CITAÇÃO
PESSOA COLECTIVA
DEPÓSITO
NULIDADE
Sumário

- Uma vez que a citação das pessoas colectivas, por regra, obedece ao disposto nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º, n.º 2, ex vi art.º 246.º, do Código de Processo Civil, só haverá lugar à repetição da citação prevista no n.º 4, deste último artigo, quando a primeira citação haja sido validamente realizada;
- Sendo devolvida a primeira carta registada com aviso de recepção remetida para a sede da pessoa colectiva com a indicação do distribuidor postal de “endereço insuficiente”, mas comprovando-se depois, por três vezes seguidas, que os serviços postais e a agente de execução lograram realizar o depósito de expediente nesse mesmo endereço, impõe-se concluir que tal indicação não é verdadeira;
- O distribuidor postal dessa primeira tentativa de citação deveria, pelo menos, deixar o correspondente aviso ao destinatário, ao invés de devolver o expediente com a indicação “endereço insuficiente”;
- A preterição da entrega da carta registada para a primeira citação ou do respectivo aviso gera a nulidade da citação, conforme está cominado no artigo 191.º, do Código de Processo Civil.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.
1.1. O autor A demandou a ré H…, Lda.. Indicou como sede da ré o seguinte endereço: no Campo Grande, nº (…) Lisboa.
1.2. A secção averiguou da sede da ré nas bases de dados e constatou que aí consta como sede da ré a Rua …, n.º (…) Rio de Mouro.
1.3. Neste seguimento, a secretaria remeteu carta registada com aviso de recepção com vista à citação da ré no seguinte endereço: Rua …, n.º (...) Rio de Mouro.
1.4. Esta carta registada foi devolvida com a anotação de “Endereço insuficiente” aposta pelo distribuidor postal.
1.5. A secção remeteu então nova carta registada com aviso de recepção com vista à citação da ré no endereço indicado pela autora, ou seja: Campo Brande [sic], nº (...) Lisboa.
1.6. Esta carta registada foi devolvida com a anotação de “Mudou-se” aposta pelo distribuidor postal.
1.7. De seguida, a secretaria remeteu nova carta registada com aviso de recepção dirigida à ré na seguinte morada: Rua …, n.º (…) Rio de Mouro. Aí se fez constar que procedia à citação da ré “nos termos do disposto no nº. 4 do art.º 246.º do Código de Processo Civil”.
1.8. O aviso recepção voltou com a seguinte declaração aposta pela distribuidora postal: “Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”.
1.9. De seguida, foi exarado o seguinte despacho no dia 6/12/2021:
“Conforme se constata, a citação da R. foi realizada mediante o depósito da mesma na respetiva caixa postal nos termos do artigo 246.º do Código do Processo Civil, atenta a devolução das cartas iniciais enviadas para a morada indicada pelo A. e para a morada da R. constante no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Com efeito, mostram-se cumpridos os procedimentos estabelecidos no referido artigo 246.º, mais concretamente o que constata no seu n.º 4.
A citação ter-se-á então que ter como realizada nos termos do n.º 2 do artigo 230.º do mesmo código.
“Observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 e 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do art.º 229.º e o n.º 2 do art.º 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando a presunção legal – não ilidida – de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados”.
Tendo-se a R. como devidamente citada, não tendo sido apresentada contestação no prazo legal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 567.º do Código do Processo Civil,
consideram-se confessados os factos articulados pelo A..
Cumpra-se o disposto no n.º 2 do mesmo artigo relativamente à Il. Mandatária do A..
Notifique”.
1.10. Finalmente, no dia 17/1/2022, foi proferida sentença que decidiu julgar-se parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente:
1. Condenar a R. “H…”, Lda., a pagar ao A. A, a quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a sua data de citação.
2. Absolver a R. no restante peticionado.
1.11. No cumprimento dessa sentença, a secção remeteu cópia da mesma dirigida à ré para a seguinte morada: Rua …, (…) Rio de Mouro.
1.12. No dia 1/2/2024, a ré veio aos autos requerer a nulidade do processado, por inexistência de citação, invocando que tem a respectiva sede em Rua … nº (…), em Rio de Mouro, conforme consta da certidão de Registo Comercial; A Ré convencionou com os CTT, a reexpedição da correspondência remetida para a sua sede para a seguinte morada Altinho de S. João, Lote (…) em Sesimbra. Cfr. documento n.º 2; esta convenção de reexpedição com o distribuidor postal vigora desde 02/02/2021 até à presente data; a notificação da sentença, de acordo com o convencionado na convenção de reexpedição postal com o distribuidor postal, foi efectivamente depositada no receptáculo postal convencionado, ou seja, na morada Altinho de S. João, Lote (…) em Sesimbra. Cfr. Documento nº 3; em 27/07/2021, veio a ser determinada a realização de citação por via postal simples, tendo o distribuidor postal declarado ter depositado a citação na caixa postal da sede da Ré, não tendo o Réu, contudo recebido qualquer citação na respectiva caixa postal. A Ré não tomou conhecimento da citação ou sequer da existência de qualquer acção apresentada pelo ora A.; a Ré, deslocou-se aos Serviços do distribuidor postal (CTT), e apresentou reclamação lavrada no livro de reclamações, instruída com o número 29504177, datada de 1/02/2022, cuja cópia anexa ao presente requerimento como documento nº 6; A informação verbal prestada pela colaboradora, foi que, existiu um erro na distribuição postal da primeira tentativa de distribuição, uma vez que a carta foi remetida para a estação de Cacém.
É nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta quando o réu não tenha sido citado; Nulidade pela qual se pugna!
Assim sendo, requer que, para apuramento da realidade dos factos ora alegado, seja:
– Admitida a junção aos autos dos documentos ora anexos;
– Seja oficiado o distribuidor postal (ctt) a vir aos autos esclarecer a razão pela qual considerou o endereço insuficiente da carta/citação remetida pelo Tribunal com o código RE(…). Especialmente considerando que, a carta contendo a sentença e com o código de registo RE(…), foi efectivamente entregue na morada correspondente à reexpedição acordada com o distribuidor postal.
– E bem assim a responder porque não foi remetido à Ré o aviso de tentativa de entrega, para a morada da reexpedição.
– Seja ouvida a colaboradora do distribuidor postal a Srª B com domicílio profissional em Av. Gago Coutinho (…) (identificada no documento de depósito postal), e qualquer outro agente distribuidor que haja referido ter depositado a citação no receptáculo postal do ora Réu em 27-07-2021.
– Prova por inspecção judicial, designadamente a realização de tentativa de depósito de envelope análogo ao envelope contendo a petição inicial, no recetáculo postal da Ré, para que se apure da possibilidade física de tal depósito, atentas as dimensões e volumes em causa.
– Seja ouvida a testemunha C, residente em domicílio na Rua …, (…) Lisboa.
Apurada a falta de citação, por motivo não imputável à Ré, seja julgada a nulidade de todo o processo e consequentemente, seja a Ré citada para contestar e se pronunciar sobre os factos que foram imputados.
1.13. O autor respondeu desconhecer, sem obrigação de conhecer, se a Ré pediu a reexpedição de correspondência nos termos alegados. não tem a obrigação de conhecer se a mesma era insusceptível de depósito pelos motivos que alega ou outros.
Não conhece nem sobre ele recai a obrigação de conhecer se a R. não tomou conhecimento de citação aqui em discussão, nem tão pouco sabe se a Ré apresentou reclamação junto dos CTT e o que alega ter sucedido quando alegadamente apresentou a mesma.
Não se compreende o que a R. alega quanto à morada de Campo Grande: a morada que o A. indicou é a que consta dos documentos que juntou e a que consta da procuração junta pela R. Morada esta que se veio a constatar não ser a sua sede ou onde tem instalações, segundo afirma a própria R.. Morada esta onde não foi considerada citada. O lapso evidente de escrita não prejudicou a R., nem a mesma deixou de constituir uma tentativa de citação válida, pois consta a informação no envelope de “Mudou-se”.
Requereu a expedição do competente ofício para os CTT - Correios de Portugal, S.A, Av. … 13, … Lisboa, para virem informar se deu entrada, junto do mesmo, algum pedido de reexpedição de correspondência da R. e a respectiva data e se a “folha de reclamação” foi entregue junto do mesmo e a data em que terá sido entregue, enviando-se cópia dos aludidos documentos.
Concluiu que não deverá a requerida inexistência da citação ter provimento, devendo, pois, a R. ser considerada citada nos termos legais.
1.13. No dia 25/3/2022, a ré apresentou cópia de um vale postal emitido pelos CTT Correios de Portugal, S.A., onde estes exararam o seguinte:
1.14. O A. impugnou esse documento, referindo que não se procede à reexpedição de “citações via postal 2ª tentativa” ou “notificações via postal simples”, conforme consta da cláusula 3.2 das Condições Gerais do Serviço de Reexpedição de Correspondência – Pessoas Colectivas. Pelo que o A. mantém interesse e afigura-se essencial à descoberta da verdade, a produção de prova que requereu em 11 de Fevereiro de 2022 – ofício a enviar aos CTT.
1.15. No dia 5/5/2022, foi determinada a obtenção de diversas informações junto dos CTT.
1.16. A 30/1/2023 foi decidido que “Tendo em conta a resposta enviada pelos CTT e não sendo possível identificar o funcionário encarregado da distribuição postal em causa e, tendo em conta a alegação da R. que que não seria possível o depósito da citação na caixa do correio pela sua dimensão, não se vislumbrando outra forma de o tentar confirmar ou não, determino que se elabore nova carta com todos os elementos da citação (2ª tentativa) para que seja tentado o seu depósito na mesma morada.
Esta tentativa e/ou depósito deverá ser efetuada por agente de execução a nomear pelo tribunal, de forma a que não possa ser posta em causa a sua isenção, sendo os encargos a suportar pela R. e atribuídos definitivamente, a final do incidente, à parte vencida”.
1.17. Com data de 12/4/2023, a Sra. Agente de Execução nos presentes autos veio informar que no dia 11 de Abril de 2023, pelas 15:20 depositou a Citação no receptáculo postal da morada determinada pelo tribunal sito na Rua … (…) Rio de Mouro, conforme comprovativos que juntou em anexo.
1.18. Certamente sem atender ao declarado propósito do anterior acto, a ré apresentou uma contestação nos autos.
1.19. Finalmente foi proferida a decisão recorrida, onde se exarou o seguinte:
Conforme se constata, perante a sentença proferida nos autos, veio a R. defender a inexistência de citação e anulação do processado posterior, defendendo, entre o mais, que tinha um contrato de reexpedição com os CTT para outra morada e que o envelope de citação nem caberia na caixa de correio da sua sede registada. Perante a impugnação da A. do requerido pela R. o tribunal declarou “aberto o incidente de verificação da regularidade da citação da R. (artigos 292.º e seguintes do Código do Processo Civil)”.
Na impossibilidade de encontrar o funcionário dos CTT que terá efetuado a citação, e para aferir se efetivamente o envelope não cabia na caixa de correio, o tribunal determinou que tal fosse tentado através de solicitador de execução o que foi efetuado. Não se trata assim de uma nova citação (nem podia ser, pois a sentença já se encontra proferida), mas apenas de uma verificação daquilo que havia sido afirmado pela R. de que o mesmo não caberia na caixa de correio, no âmbito do incidente aberto de verificação da regularidade da citação.
Assim, caberá agora apenas decidir tal incidente.
Com eventual relevância para tal, ficou demonstrado que a R. tinha um contrato de reexpedição com os CTT da correspondência enviada para a sua sede inscrita e que, por razões não apuradas, essa reexpedição não foi efetuada relativamente à citação para os presentes autos. Mais se apurou que o funcionário dos CTT declarou que depositou a segunda carta e que a mesma cabia perfeitamente na mesma, pelo que se tem tal depósito como efetuado.
A questão a apreciar é então se o facto de existir um contrato de reexpedição para outra morada, que não a da sede da R., obsta à sua consideração como devidamente citada.
Conforme se constata, a citação da R. foi realizada mediante o depósito da mesma na respetiva caixa postal nos termos do artigo 246.º do Código do Processo Civil, na morada constante no Registo Nacional de Pessoas Coletivas. Mostram-se cumpridos os procedimentos estabelecidos no referido artigo 246.º, mais concretamente o que constata no seu n.º 4.
Conforme se constata, a citação da R. foi realizada mediante o depósito da mesma na respetiva caixa postal nos termos do artigo 246.º do Código do Processo Civil, na morada constante no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Com efeito, mostram-se cumpridos os procedimentos estabelecidos no referido artigo 246.º, mais concretamente o que constata no seu n.º 4.
Não se exige que exista culpa da citanda, mas apenas que o facto da sua não citação atempada lhe seja imputável. O risco de falha na reexpedição impede sobre a pessoa coletiva, pois é sobre esta que impede o ónus de manter a morada da sua sede devidamente atualizada e não apenas uma morada com caixa postal mas sem utilização como sede ou outra atividade da sociedade.
Efetivamente “É ónus das pessoas coletivas manter sempre atualizada a sua sede no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, pelo que qualquer falta de conhecimento de citação ou notificação devido à não atualização atempada da sede social da pessoa coletiva nunca pode ser considerada como não imputável a essa pessoa coletiva”.
O que significa que a lei atual (art.º 246 CPC) passou a fazer impender sobre a pessoa coletiva o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha”.
A citação ter-se-á então que ter como realizada nos termos do n.º 2 do artigo 230.º do mesmo código.
Observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 e 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do art.º 229.º e o n.º 2 do art.º 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando a presunção legal – não ilidida – de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados”.
“Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento,
em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT. Todavia, porque nenhum destes meios – ou outros que possam conceber-se – tem relevância legal, o risco da sua eventual falha sempre correrá por conta da entidade citanda que poderá vir a ser citada sem disso tomar efetivo conhecimento.
Pelo exposto, tenho em conta a normas legais referidas bem como a jurisprudência apontada, tem-se a R. como regularmente citada, indeferindo-se o incidente de falta/invalidade da citação”.
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1.20. A ré interpôs o presente recurso de apelação dessa decisão em que formulou as seguintes conclusões:
A. Veio o tribunal a quo proferir despacho no sentido do indeferimento do incidente de verificação da regularidade da citação da Ré;
B. Entendendo que, tendo-se frustrado a primeira tentativa de citação, que a citação por depósito no recetáculo postal na morada da Recorrente constante da base de dados, que a citação se encontra validamente efetuada, ainda que tivesse sido incumprido o serviço de reexpedição.
C. Porém, sucede que o tribunal a quo se debruçou apenas sobre se “o facto de existir um contrato de reexpedição para outra morada, que não a da sede da R., obsta à sua consideração como devidamente citada”, concluindo em sentido negativo.
D. Porém, sucede que, além da questão da reexpedição, a Recorrente invocou ainda o erro de devolução da primeira tentativa de citação por parte dos CTT, o erro da secretaria que na segunda tentativa de citação remeteu a correspondência para uma morada distinta daquela que constava da petição inicial e bem a ausência de depósito da citação do recetáculo postal, questões sobre as quais o tribunal a quo entendeu não se pronunciar.
E – Vício relativamente ao qual a sentença não se pronunciou pelo que se encontra igualmente viciada por omissão de pronúncia.
Acresce que,
F - Os erros na distribuição das primeiras tentativas de citação, foram determinantes para a não citação da Recorrente.
G - Com efeito, na distribuição da primeira tentativa de citação ocorreram dois erros por parte dos serviços postais: em primeiro, a morada constante da missiva encontrava-se completa /perfeita, isto é, não se verificava que o endereço fosse insuficiente; e em segundo, acontece que a Recorrente havia contratado a reexpedição da sua correspondência para outra morada, e o serviço dos correios ignorou o contrato de reexpedição contratado.
H - Erros que foram devidamente reconhecidos pelos serviços de correio contratados pelo Tribunal para entregar a correspondência.
I - Ora, considerando que o serviço de reexpedição abrange apenas a primeira tentativa de citação, mas já não a segunda, os erros de que padeceu a primeira tentativa de citação impediram que a Recorrente tomasse conhecimento dos presentes autos;
J - Com efeito, se a distribuição tivesse sido regularmente efetuada, a citação da Recorrente teria sido efetuada na primeira tentativa;
K - Não o tendo sido, a citação veio a ser alegadamente por depósito no recetáculo da sede da Recorrente;
L - Sucede que a Recorrente nunca encontrou qualquer citação para os presentes autos no referido recetáculo.
M - Nunca tendo a Recorrente recebido qualquer citação para os presentes autos. Ou seja, em conclusão: Os CTT na citação expedida em primeiro lugar, devolveram a citação por alegadamente existir morada insuficiente, quando a morada se encontrava corretamente referida, sem que tão pouco os CTT tenham conseguido identificar o distribuidor que procedeu à distribuição do registo RE(…), uma vez que o mesmo já não se encontra ao serviço dos CTT e o mesmo pertencia a uma área de terceiros agenciada, não temos dados do mesmo» A segunda tentativa de citação foi expedida para a morada Campo Brande, supostamente a morada que constava da petição inicial, quando a morada colocada na Petição inicial era Campo Grande. A terceira tentativa de citação, esta já realizada com depósito postal, o serviço de distribuição postal, reconheceu que incumpriu o serviço de reexpedição postal contratado com os CTT, e não comprovou que o depósito postal havia sido efectivamente realizado.
N - O serviço de distribuição postal não identificou quem é que, ainda que incumprindo o serviço de reexpedição postal haja alegadamente depositado a correspondência na caixa de correio da sociedade Ré.
O - Ou seja, existindo erros, do distribuidor e da secretaria em todas as tentativas de citação, ainda assim o tribunal a quo, considerou que competiria à sociedade o ónus de garantir que a correspondência lhe seria entregue.
P - E porquanto a falta de citação impediu que a Recorrente exercesse o seu direito de defesa, constituindo uma grave violação do princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º do CPC e do princípio constitucional da tutela efetiva e da justiça material e concreta consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Q - A falta de citação consubstancia uma nulidade principal arguível a todo o tempo, nos termos dos art.ºs 188º, nº 1, al. a), 198, nº 2 e 851º, nº 1 do CPC, e acarreta a nulidade de todo o processado posterior à petição (art.º 187º/a CPC);
R - Sendo inconstitucional a interpretação feita nos presentes autos do artigo 246º do CPC, que considera, que a pessoa colectiva se considera citada, ainda que o distribuidor postal reconheça a existência de sucessivos erros na distribuição dessas citações, considerando que a pessoa colectiva tem o ónus de receber as citações.
S - Seja pela frustração da distribuição devolvendo a correspondência por a morada se encontrar incompleta quando a morada se encontrava correcta, seja pelo incumprimento do dever de depositar e ou reencaminhar a correspondência, como comprovadamente contratado,
T - Especialmente quando resulta evidente que a inexistência de citação não proveio de qualquer facto que pudesse ser imputável à Ré.
U - Pelo que, nos termos do artigo 187º do CPC deveria ter sido declarada a nulidade de todo o processado posterior à petição inicial.
Concluiu no sentido do provimento do recurso e na revogação da decisão proferida, declarando-se a nulidade de todo o processado depois da petição inicial.
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1.21. Contra-alegou o autor, concluindo que:
A. Tal como consta dos autos e a Apelante confessa, a primeira carta enviada para citação da Apelante com a referência de registo número RE(…), foi enviada para a sede daquela sita na Rua …. nº (…) Rio de Mouro, tendo sido devolvida com a indicação de “endereço insuficiente”;
B. Foi efectuada segunda tentativa de citação para a mesma morada, mediante carta enviada por via postal simples com o registo número RE(…), a qual foi depositada, tendo o funcionário dos CTT lavrado nota que “Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”;
C. Após despacho proferido no sentido de serem verificadas as boas condições do receptáculo - pois a Apelante veio invocar que a citação não teria sido entregue por alegadamente não caber no receptáculo -, tal diligência foi efectuada por Agente de Execução, a qual para o efeito, depositou a documentação atinente à citação, constatando que a mesma cabia e de tal facto deu nota aos autos, nos termos que constam do documento com a refª Citius 35663329 de 12-04-2023;
D. Saliente-se que, quanto à questão do tamanho do receptáculo, caso o depósito não fosse possível, o funcionário teria lavrado nota de tal facto, não procedendo ao mesmo. Todavia tal foi possível e o depósito efectuado conforme resultou provado;
E. É absolutamente irrelevante o que a Apelante alega quanto à tentativa de citação na morada em Campo Grande (…) Lisboa -pasme- se ser a morada que consta da procuração forense junta aos autos-, que não veio a ser efectuada, porquanto a carta foi devolvida com a indicação “Mudou-se”;
F. O lapso evidente de escrita na carta enviada não prejudicou a Apelante, nem a mesma deixou de constituir uma tentativa de citação válida;
G. A Apelante em 1-2-2022 alicerçou o seu pedido de falta da citação, na não reexpedição, nomeadamente da carta que lhe foi enviada com o registo número RE(…) que, no seu entender, determinou a não entrega da mesma, conforme resulta da reclamação que terá apresentado junto dos CTT e que juntou aos autos em tal data;
H. Mais disse que, o envelope de citação nem caberia na caixa de correio, saliente-se, da sua sede registada na Conservatória do Registo Comercial, o que veio apurar-se através da Srª Agente de Execução, não corresponder à verdade;
I. No que concerne à reexpedição de correspondência contratualizada pela Apelante com os CTT e aos seus efeitos, mediante requerimento datado de 04-04-2022, com a refª Citius 32181903, o Apelado juntou aos autos as “Condições Gerais do Serviço de Reexpedição de Correspondências. Pessoas Coletiva” e que constam do site https://www. ctt.pt/ particulares/index, sendo que a cláusula 3.2 das referidas condições estabelece: “3.2. Nos termos do disposto no número anterior não são reexpedidas (i) correspondências em que o remetente tenha proibido a reexpedição por meio de anotação inscrita junto ao endereço inicial, (ii) Encomendas, (iii) Correio Expresso, (iv) Citações Via Postal 2.ª Tentativa e (v) Notificações Via Postal Simples.”;
J. Por outro lado, recai sobre a Apelante o ónus de manter actualizada no Registo Nacional de Pessoas Colectivas/Conservatória do Registo Comercial, a morada da sua sede, o que a mesma não fez;
K. Impende igualmente sobre a Apelante, o risco de, ainda que solicitada reexpedição de correspondência, existir eventual falha no distribuidor postal, que leve à não reexpedição, conforme se afere da abundante Jurisprudência citada nas presentes alegações de recurso;
L. A citação da Apelante teve lugar mediante o depósito da mesma na respetiva caixa postal nos termos do artigo 246.º do Código do Processo Civil, na morada constante no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, tendo sido cumpridos os procedimentos estabelecidos no referido artigo 246.º, mais concretamente o que constata no seu n.º 4;
M. A citação nos autos em apreço, tem-se como realizada nos termos do n.º 2 do artigo 230.º do Código de Processo Civil, pelo que, inexiste qualquer falta de citação e em consequência, a nulidade invocada, tendo sido praticados os actos legalmente exigíveis e destinados a assegurar o princípio de contraditório e o princípio constitucional da tutela efetiva e da justiça material e concreta consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;
N. Não se verificando também no douto despacho recorrido, qualquer interpretação do art.º 246º do Código de Processo Civil, não conforme com a Constituição da República Portuguesa.
Concluiu que deve o recurso interposto pela apelante improceder.
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1.22. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se em saber se foram observadas as formalidades prescritas na lei relativamente à sua citação, conforme está estabelecido nos artigos 191.º e 566.º, do Código de Processo Civil.
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2. Fundamentação.
2.1. Os factos a considerar na presente decisão são os descritos no antecedente relatório sob os números 1.11. a 1.11. e 1.13.
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2.2. O primeiro argumento da recorrente assenta na circunstância de – segundo alega – ter invocado “o erro de devolução da primeira tentativa de citação por parte dos CTT, o erro da secretaria que na segunda tentativa de citação remeteu a correspondência para uma morada distinta daquela que constava da petição inicial e bem a ausência de depósito da citação do recetáculo postal, questões sobre as quais o tribunal a quo entendeu não se pronunciar. Vício relativamente ao qual a sentença não se pronunciou pelo que se encontra igualmente viciada por omissão de pronúncia”.
Tal alegação não se mostra rigorosa, porquanto a ré referiu no seu requerimento que “como se pode observar pela nota aposta pelo distribuidor postal, aposta no respetivo envelope, a correspondência foi devolvida com a indicação: Morada insuficiente”. Porém, quando arguiu a nulidade da citação, a ré rapidamente centrou a sua argumentação nas questões da contratação dos CTT com vista à reexpedição da correspondência para Sesimbra e da impossibilidade do depósito do expediente (da segunda citação) na sua caixa postal. Ou seja, a ré não objectou especificamente a circunstância do distribuidor postal ter devolvido a primeira citação com a menção “endereço insuficiente”.
Não obstante, a verificação da regularidade da citação é oficiosa (cfr. infra 2.3.), pelo que competia ao tribunal conhecer dessa circunstância, mesmo não tendo sido especificamente apontada. Omitindo o tribunal a quo o conhecimento dessa questão de conhecimento oficioso (validade da primeira citação) com relevância para a decisão, cometeu a nulidade de omissão de pronúncia, pelo cumprirá agora a este tribunal conhecer da mesma – cfr. art.º 665.º, do Código de Processo Civil, diploma a que se aludirá doravante salvo ressalva.
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2.3. Entre os direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa encontra-se o direto que todos têm a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo – art.º 20.º, n.º 4.
A natureza equitativa do processo manifesta-se particularmente na sua estrutura contraditória e que só pode ser plenamente exercida mediante a possibilidade de pronuncia da parte – art.º 3.º, n.º 3.
Precisamente para assegurar o exercício desse direito, emprega-se a citação, que é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – art.º 219.º, n.º 1.
A citação ou notificação de incapazes e pessoas coletivas – é o presente caso – far-se-á na pessoa dos seus legais representantes ou de qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funciona normalmente a administração – art.º 223.º.
Por regra, a citação de pessoa colectiva far-se-á por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas – art.º 228.º, n.º 1, ex vi e art.º 246.º.
Mais estatuí o art.º 246.º que:
3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.
4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
Cumpre ainda notar que “Se o réu, além de não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo, o tribunal verifica se a citação foi feita com as formalidades legais e ordena a sua repetição quando encontre irregularidades” – art.º 566.º.
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2.4. Em face do que acima se sintetizou, a primeira observação que se impõe é que o mecanismo previsto no art.º 246.º, n.º 4, assume natureza excepcional. A regra quanto à citação das pessoas colectivas assenta no envio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, sua entrega e assinatura do aviso de receção por parte do legal representante, qualquer empregado ou terceiro – cfr. art.º 230.º. Caso estes actos sejam praticados com sucesso, a citação presumir-se-á realizada.
O funcionamento do disposto no art.º 246.º, n.º 4, resultará da verificação de uma condição: “nos restantes casos de devolução do expediente”, para além da recusa a assinatura do aviso de receção ou de recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda (situação prevista no n.º 2, do art.º 246.º).
Como salientam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre: “Enviada a carta registada com aviso de recepção para a sede inscrita no ficheiro central de Registo Nacional de Pessoas Colectivas, podem ocorrer as seguintes situações:
(…)
d) é impossível a entrega da carta por outro motivo.
(…)
Na última situação referida (outro motivo), é deixado aviso, se possível, aplicando-se os n.ºs 5 e 7 do art.º 228.º. Devolvido o expediente, também se se tratar de pessoa coletiva cuja inscrição no Registo Nacional das Pessoas Coletivas é obrigatória, é repetida a citação, mediante nova citação postal, desta vez com a cominação de que a citação se considera efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal, ou, se tiver que ser deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data (art.º 230.º-2)” – in Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 4.ª Edição, volume 1, pág. 495 e 496, nosso sublinhado. Ou seja, o distribuidor postal deverá deixar um aviso ao destinatário, sempre que tal seja possível.
Por conseguinte, a verificação se a citação foi feita com as formalidades legais passa, em primeiro lugar, pela comprovação em como foi endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas a carta referida no n.º 1 do artigo 228.º. Sem a observação deste primeiro passo da citação postal, não há que passar para o segundo passo que apenas tem lugar “nos restantes casos de devolução do expediente”.
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2.5. Relativamente à questão do cumprimento do disposto nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º, n.º 2, como já se mencionou no relatório, dos próprios autos resulta que:
1.2. A secção averiguou da sede da ré nas bases de dados e constatou que aí consta como sede da ré a Rua …, (...) Rio de Mouro.
1.3. Neste seguimento, a secção remeteu carta registada com aviso de recepção com vista à citação da ré no seguinte endereço: Rua …, (...) Rio de Mouro.
1.4. Esta carta registada foi devolvida com a anotação de “Endereço insuficiente” aposta pelo distribuidor postal.
1.5. A secção remeteu então nova carta registada com aviso de recepção com vista à citação da ré no endereço indicado pela autora, ou seja: Campo Brande [sic], nº (...) Lisboa.
1.6. Esta carta registada foi devolvida com a anotação de “Mudou-se” aposta pelo distribuidor postal.
Do comportamento da secretaria – a quem cabe promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato nos termos do artigo 226.º – resulta que a mesma não considerou a ré notificada na sede em Rio de Mouro. Daí que tenha, então, tentado a citação da ré na morada indicada pelo autor e sita em Lisboa.
Do despacho proferido no dia 6/12/2021, resulta que o Mmo. Juiz considerou que a “a citação da R. foi realizada mediante o depósito da mesma na respetiva caixa postal nos termos do artigo 246.º do Código do Processo Civil, atenta a devolução das cartas iniciais enviadas para a morada indicada pelo A. e para a morada da R. constante no Registo Nacional de Pessoas Coletivas.
Com efeito, mostram-se cumpridos os procedimentos estabelecidos no referido artigo 246.º, mais concretamente o que constata no seu n.º 4”.
Não há dúvida que foi observado o disposto no artigo 246.º, n.º 4, mas tal preceito só é aplicável quando tenha sido validamente observado o disposto nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º, n.º 2.
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2.6. Insistimos: foi validamente observado o disposto nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º, n.º 2?
Aparentemente foi cumprido, mas na realidade acabou por não ter sido cumprido. Senão vejamos:
Apesar de se tecerem várias considerações a propósito da questão da mudança da sede, ainda ninguém veio aos autos alegar e comprovar que ocorreu alteração da localização da sede da ré e contrariar o que a mesma afirmou no seu primeiro requerimento, em que arguiu a nulidade da falta de citação: a Ré nos presentes autos, tem a respectiva sede em Rua … nº (…) em Rio de Mouro. O endereço que o autor indicou na petição (em Lisboa) já não corresponde à sede da ré, pelo que a controvérsia sobre a devolução do expediente para aí remetido é de todo estéril.
A ré está obrigada a ter uma sede (cfr. art.º 12.º, do Código das Sociedades Comerciais) e a comunicar prontamente a alteração da localização da sede (cfr. art.º 11.º-A, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de Maio - Registo Nacional de Pessoas Colectivas).
A sede da ré é no local que a mesma elegeu e, por sinal, corresponde ao que consta do Registo Nacional de Pessoas Colectivas: Rua …, (...) Rio de Mouro.
Por conseguinte, era para tal morada que a secretaria deveria ter endereçado a carta prevista nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º, n.º 2. E fê-lo, porque consultou prévia e diligentemente as bases de dados (cfr. 1.2. e 1.3.). Não obstante, esta carta foi devolvida com a anotação de “Endereço insuficiente” aposta pelo distribuidor postal (cfr. 1.14.). Ora, estando a ré sujeita ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas e à obrigação de comunicar prontamente a alteração da localização da sua sede, esta obrigação implica uma indicação correcta e completa do respectivo endereço.
Sendo devolvido o expediente com a indicação de “endereço insuficiente” e confirmando-se que este é aquele que consta das bases de dados do Registo Nacional de Pessoas Colectivas como o correctamente indicado pela ré, o acto presume-se regularmente efectuado. Foi dada uma primeira possibilidade real e efectiva para a ré tomar conhecimento de “que foi proposta contra ela determinada ação e se chama ao processo para se defender”. Porém, a citação ainda não está completa ou perfeita. A devolução do expediente nessas circunstâncias determina o funcionamento do disposto no artigo 246.º, n.º 4: é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.
Apesar disso, cumpre salientar que sempre se poderá suscitar a falta de citação, nomeadamente quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável – art.º 188.º, n.º 1, alínea e).
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2.7. A ré propôs-se demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto de citação, por facto que não lhe é imputável, embora mais centrada na problemática da segunda citação.
Assim, como se referiu anteriormente, aparentemente foi cumprido o disposto nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º, n.º 2, ou seja:
- Foi expedida uma carta registada com aviso de recepção;
- Dirigida para a sede que a ré indicou no Registo Nacional de Pessoas Colectivas; e,
- Esta carta registada foi devolvida com a anotação de “Endereço insuficiente” aposta pelo distribuidor postal.
Parece que seria de aplicar o brocado latino “SIBI IMPUTET, SI, QUOD SAEPIUS COGITARE POTERAT ET EVITARE, NON FECIT” (Que se culpe a si mesmo, se não fez o que poderia prever e evitar). A ré é que se terá colocado na posição de não poder receber a citação por via postal que o tribunal lhe dirigiu, designadamente porque não teve o cuidado de actualizar corretamente a localização da sua sede perante o Registo Nacional de Pessoas Colectivas (o que manifestamente não sucedeu no presente caso). Ou então que demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Afigura-se que esta tarefa (aparentemente difícil nestas circunstâncias) acabou por resultar inequivocamente demonstrada. Na verdade, temos que concluir que a devolução do expediente para citação da ré com anotação de “Endereço insuficiente” aposta pelo distribuidor postal resulta de facto não imputável à mesma, em vista do que é evidenciado pelos autos, particularmente nos seguintes actos e momentos:
Primeiro: Após a devolução desse expediente, a secretaria remeteu nova carta registada com aviso de recepção dirigida à ré na seguinte morada: Rua …, (…) Rio de Mouro. Aí se fez constar que procedia à citação da ré “nos termos do disposto no nº. 4 do art.º 246.º do Código de Processo Civil” – cfr. 1.7..
O aviso recepção voltou com a seguinte declaração aposta pela distribuidora postal: “Na impossibilidade de Entrega depositei no Receptáculo Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente” – cfr. 1.8..
Ou seja, os mesmos serviços postais que invocaram anteriormente o “endereço insuficiente” (em Rio de Mouro) para devolverem o expediente sem qualquer tentativa de entrega, vem agora indicar que afinal “o endereço” (em Rio de Mouro) já lhes permite encontrar o Receptáculo Domiciliário e aí depositar a citação. A entrega da carta (ou do respectivo aviso) foi possível. E o endereço é o mesmo que os CTT afirmaram anteriormente ser insuficiente!
Segundo: Foi proferida sentença e a secretaria remeteu cópia da mesma dirigida à ré para a seguinte morada: Rua …, (…) Rio de Mouro – cfr. 1.11.. O que é que sucedeu de seguida? O expediente veio devolvido com anotação de “Endereço insuficiente”? Não! De seguida, no dia 1/2/2024, a ré veio aos autos requerer a nulidade do processado, por inexistência de citação, o que pressupõe que recebeu o expediente. Ou seja, novamente se comprova que foi possível a entrega da carta. E o endereço é novamente o mesmo!
Terceiro: Por douto despacho proferido no dia 30/1/2023, foi determinado que se elaborasse nova carta com todos os elementos da citação (2ª tentativa) para que seja tentado o seu depósito na mesma morada por agente de execução a nomear pelo tribunal. No cumprimento deste despacho, a secretaria elaborou novo expediente para citação da ré na seguinte morada: Rua …, (…) Rio de Mouro. E entregou-a à Sra. Agente de Execução.
Muito embora o declarado propósito dessa diligência fosse a comprovação ou refutação da alegada impossibilidade física do depósito da citação na caixa do correio pela sua dimensão, não podemos deixar de retirar todas as consequências possíveis do que aconteceu de seguida. E o que aconteceu de seguida não foi a devolução do expediente pela Sra. Agente de Execução, com a informação de que não a logrou realizar em virtude do “Endereço insuficiente”. Pelo contrário, a Sra. Agente de execução veio prontamente aos autos certificar que no dia 11 de Abril de 2023, pelas 15:20 depositou a Citação no receptáculo postal da morada determinada pelo tribunal sito na Rua …, (…) Rio de Mouro - cfr. 1.17.. Ou seja, foi possível entregar a carta.
E o endereço continua a ser o mesmo!
A conclusão que se impõe em face destes factos é simplesmente que os serviços postais não diligenciaram, como se impunha, pela entrega da carta registada com aviso de recepção inicialmente dirigida para a sede da ré em Rio de Mouro, apondo erradamente como motivo para a frustração do acto o motivo de “Endereço insuficiente”. O endereço só foi insuficiente para esse funcionário postal cuja identidade nem os correios conhecem… Mas esse endereço foi suficiente para os serviços postais depositarem uma segunda carta (aquando da segunda citação); para depositarem uma terceira carta (aquando da notificação da sentença); e para a Sra. Agente de Execução depositar uma quarta carta (quando determinado pelo Mmo. Juiz para verificar a dimensão do receptáculo).
Logo, ao contrário do que o primeiro distribuidor postal declarou, o endereço não é insuficiente para lograr a citação postal da ré na sua sede. E o distribuidor postal estava obrigado a entregar a carta ou a deixar um aviso ao destinatário, pois, pelo menos, este último acto veio repetidamente a comprovar-se ser possível – cfr. supra 2.4.
Assim, impõe-se concluir que não foi validamente realizada a citação da ré nos termos previstos nos artigos 228.º, n.º 1, e 246.º, n.º 2. E a preterição da realização válida da primeira citação, inquina a “repetição” da citação nos moldes previstos no art.º 246.º, n.º 4. Procede, assim, a conclusão G) da apelante – central ao presente recurso.
Por conseguinte, foi realizada a citação da ré [no sentido em que o acto não foi completamente omitido – cfr. art.º 188.º, n.º 1, alínea a)]; nessa citação foi preterida uma formalidade essencial (entrega da carta ou do aviso ao destinatário, sob o falso ou errado pretexto do endereço ser insuficiente) e essa omissão influi na decisão da causa (por ter impedido que fosse prontamente dado conhecimento à ré de que foi proposta contra ela esta ação e a chamar ao processo para se defender – cfr. art.º 195.º, n.º 1, parte final).
Impõe-se concluir que essa citação é nula por não terem sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei – art.º 191.º, n.º 1.
A ré estava em tempo e tinha legitimidade para arguir a invalidade do acto, como arguiu.
A consequência da nulidade é a anulação de todo o processado subsequente à entrada em juízo da petição inicial e a repetição da citação.
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2.8. Cumpre ainda acrescentar o seguinte:
Afigura-se que as vicissitudes da preterição da primeira citação são evidentes e manifestam-se na circunstância do despacho recorrido e das contra-alegações se focarem quase exclusivamente na validade na segunda citação. E a função da segunda citação não é sanar os vícios da primeira citação.
Porém, como já se aludiu anteriormente, a realização da segunda citação (art.º 246.º, n.º 2) depende da válida realização da primeira citação, pois esta expressamente depende da devolução do expediente daquela. Isto é, pressupõe a existência de uma primeira tentativa de citação válida.
Em caso idêntico (embora a frustração da 1.ª citação não se devesse à indicação de endereço insuficiente, mas por erro na localização da sede) foi decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/6/2022 que “Importa desde já esclarecer que a carta remetida para citação da Ré aos 01.03.2021 não tem qualquer relevância ou eficácia, não podendo ser atendida uma vez que não foi remetida para a sede da Ré, tal como o impunha o art.º 246º, nº 2. Ou seja, quer-se com isto dizer que não poderá a mesma valer seja como 1ª tentativa de citação da Ré, seja para efeitos de se poder considerar cumprida a 2ª tentativa de citação a que se reporta o nº 4 do art.º 246º do CPC. 
Do referido acima, mormente da indicação no envelope que capeava a carta de 08.03.2021 de que se trata de “Citação via postal 2ª Tentativa, nºs 4 e 5 do art.º 229º e nº 4 do art.º 246º do CPC” e, do teor dessa citação em que, para além do mais, se alude ao teor da advertência do art.º 230º, nº 2, do CPC/2013, decorre que a mesma se reportava à 2ª tentativa de citação da Ré a que se refere o nº 4 do art.º 246º. Ora, assim sendo, como é, tal pressuponha ou só poderia ter lugar após a primeira tentativa de citação, a remeter para a morada sede da Ré nos termos do art.º 246º, nº 2, e com observância do disposto no art.º 228º, o que no caso não sucedeu uma vez que, como tal e como já referido, não se poderá atender à carta para citação remetida aos 01.03.2021, que não foi remetida para a sede da Ré.      
Ou seja, não foi cumprida a 1ª tentativa de citação da Ré, o que consubstancia incumprimento de formalidade essencial à citação.   
E, por outro lado, não se pode ter essa omissão como suprida ou colmatada com o envio da carta de 08.03.2021 e com a sua devolução com a indicação de que “Depois de devidamente entregue regressou ao correio” e de que foi recusada por terceiro.
Com efeito, e desde logo, trata-se de uma segunda tentativa de citação, sem o mesmo grau de segurança da que oferece a 1ª tentativa. Com efeito, nesta, deve ser tentado o contacto pelo distribuir postal com o citando ou com funcionário que se encontre na sede da citanda, com a entrega da carta e assinatura do A/R [ou, tendo em conta o art.º 2º da Lei 10/2020, de 18.04, que introduziu um regime excepcional e temporário quanto às formalidades da citação e da notificação postal no âmbito da pandemia da doença COVD-19, com a substituição da recolha da assinatura pela identificação verbal e recolha do número do cartão de cidadão, ou de qualquer outro meio idóneo de identificação, mediante a respectiva apresentação e aposição da data em que a recolha foi efectuada] e, em caso de impossibilidade, deixado Aviso ou, em caso de recusa, com as devidas informações relativas à mesma. Mas, na segunda tentativa de citação, não sendo possível a entrega, é tão-só deixada a correspondência na caixa do correio ou, não sendo possível, deixado aviso.   
(…) Ou seja, e em conclusão, não teve lugar, nos autos, a primeira tentativa de citação da Ré, que deveria ter sido efectuada nos termos dos art.ºs 246º, nº 2, e 228º, nº 1, do CPC, omissão esta que não pode ser colmatada pela tentativa de citação da mesma expedida aos 08.03.2021, tentativa esta da qual não resulta que se possa dizer, muito menos com a necessária segurança, que a carta foi recusada pelo legal representante da Ré ou por funcionário seu
” – disponível na base de dados da DGSI; processo n.º 268/21.9T8AVR.P1.
Ainda em relação à jurisprudência invocada pela recorrida, nota-se que a mesma não afasta a possibilidade de elisão da presunção da citação, como se contata:
- Do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/12/2017: “Com efeito, observadas as formalidades a que aludem os n.ºs 2 a 4 daquele normativo legal (em conjugação com o n.º 5 do art.º 229.º e o n.º 2 do art.º 230.º), a citação postal considera-se efetuada, ainda que a correspondência, depois de depositada no recetáculo postal, venha a ser devolvida, operando, ainda assim, a presunção legal – não ilidida (a Apelante não mostra que a carta deixada no recetáculo postal correspondente à sua sede de então não chegou ao seu conhecimento e que não foi por si, ou por alguém a seu mando, devolvida) – de que a destinatária teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados” – nosso sublinhado quanto à possibilidade de elisão da presunção.
- Do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/11/2015: “Sobre a pessoa coletiva impende o ónus de garantir que chegue ao seu conhecimento, em tempo oportuno, uma citação que lhe seja enviada por um tribunal, o que poderá fazer por qualquer meio à sua escolha, como sejam, a periódica e regular inspeção do seu antigo recetáculo postal, o acordo estabelecido com o novo detentor do local das suas anteriores instalações, no sentido do aviso de recebimento ou da entrega do expediente, ou a contratação do serviço de reexpedição junto dos CTT” – nosso sublinhado.
E a propósito da (prejudicada) questão do contrato para a reexpedição do correio através dos CTT, sempre se dirá que quem considera irrelevante tal circunstância se deparará com dois obstáculos de relevo:
O primeiro parece resultar dessa interpretação contrariar ou, pelo menos, esvaziar quase completamente a possibilidade do citando demonstrar que não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável, que lhe é expressamente conferida pelo art.º 188.º, n.º 1, alínea e). Isto é, o citando pode demonstrar que não chegou a tomar conhecimento da citação, mas não por meio da demonstração que contratou a reexpedição do correio junto dos CTT e esta não cumpriu com a sua obrigação…
O segundo resulta da relevância legal que o Estado Português confere à capacidade dos CTT assegurarem o exercício constitucional a processo equitativo por meio da citação por via postal. É à empresa concessionária dos serviços postais que o Estado Português confia a realização da esmagadora maioria das citações, pois a citação postal é meio preferencial – cfr. 225.º, n.º 1, alínea b), 228.º, 230.º e 246.º. Por razões de organização, experiência e método, o Estado Português confere idoneidade aos serviços postais para realizar um acto tão importante como a citação, por meio de contrato.
No entanto, se um particular ou uma empresa contratar os mesmos serviços postais para reexpedir o correio, o risco da sua eventual falha sempre (!) correrá por conta daquela. Será caso para dizer que os serviços postais apenas têm relevância para a expedição do correio, mas já não para a sua reexpedição.
Não se afigura que a contratação dos serviços postais para duas actividades idênticas (expedição e reexpedição de correio) possa ser vista com “dois pesos e duas medidas”. O particular ou a empresa que contrata os serviços postais fá-lo-á com o mesmo cuidado e confiança que o Estado Português que contrata a realização das citações por via postal. Não se afigura que uns revelem ser incautos, temerários e desleixados por contratarem os correios e o outro seja a única entidade séria e responsável por contratar os mesmos correios. Por conseguinte, comprovando-se que o citando contratou uma entidade competente e idónea (a julgar pelo regime legal vigente em matéria de citações postais) como os próprios serviços postais para a reexpedição do correio e que estes incumpriram com o contrato, o tribunal deverá considerar essa circunstância.
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3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar procedente a apelação, declarar a nulidade da citação e dos termos subsequentes do processo.     
Em consequência, deverá ser ordenada a realização de nova citação da ré.
3.2. As custas são a suportar pelo apelado.
3.3. Notifique.

Lisboa, 9 de Maio de 2024
Nuno Gonçalves
António Santos
Teresa Pardal