COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Sumário

I. Para aferir a competência material do tribunal importa atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados.
II. Perspectivando o autor a ação a partir da existência de um contrato de trabalho entre si e o réu, reconhecido pelas partes, que em documento avulso acordaram sobre a existência do mesmo, a data do início da relação laboral, a suspensão do contrato, bem como previram a sua cessação e ainda o direito do trabalhador a determinadas prestações futuras, a ação reporta-se a uma relação de trabalho subordinado, sendo competente para conhecê-la o tribunal laboral.
(sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autor (A.): AA.
Réu (R.) e recorrente: Banco BB, SA.
O A. demandou o R. alegando designadamente a violação de um acordo celebrado entre ambos, nos termos do qual se reconheceu a existência de uma relação de trabalho subordinado e pedindo a final que seja
a. declarado o incumprimento, por parte do Réu, da obrigação assumida na Cláusula 8.ª do Acordo celebrado com o Autor; E, em consequência,
b. o Réu condenado a reintegrar o Autor no Plano 2 – Plano de Pensões de Benefício Definido previsto no Regulamento do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, com início reportado a Setembro de 2021 e com todas as consequências daí resultantes. Ou, caso tal não se mostre possível e a título subsidiário,
c. o Réu condenado a pagar ao Autor o montante de € 1.200.418,86 a título de indemnização, para ressarcimento dos danos patrimoniais provocados ao A. com a violação da obrigação de meios constantes da cláusula 8.ª do Acordo, acrescidos de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação. Ou, no limite, caso assim não se entenda e a título subsidiário,
d. o Réu condenado a pagar ao Autor, até ao dia 28 de Fevereiro de cada ano, a diferença entre os €240.000,00 anuais a que este tinha direito e o valor anual que o Autor vier efectivamente a receber a título de pensão de reforma, de acordo com o declarado anualmente pela entidade gestora do Fundo de Pensões.
*
No saneador o Tribunal recorrido lavrou a seguinte decisão (na parte relevante):
“Da excepção dilatória da competência material do Tribunal:
1. Em sede de contestação veio o réu arguir a incompetência material do Juízo de Trabalho de Lisboa, alegando para o efeito que, a causa de pedir desta acção emerge da alegada violação do réu da obrigação deste nada fazer que possa prejudicar as expectativas do autor vir a ter uma pensão global anual de € 240.000,00 e, por isso a alegada impossibilidade de o réu poder promover a alteração do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, obrigação e impossibilidade que são autónomas da relação de trabalho subordinado que em tese vigorou entre os dois, tendo antes a ver com as funções de vogal do Conselho de Administração que aquele exerceu entre Junho de 1994 e Outubro de 2018 .
O autor respondeu pugnando pela competência dos tribunais do trabalho.
2. Conforme se escreve no ponto I do sumário doutrinal do Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 11.07.2000, proferido no Conflito n.º 000318, disponível em www.dgsi.pt/jcon, “a determinação do tribunal materialmente competente para o conhecimento da pretensão deduzida pelo autor ou requerente deve partir do teor desta pretensão e dos fundamentos em que se estriba, sendo, para este efeito, irrelevante o juízo de prognose que se possa fazer relativamente à viabilidade da mesma (por se tratar de questão atinente ao mérito da pretensão), mas sendo igualmente certo que o tribunal não está vinculado às qualificações jurídicas efectuadas pelo requerente ou autor.”
Há, assim, que ter em conta, para aferir da competência do tribunal, os pedidos formulados, bem como a causa de pedir em que os mesmos se fundam (cf. Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Ed., 1979, a pág. 91).
A competência material dos tribunais civis é aferida, por critérios de atribuição positiva, de acordo com os quais pertencem à competência do tribunal civil todas as causas cujo objecto seja uma situação jurídica regulada pelo direito privado, nomeadamente, civil ou comercial, e por critérios de competência residual, nos termos dos quais se incluem na competência dos tribunais civis todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são, legalmente, atribuídas a nenhum outro tribunal.
Assim, os tribunais judiciais são os tribunais com competência material residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio plasmado no artigo 64º, do Código de Processo Civil (CPC), quando dispõe que, “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
Dispõe o artigo 126º, da Lei n.º 62/2013, de 26.08., que compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, entre outros, das questões emergentes de relações de trabalho subordinado (al. b)) das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementariedade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente (al. n)) e das demais questões que por lei lhe sejam atribuídas.
Resulta dos autos que o autor fundamenta a sua pretensão no incumprimento pelo réu do Acordo consigo celebrado em que lhe reconheceu a existência de uma relação de trabalho e acordou quanto à cessação desse mesmo contrato, no pressuposto de aquando da respectiva reforma ascender a uma pensão global anual de €240.000.
Com base nesta fundamentação formulou os seguintes pedidos:
a. Seja declarado o incumprimento, por parte do réu, da obrigação assumida na Cláusula 8.ª do Acordo celebrado com o autor;
E, em consequência,
- Seja o réu condenado a reintegrar o autor no Plano 2 – Plano de Pensões de Benefício Definido previsto no Regulamento do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, com início reportado a Setembro de 2021 e com todas as consequências daí resultantes,
Ou, caso tal não se mostre possível e a título subsidiário,
b. Seja o réu condenado a pagar ao autor o montante de €1.200.418,86 a título de indemnização, para ressarcimento dos danos patrimoniais provocados ao autor com violação da obrigação de meios constantes da cláusula 8.ª do Acordo, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação;
Ou, no limite, caso assim não se entenda e a título subsidiário,
c. Seja o réu condenado a pagar ao autor, até ao dia 28 de Fevereiro de cada ano, a diferença entre os €240.000,00 anuais a que este tinha direito e o valor anual que o autor vier efectivamente a receber a título de pensão de reforma, de acordo com o declarado anualmente pela entidade gestora do Fundo de Pensões.
Cumpre assim aferir se o litígio que opõe as partes se reconduz ou não a questões de relações de trabalho subordinado.
Ora, no caso estamos perante uma causa de pedir complexa, que inclui factos que estão relacionados com uma relação de trabalho subordinada que o réu reconheceu no Acordo em discussão nos autos.
Donde resulta que se insere a pretensão do autor quanto à competência material deste Tribunal no artigo 126.º, n.º 1, da lei acima citada.
Por conseguinte, torna-se forçoso concluir que os tribunais do trabalho são competentes em razão da matéria para dos pedidos formulados pelo autor nesta acção.
3. Pelos fundamentos expostos, julgo improcedente a excepção dilatória da incompetência deste Juízo de Trabalho em razão da matéria.
Notifique.
Registe”.
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Não se conformando, o R. apelou, formulando as seguintes conclusões:
1. O recurso tem por objeto a douta decisão (de 22.06.2023) que “julga improcedente a exceção dilatória da incompetência deste Juízo do Trabalho em razão da matéria”.
2. O Tribunal a quo coloca a hipótese de ser competente para conhecer as questões suscitadas nestes autos ao abrigo da alínea b) ou da al. n) do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ, mas conclui que é competente, em razão da matéria, nos termos do n.º 1 do referido art.º 126.º, porque “estamos perante uma causa de pedir complexa, que inclui factos que estão relacionados com uma relação de trabalho subordinada que o réu reconheceu no Acordo em discussão nos autos”, sem que se compreenda se o tribunal a quo será competente ao abrigo da alínea b) ou da alínea d) da referida disposição legal.
3. Consequentemente, o Tribunal a quo não logrou convencer o Réu de que é competente, em razão da matéria, ao abrigo do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ, para conhecer a presente ação judicial, em função do que o Réu reitera o seu entendimento de que este Juízo do Trabalho deve ser considerado incompetente, em razão da matéria.
4. O art.º 126.º, n.º 1, da LOSJ, elenca as questões sobre as quais compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível.
5. Sendo manifesto que as questões suscitadas nestes autos não se reconduzem a qualquer uma das alíneas a), c) a m) e o) a s), resta averiguar se as mesmas se reconduzem ao disposto na al. b) ou ao disposto na al. n) do art.º 126.º, n.º 1 da LOSJ.
6. Do cotejo entre as al. b) e n) resulta evidente que a al. b) não abrange todas e quaisquer “questões emergentes de relações de trabalho subordinado”, pois se assim fosse, ficaria por justificar a previsão constante da alínea n).
7. Conforme o acórdão do STJ de 16.11.2010 supra citado, «é forçoso reconhecer que as "questões" elencáveis na alínea b) são apenas aquelas que possam integrar o núcleo essencial (que não acessório, complementar ou dependente) da relação de trabalho. Por isso, torna-se mister averiguar aquilo que confere a uma determinada “questão” um cariz inequivocamente laboral».
8. Salvo melhor opinião, a causa de pedir e os pedidos formulados nesta ação não emergem da relação de trabalho subordinado que, em tese, existiu entre o Autor e o Réu, não derivam do núcleo essencial dessa relação virtual.
9. Entendemos que a causa de pedir e os pedidos formulados nesta ação emergem da alegada violação do Réu da obrigação de “nada fazer que possa prejudicar as expetativas de CGJM (o Autor), de vir a haver uma pensão global anual de €240.000,00”; emergem da alegada impossibilidade de o Réu não poder promover a alteração do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, obrigação e impossibilidade que são autónomas da relação de trabalho subordinado que, em tese, vigorou entre o A. e o Réu, tendo antes a ver com as funções de vogal do Conselho de Administração que o Autor exerceu no Réu entre junho de 1994 e outubro de 2018.
10. A causa de pedir não emerge do contrato do trabalho que só em tese vigorou entre as partes, entre 1 e 30 de junho de 1994 e entre 8 de outubro e 31 de dezembro de 2018 – emerge, isso sim, em derradeira análise, de uma relação de âmbito puramente cível, ancorada na relação que existiu entre o A. e o Réu, entre junho de 1994 e outubro de 2018, no âmbito da qual o Autor exerceu as funções de vogal do Conselho de Administração do Réu (salientando-se que o alegado contrato de trabalho esteve suspenso desde janeiro de 2019 até à data da sua cessação, em 31.08.2021).
11. É o próprio Autor que dá a conhecer nos autos que manteve com o Réu dois tipos de relações contratuais:
i) uma relação laboral, entre 1 e 30 de junho de 1994 e entre 8 de outubro de 31 de dezembro de 2018, tendo esta relação laboral ficado suspensa entre 01.01.2019 e a data da sua cessação, em 31.08.2021;
ii) e uma relação de âmbito puramente cível, enquanto exerceu as funções de vogal do Conselho de Administração no Réu, entre junho de 1994 e 8 de outubro de 2018.
12. E o próprio A. encarrega-se de demonstrar que não está em causa o Plano 1 do Fundo de Pensões do Banco BB, SA (“correspondente ao regime do ACT do setor bancário”) mas sim o Plano 2 (“aplicável apenas a um grupo limitado de colaboradores, designadamente Administradores Executivos (…)”), conforme, nomeadamente, artigos 34.º e 54.º a 79.º da p.i.
13. Assim, o que se discute nestes autos não tem a ver com a relação laboral que o Réu reconheceu ter existido (a título de “concessão de carácter transacional”, conforme cl.ª 2.ª do Acordo), nem com o Plano 1 do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, corresponden-te ao regime do ACT do setor bancário – o que importa decidir nestes autos tem a ver, em exclusivo, com o Plano 2 do referido fundo de pensões e com a circunstância de o Autor ter exercido as funções de administrador do Réu entre 1994 e 2018.
14. É certo que, como o A. salienta na resposta à exceção de incompetência deste tribunal oportunamente deduzida pelo Réu, o acórdão do STJ de 16.11.2010 supra citado conclui pela competência do Tribunal do Trabalho num caso em que se discute o direito a um complemento de reforma – mas também é certo que nesse caso o direito ao complemento de reforma emerge de uma relação laboral, ao passo que no caso sub judice a causa de pedir não tem a ver com a relação laboral que, em tese, existiu entre o A. e o Réu, tendo a ver com o cargo de administrador que o Autor exerceu no Réu entre 1994 e 2018.
15. Face ao exposto entende-se que, salvo melhor opinião, o Juízo do Trabalho de Lisboa não é competente, em razão da matéria, para apreciar as questões suscitadas nestes autos, seja ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ, na medida em que as questões não emergem de qualquer relação de trabalho; seja ao abrigo da al. n) da mesma disposição legal, na medida em que para que o Juízo do Trabalho fosse competente, ao abrigo do referido normativo legal, seria necessário que os pedidos formulados pelo A. se cumulassem “com outro para o qual o juízo seja diretamente competente”.
Remata pedindo que seja concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, substituída por outra que declare o Juízo do Trabalho de Lisboa incompetente, em razão da matéria, para conhecer das questões suscitadas nos autos, com todas as consequências legais.
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O A. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
A. A competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da relação jurídica controvertida tal como é configurada pelo Autor, em termos do pedido e da causa de pedir e da própria natureza dos sujeitos processuais.
B. No caso sub judice a acção foi configurada pelo Recorrido tendo em consideração o seguinte:
i. relação de natureza laboral entre Recorrido e Recorrente (cf. art.º 1.º a 12.º da PI, petição inicial, e doc. 4 junto com a PI);
ii. incumprimento do Acordo que tem por objecto a relação contratual e as consequências da sua cessação – cf. artigos 13.º a 53.º da PI;
iii. prejuízos do Recorrido por violação do Acordo – cf. art.º 54.º a 79.º da PI.
C. A causa de pedir do Recorrido assenta no seguinte:
i. no reconhecimento por parte do Recorrente de uma relação jurídica de natureza laboral (cf. artigo 1.º, 6.º, 8.º e 9.º da Petição Inicial);
ii. em virtude dessa relação jurídica de natureza laboral foi celebrado o acordo junto como doc. 4 com a PI (cf. 5.º a 12.º da PI);
iii. o referido acordo tem três capítulos, sendo que o capítulo III refere-se à cessação do contrato de trabalho (cf. Capítulo III do doc. 4 junto com a PI);
iv. a antiguidade a que se atende para efeitos do cálculo da pensão de reforma do Recorrido é aquela que detém na qualidade de trabalhador (cf. n.º 1 da cl.ª 8.ª do doc. 4 junto com a PI); e
v. foi tendo subjacente essa antiguidade que o R. se obrigou a nada fazer para alterar a pensão anual global do A./Recorrido de €240.000,00 (cf. parte final do n.º 1 da cláusula 8.º do doc. 4 junto com a PI).
D. Os pedidos formulados pelo Recorrido subsumem-se ao seguinte:
a. Ser declarado o incumprimento, por parte do Réu, da obrigação assumida na Cláusula 8.ª do Acordo celebrado com o Autor. E em consequência,
b. ser o Réu condenado a reintegrar o Autor no Plano 2 – Plano de Pensões de Benefício Definido previsto no Regulamento do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, com início reportado a Setembro de 2021 e com todas as consequências daí resultantes. Ou, caso tal não se mostre possível e a título subsidiário,
c. ser o Réu condenado a pagar ao A. o montante de € 1.200.418,86 a título de indemnização, para ressarcimento dos danos patrimoniais provocados ao A. com a violação da obrigação de meios constantes da cláusula 8.ª do Acordo, acrescidos de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação. Ou, no limite, caso assim não se entenda e a título subsidiário,
d. ser o Réu condenado a pagar ao A., até ao dia 28 de Fevereiro de cada ano, a diferença entre os €240.000,00 anuais a que este tinha direito e o valor anual que o Autor vier efectivamente a receber a título de pensão de reforma, de acordo com o declarado anualmente pela entidade gestora do Fundo de Pensões.
Sem a pré-existência da relação laboral não teria sido celebrado um acordo que tem por objecto, entre outros, a cessação do contrato de trabalho que vigorou entre o Recorrente, e o Recorrido não teria direito a uma pensão de reforma decorrente do Fundo de Pensões do Banco BB, SA na qualidade de trabalhador.
F. Daqui resulta que a questão discutida nestes autos emerge/decorre da cessação da relação laboral existente entre o R. e o A., subsumindo-se à al. b) do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ.
G. E, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que sempre seriam competentes os Juízos do Trabalho ao abrigo da al. n) do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ, tal como concluiu e bem o Tribunal a quo, uma vez que no presente caso:
i. O pedido formulado pelo Recorrido na al. a) refere-se ao incumprimento de um Acordo que tem na génese uma relação laboral entre Recorrido e Recorrente e, bem assim, a alteração do plano do Fundo de Pensões aplicável ao primeiro.
Em consequência, estamos perante sujeitos de uma relação jurídica de trabalho;
ii. O pedido do A. sob a al. b. tem por objecto a sua reintegração no Plano 2 do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, ou seja, cumula-se com outro para o qual o juízo seja directamente competente. Neste caso, os pedidos referentes aos Fundos de Pensões são da competência dos Juízos de Trabalho nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ.
H. Assim, atendendo à configuração da acção pelo Recorrido, à causa de pedir e aos pedidos o Tribunal a quo, concluiu e bem pela improcedência da excepção dilatória de incompetência material, sendo, assim, competentes os Juízos do Trabalho competen-tes nos termos da al. n) e s) do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ.
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O DM do MºPº emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, entendendo que, no caso,
“- Desde 1 de junho de 1994, recorrente e recorrida estão vinculados por contrato;
- Entre 30 de junho de 1994 e 8 de outubro de 2018, o recorrido exerceu as funções de Vogal do Conselho de Administração da recorrente;
- Em 9 de outubro de 2018, recorrente e recorrido acordaram que:
O contrato que os unia desde 1 de junho de 1994 era um contrato individual de trabalho, com todas as consequências legais;
Aplicava-se-lhe o ACT para o setor bancário;
- A antiguidade do recorrido ficou reportada a 1 de janeiro de 1988, estritamente para efeitos de reforma;
- O contrato de trabalho esteve suspenso entre 30 de junho de 1994 e 8 de outubro de 2018, em virtude de o recorrido ter exercido as funções de Vogal do Conselho de Administração da recorrida;
A execução do contrato de trabalho retomou-se a 9 de outubro de 2018, com as seguintes especificações:
- O recorrido era, no que se refere à sua categoria profissional, requalificado como Senior Managing Director, com o nível XVIII do ACT dos bancários;
- Passaria a auferir de uma retribuição anual bruta de €240.000,00, assim composta: Retribuição base €7.450,00; Retribuição complementar € 9.123,83; Diuturnidades € 569,00;
- O contrato voltaria a estar suspenso até à sua cessação por reforma do recorrido, nos seguintes termos:
- O recorrido ficava dispensado do dever de assiduidade e de prestar qualquer trabalho;
- Sem perda:
- Do direito à retribuição,
- De continuar:
- A beneficiar das regalias sociais previstas no ACT de que já beneficiava, incluindo os serviços médicos providenciados através do SAMS QUADROS, extensíveis ao cônjuge,
- A utilizar a viatura que lhe estava distribuída;
- Do direito a uma pensão de velhice, à data da reforma, no valor anual bruto de €240.000,00, atualizável nos termos aplicáveis às restantes;
- Para si, a uma pensão de invalidez sendo caso disso, e a pensão de sobrevivência para si e para o seu cônjuge;
- Recorrente e recorrido continuavam adstritos aos direitos e deveres, que não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho, decorrentes e pertinentes ao contrato de trabalho que os unia;
- Este contrato de trabalho cessou, por reforma do recorrido, em 31 de agosto de 2021.
- O Fundo de Pensões da recorrente era constituído por dois Planos:
- Plano 1 — correspondente ao previsto nas cláusulas 94ª a 103ª do ACT para o setor bancário,
- Plano 2, complementar do plano 1, com um limite máximo de €240.000,00 para as pensões abrangidas;
- O recorrido, através daquele acordo, foi referenciado ao Plano 2;
- Em virtude de reestruturação que executou, a recorrente alterou o contrato constitutivo do Fundo de Pensões, alterações essas aprovadas ASF, em 22 de dezembro de 2020;
Essas alterações provocaram diminuição no valor anual bruto da reforma por velhice do recorrido;
Consequentemente, o recorrido pede que o Tribunal reconheça que a R. incumpriu o contrato, e a condene a reintegrá-lo no Plano 2 previsto no Regulamento do Fundo de Pensões da recorrente.
O certo é que, desde 9 de outubro de 2018, recorrente e recorrido assentaram que estavam unidos por contrato de trabalho, com início a 1 de junho de 1994 (e suspenso por força das funções que o recorrido desempenhou entre 30 de junho de 1994 e 8 de outubro de 2018), não obstando a esta caracterização, o facto de o contrato, no que se refere à efetiva prestação de trabalho, se suspender, (a suspensão do contrato de trabalho está prevista no Código de Trabalho).
Este acordo, enquanto alteração ao contrato que os unia, passa a integrar o contrato de trabalho.
Ao pedir que se reconheça que a recorrente incumpriu o acordo, mais não pede o recorrido que se reconheça que a recorrente incumpriu as alterações acordadas ao contrato de trabalho.
Nada impede que as partes apliquem ao seu contrato de trabalho, mecanismos, em vigor na empresa, que em princípio se apliquem a outras categorias de profissionais ao seu serviço, que não trabalhadores.
Assim, em nosso entender, o foro laboral é materialmente competente, nos termos do art.º 126º nº 1 al. b) e n) da Lei nº 162/2013, para conhecer do feito”.
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Respondeu o R. que
(O raciocínio do parecer não o convence porque) “não se compreende se:
i) o foro laboral será competente ao abrigo da al. b) do art.º 126.º/1 da Lei n.º 62/2013, segundo a qual os juízos do trabalho são competentes para conhecer, em matéria cível, "das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações com vista à celebração de contratos de trabalho";
ii) ou se será competente ao abrigo da alínea n) da mesma disposição legal, segundo a qual os juízos do trabalho são competentes para conhecer, em matéria cível, "das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente".
Por outras palavras: o juízo do trabalho será competente para conhecer as questões suscitadas nestes autos por se tratar de questões emergentes de relações de trabalho subordinado, conforme art.º 126.º/1/b) da Lei n.º 62/2013? Ou o juízo do trabalho será competente para conhecer as questões suscitadas nestes autos por se tratar de questões emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumular com outro para o qual o juízo é diretamente competente, conforme art.º 126.º/1/n) da Lei n.º 62/2013?
Ao sustentar que, ao pedir-se que se reconheça que o Recorrente incumpriu o acordo mais não se pede do que o reconhecimento que incumpriu as alterações acordadas no contrato de trabalho, o Ministério Público parece defender que o foro laboral é competente para conhecer as questões suscitadas nestes autos por força do disposto na al. b) do art.º 126.º/1 da Lei 62/2013 — mas então fica por compreender porque é que o foro laboral também será competente por força da alínea n) da mesma disposição legal.
Detendo-nos em particular no argumento base do (parecer) — segundo o qual "ao pedir que se reconheça que a recorrente incumpriu o acordo, mais não pede o recorrido que se reconheça que a recorrente incumpriu as alterações acordadas no contrato de trabalho" — reiteramos os seguintes argumentos:
É o próprio A. que dá a conhecer nos autos que manteve com o Recorrente dois tipos de relações contratuais: uma relação laboral, entre 1 e 30 de junho de 1994 e entre 8 de outubro de 31 de dezembro de 2018, tendo esta relação laboral ficado suspensa entre 01.01.2019 e a data da sua cessação, em 31.08.2021; e uma relação de âmbito puramente cível, enquanto exerceu as funções de vogal do Conselho de Administração no R., entre junho de 1994 e 8 de outubro de 2018.
E o próprio Recorrido encarrega-se de demonstrar que não está em causa o Plano 1 do Fundo de Pensões do Banco BB, SA ("correspondente ao regime do ACT do setor bancário") mas sim o Plano 2 ("aplicável apenas a um grupo limitado de colaboradores, designadamente Administradores Executivos (...)"), conforme, nomeadamente, art.º 34.º e 54.º a 79.º da p.i.
Por consequência, o que se discute nestes autos não tem a ver com a relação laboral que o A. reconheceu ter existido (ainda que a título de "concessão de carácter transacional", conforme cláusula 2.a do Acordo), nem tem a ver com o Plano 1 do Fundo de Pensões do Banco BB, SA, correspondente ao regime do ACT do setor bancário — o que importa decidir nestes autos tem a ver, em exclusivo, com o Plano 2 do referido fundo de pensões e com a circunstância de o A. ter exercido as funções de administrador do Réu entre 1994 e 2018.
Assim, (…) não é correto afirmar que o que se pede é que se reconheça que o R. incumpriu as alterações acordadas no contrato de trabalho: o que se pede (…) é que se reconheça que o Recorrente incumpriu a obrigação assumida na cláusula 8.a do acordo de 09.10.2018 (doc. 4 da p.i.), a qual não tem a ver com a relação laboral que existiu entre as partes, nem com o Plano 1 do Fundo de Pensões do Banco BB, SA ("correspondente ao regime do ACT do setor bancário") mas sim com a relação puramente cível que também existiu entre as partes (exercício das funções pelo A. do cargo de vogal do Conselho de Administração do Réu) e o Plano 2 do Fundo de Pensões, "aplicável apenas a um grupo limitado de colaboradores, designadamente Administradores Executivos", conforme, nomeadamente, art.º 34.º e 54.º a 79.º da p.i.
Dito de outra forma: o acordo de 09.10.2018 tem disposições que dizem respeito à relação laboral e outras que dizem respeito em exclusivo à relação puramente cível, "extra-laboral", relativa ao exercício de funções de administração no banco Recorrente; estando em causa, nestes autos, o alegado incumprimento de disposição do acordo relativa apenas à relação "extra-laboral", entende-se que os juízos do trabalho não são competentes para conhecer deste alegado incumprimento, ao abrigo da al. b) do art.º 126.º/1 da Lei n.º 62/2013, nem, tão-pouco, ao abrigo da al. n), pois (ao abrigo desta última alínea) não se alcança qual pedido para o qual o foro laboral fosse diretamente competente.
Concluindo: (…) subjacente aos pedidos formulados nestes autos não se encontra qualquer relação laboral que fundamente a competência do foro laboral, em razão da matéria, para julgar esta ação — encontra-se uma relação puramente cível, relativa às funções de administrador que o Recorrido exerceu no Recorrente, motivo pelo qual o juízo do trabalho de Lisboa não será competente para julgar a presente ação, nem ao abrigo da alínea b), nem da alínea n), nem de qualquer outra alínea do art.º 126.º/1 da Lei n.º 62/2013, por mais que a relação laboral que também existiu, entre o Recorrente e o Recorrido, possa apontar, numa análise superficial, em sentido contrário”.
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Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – a quem cabe a competência material para conhecer a ação.
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Factos provados a atentar: os descritos no relatório.
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De Direito
A competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual e é aferida pela questão ou questões que o autor coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado (conforme Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pag. 91). Quer dizer, é face aos termos em que a acção é proposta, a sua causa de pedir e a pretensão deduzida, e o seu quid disputatum, que se apura a competência material. Assim se tem entendido (cfr. acórdãos do STJ de 6/6/78, BMJ 278/122, de 20/10/93, in ADSTA, 386/227, de 9/2/94, in CJSTJ, t. 1, p. 288, de 19/2/98, in CJSTJ, t. 1, p. 263, de 3/5/2000, in CJSTJ, t. 2, pág. 39, e de 14/5/2009, in www.dgsi.pt). O que importa é “apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados” (cfr. acórdãos da Relação de Coimbra de 04-12-2014, Relat. Azevedo Mendes, que decidiu: “I – A apreciação da competência (material) de um tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se pelo quid disputatum, ou seja pelo pedido do autor e respectiva causa de pedir. II – Sendo a causa de pedir delineada pelo autor uma relação de trabalho subordinado de direito privado, a competência material para julgar esse litígio pertence aos tribunais do trabalho, atento o disposto no art.º 85º, al. b) da LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13/01) e art.º 4º, nº 3, al. d) do ETAF”; e do STJ de 30.03.2011, Relat. Gonçalves da Rocha (ambos disponíveis, como todo os citados sem menção da fonte, em www.dgsi.pt: “I - A competência material do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta e pela forma como se estrutura o pedido e os respectivos fundamentos. II- Daí que para se determinar a competência material do tribunal haja apenas que atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados”.)”.
Só cabe aos tribunais do trabalho conhecer os litígios que a lei especialmente lhes comete. Neste sentido, por todos, considerou o ac. desta RL de 1.10.2009, proferido no proc. n.º 67/09.6TJLSB.L1-2 (onde decidiu que “é da competência do juízo cível e não do tribunal do trabalho o julgamento de acção, com processo sumário, instaurada na comarca de Lisboa, na qual a autora, ex-entidade patronal do réu, pede que este seja condenado a pagar àquela, com base em enriquecimento injustificado, o valor correspondente a uma despesa do réu suportada pela autora com base em cartão de crédito para despesas de representação que a autora havia atribuído ao réu na pendência do contrato de trabalho”), que “O exercício da função jurisdicional é repartido por diversos órgãos jurisdicionais, atendendo a diversos critérios entre os quais avulta o da matéria a que respeitam as respectivas causas. Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (…). A instituição de diversos tribunais e a demarcação da respectiva competência de acordo com a natureza da relação substancial pleiteada visa a fruição das vantagens inerentes à especialização, que são a maior celeridade e a maior adequação das decisões aí proferidas, por força da particular experiência e preparação dos respectivos magistrados e, quiçá, dos seus funcionários. Assim, a Constituição da República Portuguesa prevê que “na primeira instância pode haver (…) tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas” (art.º 211.º n.º 2) e que “os tribunais da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça podem funcionar em secções especializadas” (n.º 4 do art.º 211.º). (…) Os litígios que não couberem no âmbito da competência de nenhum dos tribunais de competência especializada previstos e instalados serão julgados pelo respectivo tribunal de competência residual, o tribunal de competência genérica (…) ou, onde os haja e no que respeita a processos de natureza cível, os juízos de competência especializada cível (…). Entre os tribunais judiciais de competência especializada contam-se os tribunais do trabalho (… a quem cabe) conhecer, em matéria cível, “das questões emergentes de relação de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.” (…) Por exclusão de partes (…), as questões que não caibam na área de competência dos tribunais do trabalho nem de outros tribunais de competência especializada deverão ser julgadas pelo pertinente tribunal de competência genérica ou residual. A competência do tribunal para julgar uma causa afere-se pela forma como o autor configura a sua pretensão, ou seja, pelo pedido e pela causa de pedir, tal como vem explicitada na petição inicial (neste sentido, unânime na doutrina e na jurisprudência, v.g., Manuel de Andrade, “Noções elementares do processo civil”, Coimbra Editora, 1979, edição revista e actualizada pelo Dr. Herculano Pinto, pág. 91; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, vol. 1º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2008, pág. 136; STJ, 30.6.2009, 301/09.2YFLSSB; STJ, 14.5.2009, 09S0232; STJ, 17.2.2009, 08A3836; STJ, 10.10.2007, 07S1258 – acórdãos publicados na internet, dgsi-itij). Daí que a petição inicial possa (e deva) ser liminarmente indeferida quando seja patente, face ao seu teor, que o tribunal accionado é absolutamente incompetente para julgar o litígio.
(… No caso) a conexão da pretensão do A. com a relação laboral é meramente indirecta. A fonte da obrigação convocada na acção pela A. não é o contrato de trabalho que a A. celebrara com o R. ou a relação de trabalho subordinado dele emergente, mas sim a descrita situação de enriquecimento injustificado e o princípio de restituição inerente a tal obtenção de vantagem patrimonial. A obrigação e o correspondente direito accionados pela A. não têm natureza laboral, mas sim estritamente civil (…). A acção foi bem instaurada nos juízos cíveis de Lisboa (…)”.
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A exposição supra efetuada da posição das partes e da argumentação expendida na decisão recorrida e no parecer do DM do MºPº, permitem-nos balizar e abordar a questão sem mais.
Dispõe o art.º 40.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Lei da Organização do Sistema Judiciário, LOSJ, sob a epígrafe “Competência em razão da matéria”, que
1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
2 - A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada.
Por seu lado, o art.º 126, relativo à competência cível laboral dispõe:
1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:
a) Das questões relativas à anulação e interpretação dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que não revistam natureza administrativa;
b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;
d) Das questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efetuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais;
e) Das ações destinadas a anular os atos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho;
f) Das questões emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho;
g) Das questões emergentes de contratos de aprendizagem e de tirocínio;
h) Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de ato ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal;
i) Das questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais;
j) Das questões entre associações sindicais e sócios ou pessoas por eles representados, ou afetados por decisões suas, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de uns ou de outros;
k) Dos processos destinados à liquidação e partilha de bens de instituições de previdência ou de associações sindicais, quando não haja disposição legal em contrário;
l) Das questões entre instituições de previdência ou entre associações sindicais, a respeito da existência, extensão ou qualidade de poderes ou deveres legais, regulamentares ou estatutários de um deles que afete o outro;
m) Das execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais;
n) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente;
o) Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;
p) Das questões cíveis relativas à greve;
q) Das questões entre comissões de trabalhadores e as respetivas comissões coordenadoras, a empresa ou trabalhadores desta;
r) De todas questões relativas ao controlo da legalidade da constituição, dos estatutos e respetivas alterações, do funcionamento e da extinção das associações sindicais, associações de empregadores e comissões de trabalhadores;
s) Das demais questões que por lei lhes sejam atribuídas.
2 - Compete ainda aos juízos do trabalho julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação nos domínios laboral e da segurança social.
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O punctum saliens da argumentação do recorrente encontra-se nas conclusões de recurso 10 e 14, quando refere que a causa de pedir dos autos não emerge do contrato de trabalho, “mas em derradeira análise, de uma relação de âmbito puramente cível, no âmbito da qual o autor exerceu as funções de vogal do Conselho de administração do réu”.
Como se viu o que releva é a forma como o autor coloca as questões na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado.
No caso, convencionou-se que existiu um contrato de trabalho entre as partes desde 1/06/94, suspenso em 8/10/2018.
Simultaneamente, o autor exerceu funções de administrador do réu durante aquele período.
Sendo assim, não pode dizer-se que as questões suscitadas pelo réu nos autos são puramente cíveis e de todo alheias à relação laboral. Pelo contrário, mantêm uma conexão próxima com as relações de trabalho subordinado. Quer dizer, de acordo com as questões suscitadas na petição inicial e os pedidos correspondentes, discute-se matéria relacionada com o vínculo de trabalho subordinado e colocam-se questões relacionadas com prestações fundadas no contrato laboral, no âmbito do qual, e regulando-o, é celebrado o acordo junto como documento n.º 4 com a PI, através do qual reconhecem designadamente a existência do contrato de trabalho desde 1994 (cl.ª 1ª/2 e 2ª), suspendem o contrato laboral (cl.ª 3ª) e preveem a sua cessação
Assim, o tribunal do trabalho é competente nos termos do disposto no artigo 126, n.º 1, alíneas b) e n) da LOSJ.
A afirmação do réu de que se trata de questão puramente cível não encontra eco na forma como o autor propõe a ação, refletindo antes o modo como ele, réu, a equaciona.
Contudo, não é isto que releva, mas sim a forma como a ação é proposta (obviamente, pelo autor).
Nestes termos, conclui-se que o tribunal do trabalho é efetivamente competente para conhecer da ação.
Pelo que improcede o recurso.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga a apelação improcedente e confirma a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 10 de abril de 2024
Sérgio Almeida
Leopoldo Soares
Luzia Carvalho