SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Sumário

I – O pedido de suspensão de despedimento formulado no procedimento cautelar respectivo, implicando a restauração provisória do vínculo, contém implicitamente a pretensão de condenação do empregador na reintegração do trabalhador e no pagamento da retribuição devida.
II – É de considerar que o empregador despediu o trabalhador por extinção do posto de trabalho, se lhe entregou uma comunicação escrita onde lhe comunica a extinção do seu posto de trabalho, diz que esta produz efeitos em determinada data, desobrigando-o de comparecer ao serviço até à data em que a comunicação produz efeitos, e declara que lhe pagará a compensação e créditos devidos em breve e “sempre até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido”.
III – É provável a ilicitude do despedimento se a indicada comunicação não foi precedida do procedimento legal para a extinção do posto de trabalho.
IV – Tem natureza infungível a obrigação do empregador de reintegrar ao seu serviço o trabalhador relativamente ao qual foi decretada a suspensão de despedimento em procedimento cautelar, sendo lícita a fixação de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento daquela obrigação.
(sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

П

1. Relatório
1.1. AA, instaurou a presente providência cautelar de suspensão de despedimento individual em 14 de Março de 2023 contra a Delegação Económica e Comercial de Macau, pedindo que a providência seja admitida e, em consequência:
«A) Ser decretada a suspensão do despedimento por extinção do posto de trabalho do Requerente, porquanto ilícito e nulo;
B) Ser declarada a ilicitude do despedimento, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do artigo 34.º do CPT, com as legais consequências;
C) Ser fixada uma sanção pecuniária compulsória, nos termos e para os efeitos do artigo 365.º, n.º 2 do CPC.»
Para tanto alegou, em síntese: ter sido admitido ao serviço da requerida, em 01 de Setembro de 2021, com a categoria profissional de Assistente Técnico Administrativo; que em 22 de Fevereiro de 2022 a requerida comunicou a cessação do contrato de trabalho, mediante oposição à renovação, mas o requerente instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, por meio da qual peticionou, entre outros, se declare que o contrato de trabalho celebrado se considera sem termo e seja o despedimento do Autor declarado ilícito, bem como a sua reintegração; que foi judicialmente declarada a nulidade do termo aposto no contrato e trabalho e ilícito o despedimento do A., com a sua reintegração, sendo interposto recurso pelo empregador, ao qual foi atribuído efeito devolutivo; que no dia acordado entre as partes para reintegração, 06 de Março de 2023, a requerida lhe comunicou a “extinção do seu posto de trabalho”, com efeitos a 05 de Abril de 2023, sem cumprir os requisitos formais e materiais previstos nos termos dos artigos 368.º e seguintes do Código do Trabalho pelo que, não sendo assegurado qualquer procedimento anterior, o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito, encontrando-se verificados os requisitos previstos no artigo 39.º, n.º 1 do CPT para que seja declarada a presente providência.
Após alterada em via de recurso a decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar, os autos prosseguiram os seus legais termos e a requerida deduziu oposição ao procedimento cautelar, na qual defendeu a improcedência da providência de suspensão de despedimento, por não se ter verificado nenhum dos fundamentos de ilicitude do despedimento previstos no artigo 381.º do Código do Trabalho, terem sido cumpridas as formalidades exigidas no artigo 384.º do Código do Trabalho e verificados os requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho. Juntou aos autos a documentação entregue ao trabalhador.
Realizou-se a audiência final (artigo 34.º do C.P.T.), no termo da qual a Mma. Juiz a quo proferiu decisão final da providência, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Por todo o exposto, julga-se a procedente por provada a presente providência cautelar e, consequentemente, declara-se preventivamente suspenso o despedimento de que foi alvo o Requerente AA, devendo a Requerida DELEGAÇÃO ECONÓMICA E COMERCIAL DE MACAU reintegra-lo nas funções que exercia à data do despedimento, fixando-se a sanção pecuniária compulsória de €100,00 (cem euros) por dia, desde a data da decisão judicial cautelar até à data em que a Requerida dê cumprimento à mesma.
Custas pela Requerida
[…]».
1.2. A requerida, inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo deu provimento ao pedido de suspensão preventiva do despedimento do Recorrido, por entender que a Recorrente, não cumpriu com alguns dos requisitos do procedimento do despedimento do posto de trabalho, previstos nos dos artigos 368.º, nº 1, al. a) e b), 369.º, n.º 1 e 371.º, n.º 2 do CT, de que resulta o juízo quanto à ilicitude do despedimento em causa por força dos artigos 381.º, al. c) e 384.º, al. a) e c) do mesmo código.
B. É forçoso concluir-se que as comunicações contêm todos os elementos obrigatórios, nomeadamente o motivo justificativo e o critério de selecção, elencados nos artigos 369.º, n.º 1 e 371.º, n.º 2 do CT,
C. Os requisitos de despedimento por extinção de posto de trabalho previstos no artigo 368.º, nº 1, al. a) e b) encontram-se nesse medida preenchidos,
D. pelo que não assiste razão ao Tribunal a quo na fundamentação da sua decisão, quando entende que se encontram em falta alguns elementos obrigatórios.
E. Ora, é verdade que, segundo a razão da lógica, com o decretamento da medida cautelar provisória da suspensão do despedimento, suspende-se o efeito dessa decisão, ou seja, tudo passava como se não houvesse o despedimento – o trabalhador regressaria ao posto de trabalho e o empregador pagar-lhe-ia a retribuição.
F. Contudo, o objetivo da medida cautelar em causa é acautelar os direitos do trabalhador na pendência da acção principal.
G. Isto é, se a impugnação do despedimento for declarada improcedente – ou seja, se o despedimento for lícito, significando isso que a decisão de despedimento é válida desde a data da sua emissão, e a relação laboral cessou-se desde aquela data, ao impor à empregadora a obrigação de reintegração do trabalhador, mesmo provisoriamente, está a obrigar a empregadora a aceitar o trabalho que segundo ela, já deixou de fazer sentido na organização produtiva da mesma.
H. Da aceitação do trabalho do trabalhador geraria para a empregadora a obrigação de pagamento de retribuição ao trabalhador, cujos montantes serão dificilmente recuperados por parte da empregadora se o despedimento for declarado lícito.
I. Salvo a melhor opinião, a antecipação do efeito - a obrigação de reintegração do trabalhador no posto de trabalho anterior ao despedimento - da decisão final nesta fase, comprometeria o efeito útil da eventual decisão final favorável à empregadora.
J. Aliás, o Tribunal a quo condenou a obrigação de reintegração do Recorrido no posto de trabalho, para sustentar a aplicação da sanção pecuniária compulsória, atendeu a uma pretensão que não foi formulada pelo Recorrido, violando assim o disposto no artigo 3.º, n.º 1 do CPC, constituindo nessa parte, uma nulidade da decisão.
K. Nessa sequência, sendo que não estamos perante uma prestação de facto infungível, a sanção pecuniária compulsória não deveria ser aplicada.
L. Nesses termos, deve proceder-se à revogação da decisão proferida com todas as consequências legais, substituindo-a por decisão que se julga improcedente o procedimento cautelar.”
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
1.3. O recurso foi admitido como de apelação.
1.4. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação pronunciou-se em douto Parecer no sentido de que o recurso não merece provimento. Foi cumprido o contraditório.
1.5. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho – as questões que se colocam à apreciação deste tribunal são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da invocada nulidade da decisão recorrida;
2.ª – da verificação de uma probabilidade séria de ilicitude do despedimento por extinção de posto de trabalho;
3.ª – em caso afirmativo, de saber se deveria ter sido determinada a reintegração cautelar do recorrido ao serviço da recorrente;
4.ª – em caso afirmativo, da condenação em sanção pecuniária compulsória.
*
3. Da nulidade
*
Alega a apelante que o Tribunal a quo, ao condenar na obrigação de reintegração atendeu a uma pretensão que não foi formulada e violou o disposto no artigo 3.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, afirmando haver nessa parte uma nulidade da decisão (conclusão J.).
Começando por este aspecto, que assume natureza prévia, não se nos afigura que a decisão sob recurso tenha atendido a uma pretensão que não foi formulada e, por essa via, incorrido em qualquer nulidade decisória, vg. a enunciada no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, nos termos do qual é nula a sentença quando o juiz “condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”,
Com efeito, o trabalhador formulou no seu requerimento inicial o pedido de que se decrete a suspensão do despedimento por extinção do posto de trabalho de que foi alvo através da comunicação de despedimento recebida em 6 de Março de 2023 – vide os artigos 12.º e 17.º do requerimento inicial e a alínea a) do pedido.
Se a suspensão judicial do despedimento for decretada no âmbito do procedimento cautelar especificado previsto nos artigos 33.º-A e ss. do Código de Processo do Trabalho – como aconteceu com a decisão sob recurso –, o contrato de trabalho retoma a sua eficácia até à decisão final da causa na acção de impugnação. Assim, como ensina Maria do Rosário Palma Ramalho, “o trabalhador tem o direito de retomar as suas funções e de auferir a retribuição, nos termos gerais1. Também o Conselheiro António Abrantes Geraldes, afirma que, com a suspensão, o trabalhador readquire a plenitude dos seus direitos e obrigações e, com particular interesse, que a providência cautelar da suspensão constitui uma decisão que “implicitamente contém a condenação do requerido no pagamento de determinadas prestações, assim como na prestação de facto ligada à reintegração do trabalhador2.
Na mesma senda o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2016, com o n.º 6/20163, teceu as seguintes considerações:
“A providência, se procedente, suspende provisoriamente os efeitos do despedimento, repondo a vigência do contrato e o complexo de obrigações que do mesmo derivam para o empregador e para o trabalhador, maxime, a obrigação deste último de prestar o seu trabalho e o direito a auferir a retribuição, embora não seja objetivo daquela providência a reconstituição integral da situação pré-existente ao despedimento, a qual só é viável em sede de ação para impugnação do despedimento.
Conforme referem BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER e OUTROS, face ao despedimento, em situações que a ilicitude do mesmo seja óbvia, «permite-se que o trabalhador no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da comunicação de despedimento, requeira judicialmente a suspensão do despedimento (artigo 386.º). A suspensão traduz-se na paralisação do efeito extintivo do despedimento, o que significa que o contrato de trabalho se mantém, continuando o trabalhador a auferir o respetivo salário e, em princípio, a executar o trabalho, até que seja tomada uma decisão final sobre a licitude do despedimento. Trata-se de uma medida de caráter preventivo, cujos trâmites estão fixados no CPT (arts. 34.º a 40.º- A), que o tribunal toma mesmo sem ter feito uma apreciação definitiva do caso» (12).
De acordo com MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «se a suspensão judicial do despedimento for decretada, o contrato retoma a sua eficácia, até à decisão final da causa na ação de impugnação. Assim, o trabalhador tem direito de retomar as suas funções e de auferir a retribuição, nos termos gerais» (13).
(…)
A decisão proferida na providência cautelar de suspensão do despedimento corporiza uma reposição da relação de trabalho interrompida com o despedimento, com a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho e a obrigação imposta ao empregador de aceitar o trabalho prestado e de proceder ao pagamento das retribuições correspondentes.
A suspensão cautelar do despedimento visa afastar os efeitos mais gravosos do despedimento para o trabalhador, tendo o seu cerne na retoma da prestação de trabalho e na respetiva retribuição, sendo a obrigação de pagamento de retribuições imposta ao empregador uma obrigação derivada daquela prestação.
[…]»
Assim, uma vez decretada a providência cautelar com determinação da peticionada suspensão do despedimento, fica suspenso, por força da mesma, o efeito extintivo do contrato com a reposição, ainda que transitória por natureza, da situação jurídica que do mesmo emerge, o que implica, necessariamente, a reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho e a obrigação imposta ao empregador de aceitar o trabalho prestado e de proceder ao pagamento das retribuições correspondentes.
Sendo de considerar que o pedido de suspensão de despedimento formulado no procedimento cautelar respectivo (previsto nos artigos 33.º-A e ss. do Código de Processo do Trabalho), justamente porque a sua procedência implica a restauração provisória do vínculo, contém implicitamente a pretensão de condenação do empregador na reintegração do trabalhador e no pagamento da inerente retribuição.
Inexiste, pois, qualquer nulidade, atendo-se o tribunal a quo ao peticionado.
*
4. Fundamentação de facto
*
A decisão recorrida contém o seguinte veredicto de facto, que não foi posto em causa na apelação:
«[...]
Consideram-se sumariamente provados os seguintes factos:
1. O Requerente foi admitido ao serviço da Requerida, em 01.09.2021, mediante o contrato denominado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO” (fls.16).
2. Da clausula 1.ª do referido contrato, consta:
“1. A Primeira outorgante admite o Segundo Outorgante ao seu serviço, para prestar funções na área administrativa e de gestão de biblioteca, com a categoria profissional de Assistente Técnico Administrativo.
2. O Segundo outorgante pode ser, quando o interesse da Primeira outorgante assim o determine, encarregue, de prestar funções de motorista e, temporariamente, exercer tarefas não compreendidas na actividade para que é contratado, dando, desde já, o seu expresso consentimento” (fls. 17).
3. Consta do referido contrato na sua cláusula 3.ª:
“O presente contrato inicia-se no dia 1 de Setembro de 2021 e termina no dia 28 de Fevereiro de 2022 e está sujeito a um período experimental de trinta dias” (fls. 18).
4. A Requerida, mediante carta registada com aviso de receção de 17 de fevereiro de 2022, recebida pelo Requerente no dia 22 desse mês, comunicou a cessação do contrato de trabalho.
5. Requerente instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, que corre termos Juízo do Trabalho de Lisboa, sob o n.º 10901/22.0T8LSB, Juiz 1, onde peticionou:
I. Seja declarado que o contrato de trabalho celebrado entre Autor e Ré, que vigorou entre ambos desde 01.09.2021, se considera sem termo, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, c) do CT por violação do disposto no artigo 141, n.º 1, e) também do referido Código;
II. Seja o despedimento do Autor declarado ilícito, por falta de precedência de procedimento legal para o efeito, nos termos do artigo 381.º, c) do CT conjugado com o disposto nos artigos 339.º, n.º 1 e 340.º ambos do CT e, em consequência, seja a Ré condenada, nos termos do artigo 389.º, n.º 1 do CT:
a) A reintegrar o Autor nas mesmas condições que o mesmo dispunha à data em que foi cessado o seu vínculo laboral, designadamente igual categoria profissional, igual local de trabalho, igual período normal de trabalho, igual horário de trabalho e igual retribuição, sem prejuízo da sua antiguidade;
b) A pagar ao Autor as retribuições que o mesmo deixou de auferir, em concreto, retribuição base, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, desde a data de cessação do contrato de trabalho – 28.02.2022 – até trânsito em julgado da decisão, o que totaliza à presente data, sem prejuízo das prestações retributivas vincendas, o montante de € 3.116,99 (três mil, cento e dezasseis euros e noventa e nove cêntimos), já deduzidas as retribuições a que se refere a alínea b) do número 2 do artigo 390.º do CT. A estes valores devem acrescer ainda os respetivos juros de mora computados à taxa legal em vigor, desde a data do seu vencimento até efetivo e integral pagamento.
6. Por sentença datada de 17.11.2022, transitada em julgado a 8 de maio de 2023, foi decidido:
a) declaro a nulidade do termo aposto no contrato e trabalho celebrado entre A. e R., em 01/09/2021, considerando-o como contrato de trabalho sem termo;
b) declaro ilícito o despedimento do A., decidido pela R., por inexistência de procedimento disciplinar e justa causa de despedimento;
c) condeno a R.:
1. Na reintegração do A. no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
2. A pagar ao A. as retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal vencidos desde a 30/03/2022 – 30 dias antes da data da instauração da acção – e até ao trânsito em julgado da presente sentença, com as deduções a que se refere o artigo 390º, n.º 2, a) e c), do CT, acrescidas dos juros de mora a incidir sobre as quantias líquidas a pagar ao trabalhador;
d) absolvo a R. quanto ao demais pedido contra si pela A.”
7. A Requerida interpôs recurso da decisão proferida ao qual foi atribuído efeito devolutivo por despacho de 15 de fevereiro de 2023.
8. No dia 06 de março de 2023, data da sua reintegração na Requerida, esta comunicou ao Requerente a “extinção do seu posto de trabalho”, com efeitos a 05 de abril de 2023, mediante a entrega, em mão, do documento com o seguinte teor:
«Assunto: Comunicação de extinção do posto de trabalho
Face às necessidades operacionais da Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (doravante “DECM") e na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, no decorrer do ano de 2022, a DECM teve necessidade de proceder à restruturação algumas das valências e dos seus departamentos internos, como aliás acreditamos já ter sido transmitido a V. Exa. no contexto do processo judicial laboral interposto por V. Exa. contra a DECM.
Na sequência dessa restruturação, a DECM deixou de contar, entre outros, com a biblioteca que era precisamente a unidade à qual V. Exa. se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. e a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado, nos termos acima referidos e tendo em conta os critérios legalmente fixados para o efeito, designadamente o facto de V. Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, vê-se a DECM obrigada a comunicar previamente a V. Exa. a extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funções na área administrativa e de gestão da biblioteca, para efeitos do disposto no artigo 369 º do Código do Trabalho, com efeitos a partir do dia 5 de abril de 2023.
Não obstante a presente comunicação só produzir efeitos a partir da supra referida data, a DECM comunica-lhe ainda, que V. Exa. se encontra desde já desobrigado de comparecer ao seu posto de trabalho durante o período que dista entre a presente comunicação e a supra referida data em que esta comunicação produzirá efeitos, sem prejuízo dos respectivos direitos laborais de V. Exa..
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho será efectuado em breve pelo respectivos serviços da DECM e sempre até ao termo do Prazo de aviso Prévio acima referido.»
9. O Requerente instaurou o presente procedimento cautelar a 13 de março de 2023.
10. A Requerida foi citada para os termos da presente providencia cautelar a 3 de abril de 2023, através da citação nos termos dos presentes autos.
11. No dia 28 de março de 2023, a Requerida entregou uma outra carta ao Requerente com o seguinte teor:
“Lisboa, 28 de Março de 2023
No seguimento da comunicação que lhe foi entregue no dia 6 de Março de 2023,
vimos por este meio, nos termos do disposto no artigo 371º, n.º 3 do Código do Trabalho, comunicar-lhe a decisão final da Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa (doravante DECM), do despedimento de V. Exa., com fundamento na extinção do pasto de trabalho.
Conforme informado na última comunicação, sendo já do seu conhecimento, a DECM, na sequência das instruções do Sr. Chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Macau, procedeu a uma reorganização interna no decorrer do ano de 2022.
Na sequência dessa reorganização, a DECM deixou de possuir, entre outros, com a que era precisamente a unidade a qual V. Exa. se encontrava adstrito, nos termos do contrato de trabalho outorgado entre V. Exa. e a DECM, datado de 1 de setembro de 2021.
Daí que, tendo em conta, que por decisão da tutela, foi promovido o encerramento da valência para a qual V. Exa. havia sido contratado.
Ora, os requisites de que depende o despedimento por extinção do pasto de trabalho encontram-se reunidos, porquanto:
- O motive invocado (supra) não foi devido a nenhuma conduta culposa da DECM ou de V. Exa.;
- E impossível a subsistência da relação de trabalho, uma vez que a biblioteca já
deixou de existir;
- Não existem, na DECM, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes
as do posto de trabalho de V. Exa.;
- Não é aplicável o despedimento colectivo por V. Exa. ser o único trabalhador abrangido pelo presente procedimento.
Por outro lado, não obstante, existir na DECM uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico ao de V. Exa, tendo em conta os critérios legalmente
fixados para o efeito nos termos do artigo 368.º, n.º 2, designadamente o facto de V.Exa. ser, entre outros, o trabalhador com menor antiguidade na DECM, ser o trabalhador com menor experiencia profissional na respectiva função, somos a informar V. Exa. da extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo, com funcões na área administrativa e de gestão da biblioteca para efeitos do disposto nos artigos 369.º e ss. do C6digo do Trabalho, com efeitos a partir do dia 28 de abril de 2023.
Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto a DECM, o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, no montante total de € 7.079,82 (sete mil e setenta e nove euros e oitenta e dois cêntimos), será efectuado até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido.
(…)”
12. No dia 28 de abril de 2023, foi feita a transferência para o pagamento da compensação pela extinção do posto de trabalho 7.079,82.
Factos não provados
Com relevância para a decisão a proferir inexistem factos não provados, na medida em que se entende que a Empregadora não tem que fazer prova, nesta sede, dos fundamentos da extinção do posto de trabalho, sendo certo que a factualidade constante dos artigos 43.º a 42.º, 7576.º,77.º, 88.º a 90.º e 95.º, da oposição não constam das comunicações entregues ao Requerente.
Assim, a matéria que não consta da factualidade provada, considerou-se conclusiva, alegações de direito, considerações, impugnação ou matéria irrelevante (tal como o teor dos artigos 14.º a 33.º, 43.º e 44.º, da oposição) artigos tendo em conta os fundamentos e a pretensão deduzida bem como a oposição apresentada.
Os factos provados resultam da posição assumida pelas partes no respetivos articulados, na medida em alegam factualidade coincidente e da análise critica do contrato de trabalho e das comunicações entregues pela Requerida ao Requerente. A demais documentação junta não se valorou porque irrelevante.
[…]» *
5. Fundamentação de direito
*
5.1. A presente providência cautelar foi instaurada em 13 de Março de 2023, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 107/2019, de 09 de Setembro (que se verificou, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 09 de Outubro de 2019), mostrando-se submetida ao regime de Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99 de 9 de Novembro que decorre de tais alterações e das que as precederam4.
Em termos de direito substantivo, as questões a analisar nos presentes autos deverão sê-lo à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que procedeu à revisão do Código do Trabalho, revogando a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei], e entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009, atendendo ainda às suas subsequentes alterações até à Lei n.º 1/2022, de 03 de Janeiro, versão que se encontrava em vigor à data do início do procedimento para o despedimento.
*
5.2. A questão essencial a apreciar na presente apelação consiste em aferir se se verifica uma probabilidade séria de ilicitude do despedimento por extinção de posto de trabalho de que foi alvo o recorrido, o que se fará tendo como pano de fundo que o trabalhador instaurou a presente providência alegando, em suma, que a comunicação do despedimento por extinção do posto de trabalho lhe foi entregue 6 de Março de 2023 sem que tenha sido assegurado qualquer procedimento anterior, pelo que tem o despedimento por ilícito.
*
5.2.1. A suspensão judicial do despedimento é uma providência cautelar que participa das características próprias deste tipo de medidas: visa proteger a aparência do direito invocado (fumus boni juris); tem como razão determinante evitar, ao menos provisoriamente, os efeitos da mudança operada com o despedimento, fim que a acção principal não é adequada a preservar por ser mais lenta (periculum in mora); é célere, bastando-se por isso com uma averiguação sumária (summaria cognitio) e é instrumental ou dependente da acção principal, neste caso da acção de impugnação de despedimento5.
Em termos substantivos, preceitua o artigo 386.º do Código do Trabalho de 2009 que o trabalhador “pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho”.
O artigo 39.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho prescreve que “[a] suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua: a) Pela provável inexistência de procedimento disciplinar ou pela sua provável invalidade; b) Pela provável inexistência de justa causa; ou c) Nos casos de despedimento coletivo, de despedimento por extinção de posto de trabalho ou de despedimento por inadaptação, pela provável verificação de qualquer dos fundamentos de ilicitude previstos no artigo 381.º do Código do Trabalho ou, ainda, pela provável inobservância de qualquer formalidade prevista nas normas referidas, respetivamente, no artigo 383.º, no artigo 384.º ou no artigo 385.º do Código do Trabalho.”.
Decorre deste preceito que o único requisito para ser decretada a suspensão do despedimento é a existência de “probabilidade séria de ilicitude do despedimento”, a qual poderá ser integrada por qualquer uma das situações previstas nas suas alíneas, mas também por outras situações na medida em que o preceito não é taxativo (“designadamente”).
Tendo em conta o que dispõe o artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, competirá ao requerente da suspensão do despedimento – o trabalhador despedido – o ónus de alegar e provar o direito que invoca, ou seja, o ónus da prova dos factos consubstanciadores da “probabilidade séria de ilicitude do despedimento”, por se tratar de factos constitutivos do seu direito potestativo de suspensão do despedimento.
Quanto a tal questão Abrantes Geraldes defende que “[a]dquirida a convicção acerca da séria probabilidade dos pressupostos, será decretada a suspensão. Não se atingindo esse patamar ou perante uma situação de dúvida razoável acerca da verificação dos factos relevantes, impõe-se o indeferimento da providência6.
A tarefa que se nos impõe consiste, pois, em aferir se, perante os factos indiciariamente apurados nos autos, a decisão da 1.ª instância julgou, ou não, acertadamente ao concluir pela inexistência de uma probabilidade séria de ilicitude do despedimento, analisando a argumentação despendida a tal propósito na apelação.
*
5.2.2. A extinção do posto de trabalho por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos relativos à empresa, constitui uma modalidade de despedimento individual fundado em causa objectiva, ou seja, fundado em motivo de natureza não disciplinar - artigo 367.º do Código do Trabalho de 2009.
O despedimento por extinção do posto de trabalho perfila-se como uma espécie de variante individual do despedimento colectivo: funda-se em motivação económica coincidente, resumindo-se a diferença ao número de trabalhadores abrangidos por uma e outra medida, sendo o despedimento por extinção do posto de trabalho subsidiário em relação ao despedimento colectivo7.
É ainda necessário em termos materiais, nos termos previstos no artigo 368.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que, cumulativamente: (a) os motivos invocados não sejam imputáveis a culpa do empregador ou do trabalhador; (b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho por não dispor o empregador de outro posto de trabalho compatível com a categoria profissional do trabalhador; (c) não se verifique a existência de contratos de trabalho a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto; e (d) a extinção do posto de trabalho não seja subsumível a uma situação de despedimento colectivo.
Para que a cessação do contrato por extinção do posto de trabalho seja lícita, não basta que se mostrem preenchidos os fundamentos de mercado, estruturais ou tecnológicos invocados (artigo 367.º do Código do Trabalho) e os requisitos específicos da extinção do posto de trabalho (artigo 368.º do Código do Trabalho), sendo ainda necessário que se observe o procedimento previsto na lei para esta modalidade de cessação contratual (artigos 369.º a 371.º do Código do Trabalho).
Por força do princípio constitucional da segurança no emprego, estabelecido no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que se vê restringido nos casos de despedimento por causas de natureza objectiva, impõe-se alguma rigidez no procedimento para essa forma de cessação da relação laboral.
Assim o despedimento por extinção do posto de trabalho está sujeito ao procedimento regulado nos artigos 369.º a 371.º do Código do Trabalho, que se desenvolve em três fases: i) a fase das comunicações iniciais prevista no artigo 369.º; ii) a fase das consultas prevista no artigo 370.º, que decorre ao longo de 15 dias e pode ainda abarcar a verificação ulterior de determinados requisitos pela ACT; iii) a fase da decisão de despedimento, que deve ser proferida decorridos 5 dias sobre o termo da fase das consultas8.
O procedimento inicia-se, desde logo, com o cumprimento do n.º 1 do artigo 369.º, nos termos do qual “[n]o caso de despedimento por extinção de posto de trabalho, o empregador comunica, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissão sindical, ao trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, à associação sindical respectiva: a) A necessidade de extinguir o posto de trabalho, indicando os motivos justificativos e a secção ou unidade equivalente a que respeita; b) A necessidade de despedir o trabalhador afecto ao posto de trabalho a extinguir e a sua categoria profissional. c) Os critérios para seleção dos trabalhadores a despedir”.
Estas comunicações iniciais têm em vista o disposto no artigo 370.º, cujo n.º 1 prevê que “[n]os 15 dias posteriores à comunicação prevista no artigo anterior, a estrutura representativa dos trabalhadores, o trabalhador envolvido e ainda, caso este seja representante sindical, a associação sindical respetiva podem transmitir ao empregador o seu parecer fundamentado, nomeadamente sobre os motivos invocados, os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º ou os critérios a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo, e as alternativas que permitam atenuar os efeitos do despedimento”, permitindo ainda o seu n.º 2 a solicitação ao serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral a verificação de alguns dos requisitos previstos no artigo 368.º para o despedimento por extinção do posto de trabalho.
Só após o empregador pode proceder ao despedimento do trabalhador, observando nessa decisão o disposto no art.º 370.º do Código do Trabalho.
Além disso, constitui condição de licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho que seja posta à disposição do trabalhador a compensação e os créditos devidos (artigo 368.º, n.º 5, do Código do Trabalho).
Quanto às causas da ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, estabelece o artigo 384.º do Código do Trabalho que existirá ilicitude do despedimento por extinção do posto de trabalho quando o empregador:
«a) Não cumprir os requisitos do nº 1 do artigo 368º;
b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º;
c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369º;
d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho».
Havendo aqui que ter igualmente presentes as causas gerais de ilicitude do despedimento por iniciativa do empregador enunciadas no artigo 381.º do Código do Trabalho, segundo o qual o despedimento será sempre ilícito:
«a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres». *
5.2.3. No caso sub judice, o trabalhador ora recorrido invocou no seu requerimento inicial, essencialmente, que a comunicação do despedimento por extinção do posto de trabalho lhe foi entregue em 6 de Março de 2023 sem que tenha sido assegurado qualquer procedimento anterior, pelo que o despedimento se tem por ilícito nos termos da alínea c), do artigo 381.º, do Código do Trabalho.
A sentença sob recurso começou por afirmar que a 6 de Março de 2023 a requerida comunicou ao requerente a extinção do seu posto de trabalho sem dar início ao procedimento de extinção do posto de trabalho, sem levar ao conhecimento do requerente a sua intenção de extinguir o seu posto de trabalho, sequer o advertindo do direito previsto no artigo 370.º, de no prazo de 15 dias apresentar o seu parecer fundamentado, sobre os motivos invocados, os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 368.º ou os critérios a que se refere o n.º 2 do mesmo artigo. Ex abundanti, afirmou a sentença que, ainda que se se considerasse que a comunicação operada pelo documento entregue a 6 de Março configuraria a comunicação a que alude o artigo 369.º, a requerida não deu efetivo conhecimento em tal comunicação dos motivos justificativos da alegada reestruturação que alega ter levado a cabo, não concretizou a forma como a mesma foi sendo realizada, quais os trabalhadores abrangidos, que opções foram sendo tomadas e quando é que ocorreram, não indicou os critérios para a selecção do trabalhador a despedir e não demonstrou que fosse impossível a subsistência da relação de trabalho.
A recorrente rebela-se contra este entendimento por entender que cumpriu os requisitos do procedimento de extinção do posto de trabalho e que as comunicações contêm todos os elementos obrigatórios elencados nos artigos 369.º e 371.º do Código do Trabalho.
Ora, analisando os termos da missiva recebida pelo trabalhador no dia 6 de Março de 2023, e interpretando-a tendo como pano de fundo os critérios hermenêuticos constantes do artigo 236.º e ss. do Código Civil, entendemos que a mesma configura efectivamente uma comunicação da cessação do contrato de trabalho e não, tão só, a comunicação da necessidade de extinguir o posto de trabalho e da necessidade de despedir o trabalhador, tal como se prevê no artigo 369.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Senão vejamos.
Como vimos, o procedimento a observar no despedimento por extinção do posto de trabalho tem várias fases: i) a fase das comunicações iniciais prevista no artigo 369.º; ii) a fase das consultas prevista no artigo 370.º; iii) a fase da decisão de despedimento.
O despedimento consubstancia uma declaração receptícia ou recipienda que se torna eficaz logo que chega ao poder do seu destinatário, ou é dele conhecida, sendo a partir desse momento irrevogável, salvo declaração em contrário (artigos 224.º, n.º 1 e 230.º, ambos do Código Civil).
Como ensina Pedro Romano Martinez9, a declaração de vontade emitida pelo empregador no sentido de pôr termo ao contrato de trabalho, não só é receptícia, produzindo o efeito extintivo logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida, como é constitutiva: o efeito extintivo produz-se no momento em que o trabalhador recebe a declaração de despedimento.
Assim, para se tornar eficaz a decisão de despedimento tem de ser levada ao conhecimento do destinatário, pelo que o efeito extintivo do contrato se verifica depois de ser recebida pelo trabalhador ou de ser dele conhecida, sendo irrevogável desde esse momento, salvo declaração em contrário (artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil)10.
Por isso, tendo o trabalhador recebido ou tomado conhecimento da comunicação de despedimento, não pode o empregador, por vontade unilateral, dar sem efeito aquele, sem prejuízo, naturalmente, de as partes acordarem em dar sem efeito o despedimento que havia sido efectuado e comunicado pelo empregador, atendendo ao princípio da liberdade contratual (artigo 405.º, do Código Civil), hipótese que no caso não se coloca.
Nos termos do preceituado no artigo 236.º do Código Civil, “[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante”. Acolhe este preceito a denominada doutrina objectivista da “impressão do destinatário”, segundo a qual a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria, sendo que, de acordo com o n.º 2 do mesmo preceito, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece, ainda que haja divergência entre ela e a declarada, resultante da aplicação da teoria do destinatário.
Como sublinham Pires de Lima e Antunes Varela, “[a] normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante11.
Analisando os termos da comunicação formal entregue pelo empregador ao trabalhador no dia 6 de Março de 2023 (transcrita no facto 8.), verificamos que na mesma não se comunica a necessidade de extinção do posto de, como prescreve o artigo 369.º do CT, mas a própria extinção do posto de trabalho, enquanto facto consumado. O assunto da missiva é justamente “comunicação de extinção do posto de trabalho” e o que nela é comunicado ao recorrido é a “extinção do seu posto de trabalho de Assistente Técnico Administrativo” afirmando-se que tal é “com efeitos a partir do dia 5 de abril de 2023”, assim se situando no tempo a data da eficácia da declaração negocial extintiva, com a inerente cessação da relação contratual.
Dúvidas houvesse de que assim era, os termos subsequentes da missiva clarificam a um declaratário normal colocado na posição de um trabalhador como o recorrido (que estava a ser reintegrado no seu posto de trabalho) ser essa a data em que a recorrente pretende se situe a cessação do contrato de trabalho que comunica, na medida em que afirma, após, o seguinte: “Não obstante a presente comunicação só produzir efeitos a partir da supra referida data, a DECM comunica-lhe ainda, que V. Exa. se encontra desde já desobrigado de comparecer ao seu posto de trabalho durante o período que dista entre a presente comunicação e a supra referida data em que esta comunicação produzirá efeitos, sem prejuízo dos respectivos direitos laborais de V. Exa.. Mais se comunica a V. Exa. que nos termos do legalmente imposto à DECM, o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho será efectuado em breve pelo respectivos serviços da DECM e sempre até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido”.
Ou seja, não só se explica que a “presente comunicação” (não qualquer outra, eventual e subsequente) produz efeitos a partir daquela data (“5 de abril de 2023”), como se antecipam para 6 de Março de 2023 efeitos geralmente associados à extinção do vínculo – a inexistência de obrigação de comparecer no posto de trabalho –, como ainda se clarifica que a data acima referida (recorde-se, “5 de abril de 2023”) é a do termo do prazo de aviso prévio, ou seja, a data da cessação do contrato de trabalho, até à qual deve ser efectuado o pagamento “dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho”, tal como refere o n.º 4 do artigo 371.ºdo Código do Trabalho (que rege sobre a decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho).
Da indicada declaração de 6 de Março de 2023, retira-se, pois: em primeiro lugar, a decisão do empregador, inequívoca e actual, de extinguir o posto de trabalho do trabalhador; em segundo lugar, que a extinção do contrato de trabalho ali comunicada tem efeitos a 5 de Abril de 2023.
Sendo este o sentido interpretativo que se retira do exarado em termos substanciais na carta em causa, não tem qualquer relevo a alusão formal nela feita ao artigo 369.º do Código do Trabalho, cuja prescrição o conteúdo da missiva não revela.
Acresce que o recorrido assim o entendeu – como a nosso ver o entenderia qualquer trabalhador/declaratário normal, na sua concreta situação – vindo a requerer a suspensão judicial despedimento por extinção do posto de trabalho de que se julgou alvo com a “comunicação de despedimento12 de 6 de Março de 2023, logo no subsequente dia 13 de Março, data da instauração da presente providência cautelar (vide o facto 9.).
É de notar que a recorrente vem apenas no dia 28 de Março de 2023, já depois de instaurada a providência cautelar, a entregar uma nova carta ao recorrido em que diz comunicar a sua decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, desta feita “com efeitos a partir de 28 de abril de 2023”, voltando na mesma a referir que “até ao termo do prazo de aviso prévio acima referido” (agora “28 de abril de 2023”) será efectuado o pagamento “da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho” (facto 11.), o que configura uma actuação contraditória, um emendar de mão irrelevante, na medida em a primeira comunicação que o trabalhador recepcionou foi uma declaração do empregador no sentido de pôr fim à relação laboral por extinção do posto de trabalho, comunicação que produziu os seus efeitos, nomeadamente os atinentes à cessação do contrato de trabalho.
Recorde-se que o despedimento configura uma declaração unilateral (uma vez que, para a produção dos seus efeitos, não carece da aceitação do trabalhador), é receptícia (já que se torna eficaz, produzindo os seus efeitos, a partir do momento em que é recebida ou se torna cognoscível pelo destinatário, no caso, o trabalhador, nos termos do artigo 224.º do Código Civil) e torna-se irrevogável a partir do momento em que é recebida (só ficando sem efeito se a retratação do empregador for recebida ou se tornar conhecida do trabalhador antes ou ao mesmo tempo que a declaração de despedimento, nos termos do disposto no artigo 230.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil)13.
A tal eficácia não obsta o facto de a efectiva cessação do contrato de trabalho ser diferida pelo declarante para momento posterior ao do recebimento da decisão por parte do trabalhador. Assim, ainda que a efectiva cessação do contrato de trabalho, aliás por imposição legal da necessidade de observância de aviso prévio, se situe em momento posterior, a comunicação do despedimento produziu efeitos logo que chegou ao conhecimento do recorrido.
É, pois, irrelevante que, no caso, a recorrente ainda antes do termo do aviso prévio, mas já após a receção, pelo recorrido da comunicação da decisão do despedimento, tenha comunicado uma nova decisão de despedimento com eficácia para data posterior à eficácia da extinção do posto de trabalho inicialmente comunicada (facto 11.). Nos termos do artigo 230.º, n.º 1, do Código Civil, a decisão da extinção do posto de trabalho e inerente cessação contratual no dia 5 de Abril de 2023 tornou-se irrevogável com a sua recepção pelo trabalhador no dia 6 de Março de 2023, acarretando que a comunicação ulterior da recorrente seja totalmente inócua e despida de eficácia jurídica.
Assim, não tendo o despedimento em que se consubstancia a comunicação de 6 de Março de 2023 sido precedido do respectivo procedimento, forçosamente terá que se considerar que existe uma probabilidade forte da sua ilicitude nos termos do preceituado no artigo 381.º, alínea c), do Código do Trabalho, com as consequências daí decorrentes no que concerne à procedência da pretendida suspensão de despedimento.
Nesta sequência, impõe-se concluir pela improcedência, nesta parte, das conclusões das alegações de recurso, mostrando-se prejudicada a apreciação dos demais fundamentos de ilicitude do despedimento que a sentença sob recurso analisou em obter dictum – cfr. o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
*
5.3. Cabe a este passo enfrentar a questão de saber se deveria ter sido determinada a reintegração cautelar do recorrido ao serviço da recorrente.
A apelante questiona os efeitos jurídicos associados à suspensão de despedimento decretada pelo tribunal da 1.ª instância – reintegração, pagamento da retribuição e demais prestações devidas ao trabalhador, bem como sanção pecuniária compulsória –, defendendo que, se a impugnação do despedimento for declarada improcedente, ao impor à empregadora a obrigação de reintegração do trabalhador está a obrigar a empregadora a aceitar o trabalho que, segundo ela, já deixou de fazer sentido na organização produtiva da mesma, e a gerar a obrigação de pagamento de retribuição ao trabalhador, cujos montantes serão dificilmente recuperados por parte da empregadora, comprometendo o efeito útil da eventual decisão final favorável à empregadora.
A esta argumentação expendida pela recorrente, respondeu o próprio legislador com a possibilidade – que admitiu conforme resulta claramente dos artigos 33.º-A e 39.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo do Trabalho – de ser requerido o procedimento cautelar de suspensão de despedimento em “qualquer modalidade de despedimento por iniciativa do empregador, seja individual, seja coletivo, e independentemente do modo ou da forma da comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento”, vg. nos casos de extinção do posto de trabalho.
Em qualquer destes casos é possível que a acção principal de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento venha a ser declarada improcedente, hipótese em que, naturalmente, ao impor-se à empregadora a obrigação de reintegração do trabalhador, mesmo provisoriamente, se está a obrigar a mesma a aceitar o trabalho que segundo ela, já deixou de fazer sentido na sua organização produtiva, e a pagar a retribuição ao trabalhador, ainda que haja posteriormente dificuldade na recuperação dos respectivos montantes.
Todas estas circunstâncias são expectáveis e com elas o legislador se conformou, considerando que não comprometem o efeito útil de uma eventual decisão final favorável à empregadora na acção principal, nem são de molde a negar-se a tutela cautelar a trabalhadores que se considerem ilicitamente despedidos, não obstando à possibilidade de se decretar a providência cautelar desde que se prefigure ao juiz a “probabilidade séria de ilicitude do despedimento”, nos termos previstos no artigo 39.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Nada obstava, pois, a que se determinasse a reintegração do recorrido como decorrência directa da decretada suspensão de despedimento, uma vez preenchidos os respectivos proessupostos legais, como in casu acontece.
Improcede o recurso, também neste aspecto.
*
5.4. Questiona ainda a recorrente a aplicação da sanção pecuniária compulsória, por considerar que não estamos perante uma obrigação de prestação de facto infungível.
Estabelece o artigo 829.º A, n.º 1, do Código Civil que “[n]as obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso”.
A sanção pecuniária compulsória a que alude o artigo 829.º A, n.º 1, do Código Civil, é exclusiva das prestações de facto, positivo ou negativo, de natureza infungível.
Por contraposição à prestação de facto fungível a que aludem os artigos 767.º, n.º 1, e 828.º do Código Civil, que é a regra no domínio do cumprimento das obrigações, a prestação de facto infungível é aquela cujo cumprimento não pode ser realizado por terceiro. Só o devedor pode cumprir a obrigação, admitindo-se, contudo, que possa socorrer-se de colaboradores ou auxiliares, caso em que aquele é responsável pelos actos destes, ressalvada a possibilidade de acordo prévio no sentido da exclusão ou limitação da responsabilidade desde que os actos não comportem violação de deveres impostos por normas de ordem pública (cfr. artigo 800.º do Código Civil)14. O critério que preside à diferença entre prestação fungível e infungível reconduz-se, na prática, em aferir se o cumprimento por terceiro é, ou não, possível. Se o é, a prestação é fungível. Se o não é, a prestação é infungível15.
Ora não vemos como pode um terceiro – uma pessoa distinta do empregador que detém a organização de meios no âmbito da qual o trabalhador exerce as suas funções profissionais vinculado por um contrato de trabalho justamente ao empregador – cumprir a obrigação de reintegração do trabalhador para executar a sua actividade laboral ao serviço do empregador e sob as respectivas ordens, direcção e fiscalização. Trata-se no caso de uma infungibilidade natural, relacionada com a própria natureza da prestação e com as especificidades da relação contratual estabelecida entre as partes, que impossibilita que a obrigação de reintegração seja cumprida por um terceiro ao vínculo laboral.
Nada obstava, pois, a que fosse fixada no caso vertente uma sanção pecuniária compulsória.
Não se mostrando questionada a razoabilidade do montante diário arbitrado (€100,00 diários), nem o modo de contabilizar os dias em que a sanção pecuniária é devida (sem contabilizar os dias de descanso semanal, obrigatório e complementar), resta julgar improcedente a apelação, também no que concerne à sanção pecuniária compulsória.
*
5.5. Ficando vencida no recurso que interpôs, incumbiria à recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Tendo em consideração, contudo, que se mostra por ela paga a taxa de justiça e que o recorrido não contra-alegou, pelo que não teve despesas com o recurso (artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), não há lugar a custas.
*
6. Decisão
*
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento à apelação, confirmando a decisão recorrida.
Não há lugar a custas.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Lisboa, 10 de Abril de 2024
Maria José Costa Pinto
Francisca Mendes
Paula Penha
_______________________________________________________
1. Vide Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais”, Coimbra, 2012, 4.ª Edição Revista e atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012, p. 855.
2. In Suspensão de Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares No Processo do Trabalho, Novo Regime - Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, Coimbra, 2010, pp. 11 e 12 e 66.
3. Publicado no DR n.º 55, Série I, de 18 de Março de 2016 e também citado na decisão recorrida.
4. Constantes do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 38/2003, de 08 de Março, Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, com a Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de Novembro, Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, Lei 55/2017, de 17 de Julho, Lei n.º 73/2017, de 16 de Agosto e Lei n.º 107/2019, de 09 de Setembro. O Código de Processo do Trabalho foi, entretanto, alterado pela Lei n.º 13/2023, de 03 de Abril.
5. Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida, in Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1985, p. 257.
6. António Abrantes Geraldes, in Suspensão de Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares No Processo do Trabalho, Novo Regime - Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, Coimbra, 2010, p. 58.
7. Vide João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – À Luz do novo Código do Trabalho, Coimbra, 2009, p. 391 e Júlio Vieira Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I - Relações Individuais de Trabalho, Coimbra, 2007, p. 989.
8. Vide João Leal Amado, Milena Rouxinol, Joana Nunes Vicente, Catarina Gomes Santos e Teresa Coelho Moreira, in Direito do trabalho – Relação Individual, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra, 2023, pp. 1338 e ss.
9. In Direito do Trabalho, 3.ª Edição, Coimbra, pp. 952-953.
10. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.02.27 e de 2008.10.22, Recursos 07S4479 e 08S1034, respectivamente, in www.dgsi.pt.
11. In Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 3.ª Edição, p. 223.
12. Assim a apelida nos artigos 12.º e 17.ºdo requerimento inicial.
13. É de notar que o legislador previu a possibilidade de arrependimento por parte do trabalhador quando faça cessar o contrato de trabalho (artigo 402.º) e não previu nada semelhante quando a cessação ocorra por iniciativa do empregador.
14. Vide Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Volume I, Coimbra, 2017, p. 86.
15. Vide João Calvão da Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 4.ª Edição, Coimbra, 2002, p. 367.