REPÚDIO DA HERANÇA
FORMA LEGAL
BEM IMÓVEL
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
ACEITAÇÃO TÁCITA
IRREVOGABILIDADE
INEFICÁCIA
COMPORTAMENTO CONCLUDENTE
Sumário


I - O repúdio da herança é um negócio jurídico unilateral, formal, devendo ser celebrado por escritura pública se da herança fizerem parte imóveis (art. 2063º do Cód. Civil);
II - Aceite a herança, ainda que tacitamente, já não é possível renunciar a ela, sendo, nesse caso, a declaração de renúncia ineficaz;
III - Deve concluir-se ter havido aceitação tácita da herança quando o herdeiro faz a declaração de renúncia mais de 7 anos decorrido sobre a sua abertura, e nesse meio tempo interveio, com outro herdeiro, numa escritura de constituição de hipoteca em que declararam serem donos e legítimos possuidoras de um prédio urbano, “sem determinação de parte ou direito”, integrante da herança.

Texto Integral



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, instaurou acção declarativa com forma de processo comum contra BB, CC e Massa Insolvente de CC, pedindo que seja declarada a ineficácia ou, caso assim não se entenda, a nulidade do ato de repúdio da herança efetuado por BB e dos negócios posteriores com ele conexos.

Fundamenta a sua pretensão no facto de ter intentado uma execução contra a Ré CC e DD, este entretanto falecido, tendo a filha BB sido habilitada como herdeira do falecido nessa execução, mas posteriormente repudiou a herança e, na sequencia desse ato, no âmbito do processo de insolvência da Ré CC, que entretanto teve lugar, foram vendidos os bens que integram a herança do falecido e que por efeito do repúdio lhe foram afetos, o que o prejudica enquanto credor.

A Ré Massa Insolvente de CC contestou, no sentido da improcedência da acção, alegando que a venda da totalidade dos bens e não apenas o direito à meação e o quinhão hereditário da insolvente foi mais vantajoso para todos os credores, nos quais se inclui o autor que ali reclamou o seu crédito, uma vez que valorizou o património da insolvente; não teve intervenção no ato de repúdio da herança aqui em causa, a qual pode ser feita a todo o tempo, devendo o Autor ser condenado como litigante de má fé.

As Rés BB e CC, na sua contestação, invocam que o repúdio da herança foi efetuado para permitir a venda total dos bens que integravam da herança aberta por óbito do seu pai, bem como faziam parte da meação da Ré, a qual havia sido declarada insolvente, tendo tal ato permitido a venda conjunta do bem por melhor preço, o que apenas beneficia os credores, tendo o Autor reclamado créditos no processo de insolvência.

Foi proferido saneador-sentença em que se decidiu:

Julgar improcedente, por não provada, a presente ação e, em consequência, absolver as Rés BB, CC e Massa Insolvente de CC dos pedidos contra si deduzidos pelo Autor AA;

b) Absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé.

Inconformado, o Autor apelou.

A Relação de Évora, por acórdão de 07.04.2022, julgou procedente a apelação, revogou a sentença e, em consequência, declarou ineficaz o repúdio da herança feito pela Ré BB em 15-11-2018.

É a vez das RR BB, CC recorrerem de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do acórdão recorrido, concluindo do seguinte modo as suas alegações:

A) Entendeu o Mmo. Tribunal da Relação de Évora que a declaração de repúdio formalizada pela aqui Recorrente BB em 15/11/2018, sendo incompatível com a anterior aceitação, é ineficaz, decisão com a qual não se concorda.

B) De que modo essa declaração da ineficácia do ato de repúdio pode afetar ou não a validade dos atos de compra e venda levados a cabo pela massa insolvente não se sabe, e nesta matéria o Tribunal da Relação de Évora nada refere.

C) Por isso, face ao decidido, uma das questões que se colocam é saber se a ineficácia do ato de repúdio da herança por parte da executada BB, conduz ou não, a que tal ato não produza, em relação à massa insolvente, os efeitos jurídicos que tenderia a produzir, o que significa que para efeitos da insolvência, tudo se passa como se tal ato não tivesse ocorrido, ou seja, esse quinhão hereditário não poderia ter integrado aquele património autónomo da insolvente (artigo 46º do CIRE), e como tal não poderia ter sido apreendido para a massa insolvente.

D) Situando-se a matéria dos autos nesse enquadramento conjuntural e nas ocorrências absolutamente normais que se lhe seguiram no processo de insolvência com a concretização da venda dos imóveis apreendidos a favor da massa insolvente, não podem asrecorrentes deixar dese insurgirem deforma maisveemente contra o douto Acórdão Recorrido, o qual consigna afinal uma clamorosa injustiça para com o comprador que é totalmente alheio a esta situação e para com os credores da massa insolvente, onde se inclui o próprio recorrido(mormente, o do perigo para a satisfação dos credores), que urge corrigir.

E) Salvo melhor entendimento, a ineficácia do repúdio em causa não é, por si só, fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens pela massa insolvente nem de nulidade da dita venda.

F) A manter-se essa decisão de ineficácia do ato de repúdio da herança por parte da R. BB, conduzirá em princípio a que tal ato não produza, em relação ao recorrido, AA, (ineficácia relativa), os efeitos jurídicos que tenderia a produzir.

G) O Acórdão que acolheu a apelação do recorrido não anula o negócio formalizado pela Massa Insolvente, apenas reconhece a sua ineficácia relativamente a este credor do herdeiro repudiante. Ou seja, não provoca o retorno do bem negociado ao patrimônio da massa insolvente nem ao património do herdeiro repudiante, mas apenas o insere no acervo dos bens sobre os quais recairá a responsabilidade patrimonial com que conta o credor.

H) A questão principal a apreciar traduz-se em apurar se há que considerar que a Recorrente BB, à data do repúdio da herança (15/011/18), já havia praticado atos de onde se retire que já a havia aceite.

I) No Tribunal de 1.ª Instância entendeu a Mma. Juiz que, por não ter havido aceitação, expressa ou tácita, da herança aberta por óbito de seu pai DD por parte da Ré BB, necessariamente se conclui que a mesma poderia ter repudiado a mesma.

J) Já o Tribunal da Relação de Évora, entendeu que decorre dos factos provados um conjunto de atos praticados pela Ré BB que indiciam a sua aceitação da herança deixada por seu falecido pai, acrescentando que a aceitação da herança é irrevogável nos termos do artigo 2061.º do Código Civil, a declaração de repúdio pela mesma Ré em 15-11-2018, sendo incompatível com a anterior aceitação, é ineficaz.

K) Debruçando-nos sobre o caso em análise, temos o seguinte circunstancialismo do qual a decisão sob recurso pretende retirar efeitos decisivos para a qualificação de um comportamento como equivalendo à aceitação tácita da herança:

L) Intervenção na escritura de constituição de hipoteca de 17/06/2014 e o tempo que mediou entre o falecimento do pai e a escritura de repúdio, na nossa modesta opinião não revela uma atuação inequívoca e concludente de que a herança foi pretendida pela filha do falecido, a aqui Recorrente, BB, pois que, pode significar apenas a pretensão de permitir a satisfação das dividas deixadas pelo falecido (A matéria da responsabilidade pelos encargos da herança é tratada nos artigos 2068.º e seguintes do Código Civil).

M) Por outro lado, o prazo de 10 anos, entendido pelo legislador como suficiente, justo e razoável para o exercício do direito de aceitar ou repudiar a herança (art. 2059.º do CC), não assumindo relevância o decurso de um prazo menor, desacompanhado de qualquer outro facto ou circunstância concludente que faça presumir a aceitação tácita da herança pelos sucessíveis.

N) A simples não oposição ao incidente de habilitação de herdeiros não pode desde logo fazer presumir pela aceitação da herança.

O) Em momento algum a Recorrente BB tomou qualquer posição acerca dos bens.

P) Assim, salvo o devido respeito, não há no circunstancialismo apontado, e até ao momento do repúdio da herança, em 2018, factos de tal modo inequívocos que traduzam, com toda a probabilidade (ou seja, capazes de afastar deduções precipitadas), a aceitação tácita da herança.

Q) Dito de outro modo, não se concretiza um comportamento anterior de tal modo manifesto e evidente, relativamente à aceitação da herança, que se possa qualificar como contrário à posterior declaração de repúdio da mesma.

R) Nesta medida não há qualquer obstáculo, nomeadamente o invocado e previsto no artigo 2061º C.C (“A aceitação é irrevogável”) – pois não havendo aceitação não se coloca a questão da irrevogabilidade dessa aceitação – a considerar válida a declaração de repúdio da herança efetuada pela Recorrente, já que a mesma foi efetuada antes de caducar esse direito e pela forma legal, com a consequente retroação dos efeitos desse repúdio ao momento de abertura da sucessão (artigo 2062º e 2063º do C.C).

S) Nesta conformidade, à luz deste enquadramento normativo e respetiva teleologia, não pode subsistir, o entendimento sustentado no douto Acórdão recorrido, de que o ato de repúdio é ineficaz.

Contra alegou o Recorrido pugnando pela improcedência da revista e a confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões da Recorrente as quais, em regra, delimitam o objecto do recurso – afora as de conhecimento oficioso – são as seguintes:

- Validade do repúdio da herança;

- Concluindo-se pela ineficácia do repúdio, que consequências para a massa insolvente.


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Fundamentação.

A decisão recorrida assentou no seguinte acervo factual:

1. O Autor AA intentou em 1 de março de 2006 ação executiva n.º 1174/06.... do Juízo de Execução ...- J... contra a ora Ré CC e contra DD para pagamento da quantia de € 38.437,81 e juros vincendos.

2.  DD faleceu em .../.../2011, no estado de casado com CC.

3. Em 25 de setembro de 2012, através de escritura de habilitação de herdeiros, a ora Ré CC declarou que eram herdeiras do falecido DD, a própria, na qualidade de cônjuge e as suas filhas BB e EE, tal como resulta de fls. 19-vº e 20, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4.  Em 19 de setembro de 2013, por escritura pública, EE repudiou à herança deixada pelo seu pai, DD, mais declarando

que não tem descendentes, tal como resulta de fls. 22-vº e 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. Por sentença de 13 de novembro de 2013, proferida no âmbito do processo n.º 1174/06...., notificada às partes em 14 de novembro de 2013, não tendo sido interposto recurso e já transitada em julgado, foram habilitadas como herdeiras de DD, a sua esposa CC e a sua filha BB, tendo sido declarado que a filha EE repudiou a herança do seu pai, não tendo descendentes, tal como resulta do apenso por linha.

6.  A sentença de habilitação de herdeiros referida em 5) foi notificada a Ré BB por carta registada de 14-11-2013, não devolvida, não tendo a mesma intervindo no âmbito da execução n.º 1174/06.....

7.  Em 11 de janeiro de 2017, a Ré CC apresentou-se à insolvência, tendo sido declarada insolvente no processo n.º 46/17.... do J... do Juízo do Comércio ..., por sentença transitada em julgado, encontrando-se tal processo em fase de liquidação, tendo o Autor reclamado créditos.

8.  No processo n.º 1174/06.... foi penhorado em 14-11-2018 o quinhão hereditário que a Ré BB detém na herança indivisa por óbito do seu pai DD.

9. Em 15 de novembro de 2018, a Ré BB repudiou a herança deixada pelo seu pai DD mais declarando que não tem descendentes.

10.  Em 10 de dezembro de 2018, no âmbito da execução n.º 1174/06...., foi o ora Autor notificado pela Agente de Execução da comunicação da Administradora da Insolvência do repúdio da herança feito pela Ré BB, bem como requereu a suspensão da instância executiva e procedeu à apreensão de todos os créditos penhorados nesses autos.

11.  Na sequência da declaração da Insolvência, a Sra. Administradora de Insolvência procedeu à apreensão do Direito à Meação e do Quinhão Hereditário da Insolvente, do qual faziam parte dois imóveis e porque apenas o quinhão hereditário da insolvente poderia ser colocado à venda e estando penhorado o direito da Ré na ação executiva, a Sra. Administradora de Insolvência informou a insolvente da existência de um comprador, mas que este só estaria interessado em comprar os bens e não o Direito à Meação e do Quinhão Hereditário da Insolvente.

12.  De modo a permitir a venda desses bens, a Ré BB, repudiou a herança em 15/11/2018, tendo a Sra. Administradora da Insolvência procedido de imediato à apreensão da totalidade dos bens.

O direito.

O acórdão recorrido revogou a sentença de 1ª instância, que havia absolvido as RR do pedido, vindo a julgar a acção procedente com fundamento na ineficácia do repúdio da herança formalizada pela Ré BB em 15.11.2018, por tal decisão ser incompatível com a aceitação tácita da herança evidenciada pelo comportamento anterior da Ré.

Para assim decidir ponderou a Relação:

“Decorre dos factos provados um conjunto de atos praticados pela Ré BB que indiciam a sua aceitação da herança deixada por seu falecido pai.

Quando este faleceu  em .../.../2011 estava pendente a execução n.º 1174/06...., instaurada contra si e sua mulher CC.

A escritura de habilitação de herdeiros ocorreu em 25-09-2012, pela qual CC declarou serem herdeiras do falecido DD, a própria, e suas filhas BB e EE.

Nesse conhecimento, o ora Autor, exequente nos autos de execução, em 16-11-2012 deduziu requerimento do exequente a deduzir incidente de habilitação de herdeiros.

 E se é certo que o curto prazo para deduzir oposição, querendo fazê-lo, não deve fazer precludir o direito ao repúdio posterior, a verdade é que em 19-09-2013, EE, irmã da Ré BB repudiou a herança, por escritura pública. Não o tendo esta feito.

Um comportamento dissonante e já de si sugestivo duma vontade diferente. 

A sentença de habilitação de herdeiros naqueles autos de execução foi proferida apenas em 13-11-2013, tendo habilitado como herdeiras de DD, a sua esposa CC e a sua filha BB, tendo ficado declarado que a filha EE havia repudiado a herança.

Em 17-06-2014, em escritura lavrada perante o notário, em ..., CC e BB declararam serem donas e legítimas possuidoras, em comum e sem determinação de parte ou de direito do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., e que, constituíam “a favor da Segunda Outorgante, hipoteca sobre o imóvel atrás identificado, para garantia do pagamento do capital em dívida, decorrente do empréstimo que foi concedido, respetivamente, ao falecido marido e pai, das primeiras outorgantes, cujo valor em dívida é nesta data de cento e setenta e dois mil e quinhentos euros (…).”

Um ato que induz a sua aceitação da herança, onde aquele imóvel se incluía. Não tendo natureza de mera administração da herança.

Em 25-05-2016 nos autos de execução n.º 1174/06.... foi lavrado um auto de penhora de teor negativo, não se tendo concretizado a entrega judicial de uma casa, por se encontrar no mesmo uma pessoa acamada. BB assinou o auto como executada, juntamente com sua mãe CC.

Em 14-11-2018 no processo de execução n.º 1174/06.... foi penhorado o quinhão hereditário que a Ré BB deteria na herança indivisa por óbito do seu pai DD.

Em 15-11-2018, ou seja, no dia seguinte, BB repudiou a herança deixada pelo seu pai. Mais de 7 anos depois do falecimento deste.

Está provado que o fez para permitir a venda (a melhor venda) no âmbito do processo de Insolvência respeitante a sua mãe.

Contudo, o ato por si praticado em 17-06-2014 evidencia a sua participação ativa numa escritura de constituição de hipoteca em que se revela como herdeira “aceitante” da herança.

Tal ato associado ao longo tempo que mediou entre o falecimento do executado, seu pai, e a escritura de repúdio, permite concluir pela aceitação tácita da herança por parte da Ré BB.

Sendo assim, porque a aceitação da herança é irrevogável nos termos do artigo 2061º do Código Civil, a declaração de repúdio formalizada pela mesma Ré em 15-11-2018, sendo incompatível com a anterior aceitação, é ineficaz.”


A Recorrente discorda deste entendimento, pugnando pela validade do repúdio da herança, que formalizou em 15.11.2018.

Vejamos.


O nosso ordenamento jurídico estabelece o princípio da retroatividade do fenómeno sucessório, estabelecendo o art. 2062º do CCivil, quanto ao repúdio da herança, “que os seus efeitos retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia, salvo para efeitos de representação.”

O herdeiro que tiver repudiado é considerado como não chamado. Tudo se passa como se o herdeiro que repudia nunca tivesse sido herdeiro. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, VI, pag. 10).

O repúdio, tal como a aceitação, da herança, é irrevogável (art.s 2061º e 2066º do Código Civil).

Daí que tendo havido aceitação, já não é possível ao herdeiro repudiar a herança.

No que respeita à forma da aceitação, ao invés do que ocorre para o repúdio, a lei não exige formalidade, podendo a mesma ser expressa (o que pressupõe a elaboração de um documento escrito) ou tácita (inferindo-se do comportamento do sucessível) – art. 2056º do CCivil – que é o que normalmente acontece.

No caso, não houve aceitação expressa da herança aberta por óbito de DD pela Recorrente, sua filha. Por conseguinte, importa saber se a Recorrente teve um comportamento anterior à declaração de repúdio que indicie ter aceitado a herança.

Na afirmativa, o repúdio formalizado em 15.11.2018 não produz qualquer efeito.

A lei não dá uma definição de aceitação tácita.

A aceitação será tácita quando resulte de factos concludentes, nos termos gerais do art. 217º, nº1. A herança, na generalidade dos casos, será aceite tacitamente por factos ou declarações verbais que revelam, com grande probabilidade, a sua existência (Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pag. 93).

Relativamente ao critério da inequivocidade dos factos concludentes da declaração tácita, defendia o Professor Mota Pinto (“Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª edição, pag. 425), que o artigo 217º, nº1, do Cód. Civil, “não exige que a dedução, no sentido de autorregulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa com ter lugar com toda a probabilidade.”

É o que acontece quando o sucessível chamado começa a comportar-se como herdeiro, p. ex., pagando as dívidas da herança, recebendo os rendimentos dos bens da herança, partilhando (se forem vários os sucessíveis) os bens da herança, cumprindo as obrigações fiscais, etc. (Código Civil anotado, II, Almedina, 2017, anotação ao art. 2056º).

Revertendo ao caso dos autos.

A Relação deduziu a aceitação tácita da herança por parte da Recorrente a partir dos seguintes factos:

- Não ter contestado o incidente de habilitação, pelo qual, juntamente com a sua mãe e irmã, foi habilitada como herdeira do executado DD;

- Ter repudiado a herança mais de 7 anos depois da morte do de cujus, depois de penhorado o seu quinhão na herança;

- Ter outorgado em 17.06.2014, com a sua mãe CC, escritura de constituição de hipoteca em que se assumiam como donas e legítimas possuidoras de um prédio urbano, “sem determinação de parte ou direito”, integrante da herança.

Relativamente à não oposição ao incidente de habilitação, a jurisprudência diverge sobre a questão de saber se tal – a não oposição – é suficiente para revelar que o sucessor quis assumir a qualidade de herdeiro.  No sentido negativo pronunciaram-se os acórdãos da Relação de Coimbra de 24.02.2015 (Alexandre Reis), e da Relação do Porto de 05.07.2006 (Amaral Ferreira), tendo-se ponderado neste último  que “a habilitação, tomada isoladamente, não é índice seguro, só por si, da aceitação tácita da herança, isto porque, tendo a aceitação tácita de traduzir-se por actos inequívocos, a habilitação significa apenas que o indivíduo é investido na qualidade de herdeiro, não definindo a sua posição relativamente à herança”.

Em sentido contrário, decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 26.05.2009 (Mário Serrano), assim sumariado:

“A circunstância de o habilitado não contestar o requerimento de habilitação, permitindo que se produzisse o respectivo efeito cominatório (confissão do facto da qualidade de herdeiro), e de, posteriormente, ter intervindo como herdeiro executado, durante mais de 3 anos, desde a sua habilitação, sem expressar qualquer “repúdio da herança”, cujo documento só foi apresentado mais de 7 anos após a sua morte, afigura-se claramente revelador de uma aceitação tácita da herança.”

No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 13.03.2007, P.933/2007, (Rijo Ferreira).

Independentemente da posição que se tomar sobre esta questão, no caso vertente há um facto de indiscutível significado no sentido da aceitação da herança. Trata-se da escritura de constituição de hipoteca outorgada em 17.06.2014, no qual a Recorrente e a sua mãe declararam serem donas e legítimas possuidoras de um prédio urbano que pertencia à herança aberta por óbito do marido e pai daquelas.


A isto acresce que, em 25-05-2016, na execução n.º 1174/06...., instaurada contra seu pai, o falecido DD e sua mãe CC, assinou, como executada, juntamente com aquela, um auto de penhora de teor negativo.

        

Destes factos pode inferir-se que a Recorrente se assumiu como herdeira, o que equivale à aceitação tácita da herança, sendo certo que tal ocorre quando a vontade de aceitação se “deduz de factos que, com toda a probabilidade”, isto é, de “factos concludentes, (Capelo de Sousa “Lições de Direito das Sucessões, II, pag. 18 e 29).


Concorda-se, por conseguinte, com o decidido pela Relação nesta parte.

Na parte dispositiva do acórdão da Relação consignou-se o seguinte:

Acorda-se em julgar procedente a apelação e, consequentemente revoga-se a sentença recorrida, que se substitui por outra que julga procedente a ação e, em consequência, declara ineficaz o repúdio da herança feito pela Ré BB.


Ensina o Professor Oliveira Ascensão, O direito, Introdução e Teoria Geral, 3ª edição, que “a ineficácia do acto jurídico consiste em a lei considerar inadequado o acto jurídico para produzir os efeitos que o seu autor ou autores tinham em vista.”


 Significa isto que a declaração de repúdio da herança por parte da Recorrente BB não produziu o efeito visado e a Recorrente reassume a sua qualidade de herdeira do falecido DD, voltando a integrar o seu património o quinhão da Recorrente na herança do seu falecido pai.


 Relativamente à alegação de que a decisão de julgar ineficaz a renúncia à herança “consigna uma clamorosa injustiça para com o comprador que é totalmente alheio a esta situação e para com os credores da massa insolvente”, (conclusão D) cabe apenas dizer que a matéria de facto é totalmente omissa a respeito da venda de imóvei(s) na insolvência, e que as implicações da decisão proferida nestes autos no processo de insolvência serão determinadas nesse processo.


Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido. 

Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 13.10.2022


Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Tibério Nunes da Silva