NULIDADE DE SENTENÇA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO DE INJUNTIVO
FALTA DE CAUSA DE PEDIR
Sumário


I- A nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação. Assim se a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância contiver os elementos de facto e de direito suficientes para a declaração dos fundamentos da decisão final, não há falta de motivação.
II- Tendo o recurso por objeto a reapreciação da matéria de facto, deve o recorrente, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, obrigatoriamente especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
III- Essa especificação deve ser feita nas conclusões e não no corpo das alegações, já que são aquelas que balizam o objeto do recurso.
IV- O incumprimento do referido ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
V- Inexiste o vício de ineptidão por falta de causa de pedir do requerimento injuntivo/petição inicial quando a requerente/autora alegou o núcleo mínimo de factos que permitiram a individualização do contrato e a delimitação do litígio, de forma que permitiu à requerida/ré a sua perfeita compreensão e o pleno exercício do contraditório e do seu direito de defesa.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

EMP01..., Construção Civil, Lda., intentou procedimento de injunção, transmutado numa ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contratos nos termos do DL nº 269/98, de 01/09, contra EMP02..., Unipessoal, Ld.ª, e AA, peticionando, a final, a condenação das requeridas no pagamento da quantia total de € 9.937,55, sendo € 9.009,00, de capital, € 326,55, juros de mora, € 500,00, outras quantias e € 102,00, taxa de justiça.
Para substanciar tal pretensão alegou, em síntese, que, no exercício da sua atividade comercial, prestou serviços à requerida EMP02..., Unipessoal, Ld.ª, no montante global de €9.009,00, valor que as requeridas não pagaram até à data.
Notificadas as requeridas deduziram oposição, invocando a exceção de ineptidão da petição inicial, com fundamento na falta da causa de pedir, bem como a exceção da ilegitimidade da requerida AA, referindo, a este propósito, que esta nunca celebrou qualquer contrato com a requerente ou assumiu qualquer responsabilidade pelo pagamento de quaisquer montantes devidos pela requerida sociedade.
Alegaram ainda que a requerente não cumpriu as obrigações para si emergentes do contrato que celebraram, posto que incumpriu o prazo de início da execução da obra, faltou ao cumprimento do número mínimo de trabalhadores em obra, não apresentou a documentação solicitada e obrigatória numa obra pública e a abandonou por completo.
Por despacho proferido em 25.04.2023, o tribunal julgou improcedente a invocada exceção dilatória de ineptidão e julgou procedente a exceção da ilegitimidade, absolvendo a 2ª requerida da instância.
Realizou-se a audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de €9.009,00 (nove mil e nove euros), acrescida dos juros de mora a contar da data de vencimento da obrigação até efetivo e integral pagamento, e ainda a quantia de € 40,00 (quarenta euros), a título de despesas com a cobrança da dívida.

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Não se conformando com o assim decidido veio a ré interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES

1. Vem o presente recurso impugnar a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou improcedente a exceção da ineptidão da petição inicial alegada pela Recorrente, bem como a decisão final que condenou a Recorrente no pedido formulado pela Recorrida, julgando a ação parcialmente procedente e condenando-a no pagamento da quantia de € 9.009,00 (nove mil e nove euros), acrescida dos juros de mora a contar da data de vencimento da obrigação até efetivo e integral pagamento, e ainda da quantia de € 40,00 (quarenta euros), a título de despesas com a cobrança da dívida.
2. O Tribunal à quo condenou a Recorrente a pagar a fatura em apreço nos autos, por considerar que a Recorrida executou os trabalhos a que se reporta a fatura em causa, e que a Recorrente não logrou ilidir a presunção de que a falta de pagamento não procede de culpa sua.
3. Do Requerimento de injunção apresentado pela Recorrida contra a Recorrente resulta a alegação que no “exercício da sua atividade comercial prestou serviços à Requerida no montante global de 9.009,00€, conforme extrato de conta-corrente enviado e entregue à Requerida, como à sócia gerente AA, 2ª Requerida, responsável pelo seu pagamento.”
4. Mais alegou que é credora da quantia de 9.009,00€, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa comercial, contados desde a data do vencimento da fatura, até efetivo e integral pagamento.
5. Apenas consta da exposição dos factos que fundamentam a pretensão da Recorrida, que, no âmbito da sua atividade, esta prestou os seus serviços à Recorrente, alegadamente conforme extrato de conta corrente entregue à Requerida, constando como data de celebração do contrato de prestação de serviços o dia ../../2022.
6. A Recorrida não identificou o tipo de contrato de prestação de serviços, nem discriminou a que serviços se referia o mencionado extrato de conta corrente, ou sequer o número da(s) fatura(s) em causa, a sua data de emissão ou de vencimento.
7. De acordo com as regras gerais da distribuição do ónus da prova, competia à Recorrida a alegação (e subsequente prova) da existência da fonte de obrigações, in casu, o (concreto) contrato celebrado com a Requerida (não apenas o tipo de contrato) e as prestações a que as partes se encontravam adstritas (as estipulações contratuais essenciais, mais concretamente o modo de pagamento).
8. A Recorrida não alegou o concreto comportamento violador do programa contratual, no caso, a falta de pagamento nos termos em que o respetivo pagamento foi acordado.
9. Embora estejamos perante um requerimento de injunção, o que implica uma necessária concisão, a lei não dispensa que se invoquem os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, para que se compreenda o negócio que está na origem do litígio.
10. A Recorrida deveria ter explicitado factualmente o contrato celebrado com a Requerida e tudo o mais que motiva a pretensão deduzida, expondo também as razões de direito que servem de fundamento à ação, bem como que deveria ter alegado todos os factos que consubstanciam a causa de pedir e justificam o pedido.
11. A Recorrida não identificou o tipo de contrato de prestação de serviços em causa, nem discriminou a que serviços se referia o mencionado extrato de conta corrente, ou sequer o número da fatura em causa, a sua data de emissão ou de vencimento.
12. Apesar do o douto despacho de que ora se recorre, defender que o regime jurídico previsto no “decreto-lei nº 269/98, estabelece um menor grau de exigência na indicação da causa de pedir, sendo o requerimento injuntivo um formulário a remeter informaticamente e como é consabido o sistema não permite que o mesmo seja acompanhado de documentos”.
13. Existe uma completa ausência, no requerimento injuntivo, da indicação da causa de pedir, uma vez que não são, nem descriminados os serviços prestados, nem sequer identificada a fatura que suporta o pedido da Recorrida.
14. O Regime previsto no D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro, não postergou os princípios gerais da concretização fáctica, embora sucinta, em termos de integração dos pressupostos da respetiva norma jurídica substantiva, não estando a Requerente, neste tipo de processos, dispensada de indicar a causa de pedir em que fundamenta o pedido formulado, ainda que de forma sucinta, tal como se prevê para o processo comum (art.º 552º nº1 alínea d) do CPC).
15. A Recorrida não alegou factos suficientes para sustentar o pedido que formulou, não respeitando por isso o ónus de alegação consagrado no artigo 10.º, alínea a), do Regime Jurídico da Injunção.
16. Constando do Requerimento de Injunção, que o pedido se fundamenta em transação comercial sujeita a facturação, deve tal documento contabilístico ser mencionado na exposição dos factos que fundamentam a pretensão do requerente, que incluiu pedido de condenação no pagamento de juros de mora desde o vencimento de tal fatura, por se tratar da alegação de factos e de documento de que a lei faz depender a instauração e prosseguimento da ação, sob pena de se verificarem as exceções dilatórias inominadas de falta de condição da ação.
17. Decorre explicitamente do despacho de que ora se recorre que “De realçar que a Requerente nem sequer identificou a factura respeitante aos serviços prestados com indicação da sua data de emissão e vencimento por forma a justificar o vencimento juros de mora. ”
18. Sendo uma transação comercial sujeita a faturação, a falta de tal menção implica a existência das exceções dilatórias inominadas de falta de condição da ação e de falta pressuposto, vícios esses que obstavam ao conhecimento do mérito da causa e importam a absolvição da Ré da instância - artigos 278º, nº 1, alínea e), 576º, nºs 1 e 2, 1ª parte, e 577º do CPC.
19. O aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590º, nºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.
20. O Requerimento injuntivo apresentado pela Recorrida contém um enunciado fáctico, não apenas deficiente, por manifestamente insuficiente, impreciso, mas também obscuro, por conclusivo, não discriminando designadamente:
- as datas em foram prestados e faturados os serviços e respetivo valor, que não foram objeto de pagamento;
- as quantidades de serviços prestados pela Autora à sociedade Ré, aliás como determinam o art.s 36º, nº 1, alínea b) e 40º, n.º 2, alínea b), do Código do IVA;
21. Verifica-se nos presentes autos falta de causa de pedir, por ausência de factos concretizadores do contrato e incumprimento invocados, uma vez que os factos vertidos na exposição dos factos no requerimento de injunção, não permite concluir pelo cumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil.
22. Não se mostrando determinado o conteúdo do referido contrato (sendo que a obrigação pecuniária emergente de contrato tem por fonte o concreto acordo celebrado entre as partes – cfr. artigo 405º, nº 1, do CC), e, bem assim, quaisquer factos geradores do incumprimento (v.g. prazos de vencimento, etc.), o requerimento de injunção é omisso relativamente à causa de pedir.
23. A Recorrida não alegou as cláusulas essenciais do contrato, nem as circunstâncias da mora ou do incumprimento definitivo.
24. Os factos alegados, no pressuposto da sua plena demonstração, não permitem fixar os pressupostos de facto indispensáveis à procedência do pedido formulado, assim, obstando ab initio à construção do silogismo judiciário que a sentença deve representar.
25. Face a esta omissão - falta de indicação de causa de pedir – nem sequer é possível a invocação da salvaguarda prevista no nº 3 do artigo 186º do CPC, uma vez que, apesar da Recorrente ter apresentado oposição à injunção, não seria razoável concluir que a Recorrente interpretou corretamente o Requerimento injuntivo, no qual não foram invocados os atos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir.
26. Devia o Tribunal a quo ter considerado procedente a alegada exceção da ineptidão não sanável do Requerimento de injunção, nos termos do artigo 186º, nº 2, al. a), e artigo nº 5 do Código de Processo Civil, declarando nulidade de todo o processo e absolvendo a Recorrente da instância.
27. Pelo que deverá ser determinada a verificação da exceção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção, que obstava a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa e, por ser insuscetível de sanação, dá lugar à absolvição da Ré da instância, pelo que deverá ser determinada a nulidade de todo o processo e, em consequência, a absolvição da Recorrente da instância nos termos dos artigo 186º, n.º 1 e 2, alínea a),artigo 278º, nº 1, alínea b), artigo 576º, nº 2 e 577º, alínea b), todos do CPC.
28. Padece ainda a douta sentença de que ora se recorre de vício por falta de fundamentação de facto.
29. É alegado pela Recorrida a celebração com a Recorrente de um contrato de prestação de serviços “feito em ../../2022”.
30. Sempre seria sobre esta factualidade que o douto Tribunal a quo se podia pronunciar, por ter sido esta a (parca) factualidade alegada pela Recorrida e constante do Requerimento de injunção.
31. Devia, o Tribunal a quo, ter incluído na matéria constante dos factos não provados o seguinte facto:
- A celebração, entre Requerente e Requerida, de um contrato de prestação de serviços, feito em ../../2022.
32. Foi esta a factualidade alegada pela Recorrida, e que a mesma se propôs provar, devendo o Tribunal ter dado como não provado, face aos factos constantes como provados nas alíneas c), d), i) e j), da matéria dada como provada.
33. Resultando da matéria dada como provada, que o contrato celebrado entre as partes teve início em ../../2021, o contrato de prestação de serviços alegado no Requerimento injuntivo, não pode ter sido celebrado em ../../2022, conforme alegado pela Recorrida.
34. Resulta também dos factos dados como provados que a Recorrida interrompeu os trabalhos em ../../2022, para ir executar outras obras que tinha em curso, tendo sido impedida de entrar na obra para retomar os trabalhos, pelo que, mais nenhum serviço mais prestou à Recorrente, pelo menos desde ../../2022,
35. Em consequência, a Recorrida também não pode ter prestado qualquer serviço em 30 de Maio de 2022 à Recorrente.
36. A douta sentença enferma ainda de vício de falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada, que permita concluir pela condenação da Recorrente no pagamento da quantia em que foi condenada, pelo que deve a douta sentença ser anulada.
37. Em lado algum dos factos dados como provados consta que a Recorrida prestou os serviços descritos na fatura n.º ...6, no montante de 9.009,00€.
38. Não consta na matéria dada como provada, que foi fornecido e aplicado revestimento sintético delgado armado no tratamento de fachada no Bloco ... na Obra ... – ..., na quantidade de 819 metros quadrados, e que o preço devido por essa prestação de serviços ascendia ao montante de 11 euros o metro quadrado.
39. Apenas se tal facto tivesse sido dado como provado, seria possível à Recorrente, com recurso à motivação da sentença proferida, indicar que tal ponto de facto foi considerado incorretamente julgado, e indicar os concretos meios de prova que sustentam tal entendimento, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil.
40. A necessidade, imposta pela decisão, no que respeita ao apuramento cristalino do completo elenco dos factos provados, consubstancia nulidade nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º n.º 1, b) do Código de Processo Civil
41. Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados compromete o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspetiva, contende com o acesso à Justiça e à tutela efetiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.
42. Sem prejuízo de não constar nos factos dados como provados a prestação por parte da Recorrida de serviços na quantidade de metros constantes da fatura (819 m2), bem como que o valor nela discriminado corresponde ao preço devido pela efetiva prestação de serviços, caso seja considerado que a matéria dada como provada, nomeadamente a constante das alíneas c), e) e f), é suficiente para não considerar a nulidade supra invocada, tendo em conta a prova produzida, não podia o Tribunal a quo, considerar que resultou da prova produzida que “apesar das vicissitudes da execução do contrato, a Requerente executou os trabalhos a que se reporta a fatura em análise” (sic).
43. Impendia sobre a Recorrida – Requerente - o ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, nos termos do artigo. 342.º, n.º 1 do Código Civil.
44. O documento junto pela Recorrida em ../../2023 – Fatura ...22 emitida em ../../2022 - não prova, só por si, a efetiva prestação dos serviços à Recorrente, nem sequer estabelece qualquer presunção ou inverte o ónus da prova.
45. E, para além daquela Fatura ...22 emitida em ../../2022, junta pela Recorrida, não foi produzido nenhum outro elemento de prova que confirmasse a execução dos metros quadrados aí constantes.
46. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento não resulta provada a razão de ser do valor reclamado pela Recorrida, nomeadamente a que trabalhos e sua quantidade,
47. Pelo que devia ter sido dado como não provado que a Recorrida tenha executado os trabalhos a que se reporta a fatura em análise nos autos, ao contrário do que considerou a douta sentença.
48. Da análise das declarações de parte do legal representante da Recorrida e da Testemunha BB não resulta provada a execução dos trabalhados constantes da fatura junta pela Recorrida nos autos.
49. Das declarações de parte do legal representante da Recorrida, cujas passagens infra se reproduzem, não decorre a efetiva execução dos serviços nas quantidades mencionadas na fatura, ou seja, 819 metros quadrados.
50. A prova por declarações de parte é insuficiente para valer como prova convincente, se desacompanhada de prova corroborante que a sustente
51. E do depoimento da testemunha BB resultou que o mesmo desconhecia em absolutos serviços efetivamente prestados pela Recorrida.
52. A testemunha BB desconhecia quantas faturas já tinham sido emitidas, quantos metros quadrados já tinham sido medidos e faturados, o que é que já tinha sido pago ou não pago, e ainda se os trabalhos foram efetivamente executados nas quantidades constantes das faturas, já que, conforme é referido pelo mesmo, apenas se deslocou à obra “meia dúzia de vezes”.
53. A referida testemunha não tinha conhecimento sobre os serviços contratados, o preço unitário por metro quadrado, quando é que foi iniciada a obra, nem sequer em quanto tempo foram executados os alegados trabalhos.
54. O depoimento da testemunha BB é um depoimento necessariamente comprometido com o resultado da presente ação, por ser sócio da Recorrida.
55. E do seu depoimento não resultou a efetiva execução dos trabalhos, que justifica a emissão da fatura reclamada nos presentes autos, nomeadamente a quantidade (metros quadrados executados) e o preço contratado correspondente ao discriminado na fatura, factos absolutamente essenciais para a procedência da ação, já que cabia à Recorrida o ónus de provar a prestação do serviço nas quantidades e preço reclamados.
56. Não foi produzido nenhum elemento de prova por parte da Recorrida, que pudesse levar à conclusão do Tribunal a quo de que os trabalhos alegados na fatura junta aos autos foram efetuados, nomeadamente nas quantidades e preço aí reclamados.
57. Não se trata, apenas, de saber se determinado facto objeto de prova, foi dado como provado pela maior ou menor credibilidade da prova testemunhal, trata-se de uma total ausência de prova dos factos constitutivos do direito da Recorrida, mormente a efetiva prestação dos serviços constantes da fatura reclamada à Recorrente, nas quantidades e pelo preço aí descritos.
58. Devia, assim, o Tribunal a quo ter dado como não provado que a Recorrida executou os trabalhos a que se reporta a fatura em análise.
59. E, sendo tais factos dados como não provados, a decisão não poderia ser outra que não fosse a de absolver a Recorrente do pedido formulado pela Recorrida, uma vez que a mesma não logrou provar os factos constitutivos do direito alegado, tudo nos termos do art. 342º, do Código Civil.
60. Pugna-se assim pela prolação de acórdão que, emanado dos Venerandos Juízes Desembargadores, revogue a decisão recorrida, e, em consequência, determine a alteração das respostas à matéria de facto nos termos sobreditos, julgando improcedente a ação e absolvendo a Recorrente do pedido.
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A requerente/recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas:
. dilucidar se o ato decisório sob censura enferma do vício formal previsto na al. b) do nº1 do art. 615º;
. aferir se o requerimento injuntivo enferma de vício de ineptidão por falta de causa de pedir;
. determinar se o tribunal a quo incorreu num error in iudicando, por deficiente avaliação ou apreciação das provas e assim na decisão da matéria de facto;
. decidir em conformidade face à alteração, ou não, do substrato fatual dado como provado e não provado na sentença recorrida, mormente dilucidar se se mostram verificados os pressupostos necessários para afirmar que a autora recorrida prestou, por via do contrato celebrado com a ré recorrente, os trabalhos melhor identificados nos autos.
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2. Das nulidades da sentença e do processo
2.1. Da (alegada) nulidade da sentença

Nas suas alegações recursórias a apelante advoga, desde logo, que o ato decisório sob censura enferma do vício de nulidade, que reconduz à previsão da alínea b) do nº 1 do art. 615º.
Certo é que não identifica em que passos concretos da sentença ocorre o invocado vício formal limitando-se, na essência, a alegar, de forma marcadamente genérica, que a sentença está ferida de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1 alínea b), porquanto não especifica devidamente os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, invocando ser esta ambígua e obscura, na medida em que omite, dá como provados factos que deviam ser julgados não provados e dá como não provados outros factos que deveriam ter sido considerados provados.
Ainda assim, dentro dos poderes de cognição que competem a este Tribunal de recurso, iremos procurar dilucidar se efetivamente a decisão recorrida padece da invocada nulidade.
Como se deu nota, a apelante começa por imputar à decisão recorrida o vício de nulidade previsto na alínea b) do nº 1 do art. 615º, onde se dispõe que “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como refere TEIXEIRA DE SOUSA[2], esta causa de nulidade verifica-se «quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)». E, acrescenta o mesmo autor, «o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível».
No mesmo sentido militam ainda LEBRE DE FREITAS et alii[3] quando afirmam que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
Neste conspecto mostram-se, como sempre, proficientes as considerações de ALBERTO DOS REIS[4] para quem «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (…). Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668° [a que corresponde a atual al. b) do nº 1 do art. 615º]».
Deste modo, face à doutrina exposta, conclui-se que a nulidade da sentença com o aludido fundamento não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
Assim se a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância contiver os elementos de facto e de direito suficientes para a declaração dos fundamentos da decisão final, não há falta de motivação.
Na espécie, malgrado na sua peça recursória a recorrente não tenha densificado minimamente em que se traduz o vício de nulidade, procedendo à análise do ato decisório sob censura, não se antolha em que medida o mesmo enferme do apontado vício, posto que nele a juiz a quo revelou as razões de facto (enunciando quer a materialidade que considerou provada, quer a facticidade que entendeu não ter logrado demonstração) e de direito (afirmando, designadamente, que, no caso em apreço, se verificam os pressupostos que permitem reconhecer que a demandante é titular de um direito creditório sobre a demandada, porquanto prestou serviços a esta na sequência do contrato de subempreitada celebrado entre elas) que conduziram a julgar parcialmente procedente a concreta pretensão de tutela jurisdicional que aquela formulou nestes autos.
Consequentemente a decisão recorrida não pode ser havida por não motivada no sentido supra considerado, não incorrendo, pois, no vício de falta de fundamentação.
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2.2. Da (alegada)ineptidão da petição inicial e nulidade do processo

A recorrente veio no presente recurso impugnar também a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente a exceção da ineptidão da petição inicial alegada pela ré/recorrente.
Tal decisão, no que a esta concreta questão importa, tem o seguinte teor:
Vejamos, então, se a Requerente alegou a factualidade essencial que fundamenta a sua pretensão:
A Requerente, na exposição dos factos, inscreveu na rúbrica destinada à identificação do contrato: “Fornecimento de bens e serviços”, na rúbrica destinada à data do contrato: “../../2022” e período a que se refere: “../../2022 a 22-12-2022”.
Na parte destinada à exposição dos factos, mencionou o objecto social de Requerente e Requerida, mais alegando que a Requerente no exercício da sua actividade comercial (a qual previamente descreveu), prestou serviços à Requerida, no montante global de € 9.009,00 aludindo a um extracto de conta corrente, mais alegando o não pagamento do montante em dívida. De realçar que a Requerente nem sequer identificou a factura respeitante aos serviços prestados, com indicação da sua data de emissão e vencimento, por forma a justificar o vencimento aludido de juros de mora.
No entanto, por requerimento datado de ../../2023 juntou a factura em que baseia o seu pedido, sendo que no seu descritivo consta “Serviços prestados da Vossa Obra no ... – ... – Fornecimento e aplicação de revestimento sintéctico delgado armado no tratamento da fachada no Bloco ....
Dessa factura consta, ainda, a data de emissão e a data de vencimento (../../2022).
Acresce que, em resposta à oposição, concretizou a que serviços respeita a acção – reproduzindo o teor da referida factura, conforme consta do artigo 3º do articulado.
Realça-se, ainda, que a parte contrária, notificada da factura nada disse.
Por outro lado, resulta da sua oposição que compreendeu perfeitamente a que contrato respeitava a acção, pois tomou posição expressa sobre os factos descritos na injunção, alegando, precisamente, que entre ambas foi celebrado um contrato que qualificou de contrato de subempreitada de reabilitação dos blocos ... e ... do ... – ... (art.º 32º da oposição), expendendo os seus argumentos que, na sua óptica, justificam a falta de pagamento da factura em apreço nos autos – que diz ter devolvido.
Assim, afigura-se-nos que a Requerente alegou o núcleo mínimo de factos que permitiram a individualização do contrato e a delimitação do litígio, de forma que permitiu à Requerida a sua perfeita compreensão e o pleno exercício do contraditório e do seu direito de defesa.
Nos termos do disposto no art.º 186º, nº 3 do CPC, se o Réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na al. a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o Autor, se verificar que o Réu interpretou convenientemente a petição inicial. Como vimos, a Requerida interpretou perfeitamente a petição inicial, tanto que deduziu todos os argumentos destinados a contrariar os fundamentos da acção.
Em face do exposto, julgo improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial.”
Como se referiu, na oposição que deduziu no âmbito do presente processo a ré defendeu-se, para além do mais, por exceção dilatória, invocando a ineptidão do requerimento injuntivo por falta de causa de pedir, alegando que faltam factos essenciais da causa de pedir, nomeadamente a falta de identificação do contrato subjacente e a falta de especificação dos serviços a que se refere a conta corrente a que alude no requerimento injuntivo e a falta de concretização do comportamento que subjaz ao incumprimento contratual.
A autora respondeu, pugnando pela aptidão da petição inicial, declarando que a fatura em dívida respeita a serviços prestados na Vossa Obra no ... – ... – Fornecimento e aplicação de revestimento sintético delgado armado no tratamento da fachada no Bloco ....
Nessa sequência, o juiz a quo decidiu pela improcedência de tal exceção, por entender que a autora alegou o núcleo mínimo de factos que permitiram a individualização do contrato e a delimitação do litígio, de forma que permitiu à ré a sua perfeita compreensão e o pleno exercício do contraditório e do seu direito de defesa.
A ré apelante rebela-se contra o aludido segmento decisório argumentando, fundamentalmente, que, no requerimento injuntivo, a autora não expôs a factualidade subjacente à causa de pedir e ao pedido que invoca. Expõe nas suas alegações de recurso que nele a autora recorrida não invocou os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, para que se compreenda o negócio que está na origem do litígio, adiantando que apenas fez constar da exposição dos factos que fundamentam a pretensão da recorrida, que, no âmbito da sua atividade, esta prestou os seus serviços à recorrente, alegadamente conforme extrato de conta corrente entregue à requerida, constando como data de celebração do contrato de prestação de serviços, o dia ../../2022 (cfr. cls. 5).
Mais argumenta que a autora recorrida não identificou o tipo de contrato de prestação de serviços, nem discriminou a que serviços se referia o mencionado extrato de conta corrente, ou sequer o número da fatura em causa, a sua data de emissão ou de vencimento, assim como também não alegou o concreto comportamento violador do programa contratual, no caso, a falta de pagamento nos termos em que o respetivo pagamento foi acordado (cfr. cls. 6).
Continua defendendo que a autora recorrida deveria ter explicitado factualmente o contrato celebrado com a ré e tudo o mais que motiva a pretensão deduzida, expondo também as razões de direito que servem de fundamento à ação, bem como que deveria ter alegado todos os factos que consubstanciam a causa de pedir e justificam o pedido (cfr. cls. 10).

Que dizer?
Como é sabido, o processo de injunção foi criado pelo DL nº 404/93, de 10.12 (que veio a ser substituído pelo DL nº 269/98, de 01.09, que revogou aquele diploma) como meio de descongestionar os tribunais judiciais dos processos declarativos que se destinassem, essencialmente, à obtenção de um título executivo atinente ao cumprimento efetivo de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato.
Dispõe, a este propósito, o art. 7º do último diploma citado (na redação que lhe foi dada pelo DL 32/2003, de 17.02) “[c]onsidera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro”.
Em conformidade com esse regime normativo, a força executória emanada da fórmula aposta pelo secretário judicial é consequência natural da não impugnação do requerimento inicial de injunção, e que corresponde à presunção de confissão, feita pelo requerido, dos factos e do pedido contra ele formulado. Ao não contestar o pedido injuntivo, o requerido sabe que, sem que haja necessidade de apreciação do respetivo fundamento, aquele requerimento injuntivo poderá ser usado como um verdadeiro título executivo (cfr. art. 703º, nº 1 al. d)), porque resultado dessa confissão feita da dívida.

No que tange aos requisitos a que deve obedecer esse requerimento rege o art. 10º do mencionado diploma nos termos do qual:
«1 - Salvo manifesta inadequação ao caso concreto, o requerimento de injunção deve constar de impresso de modelo aprovado por Portaria do Ministro da Justiça.
2 - No requerimento deve o requerente:
. identificar a secretaria do tribunal a que se dirige;
. identificar as partes;
. indicar o lugar onde deve ser feita a notificação, devendo mencionar se se trata de domicílio convencionado, nos termos do nº 1 do artigo 2º do diploma preambular;
. expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão;
. formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas (...)».
Como emerge do inciso transcrito, o requerente não está dispensado da indicação da causa de pedir, dos fundamentos do pedido que direciona contra o requerido. No entanto, dada a necessidade assinalada no preâmbulo do diploma que instituiu o procedimento injuntivo de um “significativo esforço de adequação dos trâmites processuais às exigências da realidade social presente, sem quebra ou diminuição da certeza e da segurança do direito, obedecendo, designadamente, aos princípios de celeridade, simplificação, desburocratização e modernização, que hão de informar a nova legislação processual civil” permite-se que os factos que fundamentam a pretensão sejam deduzidos de forma sucinta. Porém, esta exposição sucinta não significa que o requerente possa formular o seu pedido sem alegar os factos constitutivos do direito invocado e que consubstanciam a causa de pedir, porquanto apenas se flexibiliza a sua narração em termos sintéticos e breves.
Questão que então se coloca é a de saber quando é que, in concreto, se pode afirmar a ocorrência de falta de causa de pedir no requerimento de injunção que importe a sua ineptidão.
Na ausência de expressa previsão legal, há que recorrer ao regime estabelecido no Código de Processo Civil, que na al. a) do nº 2 do seu art. 186º postula que a petição se diz inepta “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”, sendo que em relação a este elemento objetivo da instância a sua definição extrai-se do disposto no nº 4 do art. 581º do mesmo Corpo de Leis (no qual, segundo alguns, se consagrará a denominada teoria da substanciação, embora ultimamente alguma doutrina e jurisprudência venha sustentando que o atual diploma adjetivo consagrará antes a chamada teoria da individualização aperfeiçoada[5]), como o facto jurídico que está na base da pretensão deduzida pelo autor, ou seja, a causa de pedir é o próprio facto jurídico genético do direito.
Haverá, assim, falta de causa de pedir quando da análise do requerimento injuntivo não se descortine qual o facto jurídico em que o requerente fundamenta a pretensão que nele aduz, por ausência de alegação - sequer sucinta - de factos concretos que, à luz do direito substantivo, a legitimem.
O problema que então se equaciona é o de saber se – tal como afirmado no ato decisório sob censura – o requerimento de injunção apresentado pela requerente não enferma do apontado vício processual.
Conforme vem sendo salientado na doutrina pátria[6] haverá que estabelecer um distinguo entre falta absoluta de causa de pedir e a alegação insuficiente da causa de pedir, sendo que somente na primeira situação ocorre o vício que determina a ineptidão.
Do ponto de vista da apresentação desse elemento objetivo da instância o que interessa é que o ato ou facto de que o autor quer fazer derivar o direito em litígio esteja concreta e suficientemente individualizado. Mas, como nota ALBERTO DOS REIS[7], se “o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta”.
No que especialmente tange ao regime da injunção, importa recordar que o requerente do procedimento se encontra, por mor do estabelecido na Portaria nº 234/2003, de 17.03[8], formalmente condicionado por ter que expor a sua pretensão e respetivos fundamentos no impresso próprio para o efeito – particularmente limitado quanto ao espaço disponível para a enunciação dos elementos de facto invocados em suporte do concreto pedido deduzido -, estando, outrossim, impossibilitado de, com esse requerimento, juntar documentos.
Isto posto, revertendo ao caso dos autos, verifica-se que no requerimento injuntivo a autora recorrida, na exposição dos factos, inscreveu na rubrica destinada à identificação do contrato: “Fornecimento de bens e serviços”, na rubrica destinada à data do contrato: “../../2022” e período a que se refere: “../../2022 a 22.12.2022”. Mais se constata que na parte destinada à exposição dos factos, aquela mencionou o objeto social de ambas as partes, mais assinalando que a requerente no exercício da sua atividade comercial, prestou serviços à requerida, no montante global de € 9.009,00, aludindo a um extrato de conta corrente, mais arguindo o não pagamento do montante em dívida.
É facto que a requerente não identificou, ab initio, a fatura respeitante aos serviços prestados, com indicação da sua data de emissão e vencimento, por forma a justificar o vencimento aludido de juros de mora. Todavia, por requerimento datado de ../../2023 juntou a fatura em que baseia o seu pedido, sendo que no seu descritivo consta “Serviços prestados da Vossa Obra no ... – ... – Fornecimento e aplicação de revestimento sintético delgado armado no tratamento da fachada no Bloco .... Dessa fatura consta, ainda, a data de emissão e a data de vencimento, ../../2022 (cfr. fls. 10 e 11 dos autos).
Acresce que, em resposta à oposição, a autora concretizou a que serviços respeita a ação – reproduzindo o teor da referida fatura (cfr. art. 3º do referido articulado), sendo de ressaltar que a parte contrária, notificada de tal documento, nada disse (o que, em termos probatórios, não pode deixar de relevar para os efeitos do disposto nos arts. 374º e 376º, ambos do Cód. Civil).
Portanto, na sequência da oposição deduzida pela ré, a autora veio juntar aos autos a fatura a que aludiu no requerimento injuntivo, concretizando os demais elementos em que baseou o seu pedido.
Ora, tendo em conta a forma sucinta de narração dos factos exigível à requerente do procedimento de injunção - que, como se deu nota, tem que apresentar o requerimento condicionado ao formulário legalmente previsto -, tendo esta identificado no requerimento o contrato em causa como de fornecimento de bens e serviços, indicando a data da sua celebração, mencionando o período em que se verificou o fornecimento de bens e serviços e ainda o montante em dívida por referência a fatura a que expressamente alude, a qual junta de seguida, dela constando a indicação da data da sua emissão, não se pode considerar que a respetiva causa de pedir não esteja alegada, sendo que, como anteriormente se enfatizou, somente em situação de absoluta omissão dessas indicações se poderá, com propriedade, falar de ineptidão do requerimento injuntivo.
Salienta-se que, resulta da oposição apresentada que a ré recorrente compreendeu perfeitamente a que contrato respeitava a ação, pois tomou posição expressa sobre os factos descritos na injunção, alegando, precisamente, que entre ambas foi celebrado um contrato que qualificou de contrato de subempreitada de reabilitação dos blocos ... e ... do ... – ... (cfr. art. 32º da oposição), explicando os motivos que, na sua opinião, legitimam a falta de pagamento da fatura em apreço nos autos – que aliás refere ter devolvido.
Consequentemente, entendemos que não nos merece qualquer censura a decisão da 1ª instância quando concluiu que (…) “a Requerente alegou o núcleo mínimo de factos que permitiram a individualização do contrato e a delimitação do litígio, de forma que permitiu à requerida a sua perfeita compreensão e o pleno exercício do contraditório e do seu direito de defesa.”
Com efeito, tal conclusão mostra-se em consonância com o disposto no art. 186º, nº 3, onde se preceitua que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na al. a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.
Tal é a situação dos autos já que se constata que a ré interpretou perfeitamente o requerimento injuntivo, tanto que deduziu todos os argumentos destinados a contrariar os fundamentos da ação.
Assim, conclui-se inexistir a invocada nulidade principal, considerando-se, por isso, que o juiz a quo decidiu acertadamente quando julgou improcedente a exceção de ineptidão do requerimento injuntivo/ petição inicial.
*
3. Recurso da matéria de facto

3.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade:

a) A Requerente é uma empresa que se dedica à atividade de acabamento no âmbito da construção civil, nomeadamente revestimento de pavimentos e de paredes, pintura, colocação de caixilharias de alumínio e trabalhos ornamentais; Indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim; arrendamento e exploração de bens imobiliários, próprios ou arrendados, de edifícios residenciais e não residenciais.
b) A 1ª Requerida é uma sociedade por quotas e na sua atividade profissional dedica-se à atividade de acabamentos de construção civil, tais como isolamentos e revestimentos; comércio de materiais de construção, indústrias transformadoras, fabricação de tintas e vernizes e produtos similares; importação e exportação de materiais para a construção civil; prestação de serviços de construção civil, empreitada de obras públicas e particulares; restauração e construção de edifícios; atividade de promoção imobiliária; mediação imobiliária.
c) No exercício das respetivas atividades, Requerente e Requerida celebraram um contrato de subempreitada, que teve por objeto a reabilitação dos blocos ... e ... do ... – ..., mediante o qual a Requerente se obrigou ao fornecimento de mão de obra e a executar a aplicação de sistema etic´s, e a Requerida se obrigou a pagar o preço de € 28.114,35, a que acresceria o valor do IVA.
d) As partes acordaram o prazo de execução da obra de 300 dias, com início em ../../2021 e término a 20 de Abril de 2022.
e) A Requerente executou os trabalhos de colocação de revestimento, ficando a faltar a execução dos trabalhos de acabamento.
f) No dia ../../2022, a Requerente emitiu a fatura nº ...6, no montante de € 9.009,00, com a mesma data de vencimento, e remeteu-a à Requerida.
g) A Requerida devolveu a referida fatura e não procedeu ao respetivo pagamento.
h) A Requerente iniciou a execução dos trabalhos de subempreitada, cerca de uma
semana depois da data prevista.
i) A Requerente interrompeu a execução dos trabalhos, em ../../2022, para ir executar outras obras que tinha em curso.
j) Quando regressou ao local da obra, foi impedida de nela entrar e retomar os  trabalhos.
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3.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:
a) A Requerente não cumpriu o número mínimo de trabalhadores em obra;
b) A Requerente não facultou a documentação solicitada e obrigatória numa obra pública.
c) A Requerente abandonou por completo a obra.
d) A Requerente suportou custos com a cobrança da dívida referentes aos honorários da Advogado, nomeadamente, com a propositura do presente procedimento de injunção, abertura do processo, análise da factualidade em discussão, avaliação da estratégia processual, a seguir, elaboração do requerimento de injunção, no montante de € 500,00. A solicitação da Ré, a Autora executou trabalhos extra consistentes em colocação de betuminoso, de pintura, de remate de tubos de queda de água, de pavimentação e pintura do interior, de limpeza de toda a obra e reparação de jardins, e forneceu e deu horas de giratória.
***

3.3. Apreciação da impugnação da matéria de facto

Como emerge das respetivas alegações recursivas, a apelante pretende impugnar a decisão da matéria de facto, argumentando que o Tribunal errou ao analisar a prova junta aos autos.
Questão que se coloca é a de saber se, no entanto, o fez de forma processualmente válida.
A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Desde logo, como deflui do nº 1 do art. 639º, quando o apelante interpõe recurso de uma decisão jurisdicional fica automaticamente vinculado à observância de dois ónus, se quiser prosseguir com a impugnação de forma regular[9].
Assim, para além do cumprimento do ónus de alegação, o recorrente fica igualmente sujeito ao ónus de finalizar as alegações recursórias com a formulação sintética de conclusões, em que resuma os fundamentos pelos quais pretende que o tribunal ad quem modifique ou revogue a decisão prolatada pelo tribunal a quo.
Além destes, vem-se igualmente autonomizando um ónus de especificação de cada uma das concretas razões de discórdia em relação à decisão sob censura, seja quanto às normas jurídicas (e sua interpretação) aí convocadas, seja a respeito dos concretos pontos de facto que o apelante considera que foram julgados de forma incorreta e dos concretos meios de prova que impunham uma diversa decisão relativamente a essa facticidade.
Isso mesmo determina a al. a) do nº 1 do art. 640º, na qual se preceitua que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados”.
Por imposição do segmento normativo transcrito, deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende ver reapreciados pelo tribunal ad quem.
Isto posto, procedendo à exegese das alegações apresentadas, afigura-se-nos que não foi observado esse ónus de especificação dos concretos pontos de facto que a apelante considera terem sido incorretamente julgados pelo tribunal de 1ª instância, já que nas respetivas conclusões nenhuma referência lhes é feita de forma individualizada, isto é, não se indicam quais os concretos pontos de facto provados e/ou não provados que pretende impugnar.
Questão que se tem colocado é a de saber se tal especificação deve constar, formalmente, das conclusões recursórias ou se se bastará com a sua inclusão no corpo alegatório[10].
É certo que, aparentemente, a lei adjetiva não consagra norma expressa sobre tal inclusão no quadro conclusivo, como o faz relativamente à impugnação de direito, nos termos do artigo 639º, nº 1 e 2.
No entanto, conforme vem sendo majoritariamente entendido[11], constituindo a especificação dos concretos pontos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões, por força do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugadamente com o art. 640º, nº 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no nº 1 do art. 639º.
Este posicionamento é, quanto a nós, aquele que se mostra em consonância com a ratio essendi das conclusões recursórias, qual seja a de delimitação do âmbito objetivo e subjetivo do recurso e, correspondentemente, da competência decisória da Relação.
De facto, como emerge do regime plasmado nos arts. 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nº 1, da sua natureza lógica de finalização resumida de um discurso, as conclusões têm um papel decisivo, não só no levantamento das questões controversas apresentadas ao tribunal superior como, sobretudo, na fixação do objeto do recurso, logo se compreendendo quão importantes elas são para o tribunal ad quem na definição dos seus poderes de cognição. Em suma: as conclusões têm a importante função de definir e delimitar o objeto do recurso e, desta forma, circunscrever o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento.
Por isso, sendo a impugnação de matéria de facto uma autêntica questão fundamental, suscetível de conduzir a decisão diferente, deve ela ser incluída nas conclusões das alegações, de forma sintética mas obviamente com indicação precisa dos pontos de facto impugnados, como resumo do que a tal respeito tenha sido referido no corpo das alegações. Só assim se pode entender que é suscitada tal questão: para se impugnar matéria de facto há, forçosamente, que especificar nas conclusões, de forma concreta, quais os pontos de facto impugnados, pois de contrário o recurso não tem objeto fático.
Entende-se, por conseguinte, que, para uma correta impugnação da matéria de facto, se exige a inclusão da concretização dos pontos de facto ou matéria impugnada nas conclusões, sob pena de rejeição do recurso, inclusão essa que, in casu, não se verificou. É que, para o aludido efeito, não basta – como fez a apelante – aludir genericamente à materialidade que se reputa erroneamente apreciada, exigindo-se antes uma indicação concreta e precisa dos pontos de facto, provados ou não provados, que se considera terem sido incorretamente julgados (tal como foram identificados/enunciados na sentença recorrida).
Por outro lado, por imposição do disposto no art. 640º, na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
Nesse sentido tem sido interpretado o segmento normativo “impunham decisão diversa da recorrida” constante da 2ª parte da al. b) do nº 1 do citado art. 640º, acentuando-se que o cabal exercício do princípio do contraditório pela parte contrária impõe que sejam conhecidos de forma clara os concretos argumentos do impugnante[12].
Com efeito, da mesma maneira que ao tribunal de 1ª instância é atribuído o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova que o conduziu a declarar quais os factos que julga provados e não provados (art. 607º, nº 4), devendo especificar, por razões de sindicabilidade e de transparência, os fundamentos que concretamente se tenham revelado decisivos para formar a sua convicção, facilmente se compreende que, em contraponto, o legislador tenha imposto à parte que pretenda impugnar a decisão de facto o respetivo ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal a quo.
Portanto, como sublinha ANA LUÍSA GERALDES[13], o recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, “deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos”. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal de 1ª instância (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, aos restantes meios probatórios, v.g., documentos, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada e é com esses elementos que a parte contrária deverá ser confrontada, a fim de exercer o contraditório, no âmbito do qual poderá proceder à indicação dos meios de prova que, em seu entender, refutem as conclusões do recorrente.
Cumpre, de igual modo, ressaltar que o objetivo do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é pura e simples repetição das audiências perante a Relação mas a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, sem prejuízo de aquando da apreciação dos meios probatórios colocados à sua disposição formar uma convicção autónoma sobre a materialidade impugnada.
Por via disso, a jurisprudência tem vindo a considerar que o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto terá de alegar, especificar e esclarecer o porquê da discordância, isto é, como e qual a razão por que é que determinados meios probatórios indicados e especificados contrariam/infirmam a conclusão factual do Tribunal de 1ª instância. Encontra-se, pois, constituído no ónus, como se decidiu no acórdão do STJ de 15.09.2011[14], “de apontar a divergência concreta entre o decidido e o que consta do depoimento ou parte dele, ou seja, obrigado está o recorrente a concretizar e a apreciar criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; (…) é exatamente esse o sentido da expressão legal «quais os concretos meios probatórios de registo ou gravação que imponham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida»”.
Certo é que, como deriva das alegações recursórias, a apelante limita-se, praticamente, a adiantar que o tribunal de 1ª instância não analisou corretamente a prova.
Ora, na sequência das considerações supra expendidas, a impugnação da decisão da matéria de facto não se basta com uma manifestação de discordância em relação à forma como essa materialidade foi decidida, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos.
Daí que, em consonância com o disposto na 1ª parte da al. a) do nº 2 do citado art. 640º, impõe-se a rejeição, nessa parte, do recurso, sendo que, dada a expressão perentória da lei (através do emprego do adjetivo imediata), não cabe convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir a inobservância desses ónus[15].
Deste modo, perante o evidenciado inadimplemento, nenhuma alteração se poderá introduzir na matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada e não provada.
***
III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como deflui do requerimento injuntivo com que deu início ao presente processo, a autora, arrogando-se credora do valor de €9.937,55 na sequência dos serviços que prestou à ré no âmbito do contrato que ambas celebraram (que a materialidade apurada permite qualificar juridicamente como subempreitada, categorização essa que as partes sequer questionam), veio impetrar o pagamento por parte desta última da aludida importância.
O juiz de 1ª instância, na presença da matéria de facto que considerou provada e não provada, julgou a ação parcialmente procedente, por entender que apesar das vicissitudes na execução do contrato, independentemente da data em que alegadamente terá sido estabelecido esse vínculo negocial entre as partes, certo é que a autora realizou efetivamente os trabalhos a que se reporta a fatura em causa nos autos, os quais não foram pagos, sendo que a ré não logrou provar que a falta de pagamento da fatura reclamada não procedeu de culpa sua.
Por tal razão na sentença recorrida se considerou que a ré está obrigada a pagar o valor da mencionada fatura, pois não ilidiu a presunção de culpa que lhe competia ilidir, nos termos do disposto no art.º 799º, nº 1 do Cód. Civil.
A apelante rebela-se contra esse sentido decisório sustentando que, ao invés do que se decidiu na sentença recorrida, não foi produzido nenhum elemento de prova por parte da recorrida que pudesse levar à conclusão do Tribunal a quo de que os trabalhos alegados na fatura junta aos autos foram efetuados, nomeadamente nas quantidades e preço aí reclamados, pelo que a decisão não poderia ser outra que não fosse a de absolver a recorrente do pedido formulado pela recorrida, uma vez que a mesma não logrou provar os factos constitutivos do direito alegado, tudo nos termos do art. 342º, do Código Civil.
Portanto, na economia do recurso apresentado pela apelante, a reclamada absolvição do pedido pressupunha a alteração da materialidade que o tribunal de 1ª instância considerou provada e não provada, o que, todavia, não logrou.
Porque assim, tal como afirmado no ato decisório sob censura, igualmente entendemos que a ré apelante – independentemente das vicissitudes que se registaram na execução do contrato que celebraram - se encontra constituída no dever de realizar a sua prestação debitória, isto é, proceder ao pagamento à autora dos trabalhos que esta levou a cabo ao abrigo desse contrato (arts. 406º, 762º, 1207º e 1213º, todos do Cód. Civil).
Aliás, neste conspecto, não se revela despiciendo sublinhar que no articulado de defesa que a demandada apresentou no âmbito do presente processo em momento algum põe em causa a realização dos trabalhos cujo pagamento é peticionado, limitando-se, na essência, a alegar que os mesmos “não foram executados no tempo devido, que houve falta do número mínimo de trabalhadores em obra, falta de apresentação de documentação solicitada e obrigatória numa obra pública e abandono da obra”. No entanto, nessa peça processual, não aduziu, com base nessa materialidade, qualquer exceção de natureza perentória que, de algum modo, permitisse neutralizar a pretensão de tutela jurisdicional que a demandante contra ela formulou.
Neste circunstancialismo, estando o objeto do processo balizado pelos elementos objetivos da instância nos moldes configurados pelas partes, impõe-se, pois, a improcedência do presente recurso.
***
III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação interposta pela ré, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante ré (art. 572º, nºs 1 e 2).
Guimarães, 02.05.2024


[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] In Estudos sobre o Processo Civil, pág. 220 e seguinte.
[3] In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, pág. 297; em análogo sentido, RODRIGUES BASTOS (in Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 194), ressaltando que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença».
[4] In Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140.
[5] Cfr., por todos, Acórdão de 18.12.2023, proferido no processo nº 7057/18.6T8BRG-A.G1, desta Relação de Guimarães, cujo relator e 2ª adjunta são respetivamente os 1º e 2º adjuntos no presente acórdão.
[6] Cfr., por todos, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Almedina, págs. 353 e seguintes, CASTRO MENDES, in Direito Processual Civil, vol. III, AAFDL, 1987, pág. 47 e ANTUNES VARELA et alii, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora pág. 245.
[7]  In Comentário, vol. II, Coimbra Editora, págs. 362 e seguintes.
[8] Que revogou a Portaria nº 220-A/2008, de 4 de março.
[9] Sendo que, a este respeito, a casuística do Tribunal Constitucional (v.g. acórdãos nº 132/2002 e 403/2002, publicados, respetivamente, no DR, II série, de 29.05.2002 e de 16.12.2002) vem reiteradamente afirmando não ser incompatível com a tutela constitucional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes, desde que não sejam nem arbitrários nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão.
[10] O que, ainda assim, nem sequer ocorreu no caso em apreço.
[11]Cfr., inter alia, na jurisprudência, acórdãos do STJ de 19.02.2015 (processo 299/05.6TBMGD.P2.S1), de 18.05.2004 (processo nº 05A1334), de 1.03.2007 (processo nº 06S3405), de 13.07.2006 (processo nº 06S1079) e de 8.03.2006 (processo nº 05S3823), acórdãos da Relação do Porto de 13.10.2015 (processo nº 127/12.3TVPRT.P1), de 22.09.2014 (processo nº 258/14.8TJPRT-B.P1) e de 3.06.2014 (processo nº 2438/11.9TBOAZ), acórdãos da Relação de Lisboa de 23.04.2015 (processo nº 3311/3.TBBRR.L2-6), de 13.03.2014 (processo nº 569/12.7TVLSB.L1) e de 12.02.2014 (processo nº 26/10.6TTBRR.L1) e acórdãos da Relação de Coimbra de 19.12.2012 (processo nº 2312/11.9TBLRA.C1), de 17.03.2010 (processo nº 2493/08.9PCCBR.C1) e de 3.06.2008 (processo nº 245-B/2002.C1), todos disponíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 584, AVEIRO PEREIRA, O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil, págs. 11 e seguintes, in www.trl.mj.pt/PDF/Joao%20Aveiro.pdf e ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 133, onde afirma que “o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”.
[12] Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 15.09.2011 (processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1), de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos da Relação do Porto de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[13] Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto, pág. 4 e seguinte, trabalho disponível em ww.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf.
[14] Processo nº 1079/07.0TVPRT.P1.S1. No mesmo sentido se pronunciaram, inter alia, os acórdãos do STJ de 2.12.2013 (processo nº 34/11.0TBPNI.L1.S1) e de 22.10.2015 (processo nº 212/06), acórdãos da Relação do Porto de 5.11.2012 (processo nº 434/09.5TTVFR.P1) e de 17.03.2014 (processo nº 3785/11.5TBVFR.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 15.09.2014 (processo nº 2183/12.TBGMR.G1) e de 15.10.2015 (processo nº 132/14.8T8BCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] A este propósito, a doutrina, praticamente una voce, tem considerado que o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento – cfr., por todos, ABRANTES GERALDES, ob. citada, pág. 134 e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 170; LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 585 e LEBRE DE FREITAS et alii, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 2ª edição, pág. 62. Idêntico entendimento tem sido trilhado na jurisprudência, de que constituem exemplo, inter alia, os acórdãos do STJ de 9.02.2012 (processo nº 1858/06.5TBMFR. L1.S1), de 22.09.2011 (processo nº 1368/04.5TBBNV.S1), de 15.09.2011 (processo nº 455/07.2TBCCH.E1.S1), de 21.06.2011 (processo nº 7352/05.4TCLRS.L1.S1), acórdãos da Relação de Lisboa de 13.03.2014 (processo nº 569/12.7TVLSB.L1) e de 12.02.2014 (processo nº 26/10.6TTBRR.L1) e acórdão da Relação de Guimarães de 12.06.2014 (processo nº 1218/10.3TBBCL.G1), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Registe-se que sobre esta temática, ainda que no domínio da jurisdição penal, o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se (v.g. acórdão nº 259/2002, publicado no Diário da República, II série, de 13.12.2002), decidindo pela compatibilidade constitucional de uma solução legislativa segundo a qual a falta de cumprimento dos ónus que impendem sobre o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto tem como efeito o não conhecimento dessa matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir esses vícios.