bem que pode ter na sua génese diversas causas (nem sempre o desaparecimento ocorre, por exemplo, contra a vontade de quem é o proprietário da coisa).
No caso, e sem necessidade de fundamentação exaustiva, é patente, à luz do quadro factual emergente da prova produzida em julgamento, que o autor não fez prova de factos suscetíveis de serem subsumidos à dita previsão penal, não lhe assistindo, por conseguinte, o direito de haver da ré a indemnização peticionada no âmbito e por força da cobertura contratada.
Decisão
Pelo exposto, e no âmbito do enquadramento de facto e de direito traçados, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação procedente, e em revogar a decisão recorrida, absolvendo a ré “Generali Seguros, S.A.”, de pagar ao autor a quantia de €43.926,23, acrescida de juros de mora cíveis, vencidos desde a instauração da ação.
Custas pelo autor, quer na ação, quer pela apelação (art.º 527º, nº 1, CPC).
Notifique.

Lisboa, 16 de maio de 2024
Cristina Lourenço
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
Maria Teresa Lopes Catrola
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[1] Referência citius 28108165
[2] Acórdão proferido no âmbito do Processo Nº 1786/17.9/8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] In, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª edição, pág. 169, nota 276,
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de janeiro de 2019, proferido no processo 19/14.4T8VVDG1.S.1, acessível no sítio da internet, www.dgsi.pt.
[5] Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2015, págs. 350-351.
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho, proferido no processo 64/15.2T8PRG-CG1.S1, acessível no sítio da internet, www.dgsi.pt.
[7] In “Estudos Sobre o Novo processo Civil”, 2ª Edição, pág. 348.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/02/2021, proferido no processo nº 26069/18.3T8PRT.P1S1, acessível em www.dgsi.pt.