HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
REPÚDIO DA HERANÇA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário

I - Tendo sido proferida sentença que julgou procedente a habilitação de herdeiros, nada impede que, posteriormente venham os ditos herdeiros renunciar à herança.
II - Junto aos autos documento onde se demonstre o ato de repúdio da herança, a instância executiva deve declarar-se extinta por inutilidade superveniente da lide quanto ao repudiante (artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil).

Texto Integral

Processo nº 3268/09.3TBVNG-C.P1 Detalhe
Origem: Judicial da Comarca do Porto, Porto - Juízo Execução - Juiz 7,


Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr. Paulo Duarte Mesquita Teixeira 2º Adjunto Juiz Desembargadora Dr. Judite Pires


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Sumário

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

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I - RELATÓRIO

A... - Investimentos Turísticos e Imobiliários, Unipessoal, LDA instaurou acção executiva contra AA invocando em resumo que , no exercício da respectiva actividade bancária, o Banco cedente, mutuou à Executada AA a quantia de €67.337,72, de que se confessou e constituiu devedor, em garantia do bom e pontual pagamento do capital mutuado no valor de €67.337,72, bem como, dos juros contratuais e moratórios e ainda das despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco tivesse que fazer, foi constituída uma hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao segundo andar direito, e um lugar de arrecadação no rés-do-chão, descrito na matriz sob o artigo dois mil, duzentos e oitenta e sete-C. Mais refere que nem na data do respectivo vencimento, nem posteriormente, o Executado pagou as prestações vencidas a 14 de Abril de 2001.
Houve informação nos autos que a executada faleceu e foi suspensa a instância até se encontrarem habilitados os herdeiros da mesma.
Por apenso (apenso A) foi deduzido incidente de habilitação tendo a exequente alegado em resumo no requerimento inicial: «.. "A... – INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, S.A.”, exequente nos autos de processo à margem referenciados que move contra AA, e ao abrigo do disposto nos artigos 371.º e seguintes do Cód. Proc. Civil, deduzir a habilitação dos sucessores de AA, que são:
1. BB, menor, a cargo da avó CC, residente na Rua ..., em ..., Gondomar;
2. DD, menor, a cargo da avó CC, residente na Rua ..., em ..., Gondomar;
3. EE, maior, com morada indefinida;
nos termos e pelos fundamentos seguintes,
1.º Como resulta da certidão de óbito que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a Executada faleceu em Maio de 2004 (Doc.º n.º 1).
2.º Sucede que a falecida deixou como únicos e universais herdeiros as suas três filhas, achando-se na posse da herança da executada, conforme consta dos documentos que se protestam juntar…»
Nesses autos de habilitação foi proferida a seguinte sentença: « ..Veio a exequente A... – investimentos Imobiliários e Turísticos Unipessoal, Ld.ª deduzir o presente incidente de habilitação nos termos do art. 371º do C. Proc. Civil, alegando que, faleceu a executada AA a quem sucedeu como únicos e universais herdeiros as suas filhas que devem ser julgada habilitada no âmbito da subsequente tramitação do processo principal.
Procedeu-se à notificação das requeridas - art.372º nº 1 do C. Proc. Civil - para contestar, não tendo sido deduzida oposição.
Com efeito, a requerida EE veio deduzir “exposição” ao tribunal em que, não impugnando a sua qualidade de herdeira, limita-se a referir que tinha pouco contacto com a sua falecida mãe, argumentos que para o efeito são inócuos para os presentes autos.
O Tribunal é competente.
Não há nulidades, ilegitimidades, excepções ou quaisquer outras questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Assim sendo e face ao teor do assento de óbito do falecido e de fls. 18 e 20, a sua força probatória, o seu conteúdo, declaro habilitados BB , DD e EE a suceder na posição processual que a executada AA ocupava no processo principal, que assim prosseguirá os seus termos normais.
Custas pelo requerente, com taxa de justiça que se fixa em 1 uc. Registe e Notifique. VNG, 13.06.2012».
Nos autos executivos a 12-2-2023 foi junto o seguinte requerimento: «..BB, Executada nos autos à margem referenciados, vem, pelo presente, requerer a junção aos autos de cópia da escritura pública de 03 de Julho de 2023 do Cartório Notarial de Matosinhos, pela qual, a aqui Executada e DD, aqui co-executada, repudiaram à herança aberta por óbito de AA, conforme doc. Nº 1 que ora se junta e se dá por inteiramente reproduzido.
Assim, com efeitos à data da abertura da sucessão deverão as executadas ora identificadas ser consideradas como não chamadas nos termos do artigo 2062º do Código Civil, ordenando-se a extinção da presente execução quanto a elas.».
A exequente juntou em resposta o seguinte requerimento: «.. B..., S.A., Exequente nos autos supra identificados em que são Executados (HERDEIROS DE) AA, notificado do requerimento junto aos autos a 12/07/2023 de fls. (…) e referência Citius 36206491, informa e, a final, requer a V. Exa. o seguinte:
1. A cópia da escritura pública de repúdio da herança da Executada AA data de 3 de julho de 2023, conforme documento anexo ao requerimento junto pelas Executados (referência Citius 36206491).
2. A 11 de Junho de 2012, no apenso A, foi proferida sentença de habilitação de herdeiros a habilitar “…BB, DD e EE a suceder na posição processual que a Executada AA ocupava no processo principal, que assim prosseguirá os seus termos normais.”, conforme referência Citius 15567955.
3. A douta sentença já transitou em julgado em setembro de 2012.
4. Pelo que, a escritura de repúdio da herança feita este mês de julho de 2023, isto é, cerca de 11 (onze) anos após o trânsito em julgado da sentença da habilitação de herdeiros não deverá, salvo melhor entendimento, produzir qualquer efeito processual nos presentes autos.
5. E também não produz efeitos legais por decurso do prazo de repúdio de dez anos, conforme n.º 1 do artigo 2059º CC.
6. Pelo que, salvo douto entendimento, não é aplicável ao caso sub judice o disposto no artigo 2062º CC.
7. Por conseguinte, a escritura de repúdio não produz efeitos devendo manter-se as actuais Executadas de modo a prosseguir os autos com a venda do imóvel.
8. Sendo que a responsabilidade das Executadas pela dívida restringe-se apenas e só ao imóvel, isto é, à garantia hipotecária,
9. Assim com a venda do imóvel e o produto da venda a dívida ficará, total ou parcialmente liquidada, não respondendo as Executadas habilitadas pelo eventual remanescente.
10. Pelo que, não deverá existir mais delonga na venda do imóvel penhorado e dado em garantia.
TERMOS EM QUE REQUER A V. EXA. SE DIGNE MANTER AS EXECUTADAS BB, DD E EE COMO EXECUTADAS, POR HABILITADAS EM SUBSTITUIÇÃO DA EXECUTADA FALECIDA AA ATENDENDO A DOUTA SENTENÇA DE HABILITAÇÃO DE HERDEIROS PROFERIDA A 11 DE JUNHO DE 2012 (REFERÊNCIA CITIUS 15567955) E JÁ TRANSITADA EM JULGADO.
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Seguidamente foi proferido o seguinte despacho recorrido: «… Requerimento de 12.07.2023:
A executada/habilitada BB veio invocar o repúdio da herança aberta por óbito da falecida executada, outorgado por escritura de 03.07.2023, em seu nome e em nome da executada/habilitada DD, sustentando que tal implica a extinção da execução contra as repudiantes.
Decidindo, de facto, da escritura pública junta resulta que, em 03.07.2023, as referidas executadas/habilitadas declararam repudiar a herança da falecida executada.
No entanto, o dito repúdio ocorreu em data posterior à aceitação tácita, o que significa a ineficácia do repúdio.
Concretizando, a aceitação da herança, que pode ser expressa ou tácita (art. 2056.º, n.º 1, do CC), é irrevogável (art. 2061.º do CC), de tal forma que, uma vez aceite a herança, já não é legalmente eficaz o seu repúdio.
Ora, como resulta dos autos, nomeadamente do apenso de habilitação de herdeiros, as ora executadas já foram habilitadas, por sentença, datada de 13.06.2012 e já transitada em julgado, como sucessoras da falecida executada, sendo que, nesse incidente de habilitação de herdeiros, as ora habilitadas não recorreram da sentença.
A conduta passiva das habilitadas assumida no incidente de habilitação de herdeiros, exatamente a propósito da sua habilitação como herdeiras da falecida executada, traduz aceitação tácita da herança, a qual, desde logo pelo trânsito em julgado da sentença de habilitação de herdeiros, é anterior ao repúdio.
Neste sentido, decidiu-se, entre outros, no Ac. RG de 04.10.2017 (proc. 1336/15.1T8VRL, em www.dgsi.pt), com argumentos a que se adere, na íntegra, como a seguir se transcreve:
«A posição assumida…no incidente de habilitação pressupõe a aceitação tácita e irrevogável da herança, nos termos dos arts. 217.º, n.º 1, 2050.º, 2056.º e 2060.º do mesmo diploma legal. Com efeito, nos termos do art. 2049.º do Código em apreço, se o sucessível chamado à herança, sendo conhecido, a não aceitar nem repudiar dentro dos quinze dias seguintes, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, mandá-lo notificar para, no prazo que lhe for fixado, declarar se a aceita ou repudia (n.º 1); na falta de declaração de aceitação, ou não sendo apresentado documento legal de repúdio dentro do prazo fixado, a herança tem-se por aceita (n.º 2). Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, volume VI, Coimbra Editora, 1998, p. 93), está em causa um caso típico de declaração tácita de aceitação, em que, “[s]e o sucessível chamado, depois de solenemente notificado para, nos termos referidos nessa disposição, declarar se aceita ou repudia, dentro de certo prazo, não fizer nenhuma declaração, entende a lei, partindo do sentido normal da atitude do interpelado e do ónus de responder à autoridade judicial que as circunstâncias concretas lançam sobre o interpelado, que o silêncio dele equivale a aceitação da herança.”
Ora, de modo semelhante, estando pendente acção contra o falecido, e sendo os seus sucessíveis citados para com eles prosseguirem os termos da demanda, em incidente de habilitação deduzido pelo comparte ou pela parte contrária, é de entender que, na falta de contestação ou apresentação do documento legal de repúdio, dentro do prazo fixado, a herança se tem por aceita, sendo aqueles habilitados como sucessores.
A habilitação como sucessores pressupõe a aceitação da herança pelos sucessíveis. Assim sendo, é irrelevante a apresentação de documento de repúdio em momento posterior, ainda que dele conste data anterior…, uma vez que, como se disse, a aceitação da herança, ainda que tácita, é irrevogável. Neste sentido, vejam-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Março de 2007 (Relator Rijo Ferreira), o Acórdão da Relação do Porto de 26 de Maio de 2009 (Relator Mário Serrano) e o Acórdão da Relação de Évora de 1 de Março de 2007 (Relator Sílvio Sousa), disponíveis em www.dgsi.pt.».
Não se desconhece a existência de jurisprudência em sentido diverso (pelo menos quanto às ilações, no sentido da aceitação tácita, que se podem extrair da prolação de sentença de habilitação de herdeiros em incidente sem contestação), designadamente a proferida no Ac. RP de 02.02.2015 (proc. 102048/12.7YIPRT, em www.dgsi.pt), mas a verdade é que, no entender do presente tribunal, a melhor interpretação é a referida em primeiro lugar, pelas razões aí expostas.
E, na verdade, a interpretação preconizada pelo presente tribunal é aquela que se mostra harmonizável com o sistema jurídico no seu conjunto.
Note-se, por exemplo, no disposto no art. 353.º, n.º 2, do NCPC, que, além do mais, versa sobre a habilitação de herdeiros num determinado processo, quando a legitimidade do herdeiro já tenha sido reconhecida por sentença transitada em julgado de outro processo. Neste caso, o legislador previu expressamente que o herdeiro já não pode, nesse outro processo, impugnar a qualidade que lhe é atribuída por essa sentença de habilitação de herdeiros proferida em processo diferente. E, se assim é quando estão em causa processos diferentes, mais se impõe que o seja quando está em causa o mesmo processo e, no fundo, a mera pretensão de reverter a decisão de habilitação de herdeiros transitada em julgado, aliás, de forma suscetível de implicar escolhos na própria tramitação do processo (a este último propósito, importa atentar que, a se admitir que o herdeiro habilitado possa pretender excluir-se do processo através de um repúdio, anterior ou posterior à sentença de habilitação de herdeiros, então, tal poderia ainda implicar a necessidade de se proceder a nova habilitação, por força do direito de representação ou por exclusão de todos os habilitados repudiantes).
Acresce que, admitir-se que o herdeiro habilitado possa sempre repudiar a herança ou até apresentar um repúdio anterior ao incidente de habilitação de herdeiros para invocar a sua ilegitimidade, então, a previsão de um prazo de 10 dias para contestar o incidente de habilitação de herdeiros é quase inócuo, pois, no fundo, teria de se admitir um prazo ad aeternum (pelo menos enquanto a aceitação não fosse expressa ou tacitamente revelada por condutas ativas do sucessor).
Por fim, cumpre também salientar que, no caso, nem sequer está em causa um repúdio da herança que se possa considerar anterior à aceitação tácita acima referida (decorrente do incidente de habilitação de herdeiros), pois o repúdio é posterior ao próprio trânsito em julgado da sentença de habilitação de herdeiros, sendo mesmo de vários anos depois.
Tudo se conjuga, pois, no sentido de ter ocorrido a aceitação tácita da herança antes da declaração de repúdio ora junto.
Assim sendo, por tudo o exposto, sendo as habilitadas sucessoras da falecida executada e tendo aceitado (ainda que tacitamente) a herança, de forma irrevogável (por força da lei), antes de terem declarado o repúdio, concluiu-se que, não só o repúdio é ineficaz, como assiste legitimidade às habilitadas para intervir na execução, ainda que apenas enquanto sucessoras da falecida executada e somente para assegurar a legitimidade processual passiva, nos termos do art. 54.º, n.º 1, do NCPC, sem que esteja em causa a afetação do seu património pessoal não adveniente da herança.
Nestes termos, indefere-se o requerido. Notifique.»
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Inconformada com a predita decisão veio DD interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito meramente devolutivo.
A apelante com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… Conclusões:
1ª – A R., repudiou a Herança aberta pela Morte de AA, em 03/07/2023, cfr., escritura pública de repúdio junto aos autos em 12/07/2023, em requerimento autónomo.
2 ª Contudo o Tribunal a quo, despachou em 01/09/2023 não conceder quaisquer efeitos processuais à referida escritura pública de repúdio, maxime com a fundamentação, o de que no incidente em separado de habilitação de herdeiros (datado de 2012, e já devidamente transitado em julgado em 20212) a recorrente não se opôs nem recorreu da mesma e, desta feição assim aceitou, tacitamente a herança e não pode vir agora repudiar o que já tinha aceite. VD., arts., do CC n.º 2056.º n.º1 e 2061, este quanto à irrevogabilidade da aceitação da herança. Já em 2012.
3ª – é neste ponto que surge o dissídio com o Tribunal, pois que a R., era Menor à data da abertura da sucessão e não poderia ter aceite ou repudiado a herança mesmo tacitamente.
4ª- De facto, no âmbito do preceituado no art.º 1889º n.º 1 als., j e l) do CC onde se encontra consagrada a falta de legitimidade à R., para aceitar ou repudiar a herança da de cuius, já falecida, mesmo através de legal representante.
5ª – A aceitação ou repúdio teria sempre e exclusivamente que passar pelo Crivo e autorização do Ministério Público do juízo de Família e Menores do Tribunal de Família E Menores da Comarca do Porto, de Vila Nova de Gaia – onde a Menor residia à data.
6ª – E, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, b), do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, a prévia autorização para aceitar/repudiar a herança é exclusivamente do Ministério Público, também com o suporte normativo do art.º 3º n.º 5 deste corpo legal.
7ª - Por se tratar de Menor, a questão é de conhecimento oficioso do Tribunal, nem poderia o Tribunal decidir em substituição do Ministério Público do juízo de Família e Menores do Tribunal de Família E Menores da Comarca do Porto, de Vila Nova de Gaia.
8ª – Esse pudesse, teria que cumprir com o plasmado nos arts.º 1890º e 1891º do Código Civil, o que se desconhece, e se presume que não.

9ª – Teria sempre que ponderar o interesse da Menor, aceitando ou rejeitando a aceitação da herança, vd., art.º 1890º n.º2 do CC in fine.
10ª – Ponderação não concretizada. Prejudicando a Menor, hoje recorrente.
11ª – Pelo contrário, e só neste momento em que atingiu a maioridade é que, face à falta de processo de autorização de prática de actos por parte do Ministério Público do juízo de Família e Menores do Tribunal de Família E Menores da Comarca do Porto, de Vila Nova de Gaia podia a Recorrente obtendo a capacidade judiciária total, pode a R., exercer a sua vontade de repúdio da herança o que não poderia ter concretizado em momento prévio, muito menos no incidente de habilitação de herdeiros.
12ª – De modo que, face, pelo menos à aqui Recorrente deveria o Tribunal recorrido ter decido de outra forma.
13ª – Maxime teria que considerar que só com a Maioridade a aqui R., poderia aceitar ou repudiar a herança, faltando a autorização do Ministério Público do juízo de Família e Menores do Tribunal de Família E Menores da Comarca do Porto, de Vila Nova de Gaia, e que não estava legalmente autorizada a aceitar, ainda que tacitamente, a herança à data do incidente de habilitação, dando provimento à questão de ilegitimidade processual, absolvendo a mesma da instância nos termos do art.º 577 al., e) do CPC, ex officio.
14ª – Nos termos do art.º 639º n,º 2 do CPC, o tribunal violou os arts.º 1889º n.º 1 als., j e l) do CC e Decreto-Lei n.º 272/2001, art.º 2 n.º1 pois face à menoridade da R., à altura do incidente de habilitação, e ex officio deveria ter diligenciado pela protecção da mesma, ou enviando a questão para o Ministério Público do juízo de Família e Menores do Tribunal de Família E Menores da Comarca do Porto, de Vila Nova de Gaia para autorização de aceitação ou repúdio da herança.
15ª – Ou, lançando mão do art.º 1889º n.º 2 in fine, ponderado o prejuízo e /ou conveniência da aceitação Vs., repúdio no superior interesse da Menor.
16ª – O que não cuidou de concretizar.
17ª - Vem a R., arguir de forma clara, adequada e de modo a criar uma obrigação de pronúncia expressa e distinta sobre esta temática ao Tribunal vd., art.º 205º da CRP, nos termos do art.º 70º da LTC, que a interpretação do art.º artigo 2.º, n.º 1, b), do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, em conjugação com o art.º 1889º n.º 1 als., j e l) do CC não é de conhecimento oficioso no caso de uma parte ,Menor, é inconstitucional por violação do art.º 2º, 18º e 20º n.º1 e 4 da CRP, violação dos princípios do Estado de Direito, confiança, segurança jurídica e acesso aos tribunais através de um processo justo e equitativo.
Termos em que deve ser revogada o Douta Despacho, e ser dado provimento ao presente Recurso, concedendo o efeito de repúdio à aqui R., gerando ilegitimidade passiva da mesma, e com a respectiva absolvição de instância..»

A exequente juntou contra-alegações e apresentou as seguintes conclusões: «… II – CONCLUSÕES:
A. O Recorrente recorre do douto despacho proferido a 1/09/2023 com a referência Citius 450698680 o qual julgou “…as habilitadas sucessoras da falecida executada e tendo aceitado (ainda que tacitamente) a herança, de forma irrevogável (por força da lei), antes de terem declarado o repúdio, concluiu-se que, não só o repúdio é ineficaz, como assiste legitimidade às habilitadas para intervir na execução, ainda que apenas enquanto sucessoras da falecida executada e somente para assegurar a legitimidade processual passiva, nos termos do art.54.º,n.º 1,do NCPC,sem que esteja em causa a afetação do seu património pessoal não adveniente da herança.”.
B. O douto despacho decidiu, de forma exemplar, a situação fáctica e aplicação do Direito aos factos.
Senão vejamos,
C. A Executada AA faleceu em Maio de 2004, conforme assento de óbito de ...72 da 2.ª Conservatória do Registo Civil do Porto constante do documento anexo à petição inicial do apenso A datada de 13/01/2010 com a referência Citius 3200650.
D. A douta sentença de habilitação foi proferida a 11/06/2012 (referência Citius 15567955) e notificada às Partes, incluindo a Recorrente na pessoa da sua legal representante, a 14/06/2012.
E. A escritura pública de repúdio da herança da Executada AA data de 3 de julho de 2023 (referência Citius 36206491).
F. Pelo que, o repúdio à herança ocorreu dezanove (19) anos após o falecimento e onze (11) anos após o trânsito em julgado da douta sentença de habitação de herdeiros.
G. Por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 2059º CC, o prazo de repúdio é de dez anos, conjugado com o artigo 2056.º, n.º 1, do CC quanto à aceitação expressa ou tácita da herança e também com o artigo 2061.º do CC, o qual refere ser irrevogável essa aceitação (tácita ou expressa), concluiu o douto despacho judicial, “Tudo se conjuga, pois, no sentido de ter ocorrido a aceitação tácita da herança antes da declaração de repúdio ora junto.”
H. Jurisprudencialmente, além dos Acórdãos indicados no douto despacho, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 677/19.3T8FAR.E1.S1 a 13/10/2022: “I - O repúdio da herança é um negócio jurídico unilateral, formal, devendo ser celebrado por escritura pública se da herança fizerem parte imóveis (art. 2063º do Cód. Civil);
II - Aceite a herança, ainda que tacitamente, já não é possível renunciar a ela, sendo, nesse caso, a declaração de renúncia ineficaz;
III - Deve concluir-se ter havido aceitação tácita da herança quando o herdeiro faz a declaração de renúncia mais de 7 anos decorrido sobre a sua abertura, e nesse meio tempo interveio, com outro herdeiro, numa escritura de constituição de hipoteca em que declararam serem donos e legítimos possuidoras de um prédio urbano, “sem determinação de parte ou direito”, integrante da herança.” https://jurisprudencia.pt/acordao/210546/
I. Por tudo o supra exposto, a Recorrente e restantes herdeiras habilitadas por douta sentença notificada a 14/06/2012 no apenso A de habilitação de herdeiras são, nos presentes autos, herdeiras habilitadas a prosseguir processualmente em substituição da Executada falecida restringe-se a sua responsabilidade pela dívida apenas e só ao imóvel, isto é, à garantia hipotecária, devendo o mesmo prosseguir para venda e, com o produto da venda a dívida ficará, total ou parcialmente liquidada, não respondendo as Executadas habilitadas pelo eventual remanescente, tal como doutamente decidido por despacho proferido a 1/09/2023.
TERMOS EM QUE, E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS SUPRIRÃO, DEVE O RECURSO SER JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»
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Compulsados os autos verifica-se que no apenso de habilitação se notificou a executada para juntar aos autos assentos de nascimento das requeridas menores e que não ocorreu tal junção e foi proferida sentença, sendo que foi alegado pela exequente que a apelante era menos á data da instauração do incidente de habilitação.
Compulsados os autos verifica-se que no processo executivo temos uma consulta feita á base de dados da CRSS a 6/7/2023, onde consta que a apelante nasceu a ../../2001, o que demonstra que á data da instauração da habilitação de herdeiros e da prolação da sentença era a mesma menor de idade.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, e atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas, resulta que a questão a analisar é saber se, o repúdio da herança, tem como efeito a inutilidade superveniente da lide em que a repudiante apelante havia sido habilitada no lugar da executada.


Após os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
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III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos a ter em conta, são os enunciados no relatório que antecede e constam da decisão recorrida, acima transcrita, cujo teor aqui se dá por reproduzido e integrado.
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO


Antecipando a decisão do recurso, cumpre referir que discordamos do entendimento da decisão recorrida.
Desde logo é manifesto que a apelante aquando da prolação da sentença de habilitação e do falecimento da executada, era menor de idade e nessa medida não poderia repudiar a herança.
No caso dos autos a habilitada, veio repudiar á herança apos a sua maioridade, e não tendo a mesma praticado nenhum acto de aceitação expressa ou tacita da herança nos termos do artigo 2056 do CCivil, ter-se-á de concluir que a instância ter-se-á de extinguir quanto á apelante.
A mera citação para os termos do incidente não se traduz em nenhum acto de aceitação da herança, sendo que em parte alguma do processo o ora apelante foi interpelada para tomar posição acerca da aceitação da herança.
A habilitação incidental, sem oposição pelos habilitados, apenas terá relevância demonstrativa de aceitação da herança se for acompanhada de outras atuações que revelem, com toda a probabilidade, a aceitação da herança.
Convém não esquecer que, na situação a que se reportam os autos, a apelante, sendo menor à data do falecimento de sua mãe, declarou o repúdio da herança dentro do prazo de dez anos que tinha para repudiar á herança.
Nos termos do nº1 do artigo 2059.º do CCivil- (Caducidade), O direito de aceitar a herança caduca ao fim de dez anos, contados desde que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado. Portanto, a lei não impõe qualquer prazo para a aceitação da herança, mas estabelece um prazo de caducidade de dez anos a contar do momento em que o sucessível teve conhecimento de ter sido chamado à sucessão (artigo 2059.º, n.º 1, CC).
No caso a executada faleceu em Maio de 2004 e a apelante nasceu a ../../2001, e a sentença de habilitação foi proferida em 11/6/2012, e a apelante veio repudiar á herança no dia 3/7/2023, sendo que se considera que o prazo de dez anos que lhe assiste para repudiar á herança foi respeitado dado que se tem de contar o inicio desse prazo quando a apelante atingiu a sua maioridade.
A apelante foi declarada processualmente legitimada para prosseguir na execução no lugar da executada falecida, mas tendo repudiado á herança, após a sua maioridade, ocorreu ato superveniente, extintivo, com efeitos retroativos, da qualidade da apelante enquanto sucessível da parte falecida. Tal implica a extinção da instância quanto á repudiante por impossibilidade superveniente da lide art.º 277.º alínea e) do CPCivil

Decorre de todo o exposto a procedência do recurso, devendo, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, determinando-se: a extinção da instância por impossibilidade da lide, relativamente à sucessora habilitada apelante e a continuação da execução relativamente aos restantes habilitados
Neste sentido vide a título meramente ilustrativo a seguinte jurisprudência toda disponível na base de dados da DGSI:
- Ac da RE 109/14.3T8SLV-B.E1 Relator: JOSÉ MANUEL BARATA, 07-04-2022 Sumário: I.- O princípio da estabilidade da instância a que alude o artigo 260.º do CPC estabelece que, citado o réu (ou o executado), a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, mas podendo sofrer as modificações previstas no artigo 262.º do mesmo diploma.
II.- Não obstante terem sido habilitados no lugar do de cujus para, no seu lugar, prosseguirem a execução na qualidade de executados, o posterior repúdio da herança tem como efeito a sua ilegitimidade para os termos da execução, uma vez que o repúdio retroage ao momento da abertura da sucessão (artigo 2062.º do Código Civil).
III.- Junto aos autos documento onde se demonstre o ato de repúdio, a instância executiva deve declarar-se extinta por inutilidade superveniente da lide quanto aos repudiantes (artigo 277.º, alínea e), do Código de Processo Civil);
- Ac da RP Processo: 4307/16.7T8LOU-B.P1 Relator: CARLOS QUERIDO, 23-03-2020 Sumário: I - O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da retroatividade de todo o fenómeno sucessório, estabelecendo o artigo 2062.º do Código Civil, quanto ao repúdio, que os seus efeitos se retrotraem ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia.
II - Tendo um sucessor habilitado repudiado a herança, sem que tenha em momento anterior praticado qualquer ato que se consubstancie em declaração expressa ou tácita de aceitação, ocorre, necessariamente, relativamente a ele, a impossibilidade superveniente da lide, devendo em consequência extinguir-se a instância (apenas quanto a ele), nos termos da alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil;
- Ac da RL Processo: 7981/09.7T2SNT-B.L1-2 Relator: JORGE VILAÇA, 28-04-2016 Sumário: I - A falta de contestação apenas importa a confissão dos factos alegados pelo requerente não sujeitos a prova vinculada e não abrange o direito invocado, para efeitos do disposto no art.º 567º do Código de Processo Civil.
II - No incidente de habilitação de herdeiros, a confissão referida em I não ocorre quando há mais do que um réu e quando se verifique citação edital de herdeiros incertos.
IV - A habilitação de herdeiros para efeitos fiscais, o recebimento de pensão de sobrevivência por morte do marido não tem o efeito de aceitação tácita da herança que impeça o posterior repúdio da mesma.
V - O repúdio da herança depois de decorrido o prazo para contestação do incidente de habilitação de herdeiros importa o não reconhecimento do repudiante como herdeiros, uma vez que o repúdio retroage ao momento da abertura da sucessão e por se considerar como se nunca tivesse sido chamado à sucessão aquela que repudia;
- Ac da RP Processo: 4311/15.2T8AVR-H.P1 Relator: CARLOS PORTELA, 11-03-2021 Sumário: I - Sendo o efeito cominatório previsto no art.º 567º, nº1 do CPC aplicável ao incidente de habilitação de herdeiros, deve considerar-se que o mesmo só abrange a confissão dos factos alegados pelo requerente não sujeitos a prova vinculada e não abarca o direito que é invocado.
II - O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da retroactividade de todo o fenómeno sucessório, estabelecendo-se no art.º 2062.º do Código Civil, quanto ao repúdio, que os seus efeitos se retrotraem ao momento da abertura da sucessão, considerando-se assim como não chamado o sucessível que a repudia.».
Assim, julga-se procedente o recurso ficando prejudicada a pronuncia quanto ás restantes questões suscitadas, nomeadamente de inconstitucionalidade.

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V- DISPOSITIVO

Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e revoga-se em consequência a decisão recorrida e, em consequência, determinando: a extinção da instância por impossibilidade da lide, relativamente à sucessora habilitada apelante e a continuação da execução relativamente ás restantes habilitadas.

Custas do recurso pela recorrida.

Notifique-se.






Porto, 07/03/2024
Ana Vieira
Paulo Duarte Teixeira
Judite Pires