PROCEDIMENTO CAUTELAR
REAÇÃO CONTRA DECISÃO JUDICIAL
Sumário

I - Os procedimentos cautelares não são um instrumento processual destinado a reagir contra uma decisão judicial transitada em julgado ou a impedir a produção dos seus efeitos normais.
II - Com fundamento em manifesta improcedência, deve ser indeferido liminarmente o procedimento cautelar comum que visa obstar à entrega coerciva de dois imóveis no âmbito de ação executiva para entrega de coisa certa cujo título exequendo é uma sentença proferida em ação declarativa e transitada em julgado.

Texto Integral

Processo nº 7038/11.0TBMAI-B.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 7038/11.0TBMAI-B.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório

Em 27 de setembro de 2023, com referência ao Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, Comarca do Porto, AA intentou procedimento cautelar comum contra A..., S.A. e B..., S.A. pedindo:

Seja decretada a favor do Requerente a manutenção da posse e fruição dos prédios urbanos sitos na Rua ..., freguesia e concelho da Maia, descritos na Conservatória do Registo Predial da Maia sob os nºs. ...54 e ...55 e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os arts.º ...33... e ...34.º, melhor identificados no art.º 3.º da presente peça processual e no requerimento executivo constante do Doc. n.º 1 junto.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que requerente e requeridas são partes no processo de execução que se encontra a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução da Maia, Juiz 2, sob o nº 2672/20.0T8MAI; trata-se de processo executivo para entrega de coisa certa (dois bens imóveis) em que o requerente é executado e as requeridas são exequentes; constitui título executivo, a sentença proferida em 1ª instância pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim, Juiz 4, sob o nº 7038/11.0TBMAI, confirmada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, na qual se reconhece o direito de propriedade das aqui requeridas (ali exequentes) sobre dois prédios urbanos, compostos por dois terrenos para construção, sitos na Rua ..., freguesia e concelho da Maia, descritos na Conservatória do Registo Predial da Maia sob os nºs. ...54 e ...55 e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os artigos ...33... e ...34º, respetivamente; entretanto, após a prolação da sentença exequenda, o requerente veio a verificar que o documento relativo ao registo predial dos dois imóveis cuja entrega é pedida na ação declarativa omite quatro averbamentos já existentes na data da apresentação de tal documento e, além disso, aparece desacompanhado dos documentos que fundamentaram a sequência sucessiva de titulares, questões que, na perspetiva do requerente, constituem fundamento para a interposição de um recurso extraordinário de revisão e bem assim de ação de simples apreciação positiva para declaração de nulidade dos registos efetuados a partir de 1962; o requerente não dispõe de outros bens imóveis onde possa residir, nem tão-pouco tem condições económicas e financeiras para poder adquirir uma casa ou sequer arrendar; a filha BB não tem condições para poder acolher o seu pai, dado que vive num apartamento arrendado, de tipologia T2, com o seu companheiro e três filhas menores de 3, 6 e 8 anos.

         Em 29 de setembro de 2023 foi proferido o seguinte despacho:

Alega o Requerente que o presente procedimento cautelar é preliminar da interposição de recurso de revisão fundada no conhecimento superveniente de uma nulidade do trato sucessivo constante do registo do prédio descrito sob o nº ...36 de fls. 164 do Livro ...3 da Conservatória de Registo Predial da Maia, designadamente, quanto à aquisição descrita em 12 de Setembro de 1962, por ter ficado a constar a aquisição de 1/6 da aquisição de dois prédios por CC quando, na realidade, se reporta a 1/6 do direito e ação à herança ilíquida e indivisa.

Resulta do artigo 698º nº 1 do Código de Processo Civil que o requerimento de interposição do recurso é autuado por apenso ao processo onde foi proferida a sentença cuja revisão a parte pretende.

Ainda que afirme que também pretende intentar ação de simples apreciação para peticionar a declaração de nulidade dos atos de registo praticados desde 1962, ponderando que o efeito pretendido pelo Requerente é a manutenção da posse evitando a concretização da entrega do imóvel no âmbito da execução nº 2672/20.0T8MAI, cujo título é a sentença proferida no processo nº 7038/11.0TBMAI, o recurso de revisão é necessariamente a causa de que o presente procedimento cautelar depende.

Pelo exposto, sendo o procedimento cautelar dependente de recurso de revisão, a intentar por apenso ao processo nº 7038/11.0TBMAI, não tem autonomia para ser tramitado em separado.

Notifique.

Após trânsito, dê baixa e remeta para apensação ao processo nº 7038/11.0TBMAI.

Após trânsito em julgado do despacho que precede, foi o mesmo cumprido e em 03 de novembro de 2023 foi proferido o seguinte despacho[1]:

Por apenso aos autos de recurso especial de revisão de sentença, onde é recorrente, AA intentou procedimento cautelar comum contra A..., S.A., e B..., S.A.

Pede que se decrete a seu favor a manutenção da posse e fruição dos prédios urbanos sitos na Rua ..., freguesia e concelho da Maia, descritos na Conservatória do Registo Predial da Maia sob os nºs. ...54 e ...55 e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os arts.º ...33... e ...34.º.

Alega, em suma, que no processo 738/11.OTBMAI foi decidido por sentença, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, reconhecer as aqui requeridas como proprietárias daqueles imóveis. E encontra-se a correr contra si processo executivo para a sua entrega.

Mas obteve agora uma informação simplificada do Registo Predial diferente do que consta na acção declarativa que está incompleto e é falso. Sendo que a decisão da sentença se funda na presunção do registo.

Além disso, ao confrontar os registos das sucessivas aquisições com os respectivos títulos, detectou que um registo da propriedade foi efetuado com base num título que apenas conferia direito a uma parte dos prédios e não à totalidade. O que constitui uma nulidade do registo.

Perante isto, o requerente pretende intentar ação declarativa de simples apreciação positiva, sob a forma de processo comum, a peticionar a declaração de nulidade dos atos de registo praticados desde1962 e, por outro lado, interpor - o que já fez - um recurso de revisão extraordinária nos termos do disposto no art.º 696.º do Cód. de Proc. Civil.

Nos prédios cuja entrega é pedida em execução de sentença habita o requerente. E não tem meios para obter outra habitação. Nem quem o possa acolher.

Vejamos.

Sob a capa de um procedimento cautelar comum, o que o requerente pretende é paralisar a execução de uma sentença transitada em julgado.

Ora, transitada em julgado, a sentença passa a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites dos artigos 580º e 581º do Código de Processo.

As únicas formas de atacar a sua eficácia são:

- a oposição à execução com os fundamentos previstos no art. 729º CPC;

- o recurso extraordinário de revisão, regulado nos art.s 696º e ss CPC.

Este último, porém, não tem efeito suspensivo da execução da sentença. Di-lo expressamente o art. 699º, 3, CPC.

Porém, os direitos do recorrente não ficam desprotegidos. São acautelados pelo disposto no art. 702º CPC.

Não é, assim, legalmente admissível lançar mão de um procedimento cautelar para paralisar uma sentença transitada em julgado. Tal colide directamente com a norma que não atribui efeito suspensivo ao recebimento do recurso de revisão. Que é a norma que o requerente pretende contornar ao intentar este procedimento

Pelo que, votado ab initio ao fracasso, se indefere liminarmente o presente procedimento.

Custas pelo requerente.

Valor processual: o indicado pelo requerente (60.000,00€)

Notifique.

         Em 27 de novembro de 2023, inconformado com a decisão que precede, AA interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

"I

A douta sentença recorrida considerou:

“Por apenso aos autos de recurso especial de revisão de sentença, onde é recorrente, AA intentou procedimento cautelar comum contra A..., S.A., e B..., S.A.

Pede que se decrete a seu favor a manutenção da posse e fruição dos prédios urbanos sitos na Rua ..., freguesia e concelho da Maia, descritos na Conservatória do Registo Predial da Maia sob os nºs. ...54 e ...55 e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os arts.º ...33... e ...34.º.

Alega, em suma, que no processo 738/11.OTBMAI foi decidido por sentença, confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, reconhecer as aqui requeridas como proprietárias daqueles imóveis. E encontra-se a correr contra si processo executivo para a sua entrega.

Mas obteve agora uma informação simplificada do Registo Predial diferente do que consta na acção declarativa que está incompleto e é falso. Sendo que a decisão da sentença se funda na presunção do registo.

Além disso, ao confrontar os registos das sucessivas aquisições com os respectivos títulos, detectou que um registo da propriedade foi efetuado com base num título que apenas conferia direito a uma parte dos prédios e não à totalidade. O que constitui uma nulidade do registo.

Perante isto, o requerente pretende intentar ação declarativa de simples apreciação positiva, sob a forma de processo comum, a peticionar a declaração de nulidade dos atos de registo praticados desde1962 e, por outro lado, interpor - o que já fez - um recurso de revisão extraordinária nos termos do disposto no art.º 696.º do Cód. de Proc. Civil.

Nos prédios cuja entrega é pedida em execução de sentença habita o requerente. E não tem meios para obter outra habitação. Nem quem o possa acolher.

Vejamos.

Sob a capa de um procedimento cautelar comum, o que o requerente pretende é paralisar a execução de uma sentença transitada em julgado.

Ora, transitada em julgado, a sentença passa a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos limites dos artigos 580º e 581º do Código de Processo.

As únicas formas de atacar a sua eficácia são:

- a oposição à execução com os fundamentos previstos no art. 729º CPC;

- o recurso extraordinário de revisão, regulado nos art.s 696º e ss CPC.

Este último, porém, não tem efeito suspensivo da execução da sentença. Di-lo expressamente o art. 699º, 3, CPC.

Porém, os direitos do recorrente não ficam desprotegidos. São acautelados pelo disposto no art. 702º CPC.

Não é, assim, legalmente admissível lançar mão de um procedimento cautelar para paralisar uma sentença transitada em julgado. Tal colide directamente com a norma que não atribui efeito suspensivo ao recebimento do recurso de revisão. Que é a norma que o requerente pretende contornar ao intentar este procedimento.

Pelo que, votado ab initio ao fracasso, se indefere liminarmente o presente procedimento.

Custas pelo requerente.

Valor processual: o indicado pelo requerente (60.000,00€)

Notifique.”


II

Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode o Recorrente conformar-se com tal despacho, por entender que o mesmo está em clara e manifesta violação de lei.

III

De facto, o Tribunal a quo fez uma interpretação da finalidade com que o Recorrente instaurou a presente providência cautelar que não se afigura correta, porquanto entendeu que o Recorrente utilizou este expediente como forma de contornar o disposto no art.º 699.º, n.º 3 do Cód. de Proc. Civil que enuncia que o recurso extraordinário de revisão não suspende a execução.

IV

Sucede que tal não corresponde à verdade, tendo em consideração o alegado no requerimento inicial da providência cautelar.

Vejamos:


V

No requerimento inicial da providência cautelar, o Recorrente explanou que, se por um lado, foi detetada a existência de um documento substancialmente falso que, à data, foi essencial na determinação da sentença agora em execução, pois esta alicerçou-se numa presunção de registo e na sua suficiência,

VI

Por outro lado, explanou que se verificou também que o trato sucessivo estaria inquinado, pois ao analisar-se as inscrições levadas a efeito, uma a uma, juntamente com os diversos documentos juntos aos autos, detetou-se uma desconformidade entre ambos, estando perante uma situação de nulidade do registo, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 16.º do Cód. de Registo Predial.

Ora.


VII

Estas duas situações - documento falso (incompleto) e a nulidade do trato sucessivo – influenciam diretamente o sentido da sentença que constitui título executivo, sendo motivo para a interposição de um recurso de revisão extraordinária, de harmonia com o disposto no art.º 696.º do Cód. de Processo Civil, bem como para a instauração de ação declarativa de simples apreciação positiva, sob a forma de processo comum, a peticionar a declaração de nulidade dos atos de registo praticados desde 1962. (negrito e sublinhado nosso).

VIII

Qualquer uma das vias, terá repercussões diretamente na decisão judicial condenatória que constitui o título executivo, com a consequência direta de os prédios urbanos em causa serem atribuídos, com grande e séria probabilidade ao Recorrente, daí a instauração do procedimento cautelar.

IX

Atente-se que nos prédios urbanos em causa, encontra-se edificada a casa de morada de família do Recorrente; aliás, o Recorrente nasceu em 1959 e viveu sempre naquela casa, sendo ali o centro da sua vida familiar. (este facto está provado na ação declarativa).

X

O Recorrente não dispõe de outros bens imóveis onde possa residir, nem tão pouco tem condições económicas e financeiras para poder adquirir uma casa ou sequer arrendar.

XI

Nesse sentido, não pretendeu o Recorrente contornar qualquer norma com a instauração do procedimento cautelar, mas sim acautelar um direito que, com probabilidade séria, ser-lhe-á conferido, pela via do recurso extraordinário de revisão ou pela via da ação declarativa.

XII

Aliás, se desconsiderarmos a possibilidade de procedência do recurso extraordinário de revisão, sempre se dirá que se mantém a possibilidade de procedência da ação declarativa de nulidade do registo com a inerente nulidade de todo o trato sucessivo.

XIII

Assim, perante todo o exposto, afigura-se imprescindível que enquanto medida conservatória do interesse do Recorrente, seja decretada a manutenção da posse e fruição dos prédios urbanos, até à data em que se obtenha uma decisão com carácter definitivo na ação declarativa de simples apreciação positiva, sob a forma de processo comum, a peticionar a declaração de nulidade dos atos de registo praticados desde 1962, tudo de harmonia com as disposições conjugadas dos arts. 362.º, n.º 1 e 2 e 364.º, n.º 2 do Cód. de Proc. Civil.

XIV

Nos termos do disposto nos artigos 362. ° e 368. °, n.º 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil, o deferimento de providência cautelar não especificada pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- Probabilidade séria de existência do direito invocado ou a possibilidade de vir a existir tal direito em virtude de decisão a proferir em ação constitutiva já proposta ou a propor;

- Fundado receio de que antes de proferida decisão de mérito na ação principal, cause lesão grave e de difícil reparação ao direito do Requerente;

- A inexistência de providencia cautelar especifica para acautelar o referido direito;

- A necessidade de que a providencia requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efetividade do direito ameaçado;

- Não exceder o prejuízo resultante da providência o dano que com ela se quer evitar.


XV

Quanto ao primeiro requisito, dir-se-á que existe uma probabilidade séria de ação declarativa de simples apreciação positiva, sob a forma de processo comum, a peticionar a declaração de nulidade dos atos de registo praticados desde 1962, seja procedente com a consequente atribuição da propriedade dos prédios urbanos ao Recorrente.

XVI

Já quanto ao fundado receio de lesão, explicar que existe um projeto para construção de dois lotes com vários apartamentos que implicam, necessariamente, a demolição de toda e qualquer edificação existente nos prédios urbanos, em concreto, a sua casa de morada de família do Recorrente que sempre foi a sua casa, desde que nasceu em 1959.

XVII

A partir do momento em que os prédios sejam entregues a terceiros, com toda a certeza que, no imediato, avançarão com o projeto de construção dos dois lotes, o que causará danos e prejuízos irreparáveis para o Recorrente caso a ação de declaração de nulidade venha a ser procedente.

XVIII

Ver-se-á o Recorrente despejado da sua própria casa e desapropriado dos seus bens pessoais, com danos inqualificáveis.

XIX

Mostra-se, pois, razoavelmente feita a prova no que concerne aos factos necessários para se poder concluir quanto às lesões graves e dificilmente reparáveis, ou seja, do periculum in mora, a que se reporta o nº 1 do art.º 362.º do Cód. de Proc. Civil, pressuposto essencial ao decretamento da providência cautelar não especificada.

XX

Quanto aos demais requisitos, a manutenção da posse do bem imóvel é adequada à situação de lesão eminente.

XXI

Tal reposição não acarreta prejuízo nenhum para terceiros.

Posto isto.


XXII

É, absolutamente, incompreensível o despacho de indeferimento liminar proferido nos presentes autos, pois o mesmo foi proferido por se entender que o pedido era ou seria manifestamente improcedente.

XXIII

Acontece, porém, que no âmbito das providências cautelares, o despacho liminar de indeferimento terá de ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido, o que não é o caso.

XXIV

Sendo unânime a jurisprudência quanto à posição de que em situações de fronteira, onde a dúvida se coloca, deverá dar-se seguimento ao procedimento, ainda que se admita à partida a eventualidade do seu insucesso no âmbito da sua regular tramitação. (negrito e sublinhado nosso)

XXV

Subsumindo aos presentes autos, ao invés do referido pelo Tribunal, o Recorrente não quis contornar qualquer norma existente (art.º 699.º, n.º 3 do Cód. de Proc. Civil), tendo alegado factos mais que suficientes de modo que o mesmo pudesse concluir com objetividade pela existência do fundado receio supra manifestado.

XXVI

A pretensão do Recorrente visa manter a posse dos prédios urbanos por forma a evitar a demolição da casa que constitui casa de morada de família, demolição que é certa dada a existência do projeto de construção para edificação de dois lotes com apartamentos e lojas comerciais.

XXVII

O efeito por ele pretendido é a obtenção de uma medida cautelar que concretamente se revele adequada a assegurar o efeito útil emergente do exercício jurisdicional com a propositura da ação declarativa de nulidade do registo, conforme se mencionou.

XXVIII

Por isso, se entende que a decisão do indeferimento liminar, salvo o devido e merecido respeito, afigura-se precipitada, pois que os autos contêm todos os elementos, todos os requisitos e pressupostos processuais necessários ao êxito do procedimento cautelar.

XXIX

O Recorrente alegou factos que preenchem os requisitos exigidos para o decretamento da providência, ou seja, a aparência da existência de um direito e o perigo da insatisfação desse direito.

XXX

Por isso, deveria e deve ser determinado o prosseguimento do presente procedimento cautelar.

         Em 21 de dezembro de 2023, o recurso de apelação foi admitido, a subir nos próprios autos, no efeito suspensivo e indeferiu-se o pedido do requerente do procedimento cautelar no sentido de ser dispensado o contraditório prévio das sociedades requeridas, determinando-se que logo que transitada esta última decisão fossem as recorridas citadas nos termos e para o efeitos do nº 7 do artigo 641º do Código de Processo Civil.

         Citadas as requeridas para os termos do recurso como para os da causa, A..., S.A. respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.

         Recebidos os autos neste Tribunal da Relação cumpre apreciar e decidir.

Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso, a sua relativa simplicidade e a natureza urgente dos autos, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensam-se os vistos.

         2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil

A única questão e decidir é a de saber se é viável procedimento cautelar comum a fim de obstar à execução coerciva de sentença proferida em ação declarativa e objeto de realização coerciva em ação executiva para entrega de coisa certa.

3. Fundamentos de facto

Os factos necessários e pertinentes para conhecer do objeto do recurso constam do relatório deste acórdão, resultam dos próprios autos que nesta vertente estritamente adjetiva têm força probatória plena e não se reproduzem nesta sede por evidentes razões de economia processual.

4. Fundamentos de direito

É viável procedimento cautelar comum a fim de obstar à execução coerciva de sentença proferida em ação declarativa e objeto de realização coerciva em ação executiva para entrega de coisa certa?

O recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida argumentando para tanto, em síntese, que o procedimento cautelar comum por si instaurado não visa contornar o disposto no artigo 699º, nº 3 do Código de Processo Civil, que se verifica uma situação de um documento registral incompleto que deve ser considerado juridicamente falso e bem assim uma violação do trato sucessivo, situações jurídicas que constituem, respetivamente, fundamento para a interposição de um recurso extraordinário de revisão e de ação declarativa de simples apreciação positiva sob forma de processo comum com vista à declaração de nulidade dos atos registados desde 1962.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 2º do Código de Processo Civil, a proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.

Por outro lado, a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação (nº 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil).

“Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado” (artigo 362º, nº 1, do Código de Processo Civil).

“O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor” (artigo 362º, nº 2, do Código de Processo Civil).

No caso em apreço, o recorrente visa eximir-se ao cumprimento coercivo de uma obrigação de entrega de coisa imóvel reconhecida por sentença judicial transitada em julgado.

O que o recorrente visa com este procedimento é obstar a que as recorridas possam beneficiar da tutela que lhes foi concedida mediante sentença judicial transitada em julgado e que se acha a ser executada em ação executiva para entrega de coisa certa.

Para se defender da pretensão exequenda o ora recorrente dispõe na ação executiva de um meio de defesa próprio que são os embargos de executado (artigo 860º, nº 1, do Código de Processo Civil) e, pretendendo ilidir a força de caso julgado de que beneficia a sentença exequenda, o recurso extraordinário de revisão se para tanto estiverem reunidos algum dos fundamentos legais (artigo 627º, nº 2 e 696º, ambos do Código de Processo Civil).

O que está vedado ao recorrente é contornar o efeito meramente devolutivo do recebimento do recurso extraordinário de revisão (artigo 699º, nº 3 do Código de Processo Civil) mediante a interposição de um procedimento cautelar comum em que se visa paralisar a execução da decisão judicial exequenda ou, a pretexto de instauração de ação declarativa para conhecimento de uma nulidade registral cuja invocação é nesta fase no mínimo problemática dada a incidência do princípio da preclusão (veja-se o artigo 573º do Código de Processo Civil), obter a mesma paralisação da execução da decisão judicial exequenda.

Os procedimentos cautelares não são um instrumento processual destinado a reagir contra uma decisão judicial transitada em julgado ou a impedir a produção dos seus efeitos normais[2].

Ora, no caso em apreço, a citação depende de prévio despacho judicial (artigo 226º, nº 4, alínea b) do Código de Processo Civil) e nesta eventualidade, por força do disposto no nº 5 do artigo 226º e do nº 1 do artigo 590º, ambos do Código de Processo Civil, a petição é liminarmente indeferida, além do mais, quando o pedido seja manifestamente improcedente.

Por isso se conclui que a decisão recorrida não é merecedora de qualquer censura, improcedendo totalmente o recurso.

Por ter decaído, as custas do recurso são da responsabilidade do recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) e sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar no processo de que estes autos são dependência.

5. Dispositivo

Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência, em confirmar a decisão recorrida proferida em 03 de novembro de 2023.

Custas do recurso a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que possa beneficiar no processo de que estes autos são dependência.


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O presente acórdão compõe-se de dez páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.






Porto, 18 de março de 2024
Carlos Gil
Miguel Baldaia de Morais
Mendes Coelho
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[1] Notificado ao requerente mediante expediente eletrónico elaborado em 06 de novembro de 2023.
[2] A este propósito e neste sentido veja-se o acórdão de 13 de março de 2023, relatado pelo segundo juiz-adjunto neste acórdão no processo nº 2521/22.5T8AVR.P1, acessível na base de dados da DGSI e publicado no blogue do IPPC, no dia 20 de dezembro de 2023, com um breve comentário crítico favorável do Sr. Professor Teixeira de Sousa.