PENHOR MERCANTIL
PACTO COMISSÓRIO
UTILIZAÇÃO DOS BENS
POSSE DOS BENS
CONDENAÇÃO GENÉRICA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE PAGAMENTO DO REMANESCENTE
Sumário

1-Nos termos do Art. 2.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 75/2017, de 26 de junho, na constituição de penhor mercantil, prestado em garantia de contrato de mútuo a favor de instituição financeira, pode ser afastada, por acordo das partes, a proibição legal do pacto comissório estabelecida no Art. 694.º, aqui aplicável por remissão do Art. 678.º do C.C..
2 - Pode também convencionar-se que o autor do penhor possa utilizar os bens empenhados, sem necessidade de fazer a sua entrega material ao credor ou a terceiro (cfr. Art. 1.º do Dec.Lei n.º 29.833 de 17 de agosto de 1939).
3 - Mesmo nessas condições, o credor pignoratício fica com a posse dos bens empenhados, ficando o proprietário deles como mero detentor.
4 - Convencionando as partes que o credor pignoratício se pode “apropriar” da coisa empenhada, por comunicação desse direito ao devedor, em caso de incumprimento do contrato mútuo, subjacente à constituição dessa garantia, tudo em conformidade com o disposto no Art. 2.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 75/2017 de 26 de junho, na prática, com o exercício desse direito, opera-se uma transmissão do direito de propriedade para o credor, porquanto existe um pacto comissório lícito, com eficácia real “quoad effectum”, em função dos termos como concretamente foi acordado.
5 - Tendo a devedora sido condenada a entregar os bens empenhados à credora pignoratícia, carece de justificação a condenação genérica da primeira, em valor a liquidar em execução de sentença, relativo às despesas ou encargos com as diligências para tomada de posse desses bens pela segunda, quando a verificação dessas despesas apenas podem ser concretizáveis no âmbito do próprio processo de execução da obrigação de entrega de coisa certa, na eventualidade do incumprimento voluntário da devedora.
6 - Uma condenação genérica com esse sentido seria completamente vazia de conteúdo material, por não poder ser concretizável, em circunstância alguma, previamente à própria execução, nos termos dos Art.s 358.º e ss. do C.P.C..
7 - A dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do Art. 6.º n.º 7 do R.C.P., é de conhecimento oficioso pelo Tribunal da Relação e deve ser apreciada no acórdão que decide sobre a responsabilidade e condenação das partes em custas para efeitos de recurso.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A, intentou a presente ação de reivindicação, em processo declarativo comum, contra B  e C, formulando os seguintes pedidos:
A) Declarar a A. única e exclusiva proprietária dos seguintes equipamentos:
• Camião articulado, marca Caterpillar, modelo 745D, n.º de série … 28;
• Camião articulado, marca Caterpillar, modelo 745D, n.º de série …32;
• Trator de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.º de série …05;
• Trator de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.º de série …06;
• Motoniveladora, marca Caterpillar, modelo 140K, n.º de série …006;
• Motoniveladora, marca Caterpillar, modelo 140K, n.º de série …057;
• Escavadora de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.º de série …148;
• Escavadoras de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.ºs de série e …147;
B) Condenar as R.R., solidariamente, a pagar à A., a quantia de €2.259.547,74, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa de 10,067%, até ao efetivo e integral pagamento;
C) Condenar a 1.ª R. a entregar à A. os equipamentos indicados em A) nas instalações da A.;
D) Condenar as RR., solidariamente, por quaisquer despesas ou encargos em que a A. incorrer para tomar posse dos equipamentos indicados.
Para tanto, alegou em síntese que celebrou com as R.R. um contrato de mútuo, garantido por penhor mercantil e fiança, mediante o qual emprestou à 1.ª R. a importância de €1.849.681,10, destinada à aquisição dos equipamentos mencionados no auto de aquisição, obrigando-se a mutuária a restituir aquela importância à A. em 60 prestações mensais, no valor de €36.932,10, cada uma, no dia 22 de cada mês, e a pagar mensalmente juros remuneratórios à taxa anual nominal de 7,067%, juntamente com as prestações de restituição da importância mutuada, sendo a TAE de 7,350% e a taxa de juro fixa.
A 2.ª R., por sua vez, garantiu, enquanto fiadora e principal pagadora, o cumprimento integral pela 1.ª R. das obrigações decorrentes desse contrato, obrigando-se a realizar as prestações que esta deixasse de cumprir, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia, tendo-se constituindo ainda a favor da A. um penhor mercantil sobre todos aqueles equipamentos.
Esse contrato veio a ser objeto de aditamento, passando a quantia mutuada a ser no valor de €1.871.002,15, e as prestações mensais no valor de €37.357,82, cada uma, sendo o valor dos juros totais, à data da celebração do aditamento, de €356.218,11.
Sucede que a 1.ª R. apenas pagou as duas primeiras prestações do contrato, vencidas em 22-10-2018 e 22-11-2018, deixando de cumprir o contrato a partir de 22-12-2018, apesar das interpelações da A. para o pagamento dos valores em dívida. Por isso, nos termos do contrato, a A. comunicou à 1.ª R. a sua decisão de rescindir o contrato, por carta datada de 03-03-2020, na qual, para além de exigir o pagamento da quantia em dívida, comunicou que se apropriava dos equipamentos mencionados.
A A. teria assim direito às prestações vencidas e não pagas, no valor de €560.360,38; ao capital mutuado vincendo, no valor de €1.606.365,62; €2.259,00 de comissões; e € 90.571,74 de juros de mora vencidos. Tudo num total de €2.259.547,74, a que acresceriam juros de mora vincendos, calculados à taxa de 10,067%, até ao efetivo e integral pagamento.
Por outro lado, também teria direito a tomar posse dos equipamentos indicados, de que é proprietária, por força da apropriação efetuada nos termos da Cláusula Nona n.º 4 do contrato e do Dec.Lei n.º 75/2017, de 26 de junho.
Regularmente citadas, vieram as R.R. contestar, invocando as exceções dilatórias da incompetência territorial e da ineptidão da petição inicial e ainda a realização de pagamentos não contabilizados, impugnando o crédito peticionado e sustentando que não haveria perda de interesse na manutenção da vigência do contrato.
A A. respondeu às exceções alegadas, pugnando pela sua improcedência, pronunciando-se  ainda quanto às vicissitudes do incumprimento do contrato também no sentido da sua improcedência, terminando por requerer a condenação das R.R. como litigantes de má-fé.
Findos os articulados veio a ser julgada procedente a exceção da incompetência territorial, sendo os autos remetidos para o Juízo Central Cível de Almada.
Entretanto, veio a A. informar os autos da pendência de processo de recuperação de empresas relativo à 2.ª R., no qual foi proferida sentença que reconheceu o crédito da A., mas onde também foi recusado o plano de revitalização, por decisão sobre a qual pende recurso admitido com efeito meramente devolutivo.
Nessa sequência, veio a decidir-se designar audiência prévia, com expressa manifestação da intenção de o tribunal vir a conhecer do mérito da causa no despacho saneador.
Cumprida a formalidade de realização da audiência prévia, veio então a ser proferido despacho saneador-sentença, no qual se julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e apreciando, o mérito da causa, julgou a ação parcialmente procedente, condenando as R.R., solidariamente, a pagar à A., a quantia de €2.259.547,74, acrescida de juros de mora vincendos, calculados a partir de 04.06.2020, à taxa de 10,067%, até efetivo e integral pagamento, sendo a 1.ª R. condenada a entregar, nas instalações da A., os seguintes equipamentos:
• Camião articulado, marca Caterpillar, modelo 745D, n.º de série …28;
• Camião articulado, marca Caterpillar, modelo 745D, n.º de série …32;
• Trator de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.º de série …05;
• Trator de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.º de série …06;
• Motoniveladora, marca Caterpillar, modelo 140K, n.º de série …006;
• Motoniveladora, marca Caterpillar, modelo 140K, n.º de série …057;
• Escavadora de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.º de série …148;
• Escavadoras de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.ºs de série e …147.
Quanto ao mais, foram as R.R. absolvidas do pedido, bem como da pretensão formulada pela A. de serem condenadas como litigantes de má-fé.
É dessa sentença que a A. vem interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A. O n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 75/2017, de 26 de junho, dispõe: “É lícito às partes convencionar, no contrato de penhor para garantia de obrigação comercial em que o prestador da garantia seja comerciante, que o credor pignoratício, em caso de incumprimento, se aproprie da coisa ou do direito empenhado, pelo valor que resulte de avaliação realizada após o vencimento da obrigação, devendo o modo e os critérios de avaliação ser estabelecidos no contrato.”
B. Nos n.os 1 e 2 da cláusula oitava do contrato de mútuo sobre penhor mercantil as partes estipularam: “1. Para garantia de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato, a Mutuária constitui a favor da Mutuante um penhor mercantil sujeito à lei portuguesa sobre os equipamentos descritos no Auto de Receção. 2. Os referidos equipamentos ficam em poder da Mutuária, pelo que, nos termos dos § 1.º e 2.º do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 29.833, de 17 de Agosto de 1939, a Mutuária será considerada, quanto ao direito pignoratício, como possuidora em nome alheio e as penas de furto serão impostas aos seus administradores ou gerentes, se alienarem, modificarem, destruírem ou desencaminharem os equipamentos sem autorização escrita da Mutuante, e bem assim se os empenharem novamente sem que no novo contrato se mencione, de modo expresso, a existência do presente penhor, que, em qualquer caso, prefere por ordem de datas.” (cf. facto provado 8 e doc. 1 da p.i.).
C. No n.º 4 da cláusula nona do contrato foi acordado que “No caso de incumprimento e de exigibilidade dos créditos, a Mutuante poderá apropriar-se dos equipamentos empenhados, nos termos previstos no Dec.-Lei n.º 75/2017, de 26 de junho, pelo valor que resultar da avaliação que for feita por entidade designada por acordo entre a Mutuante e Mutuária ou, na falta de acordo, pela Sociedade “S…, S.A.”, com referência ao momento da entrega dos equipamentos que deverão ser atestados em auto de devolução assinado pela Mutuante e Mutuária, obrigando-se a Mutuante a restituir à Mutuária o montante correspondente à diferença entre o valor do equipamento e o montante da obrigação garantida. A apropriação do equipamento por parte da Mutuante e transmissão de propriedade torna-se eficaz por comunicação enviada pela Mutuante à Mutuária, incorrendo a última na prática do crime de furto, previsto e punido no artigo 203.º e seguintes do Código Penal, caso não proceda à entrega dos equipamentos, no prazo de 10 dias a contar da data em que se deva considerar notificada, sem prejuízo de a Mutuária poder recorrer às ações judiciais legalmente previstas para reivindicar e efetivar a posse do equipamento.” (cf. doc. 1 da p.i.)
D. A recorrente comunicou à B a sua decisão de rescindir o contrato por carta datada de 03-03-2020, enviada para a sede da B, em 04-03-2020, que foi recebida em 05-03-2020, na qual declarou que “Considerando que, apesar das nossas interpelações, V. Ex.as continuam sem pagar as prestações vencidas entre 22/12/2018 e 22/02/2020, comunicamos a nossa decisão de rescindir o contrato de mútuo sobre penhor mercantil em epígrafe, nos termos da cláusula nona, n.º 1 do contrato. Consequentemente, V. Ex.as deverá(ão) proceder ao pagamento, imediato, da quantia de 2.009.143,04€, correspondente a todas as quantias em dívida, vencidas ou vincendas, incluindo capital mutuado, despesas, respetivos juros remuneratórios e moratórios, e comissão, calculados até à presente data, nos termos da cláusula nona, n.º 1 e 2 do contrato.” (cf. facto provado 19, e docs. 4, 5 e 1, da p.i.).
E. Nessa carta, a recorrida também comunicou à B que se apropriava dos equipamentos supramencionados, nos termos previstos na cláusula nona, n.º 4 do contrato e no Decreto-Lei n.º 75/2017, de 26 de junho (cf. facto provado 20, e docs. 4 e 1 da p.i.).
F. Assim, sem prejuízo de os equipamentos terem sido comprados pela B à sociedade “T” e a recorrente ser terceira nesse contrato de compra e venda, a verdade é foi a recorrente que financiou a compra dessas máquinas à T e exerceu o seu direito de apropriação nos termos previstos no contrato e na lei.
G. Deste modo, entende-se que o Juízo Central Cível de Almada - Juiz 3 devia ter declarado a recorrente proprietária dos camiões articulados, marca Caterpillar, modelo 745D, n.os de série …28 e …32; dos tratores de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.os de série …05 e …06; das motoniveladoras, marca Caterpillar, modelo 140K, n.os de série …006 e …057; das escavadoras de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.o de série …148 e …147.
H. O Tribunal a quo absolveu as rés de pagar à recorrente eventuais despesas ou encargos em que ela incorrer para tomar posse dos equipamentos. Todavia, reconhecendo que o contrato prevê a responsabilidade das rés pagar à recorrente eventuais despesas ou encargos em que ela incorrer para tomar posse dos equipamentos, mas estando esta dependente da verificação de um facto futuro e incerto, o Tribunal devia ter condenado as rés no pedido, relegado a sua liquidação para execução da sentença, nos termos dos art. 609.º n.º 2, art. 715.º e art. 716..º do Cód. Processo Civil.
Pede assim que o recurso seja julgado procedente e a decisão recorrida seja parcialmente revogada e substituída por outra que:
«A - declare a recorrente proprietária dos camiões articulados, marca Caterpillar, modelo 745D, n.os de série …28 e …32; dos tratores de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.os de série …05 e …06; das motoniveladoras, marca Caterpillar, modelo 140K, n.os de série …006 e …057; das escavadoras de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.o de série …148 e …147; e
«B - condene as rés a pagar à recorrente eventuais despesas ou encargos em que ela incorrer para tomar posse dos equipamentos, a liquidar em execução da sentença».
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II- QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. Art. 5º n.º 3 do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Vide: Abrantes Geraldes, Ob. Loc. Cit., pág. 107).
Assim, em termos sucintos, as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) O reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre os equipamentos dados em penhor como garantia do mútuo;
b) O reconhecimento da obrigação de pagamento das despesas ou encargos em que A. venha a incorrer para tomar posse dos equipamentos, a liquidar em execução da sentença; e
c) A responsabilidade por custas, com apreciação oficiosa da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A A. tem como um dos seus objetos celebrar contratos de mútuo (1º p.i.).
2. A A., no exercício do seu comércio, celebrou com as R.R., em 23-08-2018, um contrato de mútuo garantido por penhor mercantil e fiança, com n.º … (2º p.i.).
3. Mediante o referido contrato, a A. emprestou à 1.ª R. a importância de €1.849.681,10, da qual a 1.ª R. se confessou devedora (cláusula primeira, n.º 1, do contrato (3º p.i.).
4. Conforme indicado na cláusula primeira, n.º 2, do contrato, a importância mutuada destinou-se à aquisição dos equipamentos mencionados no auto de aquisição, que são os seguintes:
• Camião articulado, marca Caterpillar, modelo 745D, n.º de série ….28;
• Camião articulado, marca Caterpillar, modelo 745D, n.º de série …32;
• Trator de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.º de série …05;
• Trator de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.º de série …06;
• Motoniveladora, marca Caterpillar, modelo 140K, n.º de série …006;
• Motoniveladora, marca Caterpillar, modelo 140K, n.º de série …057;
• Escavadora de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.º de série …148;
• Escavadoras de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.ºs de série ..147 (4º p.i.).
5. Nos termos do contrato, a 1.ª R. obrigou-se a restituir a importância mutuada à A. em 60 prestações mensais, no valor de €36.932,10 cada uma, no dia 22 de cada mês (cláusula segunda, n.º 1 e 2, do contrato (5º p.i.).
6. Como retribuição do mútuo, a 1.ª R. obrigou-se ainda a pagar mensalmente juros remuneratórios à taxa anual nominal de 7,067%, juntamente com as prestações de restituição da importância mutuada, sendo a TAE de 7,350% e sendo a taxa de juro fixa (cláusula terceira, n.º 1 e 2, e cláusula 4.ª, n.º 1 do contrato) (6º p.i.).
7. Por sua vez, a 2.ª R. garantiu, enquanto fiadora e principal pagadora, o cumprimento integral pela 1.ª R. das obrigações decorrentes do contrato, obrigando-se a realizar as prestações que esta deixe de cumprir, tendo renunciado ao benefício da excussão prévia, nos termos da cláusula sétima do contrato (7º p.i.).
8. Ainda para garantir as obrigações emergentes do contrato, a 1.ª R. constituiu a favor da A. um penhor mercantil sobre os equipamentos supra mencionados, enquanto estes estivessem localizados na República dos Camarões (cláusula oitava, n.º 1 e 2 do contrato), tendo ainda sido acordada a celebração de um contrato de seguro que cobrisse os riscos de utilização dos equipamentos, tanto em Portugal, como na República dos Camarões (cláusula sexta, n.º 1 do contrato) (8º p.i.).
9. Em 19-09-2018, as partes acordam alterar as cláusulas primeira, n.º 1, segunda, n.º 1 e terceira, n.ºs 1, 2 e 3, conforme aditamento (9º p.i.).
10. Nos termos desse aditamento, a A. emprestou à 1.ª R. a importância de €1.871.002,15 (cláusula primeira do aditamento), que esta se obrigou a restituir em 60 prestações mensais, no valor de €37.357,82 cada uma (cláusula segunda) (10º p.i.).
11. Manteve-se a obrigação de a R. pagar mensalmente juros à taxa anual nominal de 7,067%, juntamente com as prestações de restituição da importância mutuada, sendo a TAE de 7,350%, sendo o valor dos juros totais, à data da celebração do aditamento, de €356.218,11 (cláusula terceira) (11º p.i.).
12. As restantes cláusulas dos contratos e respetivos números mantiveram-se inalterados e em vigor (12º p.i.).
13. A 1.ª R. apenas pagou as duas primeiras prestações do contrato, vencidas em 22-10-2018 e 22-11-2018 (13º p.i.).
14. A 1.ª R. deixou de pagar as prestações previstas no contrato a partir de 22-12-2018, inclusive (14º p.i.).
15. Apesar das interpelações verbais e escritas da A. para o pagamento das prestações em dívida, a 1.ª R. não as pagou até hoje (15º p.i.).
16. Consta do nº 1 da cláusula nona do contrato que “(…) no caso de incumprimento por parte da Mutuária de qualquer obrigação pecuniária ou outra, assumida ou por assumir, emergente do presente contrato ou a ele inerente, a Mutuante pode rescindir imediatamente o mútuo, com o consequente vencimento e/ou exigibilidade imediata de todas as quantias em dívida, vencidas ou vincendas, incluindo capital mutuado, despesas, respetivos juros remuneratórios à taxa indicada na cláusula terceira e juros de mora e comissão indicados no número seguinte” (16º p.i.).
17. Consta do nº 2 da cláusula nona que “no caso de mora no pagamento de qualquer importância em dinheiro devida por força do presente contrato, a Mutuária pagará juros de mora à taxa dos juros remuneratórios mais 3%” (23º p.i.).
18. Consta do nº 2 da cláusula nona que neste caso é devida uma comissão de €150,00, por cada prestação vencida e não paga (20º p.i.).
19. A A. comunicou à 1.ª R. a sua decisão de rescindir o contrato por carta datada de 03-03-2020, enviada para a sede da 1.ª R. em 04-03-2020, que foi recebida em 05-03-2020, na qual declara que “Considerando que, apesar das nossas interpelações, V. Ex.ªas continuam sem pagar as prestações vencidas entre 22/12/2018 e 22/02/2020, comunicamos a nossa decisão de rescindir o contrato de mútuo sobre penhor mercantil em epígrafe, nos termos da cláusula nona, n.º 1 do contrato. Consequentemente, V. Ex.ªs deverá(ão) proceder ao pagamento, imediato, da quantia de 2.009.143,04€, correspondente a todas as quantias em dívida, vencidas ou vincendas, incluindo capital mutuado, despesas, respetivos juros remuneratórios e moratórios, e comissão, calculados até à presente data, nos termos da cláusula nona, n.º 1 e 2 do contrato.” (17º p.i.).
20. Nessa carta, a A. também comunicou à 1.ª R. que se apropriava dos equipamentos supra mencionados, nos termos previstos na cláusula nona, n.º 4 do contrato e no Decreto-Lei n.º 75/2017, de 26 de junho (18º p.i.).
21. A A. solicitou ainda à 2.ª R. o pagamento da quantia de 2.009.143,04€, em dívida, por carta datada de 03-03-2020, enviada para a sede da 2.ª R. em 04-03-2020, que foi recebida em 05-03-2020 (19º p.i.).
22. Em 03.06.2020, a dívida das RR. ascendia a:
a) Prestações vencidas e não pagas: €560.360,38
b) Capital mutuado vincendo (prestações vincendas): €1.606.365,62
c) Comissões: €2.250,00
d) Juros de mora: €90.571,74
Total: €2.259.547,74
23. A 1ª R. comprou as máquinas objeto do penhor mercantil à sociedade comercial T, pelo preço de USD2.718.800,00 (40º cont.).
Tudo visto, cumpre apreciar.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Identificadas as questões que fazem parte do objeto do recurso, cumpre agora apreciar as mesmas, começando pela questão do reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre os equipamentos que haviam sido dados em garantia do cumprimento do contrato de mútuo dos autos.
1. Do direito de propriedade da A. sobre os equipamentos.
A A. instaurou a presente ação pedindo logo para ser reconhecida como a proprietária dos equipamentos que descreveu no artigo 4.º da petição inicial, que são os que se mostram discriminados na alínea A) do petitório.
A sentença recorrida negou o reconhecimento desse direito à A., porque apesar de julgar que lhe assistia o direito à sua restituição, por força do contrato, teve em consideração que «decorre da matéria de facto provada que tais máquinas não lhe pertencem, por terem sido compradas pela 1ª R. a outra empresa (art. 874º do CC). / Assim, a A. é terceira relativamente a esse contrato de compra e venda, devendo, em consequência, ser julgado improcedente o primeiro pedido formulado pela A.».
Efetivamente, esses equipamentos, que consistem em camiões, tratores de rasto, motoniveladoras e escavadoras de rasto, todos da marca Caterpillar, foram adquiridos pela 1.ª R. com recurso ao empréstimo de €1.871.002,15, que a A. especificamente lhe concedeu para esse efeito.
Todos esses bens foram de facto comprados pela 1.ª R. a uma terceira sociedade, a “T”, e, portanto, os mesmos seriam propriedade da 1.ª R. (cfr. Art.s 408.º n.º 1, 874.º e 879.º al. a), todos do C.C.).
No entanto, para garantir as obrigações emergentes do contrato de mútuo celebrado entre a A. e a 1.ª R., esta última constituiu a favor da primeira um penhor mercantil sobre todos esses equipamentos. Penhor mercantil esse que ficou, por acordo das partes, subordinado à aplicação da lei portuguesa (cfr. cláusula oitava n.º 1 do “Contrato de Mútuo sobre Penhor Mercantil”).
Esses equipamentos, que se destinariam a ser utilizados na República dos Camarões (cfr. cláusula oitava n.º 3 do mesmo contrato) ficaram materialmente em poder da mutuária, ou seja da 1.ª R., tendo as partes acordado que esta, no que se referia ao direito pignoratício, deveria ser considerada como “possuidora em nome alheio”, não podendo dispor desse bem sem autorização escrita da mutuante, ou seja da A. (cfr. cláusula oitava n.º 2 do mesmo contrato).
Ora, o contrato de mútuo foi resolvido por incumprimento definitivo do contrato pelas R.R. – matéria que se mostra consolidada nesta ação, porque quanto a essa parte dispositiva da sentença não foi interposto qualquer recurso –, sendo que nos termos da cláusula nona n.º 4 do “Contrato de Mútuo Sobre Penhora Mercantil”, ficou explicitamente convencionado que: «4. No caso de incumprimento e de exigibilidade dos créditos, a Mutuante [ou seja, a A. nesta ação] poderá apropriar-se dos equipamentos empenhados, nos termos previstos no Dec.-Lei n.º 75/2017, de 26 de junho, pelo valor que resultar da avaliação que for feita por entidade designada por acordo entre a Mutuante e Mutuária ou, na falta de acordo, pela Sociedade B, com referência ao momento da entrega dos equipamentos que deverão ser atestados em auto de devolução assinado pela Mutuante e Mutuária, obrigando-se a Mutuante [ou seja a A.] a restituir à Mutuária [ou seja a 1.ª R.] o montante correspondente à diferença entre o valor do equipamento e o montante da obrigação garantida. A apropriação do equipamento por parte da Mutuante e transmissão de propriedade torna-se eficaz por comunicação enviada pela Mutuante à Mutuária, incorrendo a última na prática do crime de furto, previsto e punido no artigo 203.º e seguintes do Código Penal, caso não proceda à entrega dos equipamentos, no prazo de 10 dias a contar da data em que se deva considerar notificada, sem prejuízo de a Mutuária poder recorrer às ações judiciais legalmente previstas para reivindicar e efetivar a posse do equipamento.” (cfr. doc. n.º 1 da petição inicial)
Ou seja, por convenção das partes, opera-se a transmissão do direito de propriedade da 1.ª R. para a A., por mera comunicação desta última à primeira, no sentido de expressar a sua vontade de se “apropriar” dos equipamentos empenhados, o que se sustentaria no que era disposto no Dec.Lei n.º 75/2017.
       O Dec.Lei n.º 75/2017 de 26 de junho destinou-se a aprovar o “regime da apropriação do bem empenhado no penhor mercantil” (cfr. Art. 1.º), aí se estabelecendo explicitamente, no seu Art. 2.º n.º 1, que: «1 - É lícito às partes convencionar, no contrato de penhor para garantia de obrigação comercial em que o prestador da garantia seja comerciante, que o credor pignoratício, em caso de incumprimento, se aproprie da coisa ou do direito empenhado, pelo valor que resulte de avaliação realizada após o vencimento da obrigação, devendo o modo e os critérios de avaliação ser estabelecidos no contrato».
Nos termos desse mesmo diploma, esse contrato deve ser celebrado por escrito, com reconhecimento presencial das assinaturas das partes (cfr. Art. 2.º n.º 2), ficando o direito de apropriação condicionado à inexistência penhor de grau superior (cfr. Art. 2.º n.º 3). Ora, foram cumpridas as formalidades previstas na lei e não foi dada conta nos autos da existência de qualquer outro penhor incidente sobre os mesmos bens.
Assim sendo, o credor penhoratício fica com direito de apropriação sobre os bens empenhados, ainda que com a obrigação de restituir ao prestador da garantia, ou seja à 1.ª R., o montante correspondente à diferença entre o valor da coisa e o montante da obrigação garantida (cfr. Art. 2.º n.º 4).
Afastada está assim, do regime do penhor mercantil, a proibição do pacto comissório (cfr. Art. 694.º por remissão do Art. 678.º do C.C.).
Também é unanimemente aceito, desde há muito (v.g. Acórdão do STJ de 26/6/1953 in BMJ 37.º, pág. 52 e ss.), que por força do Art. 398.º do Código Comercial, o penhor mercantil pode ser constituído por mera entrega simbólica dos bens empenhados, podendo o devedor ficar autorizado a usar esses bens, o que também lhe confere especialidade relativamente ao regime do penhor civil consagrado no Art. 669.º n.º 1 do C.C., admitida pelo Art. 668.º do C.C..
Sendo o penhor constituído por estabelecimento bancários, existe mesmo norma expressa no Art. 1.º do Dec.Lei n.º 29.833 de 17 de agosto de 1939, no sentido de que o mesmo produz efeitos sem necessidade de o dono do objeto empenhado fazer entrega dele ao credor ou a outrem.
Nessas condições o credor obtém a posse pignoratícia, ficando o proprietário como mero detentor (cfr. Ac. TRL de 10/10/1991 in C.J. Tomo 4.º, pág. 185 e Ac. TRP de 28/6/2005 – Proc. n.º 0426760 – Relator: Marques de Castilho, disponível em www.dgsi.pt), ou como possuidor em nome, ou representação, do credor (cfr. Ac. TRP de 17/2/1992 in BMJ n.º 414, pág. 636).
O que importa no final, no penhor sem desapossamento, é que o autor do penhor fique privado da sua disposição material, independentemente da faculdade de o credor pignoratício adquirir, de igual modo, o poder de disposição do objeto empenhado (cfr. Ac. STJ de 21/11/2016 – Proc. n.º 454/14.8TVPRT.P1.S1 – Relator: Hélder Roque, disponível em www.dgsi.pt).
Dito isto, não só a questão da detenção material da coisa empenhada por parte do credor pignoratício não é condição de validade do penhor mercantil, como está na disponibilidade das partes afastar a regra da proibição do pacto comissório e de estabelecer as consequências jurídicas do incumprimento, em função do afastamento daquela proibição.
Assim, se as partes convencionam que o credor pignoratício se pode “apropriar” da coisa empenhada em caso de incumprimento do contrato base, que se mostra subjacente à constituição dessa garantia, tudo em conformidade com o disposto no Art. 2.º n.º 1 do Dec.Lei n.º 75/2017 de 26 de junho, na prática opera-se uma transmissão do direito de propriedade para o credor, por força do exercício potestativo desse direito, conformado nesses termos por expressa vontade das partes (cfr. Art. 406.º n.º 1 do C.C.). Encontramo-nos, portanto, perante um pacto comissório lícito, com eficácia real “quoad effectum” em função dos termos como foi acordado.
O efeito jurídico do pacto comissório assim convencionado é precisamente que o credor “faça sua” a coisa onerada, em caso de incumprimento do devedor (cfr. Art. 694.º do C.C.). “Fazer sua a coisa” é o mesmo que passar a ser proprietário, deixando de ser titular de um mero direito real de garantia para assumir a titularidade do direito real de gozo regulado nos Art.s 1302.º e ss. do C.C..
A posse da coisa correspondente ao exercício do direito de propriedade pelo credor pignoratício, no caso, é exercida por intermédio doutrem (cfr. Art. 1252.º n.º 1 do C.C.), dando-se uma espécie de inversão do título da posse (cfr. Art. 1265.º do C.C.), por requalificação do direito do credor. Já o devedor, anterior proprietário da coisa empenhada, passa a ser um mero detentor, por exercer apenas o poder material sobre ela, sem intenção de agir como beneficiário desse direito (cfr. Art. 1253.º al. a) do C.C.), pois perde a posse correspondente à propriedade por cedência voluntária (cfr. Art. 1267.º n.º 1 al. c) do C.C.), em função dos termos como essa transmissão foi acordada na cláusula nona n.º 4 do “Contrato de Mútuo sobre Penhor Mercantil”, junto como documento n.º 1 com a petição inicial e do exercício, em conformidade, do correspondente direito, pelo credor pignoratício.
Assim, por força dessa cláusula e da carta de 3 de março de 2020, que veio a ser rececionada pela 1.ª R. no dia 5 seguinte (cfr. factos provados 19 e 20), não só se operou a resolução do contrato de mútuo por incumprimento das R.R., como a A. também comunicou à 1.ª R. que se apropriava dos equipamentos dados em penhor, em conformidade com os termos previstos na cláusula nona n.º 4 do contrato e no Art. 2.º do Decreto-Lei n.º 75/2017, de 26 de junho.
Nessa medida, só nos resta reconhecer que assiste razão à Recorrente nesta parte, devendo a A. ser reconhecida como proprietária desses bens e não só que tem direito à sua restituição.
2. Da obrigação de pagamento das despesas ou encargos com a tomada de posse dos equipamentos.
A A. também pediu, na alínea D) do petitório da petição inicial, que as R.R. fossem solidariamente condenadas ao pagamento das despesas ou encargos em que a A. venha a incorrer para tomar posse dos equipamentos em menção.
A sentença recorrida negou esse direito, apesar de reconhecer que o contrato prevê essa responsabilidade às R.R.. Sustentou essa decisão no caráter “meramente hipotético” da obrigação, por se desconhecer se a 1.ª R. iria cumprir a sentença e entregar as máquinas nas instalações da A., caso em que inexistirão despesas a cargo da A., sendo que não seria admissível a prolação pelo tribunal duma “condenação condicional”.
Apreciando, na verdade, temos de reconhecer que a A. não formulou formalmente um pedido condicional e, consequentemente, a sentença a proferir também não poderia traduzir-se numa “condenação condicional”, embora seja evidente que a obrigação visada reconhecer está claramente dependente da verificação futura e incerta de factos que a consubstanciam materialmente.
Em todo o caso, o que se passa é que a A. pediu, primeiramente, a condenação da 1.ª R. a entregar-lhe os equipamentos nas suas instalações (cfr. al. C) do petitório), o que foi reconhecido pela sentença aqui recorrida. Logo o dever de cumprimento em causa onera a devedora com a entrega e não a credora com a sua tomada de posse, sendo que a condenação no cumprimento daquela obrigação não dá lugar a despesas ou encargos que a A. tenha ao tomar posse desses equipamentos (que é o pedido seguinte - cfr. al. D) do petitório), pois todos os encargos ou despesas com a entrega correm, por inerência, a cargo da 1.ª R. ao executar por si a entrega desses bens.
Certo é que a 1.ª R. pode vir a não entregar voluntariamente os equipamentos à A. nas suas instalações, incumprindo assim a condenação de que foi alvo pela sentença recorrida. Nesse caso, como é que se passam as coisas?
Há que ter em consideração que, contra a vontade da 1.ª R., à A. está vedado o exercício desse direito com recurso à força própria (cfr. Art. 1.º do C.P.C. e Art. 336.º “a contrario” do C.C.). Nessa mesma medida, despesas e encargos com comportamentos ilícitos tomados por iniciativa da A. não podem ser objeto de reembolso, nos termos peticionados.
No entanto, a A. pode, e deve, em caso de incumprimento voluntário pela devedora, condenada por sentença já transitada em julgado, fazer exigir judicialmente esse cumprimento (cfr. Art. 817.º do C.C.).
Em causa estará, nesse caso, uma obrigação de entrega de coisa certa suscetível de execução forçada, por via judicial (cfr. Art.s 10.º 5, 703.º n.º 1 al. a) e 856.º e ss. do C.P.C.).
O credor (aí exequente), se o devedor não cumprir, pode exigir o cumprimento dessa obrigação através do tribunal (cfr. Art. 861.º do C.P.C.), com direito ao reembolso das despesas ou encargos que com essas diligências tenha incorrido, seja no caso de não ser possível a entrega das coisas (cfr. Art.s 867.º n.º 1, 358.º, 360.º e 716.º do C.P.C.), seja no caso de lograr a sua efetiva restituição no âmbito da execução, através do Juízo de Execução competente e, em particular, da ação do Agente de Execução (cfr. Art. 26.º n.º 3 al. b) e Art. 30.º n.º 3 al. c) do R.C.P. e Art.s 529.º n.º 1, n.º 3 e n.º 4,  532.º, 533.º n.º 1 e n.º 2 al.s b), c), n.º 3 e 541.º do C.P.C.).
Por outras palavras, é no seio do processo de execução que essas despesas e encargos ganham materialidade efetiva e serão oportunamente liquidadas, em princípio, a cargo do executado, segundo as regras da repartição das responsabilidades por custas.
É nesse quadro legal que assistirá à A. o direito ao reembolso das (eventuais) despesas e encargos com as diligências para tomar posse dos equipamentos cujo direito de propriedade agora lhe é reconhecido.
Será no âmbito da execução judicial da obrigação de entrega de coisa certa que se irão consumar e concretizar os encargos e despesas, que neste momento efetivamente se prefiguram de verificação meramente hipotética.
Nestas condições, definida que está assim a obrigação de entrega, apenas e só, a cargo da 1.ª R., remeter para incidente de liquidação de sentença, que deveria ser sempre deduzido previamente à ação executiva, a determinação de despesas e encargos que apenas podem ser objeto de liquidação no âmbito do próprio processo de execução da obrigação de entrega de coisa certa, afigura-se-nos um contrassenso.
Uma condenação genérica, no sentido preconizado pela Recorrente, seria assim completamente vazia de conteúdo material, por não poder ser concretizada, em circunstância alguma, previamente à própria execução, nos termos dos Art.s 358.º e ss. do C.P.C.. Por isso, julgamos que, nesta parte, não assiste razão à Recorrente, devendo a sentença ser confirmada nos seus precisos termos, improcedendo as conclusões apresentadas em sentido diverso do exposto.
3. Da responsabilidade por custas e dispensa de pagamento da taxa de justiça
Aqui chegados importa fazer um pequeno excurso em matéria de custas.
A Recorrente tem ganho parcial relativamente a umas das duas pretensões recursórias que formulou na presente apelação.
As Recorridas não apresentaram contra-alegações, mas em rigor deram causa, quer à ação, que contestaram, quer ao recurso, na medida em que este visava a revogação de decisão suportada na oposição que as R.R. apresentaram à pretensão da A., aqui Recorrente, desde o início deste processo.
Ora, verificamos que a sentença recorrida condenou A. e R.R. “na proporção do respetivo vencimento”, o que é o verdadeiro contrassenso. Não só as custas não devem ser “pelo vencimento”, mas sim “pelo decaimento”, como não se percebe qual é a proporção em que cada parte foi condenada.
Diga-se, em abono da verdade, que a Recorrente também não suscitou a questão da responsabilidade por custas, mas é inevitável que as alterações introduzidas na sentença recorrida pela procedência da presente apelação tenham consequências inevitáveis na responsabilidade relativa das partes em matéria de custas, porquanto, a procedência parcial da apelação arrasta consigo o equilíbrio económico interno fixado pela 1.ª instância na sentença aí prolatada em termos de decaimento das partes.
Neste momento, por força da decisão do presente acórdão, a ação procede integralmente, com exceção do pedido formulado na al. D), que consubstanciava um pedido sem conteúdo económico líquido expresso.
Ora, o valor da ação, e também do presente recurso, mostra-se fixado em €2.259.547,74 (dois milhões duzentos e cinquenta e nova mil quinhentos e quarenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos). Tendo tal em atenção, o “valor hipotético” estimável dos encargos e despesas com as diligência de tomada de posse dos equipamentos pela A. (pedido da al. D) do petitório) é necessariamente residual e não poderá valer mais de 1% do valor da ação assim fixado, com o acordo das partes.
Portanto, a responsabilidade das partes pelas custas do recurso, o que arrasta consigo a responsabilidade fixada na sentença recorrida para as custas da ação, deve ser na proporção do decaimento (cfr. Art. 527.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), fixado em de 1% para a A., aqui Apelante, e 99% para as R.R., aqui Apeladas.
A questão da responsabilidade por custas, no caso concreto, não se esgota no até agora exposto, porque há que ter em atenção que o valor da ação e do recurso excede largamente o valor de €275.000,00 e, consequentemente, coloca-se inevitavelmente a questão da dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça, nos termos do Art. 6.º n.º 7 do C.P.C..
Conforme já sustentámos no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de janeiro de 2018 (Proc. n.º 7230/13.3TBALM-A.L1, do presente relator): «6. A dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do Art. 6.º n.º 7 do R.C.P., é de conhecimento oficioso pelo Tribunal da Relação e deve ser apreciado no acórdão que decide sobre a responsabilidade e condenação das partes em custas para efeitos de recurso» (vide, no mesmo sentido: Acs. TRL de 19/5/2016 - Proc. n.º 670/14.2T8CSC.L1-2; de 28/4/2016, Proc. n.º 473/12.9TVLSB-C.L1-2; e de 15/10/2015, Proc. n.º 6431/09.3TVLSB-A.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/2/2017 (Proc. N.º 1864/05.7TMLSB-B.L1-1, disponível em www.dgsi.pt), expressa-se mesmo o entendimento que a lei confere ao juiz um “poder-dever” de formular um juízo de proporcionalidade quanto ao montante das custas calculado segundo as regras do R.C.P. (no mesmo sentido: Ac.s R.L. de 14/1/2016, Proc. n.º 7973/08.3CLRS-A.L1-6; e de 16/6/2015; proc. n.º 2264/906.7TVLSB-A.L1-1, disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, resulta do Art. 6º, n.º 7 do R.C.P. que: «Nas causas de valor superior a €275.000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
A literalidade do n.º 7 do Art. 6.º do R.C.P. aponta no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado, ou oficiosamente apreciado, em momento necessariamente anterior à elaboração da conta de custas.
Estando em causa matéria atinente à responsabilidade por custas, por regra, será na decisão final que a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser decidida (Art.s 607.º n.º 6, 608.º n.º 2, 663.º n.º 2 e 679.º do C.P.C. - Nesse sentido: Salvador da Costa in “As Custas Processuais - Análise e Comentário”, 2017 – 6.ª Ed., pág.134). O que deve considerar-se aplicável ao acórdão que tome conhecimento do recurso e condene as partes em custas.
No caso, importa ter em consideração que a presente ação foi julgada logo no despacho saneador, não houve produção de prova, os articulados são relativamente pouco extensos, não se suscitando neles questões de particular complexidade, sendo que as alegações de recurso da Recorrente também são pouco extensas, tem poucas conclusões, não implicaram à reapreciação de prova gravada e não houve contra-alegações.
Tendo todo o exposto em atenção, tem plena justificação a ponderação oficiosa da dispensa total do remanescente do pagamento da taxa de justiça, pelo menos para efeitos do presente recurso. O que se impõe decidir.
V- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente por provada, revogando a sentença recorrida apenas na parte que absolveu as R.R. do pedido de reconhecer a A. como única e exclusiva proprietária dos equipamentos discriminados no pedido formulado sob a alínea A) do petitório, a qual é substituída pela decisão de reconhecer a A. como proprietária dos camiões articulados, marca Caterpillar, modelo 745D, n.os de série …28 e …32; dos tratores de rastos, marca Caterpillar, modelo D8R, n.os de série …05 e …06; das motoniveladoras, marca Caterpillar, modelo 140K, n.os de série …006 e …057; e das escavadoras de rastos, marca Caterpillar, modelo 349D2L, n.o de série …148 e …147.
No mais mantém-se a sentença recorrida, nomeadamente na parte que absolveu as R.R. do pedido formulado na alínea D) do petitório.
Mais julgamos, oficiosamente, ao abrigo do Art. 6.º n.º 7 do R.C.P., determinar a dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente à responsabilidade tributária referente ao presente recurso.
- As custas são pela Apelante e pelas Apeladas, na proporção do respetivo decaimento (Art. 527º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C.), que se fixa em 1% para a Apelante e 99% para as Apeladas, com todas as demais consequências quanto à responsabilidade tributária nesta ação, conforme explicitada no ponto 3 da fundamentação de direito deste acórdão.
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Lisboa, 9 de abril de 2024
Carlos Oliveira
Luís Pires de Sousa
José Capacete