CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário

I–Tendo presentes as conclusões apresentadas após convite ao aperfeiçoamento, há que verificar se foi dado cumprimento ao determinado pelo Tribunal e se, assim, é possível decifrar com rigor as questões a decidir. A resposta é, manifestamente, negativa.

II–O Tribunal claramente identificou os lapsos que impunha corrigir. Exortou-se o Recorrente a dar cumprimento às exigências no n.º 2 do art.º 412.º do Código de Processo Penal quanto à invocada prescrição, bem como às exigências dos números 3 e 4 quanto à impugnação da matéria de facto.
III–A nova versão das conclusões não responde ao determinado pelo Tribunal.
IV–Salvaguardada que foi a oportunidade de correcção do vício, impõe-se a rejeição liminar do presente recurso, o que se decide.

(Sumário da responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


RELATÓRIO


Nos presentes autos de recurso foi proferida decisão sumária de rejeição do recurso com o seguinte teor:
«Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão sumária, rejeitar o presente recurso por incumprimento do disposto no art.º 412.º do Código de Processo Penal».

Previamente, determinara o Tribunal o aperfeiçoamento das conclusões, nos seguintes termos, sob cominação:
«Compulsadas as motivações apresentadas pelo Recorrente, entende o Tribunal que as mesmas não estão devidamente formuladas, nem apresentam conclusões conformes ao disposto no art.º 412.º do Código de Processo Penal.
Com efeito, na motivação não são cumpridas as exigências no n.º 2 quanto à invocada prescrição, nem as exigências dos números 3 e 4 quanto à impugnação da matéria de facto. Consequentemente, as conclusões não espelham correctamente os fundamentos do recurso.
Perante este quadro, notifique o Recorrente para, no prazo legal e sob pena de rejeição do recurso, apresentar correcção das motivações e conclusões em conformidade.»

Veio o recorrente reclamar para a conferência arguindo que:
«-O ora reclamante, com o devido respeito, discorda do entendimento de se rejeitar a apreciação do seu recurso, ainda que, por hipótese, perante o incumprimento de algum dos critérios constantes dos nºs 3 e 4 do artigo 412º CPP.
2º-De facto, entende o aqui reclamante, nas motivações de recurso que apresentou, que cumpriu critérios mínimos constantes do artigo 412º C.P.P., nomeadamente requereu a audição de um depoimento concreto, o seu.
3º-Diga-se, aliás, que a matéria factual a corrigir se prendia nomeadamente com o facto de o Tribunal a quo ter considerado que o então recorrente e aqui reclamante auferia uma retribuição média que infelizmente é maior em 30% do que a que realmente se pode contabilizar.
4º-Dito de outro modo, o Tribunal “a quo”, que normalmente acredita nos relatos dos arguidos quanto às respetivas despesas e rendimentos – a não ser que existam manifestas incongruências – neste caso, nem sequer prestou atenção àquilo que foi transmitido pelo então recorrente que disse, em concreto, que ganhava cerca de mil euros, contabilizando uma prestação em razão da sua deficiência, acrescida de rendimentos do exercício da sua profissão de advogado (e não mil euros profissionais acrescidos da tal prestação, perfazendo mil e trezentos euros, como consta na Douta sentença de primeira instância.
5º-Ora, este ponto é importante pois o cálculo das possíveis multas e indemnizações deverá fazer-se a partir da remuneração concretamente recebida, sendo que, quando a mesma é maior, os valores aplicados podem ser mais elevados; ao passo que se os rendimentos são menos abundantes, as multas, indemnizações e penalidades deverão conformar-se com os limites da remuneração média efetivamente recebida.
6º-Por outro lado, e ainda que se desconsidere totalmente a apreciação da matéria de facto, o certo é que o recurso não admitido aqui em apreciação tinha por objeto mais do que a (re)apreciação da matéria de facto, a saber:
- Visava também a falta de apreciação dos ditames legais quanto à medida da pena penal aplicada, nomeadamente por falta de aplicação vinculada da atenuante constante da al. d) do nº 2 do artigo 72º do Código de Penal, segundo os ditames constantes do artigo 73º do mesmo código;
- Bem como a alegada falta de fundamentação e mesmo erro notório na apreciação da prova quanto aos montantes arbitrados a nível de supostos danos patrimoniais da Ordem dos Advogados, na medida em que a peça processual foi mal apresentada, constando da própria ata da audiência que foram mantidos praticamente apenas os factos dos três primeiro artigos do PIC, pelo que em face do texto da sentença, conjugada com a experiência comum, existiu manifesto erro na apreciação da prova pois, perante a escassa matéria factual que se apurou, não era possível arbitrar o montante de trezentos e cinquenta euros a título de indemnização por danos patrimoniais como o fez a Douta sentença;
- Também se entende que a Ordem dos Advogados não pode - pelo menos com facilidade - sofrer danos não patrimoniais, dado que a mesma não apresenta estados de alma, como depressão, desânimo, tristeza, perdas de concentração, de capacidade de trabalho ou de apetite, como sucede com as pessoas individuais.
7º- Ora, entende o reclamante, que todos estes pontos deverão ser revisitados, por terem particular influência, quer na medida da pena, quer na obrigação de indemnizar, seja ao nível patrimonial ou não patrimonial; bem como mesmo no quantitativo da indemnização a apurar concretamente.»

Pronunciou-se o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa no sentido de «(…) não é a circunstância de prescindir de parte do Recurso, ou das questões que o compunham (prescrição e matéria de facto) que lhe conferem a virtualidade de poder ser aceite, porquanto se mantêm, ao invés do alegado, as razões que presidiram ao convite de aperfeiçoamento, que, por seu turno não é repetível, como bem deflui da expressa advertência do art.º 417º, 3 CPP, pelo que reiteramos a proposta de rejeição e, assim, a validação, por Deliberação, da Decisão posta em crise.»

Cumpre decidir.

OBJECTO DA RECLAMAÇÃO
A questão que se coloca na presente reclamação é a de saber se o Recorrente deu cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, formulando devidamente as conclusões do recurso, assim determinando a apreciação deste. Ou se, pelo contrário, é de manter a decisão sumária de rejeição do recurso por incumprimento pelo Recorrente do disposto no art.º 412.º/1 e 2 do Código de Processo Penal naquilo que determina serem as conclusões de um recurso.

AS CONCLUSÕES “APERFEIÇOADAS”

Após o despacho de aperfeiçoamento, apresentou o Recorrente as seguintes conclusões.
«1.– Antes do mais, o aqui recorrente declara expressamente, que aceitará qualquer perdão ou amnistia que sobre o mesmo possa recair, designadamente por ocasião do quinquagésimo aniversário da Revolução Democrática do 25 de Abril de 1974;
2.– Adicionalmente, entre a data de início do presente processo - em Setembro de 2018 e a atualidade, decorreram já mais de cinco anos, circunstância relevante designadamente para efeitos de aplicação da atenuante de caráter especial a que se refere a al. d) do nº 2 do artigo 72º do Código Penal, - a qual se traduz no facto de terem decorrido já cinco anos após os factos em apreciação – atenuação que, no entanto, não foi aplicada e que caso o tivesse sido, justificaria a aplicação de uma pena de admoestação;
3.–Quanto aos factos provados devem, desde logo, ser alterados os enunciados dos factos 4 e 5, no sentido de que o arguido, ora recorrente, não obstante ter sido suspenso por Douta decisão da Ordem dos Advogados proferida em 16 de Março de 2017, começada a fazer executar em 2 de Setembro de 2017, ininterruptamente, até 13 de Fevereiro de 2019; não o deveria ter feito dado que a decisão de 16 de Março ficou com a aplicação suspensa entre 18 de Agosto de 2017 e, pelo menos, 18 de Outubro desse ano, o que levou a que o aqui recorrente estivesse suspenso, pelo menos, durante um mês e meio de forma ilegal e sem sequer lhe terem sido pedidas quaisquer desculpas (artigos 6 a 14 do presente recurso e conforme supracitado processo n.5 1693/2017);
4.–Quanto ao facto erroneamente dado como provado no artigo 21, segundo o qual o arguido, aqui recorrente, teria um rendimento de mil e trezentos a mil e seiscentos euros mensais, o que foi dito - e está registado em áudio - é que o arguido ganha, em média calculada benevolentemente, mil euros por mês, a que acresce uma PSI (que nem deveria ser mexida por se destinar a fazer face a despesas derivadas da falta de acessibilidade para pessoas deficientes) de cerca de trezentos euros; para prova do alegado, requer-se a audição das declarações do arguido, que explicou singelamente quais os seus proventos (vide também artigos 18 a 19 das presentes motivações de recurso);
5.–Em face desta diminuição de rendimentos, e sem prejuízo do já referido ou do que venha ainda a alegar-se, deverão as quantias cujos pagamentos foram impostos ao arguido ser, pelo menos, drasticamente diminuídas, o que se requer;
6.–Devem ainda os factos dados como provados sob os nºs 13 a 18, ser reponderados, através da audiência do depoimento, nomeadamente do arguido, aqui recorrente, no sentido de se voltar à interpretação correta, segundo a qual o arguido foi verdadeiro, não escondeu que estava suspenso; designou uma sua Colega que defendeu a senhora oficiosa, de forma gratuita, não a deixando sem defesa; e ainda informou o Tribunal, conforme a testemunha indicado pela Ordem dos Advogados veio a aconselhar;
7.–Assim, o aqui recorrente atuou sem dolo, entendido como sem intenção ou vontade de praticar factos criminosos que lesassem a Ordem dos Advogados ou qualquer outra Instituição pública; ou pelo menos, com dolo meramente eventual;
8.–Ora, como nesta parte reconhece - bem - o Douto Tribunal "a quo", o arguido e recorrente não deverá ser punido a título de mero dolo eventual, o único que ainda seria possível descortinar no âmbito do presente processo;
9.–Neste contexto, e conforme desenvolvido sinteticamente no corpo das motivações, suscita-se a reponderação da (in)existência de dolo, bem como, sendo caso disso, da respetiva modalidade que, do ponto de vista do recorrente será quando muito o mero dolo eventual, não punível.
10.–Também não foram ponderados os critérios de atenuação geral da medida da pena, designadamente o constante da al. b) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, o qual manda atender à circunstância de o fim visado com a conduta supostamente criminógena ainda poder ter-se como “nobre”, “in casu” dado que o agente informou o Tribunal da sua indisponibilidade e suspensão, com o objetivo de não deixar a sua anterior cliente nomeada sem defesa; e posto que a mesma veio a ser representada no ato de instrução pela amiga e Colega do aqui recorrente, Dra. AA a pedido do ora arguido e recorrente;
11.–No plano meramente civil também se detetam profundas lacunas;
12.–A primeira delas reside no facto de apenas ter sobrevivido à audiência de julgamento a matéria constante dos artigos 1 a 3 do PIC com a supressão, por erro, de diversas supostas infrações a imputar ao aqui recorrente que, na verdade, terão sido cometidos no âmbito de outros processos crime;
13.–A míngua de infrações, também as supostas penalidades a aplicar ao agente terão que ser cada vez menos gravosas, o que não foi feito na Douta Sentença a qual, salvo o devido respeito - que é sempre muito - foi algo mecanicista e seguidista, face ao alegado pela Ordem dos Advogados, urgindo corrigir tal decisão;
14.–Ademais, o agente atuou sem culpa, de modo não censurável, pois só procurou resolver o seu problema - para não ser processado - o problema do Tribunal - para o informar da respetiva suspensão - e o problema da Colega - propondo-lhe uma minuta que a mesma, caso quisesse, deveria assinar, como o fez (ao ponto de estar presente nas diligências judiciais marcadas no âmbito do presente processo, vide artigos 33 a 35 das motivações ora apresentadas);
15.–Também os danos peticionados não são claros: as condutas efetivamente praticadas pelo agente resumem-se aos pontos 1 a 3 do PIC, apenas sendo referidos aspetos gerais, como o da necessidade de pagar pessoal ou ter uma sala para instruir os processos, mas deixando sempre por explicar quais os concretos danos sofridos com o presente processo, o qual até se mostrou deficientemente instruído;
16.–Sobretudo não é claro o nexo causal, desconhecendo-se se os danos apontados - que possam vir a ser atendidos - resultaram, ou não, das condutas do arguido e recorrente uma vez que as mesmas foram, sucessivamente, sendo dadas como não escritas (cfr. Artigos 37 a 39 destas motivações, para os quais se remete);
17.–Quanto aos danos não patrimoniais peticionados, os mesmos apresentam-se confusos e, ainda assim, de valor particularmente elevado, pelo que deveriam ter sido reformulados aquando do pedido de correção do PIC, o que não sucedeu;
18.–Desconhece-se, pois, quais os danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão porquanto, afinal de contas, também não é clara qual foi a concreta lesão supostamente infligida à Ordem dos Advogados;
19.–Grande parte dos danos inicialmente apresentados foram retirados ou, pelo menos, foram as condutas imputadas ao agente substancialmente reduzidas, em face do reconhecimento de que muitas das atuações referidas no PIC - seguramente por erro - se referiam a outros agentes e a diversos processos de índole criminal (vide pontos 44 a 51 do presente articulado de motivações, bem como acórdão citado no ponto 52 das mesmas; cfr. ainda, por favor, artigos 53 a 57);
20.–Sem prejuízo do caráter forçado e exorbitante da indemnização arbitrada, sobretudo na respetiva vertente não patrimonial, outros motivos existem que desaconselharão a fixação e ressarcimento de danos não patrimoniais à Ordem dos Advogados;
21.–Assim, desde logo os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do Direito são, em geral indemnizáveis, mas apenas perante pessoas individuais ou concretas, com vista a minimizar os respetivos estados de tristeza, de dor, de frustração, de insegurança, etc, aspetos que não se verificam quanto a pessoas ou entes de natureza coletiva;
22.–Particularmente curiosos são os exemplos referidos nas presentes motivações, aos quais se volta brevemente: "
Nos termos do Acórdão referido nos pontos 60 a 64, são exemplos de danos não patrimoniais indemnizáveis "(...) Podem citar-se como possivelmente relevantes a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas (...), a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou a sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão dum curso ou duma carreira (...). Os simples incômodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais (...)" (cfr. Citação de Pires de Lima e Antunes
23.–Em suma, não terá a Ordem dos Advogados estados de alma e sentimentos que lhe permitam aspirar a receber indemnizações por danos não patrimoniais, termos em que a indemnização doutamente atribuída a tal título - ainda por cima no valor de mil seiscentos e cinquenta euros e sem fundamentação bastante - se afigurará sempre manifestamente excessiva e, nessa ótica, completamente desajustada.
24.–Sem prejuízo da requerida audição, in totum, das declarações prestadas pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, para efeito de eventual alteração de partes do decidido, o recorrente declara que, caso tal indicação seja julgada insuficiente, nesse caso, prescinde da reapreciação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 412º do Código de Processo Penal, bastando-se com a reapreciação de tal matéria ao abrigo dos poderes gerais do Venerando Tribunal da Relação, nomeadamente os previstos no artigo 410º do Código de Processo Penal; bem como, por outro lado, declara ainda prescindir da questão da prescrição ora suscitada. »

DA SENTENÇA RECORRIDA

Da sentença recorrida, proferida no Juízo Local Criminal – J3 - do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, consta a seguinte matéria de facto provada:
«1–No dia ... de ... de 2018, o arguido BB remeteu um requerimento, dirigido ao Processo n.º 4644/12.0 TDLSB, o qual correu os seus termos junto da 7ª Secção do DIAP de Lisboa, através do seu e-mail ..., com o campo “Assunto” preenchido com a seguinte menção: Requerimento para abertura de instrução;
2–O referido requerimento, dirigido ao Inquérito, continha o seguinte enunciado:
i.- “BB, advogado, injustamente suspenso do exercício das suas funções profissionais, conforme Edital proferido pela Ordem dos Advogados e mandado publicar em Diário da República – II Série – com efeitos (?) a partir de 2 de Setembro de 2017; tendo sido regularmente notificado da Douta decisão de arquivamento relativamente à sua cliente CC, que terá sido recebida no seu escritório em 23 de Julho de 2018 mas que, efetivamente, por força do seu estado de suspensão, o aqui requerente apenas recebeu em data bastante posterior; considerando, por um lado, que o aqui requerente pode (e deve) substabelecer o mandato que lhe foi conferido, o que fará na sua Ilustríssima Colega, Dra. AA; e ainda, por outro, que a sua Ilustre Colega, acima identificada, irá, decerto, ratificar o processado (e ainda alinhará o presente texto dado o requerente ser cego) requer-se:
a.- A abertura de instrução, nos termos que se seguem, e de acordo com a ratificação do processado que se espera;
b.-Seja concedido ao aqui requerente prazo, não inferior a 5 (cinco) dias para juntar substabelecimento sem reserva;
c.-Que o requerente e a sua representada sejam dispensados do pagamento de multa processual; ou, se conceder, que a mesma seja reduzida… não o sendo, o signatário procederá ao respetivo pagamento, embora o considere manifestamente injusto face à sua situação económica e profissional, em que está dependente da boa vontade de outros para o ajudarem no seu trabalho. (…)”;
3–Por último, o arguido assinou tal requerimento com a seguinte designação:
“BB– ADVOGADO (suspenso por imposição injusta da Ordem dos Advogados) Código Penal 1....-L;
4–Com efeito, o arguido encontrava-se suspenso da Ordem dos Advogados desde 02/09/2017, por decisão proferida pela respetiva Ordem dos Advogados, através de Acórdão datado de 16/03/2017;
5–Tal suspensão vigorou, ininterruptamente, até ao dia 13/02/2019, data em que o arguido procedeu ao pagamento integral da sanção acessória junto da Ordem dos Advogados;
6–Não obstante, o arguido apresentou um requerimento no âmbito do Processo n.º 4644/12.0 TDLSB, cuja competência exclusiva competia à categoria profissional de Advogado, sabendo o arguido que se encontrava suspenso de tais funções, devendo abster-se de praticar tais actos;
7–O arguido, ao actuar da forma supra descrita, estava ciente de que não podia praticar actos da categoria de Advogado, uma vez que não se encontrava habilitado para tal, e, não obstante, praticou-os, apresentando o aludido requerimento ao referido Processo;
8–O arguido agiu com o propósito, concretizado, de praticar acto da categoria profissional de Advogado, bem sabendo que se encontrava suspenso das respectivas funções;
9–O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por Lei Penal;
10–A Ordem dos Advogados é uma associação pública representativa dos licenciados em Direito que exercem profissionalmente a advocacia;
11–Cabe à Ordem dos Advogados defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça, atribuir o título profissional de advogado e de advogado estagiário, bem como regulamentar o exercício da profissão, assim como zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado e promover o respeito pelos respectivos valores e princípios deontológicos, bem como defender interesses, direitos, prorrogativas e imunidades dos seus membros;
12–As atribuições da Ordem dos Advogados têm a sua origem no interesse público, competindo-lhe, entre outras, zelar pela integridade do sistema oficial de provimento na profissão;
13–A actuação do arguido, ao arrogar-se duma qualidade profissional que bem sabia não deter prejudicaram a prossecução das referidas atribuições;
14–O arguido lesou o interesse publico da administração da justiça quando praticou actos descritos supra bem sabendo que não podia desempenhar tais actos pois os mesmos só são permitidos aos licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados;
15–Agindo de forma dolosa, o arguido lesou o prestígio da profissão de Advogado, contrariando todos os princípios deontológicos;
16–Colocou em crise a confiança na figura do Advogado e da própria Advocacia;
17–Pôs em causa a qualidade e credibilidade dos serviços prestados ao cidadão;
18–Com a sua conduta, o arguido colocou em crise a confiança depositada na Ordem dos Advogados e profissionais inscritos, perante o público em geral e no seio da classe assim pondo em causa a boa imagem da instituição, dos Advogados e da Advocacia em geral;
19–Com a conduta do arguido houve instrução administrativa de autos internos que deram origem à queixa apresentada nos presentes autos e ao custo do trabalho executado pelo pessoal administrativo e instrutores que diligenciaram o andamento do processo interno;
20–O arguido é solteiro e não tem filhos;
21–O arguido aufere mensalmente €1.000,00 (mil euros) a €1.300,00 (mil e trezentos euros) da sua actividade profissional de Advogado e €300,00 (trezentos euros) de uma pensão;
22–O arguido tem Licenciatura em Direito;
23–O arguido não tem antecedentes criminais.»

Com base nessa factualidade, decidiu o Tribunal a quo da seguinte forma:
«1)- Condenar o arguido BB como autor material de um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358º, al. b) do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros) a que correspondem 100 (cem) dias de prisão subsidiária;
2)-Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, nos termos do Regulamento das Custas Processuais;
3)-Julgar procedente o procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela Ordem dos Advogados e, em consequência, condena-se o arguido/demandado a pagar-lhe a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de €1.650,00 (mil seiscentos e cinquenta euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
4)-Custas da parte cível pelo arguido/demandado.»

FUNDAMENTAÇÃO

Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, «1– A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2– Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a)- As normas jurídicas violadas;
b)- O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c)- Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada (…)».

São estes dois números do artigo que definem o que serão as conclusões de um recurso. Ademais, teremos que ter em consideração que, por força destes preceitos, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995].

Em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/02/2013, Desembargador Viera Lamim [ECLI:PT:TRL:2013:827.09.3PDAMD.L1.5.FB] expõe-se que «As conclusões da motivação do recurso são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado, devendo ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que serão objecto de decisão
A repetição nas conclusões do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada repetir o que se disse antes na motivação, equivalendo a falta de conclusões à falta de motivação.
Não havendo indicação concisa dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações, não há conclusões, pelo que, em conformidade, deve o recurso ser rejeitado».

Atentemos, então, nas novas conclusões do Recorrente. Tendo presentes as conclusões apresentadas após convite ao aperfeiçoamento, há que verificar se foi dado cumprimento ao determinado pelo Tribunal e se, assim, é possível decifrar com rigor as questões a decidir.

A resposta é, manifestamente, negativa.

O Tribunal claramente identificou os lapsos que impunha corrigir. Exortou-se o Recorrente a dar cumprimento às exigências no n.º 2 do art.º 412.º do Código de Processo Penal quanto à invocada prescrição, bem como às exigências dos números 3 e 4 quanto à impugnação da matéria de facto.

Não se vislumbra nas conclusões uma síntese clara das razões do recurso, antes se limitando a escolher algum dos pontos das motivações para os reproduzir como se conclusões fossem.

O objecto de qualquer recurso penal, obrigatoriamente patrocinado por profissional forense, tem que ser, sempre, identificável pelo conteúdo das correspondentes alegações. Mas a lei vai mais longe e exige a apresentação de conclusões nos termos já acima expostos, como tal não valendo a reprodução mais ou menos patente daquelas alegações.

Demanda-se, assim, ao Tribunal de recurso, o rigor de não aceitar a cada vez mais frequente praxe de substituir um cuidado exercício de síntese pela reprodução parcial das alegações. Demitindo-se desse rigor, o Tribunal estaria a substituir-se aos recorrentes naquilo que se lhes exige: clarificar e agilizar a intervenção do Tribunal de recurso, propiciando uma objectiva e célere decisão. Assim se logra a satisfação do princípio geral de acesso à Justiça para todos os cidadãos, maximizando a eficácia dos recursos disponíveis e a obtenção de decisões em tempo útil e razoável.

Não é, pois, despicienda a exigência da lei, nem é de ânimo leve que o Tribunal decide como o fez.

A nova versão das conclusões não responde ao determinado pelo Tribunal. Compulsadas as motivações e conclusões, não se vislumbra que tenha o Recorrente dado cumprimento ao definido no art.º 412.º/2 do Código de Processo Penal. O despacho em causa expressamente advertia que o Recorrente deveria apresentar correcção das motivações e conclusões em conformidade, sob pena de rejeição do recurso.

Salvaguardada que foi a oportunidade de correcção do vício, indo ao encontro do decidido pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos nº 322/04, de 05-05-2004, 405/04, de 02-06-2004, 357/2006, de 08-06-2006 e, mais recentemente, n.º 685/2020, de 26 de Novembro que reitera o sentido de decisão que «Julga inconstitucional a norma constante dos n.os 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal segundo a qual a falta de indicação, nas conclusões da motivação do recurso em que o arguido impugne a decisão sobre a matéria de facto, das menções contidas nas alíneas a), b) e c) daquele n.º 3, pela forma prevista no referido n.º 4, tem como efeito o não conhecimento da impugnação daquela matéria e a improcedência do recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal deficiência», não há como escapar à decisão de rejeição do recurso.

Inexistindo proposições sintéticas, claras e rigorosas que objectivam o recurso de forma cristalina, simples e precisa, não se pode falar na existência de veras conclusões. A falta de conclusões é motivo de rejeição do recurso, o que fundamentou a decisão reclamada e que, agora, fundamenta igualmente o indeferimento da reclamação.

Com efeito, a decisão sumária reclamada não peca por ilegalidade, nem põe em causa o legítimo direito de defesa do arguido recorrente, salvaguardado que este foi pelo convite ao aperfeiçoamento em termos que foram claros e compreensíveis para os seus destinatários.

DECISÃO

Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar improcedente a reclamação apresentada, confirmando a decisão sumária de rejeição dos recursos
Custas pelo Recorrente, fixando-se em 3 UC a respectiva taxa de justiça.


Lisboa, 07 de Maio de 2024


Rui Coelho
(Relator)
Manuel Advínculo Sequeira
(1.º Adjunto)
Maria José Machado
(vencida conforme declaração que segue)
(2.ª Adjunta)


Voto de vencida
Considero que das novas conclusões apresentadas pelo recorrente, na sequência do despacho de aperfeiçoamento do relator, se retira que o recorrente se insurge contra a pena aplicada, pretendendo que a mesma seja reapreciada à luz das circunstâncias que refere e das normas legais que invoca.
Entendo, por isso, que a reclamação deveria ser parcialmente procedente e que a conferência deveria conhecer do recurso quanto a essa questão, com base nos factos dados como provados pela 1ª instância, independentemente de qual fosse o seu resultado final.
Quanto ao mais, efectivamente o recorrente não cumpriu o disposto no artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP quanto à impugnação de facto nas novas conclusões e as questões por ele suscitadas relativamente ao PIC, nunca poderiam ser apreciadas porquanto, tendo em conta o valor em que o recorrente foi condenado (inferior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância), o recurso sempre seria nessa parte inadmissível, nos termos do artigo 400.º, n.º2 do Código de processo Penal.