RECONHECIMENTO DE DIREITO DE PROPRIEDADE
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
PRESUNÇÃO REGISTRAL
ELEMENTOS DE DESCRIÇÃO REGISTAL
POSSE
CORPUS
Sumário

1 - O julgador não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, nem atribuir ao autor ou requerente bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados, e, em concreto, se o pedido respeita ao reconhecimento do direito de propriedade e restituição relativo a um prédio urbano, não pode o juiz declarar esse direito relativamente a um prédio misto ou a um prédio rústico.
2 - A presunção registal de titularidade decorrente do estatuído no artigo 7º do Código do Registo Predial, onde se estipula que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”, não abrange os elementos da descrição registal, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado.
3 A posse que releva para efeitos da usucapião é a posse tal como é definida pelo artigo 1251º do Código Civil, sendo seu elementos integrantes o corpus - a prática de actos materiais sobre a coisa, de modo contínuo e estável - e o animus -vontade ou intenção do autor da prática de tais actos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos actos realizados.
4 - Presume-se que quem tem o corpus tem também o animus.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, residente na Rua ..., n.º …., 2º andar, em Lisboa e B, residente no Lugar ….., Vila ..., – Vila Nova …, em representação da Herança Aberta por óbito de J…… e a segunda ainda por si própria intentaram contra C e D, ambas residentes no Vale de ….., s/n, Alcochete a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando os seguintes pedidos:
a) A declaração de que as autoras são legítimas proprietárias do imóvel identificado no Artigo 1.º (prédio urbano sito no ..., S/N, freguesia e concelho de Alcochete, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º .../19971007, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º ... da freguesia de Alcochete);
b) A condenação das rés a restituir o imóvel às autoras, livre de pessoas e bens;
c) A condenação das rés a pagar às autoras indemnização, nos termos previstos nos artigos 1305.º e 483.º do Código Civil, pelos prejuízos decorrentes da privação do uso, fruição e disposição do imóvel, desde a data que se venha a demonstrar datar a ilegítima ocupação pelas rés até à efectiva devolução do locado, no valor mensal de € 600,00 (seiscentos euros), a liquidar em execução de sentença;
d) A condenação das rés a restituir às autoras o valor do seu enriquecimento e proporcional empobrecimento das autoras, nos termos do artigo 480.º do Código Civil, pelos frutos que, por sua culpa, deixaram de ser percebidos e pelos juros legais das quantias a que as empobrecidas tiverem direito até à efectiva devolução do locado, em quantia não inferior a € 600,00 (seiscentos euros) mensais, acrescida de juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento;
e) Serem as rés ser consideradas responsáveis pelo perecimento ou deterioração culposa da coisa, nos termos do artigo 480.º do Código Civil;
Subsidiariamente,
f) A condenação das rés a restituir às Autoras a quantia correspondente ao seu enriquecimento e proporcional empobrecimento das autoras, pela privação de aproveitamento do valor económico do locado, nos termos do artigo 473.º, n.º 1 do Código Civil, desde a data que se vier a apurar corresponder à do inicio da ocupação ilícita do imóvel pelas mesmas e até efectivo e integral pagamento, no valor mensal de € 600,00 (seiscentos euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal em vigor, a liquidar em execução de sentença;
Alegaram para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 366486818):
- São donas do prédio urbano sito no ..., S/N, freguesia e concelho de Alcochete, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º .../19971007, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º ... da freguesia de Alcochete, destinado a habitação, com uma área coberta de 138 m2 e uma área descoberta de 2.662 m2, é constituído por cave com 5 divisões, destinada a garagem e arrumos, por rés-do-chão com 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor;
- Tomaram conhecimento que o imóvel está ocupado pelas rés, sem qualquer título para o efeito, desconhecendo a data a ocupação, porquanto quem geria o património era o falecido J... ….., marido da autora B ;
- As rés não pagam, nem nunca pagaram quaisquer rendas pela ocupação do imóvel;
- Não fosse a ocupação do imóvel pelas rés, as autoras poderiam auferir rendimentos pelo seu arrendamento a terceiros, pelo menos desde 1 de Junho de 2014, de valor nunca inferior a 600,00 € (seiscentos euros) mensais.
A ré C contestou a acção, suscitando a incompetência territorial do Tribunal da Comarca de Lisboa e alegando, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 368591677):
- Em 28 de Fevereiro de 1984, entre o falecido J... e O... de promitentes-vendedores e a mãe da ré C , I..., na qualidade de promitente-compradora, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda relativo a um prédio rústico com a área de 35 000 m2, sito no ... – Alcochete, uma casa de habitação e uma viatura ligeiro de mercadorias;
- No dia 29 de Fevereiro de 1984, o falecido J... e mulher, a autora B, e O... venderam a I... um terreno de regadio para produtos hortícolas, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, sito no Sítio do ... ou ..., inscrito na matriz cadastral sob o artigo … da secção AC e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ...;
- Em 3 de Julho de 1989, entre o pai da ré C , M..., na qualidade de promitente-comprador e o falecido J... e mulher B, na qualidade de promitentes-vendedores, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda, além do mais, de “um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave, ainda omisso na matriz mas pedida a sua inscrição em 24.5.82”, pelo preço de nove milhões de escudos, tendo o promitente-comprador pagado a quantia de seis milhões de escudos a título de sinal, entrando os promitentes-compradores na posse do bem;
- A partir dessa data e até ao presente este prédio passou a constituir a casa de morada de família da ré;
- A escritura pública de compra e venda não chegou a ser celebrada por motivos que a ré desconhece.
Pugnou pela procedência da excepção deduzida e pela improcedência da acção.
A ré formulou ainda pedido reconvencional de que seja declarado que é legítima proprietária do imóvel identificado nos artigos 1.º da petição inicial e 14.º da contestação e 19.º do pedido, alegando que desde, pelo menos, há 28 anos é a legítima possuidora do prédio urbano destinado a habitação, com uma área coberta de 138 m2 e uma área descoberta de 2 662 m2, constituído por cave com 5 divisões, destinada a garagem e arrumos e por rés-do-chão, com 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor, edificado em prédio rústico adquirido pela mãe da ré, por escritura de compra e venda celebrada em 29 de Fevereiro de 1984, onde fez obras de melhoramento e em relação ao qual agiu e se comportou, de forma pública, pacífica, contínua e sem oposição de ninguém, desconhecendo lesar o direito de outrem, o que lhe confere o direito a adquirir a respectiva propriedade, por usucapião.
Contestou também a ré D  tendo, também ela, suscitado a incompetência territorial do tribunal, e alegado o seguinte (cf. Ref. Elect. 368591680):
ð Não reside no prédio urbano descrito no artigo 1.º da petição inicial, cuja área descoberta é de 4 862 m2, mas num outro edificado no mesmo prédio rústico que o dos presentes autos, mas autónomo deste;
ð O prédio em causa é propriedade da sua mãe, a ré C , há mais de 20 anos, estando edificado num terreno adquirido pela sua avó I..., em 1982 e para onde foi viver em criança.
Conclui pela procedência da excepção deduzida e improcedência da acção.
As autoras apresentaram réplica reconhecendo a incompetência territorial do tribunal e impugnando os factos alegados pela ré C em sede de reconvenção, referindo que a eventual posse decorrente do alegado contrato-promessa celebrado em 1989 apenas poderia ser invocada por M... e não pela ré, sendo que do documento junto nem consta a identificação dos promitentes-compradores, impugnando tal documento, assim como a ré não alega factos com vista a provar a sua residência habitual no imóvel. Termina pedindo que seja julgada improcedente a reconvenção (cf. Ref. Elect. 369806730).
Em 5 de Fevereiro de 2018 foi proferida decisão que julgou o Juízo Central Cível de Lisboa incompetente, em razão do território, sendo competente o Juízo Central Cível de Almada, para onde foi determinada a remessa dos autos (cf. Ref. Elect. 373155029).
Em 16 de Março de 2018 foi proferido despacho de convite às partes ao aperfeiçoamento quanto à situação da herança referida nos autos e ao modo de ingresso do imóvel no património de J... e quanto aos actos praticados pela primeira ré sobre o imóvel (cf. Ref. Elect. 374643718).
Em 10 de Abril de 2018, as autoras vieram requerer a junção aos autos de diversos documentos e declararam impugnar as assinaturas constantes dos documentos apresentados pela ré C com a sua contestação (cf. Ref. Elect. 18592207).
Em 11 de Abril de 2018, a ré C apresentou requerimento de aperfeiçoamento da sua reconvenção referindo que habita no imóvel dos autos desde há mais de vinte anos, onde criou os seus filhos e procedeu a diversas obras de melhoramento, que enunciou, comportando-se com a convicção de ser proprietária (cf. Ref. Elect. 18608815).
Em 23 de Maio de 2018 foi proferido despacho que convidou as autoras a se pronunciarem sobre a falta de personalidade judiciária da herança indivisa e a discrepância entre o título aquisitivo do direito de propriedade (que menciona a aquisição a favor de J... da totalidade do prédio) e o registo, que revela uma aquisição em comum e partes iguais com O... (cf. Ref. Elect. 376771048).
As autoras vieram fazê-lo, por requerimento de 4 de Junho de 2018, referindo que a habilitação de herdeiros não significa que a herança foi aceite, mas que se impõe reconhecê-las como as herdeiras e que devem estar presentes na acção e esclarecendo que a menção no registo a O... resulta de um erro, por o vendedor ter vendido a este um outro prédio (cf. Ref. Elect. 19225802).
Em 11 de Julho de 2018 foi dispensada a realização de audiência prévia e foi proferido despacho saneador, tendo sido declarada a falta de personalidade da autora herança, passando a figurar na demanda as duas herdeiras, como autoras, tendo sido aferidos os restantes pressupostos processuais, sendo fixado o objecto do litígio, indicados factos já assentes e enunciados os temas da prova (cf. Ref. Elect. 378089309).
Realizada a audiência de julgamento, em 6 de Janeiro de 2023 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com o seguinte dispositivo (cf. Ref. Elect. 420674729):
“a) Declaro que a autora B é proprietária do direito a metade da metade indivisa do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, com a área total de 35.000 m2, a área coberta de 236,8 m2 e a área descoberta de 34.763,2 m2, composto por regadio de produtos hortícolas e parte urbana constituída por: a) rés-do-chão direito e esquerdo, com um total de seis divisões; b) cave e rés-do-chão, a primeira com cinco divisões para garagem e o segundo para habitação com cinco salas, cozinha, duas casas de banho, vestíbulo e corredor, omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º ... da freguesia de Alcochete (anteriormente sob o n.º … do Livro n.º 28), e declaro também que o direito à outra metade dessa mesma metade indivisa do mesmo imóvel integra o acervo hereditário e pertence, em comum com aquela autora, à herança deixada por óbito de J..., aqui representada pelos respectivos herdeiros desse de cujus, as autoras B e A ;
b) Condeno as rés a reconhecerem o direito de propriedade judicialmente declarado em a);
c) Absolvo as rés do restante pedido.
II. Julgo a reconvenção improcedente, por não provada, em consequência do que absolvo as autoras/reconvindas B e A do pedido reconvencional contra elas formulado pela ré C.
III. Condeno a autora e as rés nas custas da acção na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 5/6 para as autoras e 1/6 para as rés, e condeno a ré / reconvinte nas custas da reconvenção.”
Inconformadas com esta sentença, vieram as rés interpor o presente recurso, cuja motivação concluíram do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 35075185):
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julga a acção parcialmente procedente e em consequência declara a recorrida B como proprietária do direito a metade da metade indivisa do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, com a área total de 35.000,00 m2, a área coberta de 34.763,2m2, composto por regadio de produtos hortícolas e parte urbana constituída por: a) rés-do-chão direito e esquerdo, com um total de seis divisões; b) cave e rés-do-chão, a primeira com cinco divisões para garagem e o segundo para habitação com cinco salas, cozinha, duas casas de banho, vestíbulo corredor, omisso na matriz, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º ... da freguesia de Alcochete (anteriormente sob o n.º ... do Livro n.º 28) e declara, também, que o direito à outra metade indivisa do mesmo imóvel integra o acervo hereditário e pertence, em comum com aquela autora, à herança deixada por óbito de J..., aqui representada pelos respectivos herdeiros desse de cujus, as ora recorridas B e A e condena as ora recorrentes a reconhecerem o direito de propriedade judicialmente declarado.
I – DA NULIDADE DA DOUTA SENTENÇA POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
II. As recorridas peticionaram serem declaradas legítimas proprietárias do imóvel identificado no artigo 1.º da sua, aliás douta, petição inicial, alegando serem “(…) donas e legítimas proprietárias do prédio urbano sito no ..., S/N, freguesia e concelho de Alcochete, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º .../19971007, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º ... da freguesia de Alcochete (cfr. certidão permanente e caderneta predial que se juntam como Docs. 1 e 2 e dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais).”
III. Com a Petição Inicial (de 24.05.2017 - referência Citius 366486818) as recorridas juntaram a certidão de registo predial do prédio descrito sob o número ... da freguesia e concelho de Alcochete (anteriormente descrito sob o n.º ... do livro n.º 28) – esta descrição, à data da entrada da petição inicial, tinha pendente de registo a AP. ... de 2017/04/20 – Aquisição (cf. Doc. 1 junto com a PI).
IV. O referido prédio descrito sob o n.º ... da freguesia e concelho de Alcochete integra:
a) um terreno rústico de regadio de produtos hortícolas inscrito na matriz sob o artigo 26 da secção AC;
b) um prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ...;
c) um prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ....
V. Para melhor identificação do prédio reivindicado as recorridas juntaram, ainda, a caderneta predial referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ....
VI. Não obstante, a douta sentença veio a declarar propriedade da recorrida B “metade da metade indivisa” do prédio descrito sob o número ..., incluindo a parte rústica com 35.000m2 e o prédio urbano inscrito na matriz sob ... e a outra metade dessa metade indivisa como integrante do acervo hereditário do de cujus J... .
VII. Resulta evidente da descrição predial junta com a PI que não existem prédios omissos na matriz, pese embora, em sede de dispositivo – I., a) – o douto tribunal a quo, por referência ao prédio descrito sob o número ... da freguesia e concelho de Alcochete, afirme que o mesmo se encontra omisso.
VIII. Do confronto entre o pedido das recorridas e a douta sentença resulta claro que esta condenou em quantidade superior e objecto diverso do pedido.
IX. Estando, por isso, a sentença ferida de nulidade, que se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615, n.º 1, al. e) do CPC.
Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio,
II – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
X. Para o que interessa ao presente recurso, o douto tribunal a quo considerou provados os factos melhor descritos em A), B), C), E) e F).
XI. Foram estes os factos provados, todos com suporte documental nos autos, que serviram de base à decisão, errada como veremos, de julgar procedente (em quantidade superior e objecto diverso, como se viu) o pedido das recorridas.
XII. O douto tribunal a quo não tomou em consideração e, consequentemente, não julgou como provados outros factos com relevo para a descoberta da verdade e boa decisão e que impunham decisão diversa.
XIII. Para a decisão releva o documento denominado “Compra e Venda” junto pelas recorridas (requerimento de 04 de Junho de 2018 – referência Citius 19225802).
XIV. Assim como releva o documento denominado “Compra e Venda” junto pelas recorrentes como Documento 2 da contestação (referência Citius 368591677), documento autêntico cuja autenticidade não foi especificadamente impugnada pelas recorridas.
XV. O douto tribunal a quo deveria, igualmente, ter atendido ao teor da caderneta predial referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., junto pelas recorrentes como documento 2 da PI
XVI. Considerando os documentos ora indicados e os demais indicados na douta sentença, o douto tribunal a quo deveria ter dado como provado que:
A) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, V …. e mulher, E …, declararam vender a J..., casado no regime da comunhão geral de bens com B, e a O..., casado no regime imperativo da separação de bens com R..., pelo preço global de um milhão e trezentos mil escudos, em comum e partes iguais, os seguintes prédios:
a) Prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Alcochete sob o artigo número mil setecentos e quarenta e nove;
b) Um terreno de regadio de produtos hortícolas sito no sítio do ..., Vale da ... ou Estrada da ..., freguesia e concelho de Alcochete, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com O... …., Sul com ... , Nascente com Estrada da ... e do Poente com ... e … e constitui a parte restante do prédio inscrito na respectiva matriz rústica da freguesia de Alcochete sob o artigo ... da Secção AC, e no qual está implantado o artigo urbano identificado na alínea a). A estes prédios foram atribuídos os valores de quatrocentos mil escudos e novecentos mil escudos respectivamente e estão descritos na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ..., a folhas ... do livro B-28. – (Documento junto em 4 de Junho de 2018 com o requerimento com a referência Citius 19225802).
B) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, V ….. e E … declararam vender a J..., que declarou comprar-lhes, pelo preço de Esc. 1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos), o seguinte: “um prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, composto de rés-do-chão, cave, omisso na matriz, mas já apresentada na Repartição de Finanças do concelho de Alcochete, em vinte e quatro de Maio de mil novecentos e oitenta e dois a declaração para a sua inscrição, construído no terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o número ..., a folhas ..., do Livro B-vinte e oito”. – (Documento de fls. 76 verso, 77 e 78)
C) Em 1983 o prédio de cave e rés-do-chão a que alude a escritura de compra e venda referida em B) foi inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia e concelho de Alcochete. (Documento 2 junto com a petição inicial)
D) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 29 de Fevereiro de 1984, no Cartório Notarial de Alcochete, J... e mulher B e O..., casado no regime imperativo da separação de bens com R..., pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, venderam a I..., solteira, um terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com ... , Sul com ... e ..., Nascente com Estrada da ... e ... e do Poente com ... e J…., sito no Sítio do ... ou Vale da ..., o qual vai ser desanexado do prédio rústico, sito no Vale da ... e Sítio do ..., inscrito na matriz cadastral sob o artigo ... da secção AC e do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o … a folhas … do livro …. (Documento 2 junto com a contestação [referência Citius 368591677] e com o requerimento de 19 de Julho de 2018 – referência Citius 19735381)
E) De fls. 31 verso a 33 verso consta um outro escrito intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 4 de Julho de 1989, que aqui se dá por reproduzido, do qual ficou, além do mais, a constar:
“PROMITENTES VENDEDORES: J... e mulher B , residentes na Rua ..., … 2º, em Lisboa.
PROMITENTES COMPRADORES:
Entre os acima referidos outorgantes é celebrado um contrato-promessa recíproco de compra e venda, nos termos e condições seguintes:
1. Os primeiros são donos e legítimos possuidores de dois prédios sitos em lugar de ..., freguesia e concelho de Alcochete, que são:
- um prédio rústico, terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de cinco mil metros quadrados (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número …, a fls. … do livro ….
- um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave (…) construído no terreno acima identificado.
2. Pelo presente contrato os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos, e estes prometem comprar, ambos os identificados prédios.
3. A venda é ajustada pelo preço global de 11.000.000$00 (onze milhões de escudos)
(…)
4. Nesta data os promitentes compradores pagaram aos promitentes vendedores o montante de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), a título de sinal e princípio de pagamento, pagamento este que faz objecto de recibo separado, por ter sido efectuado mediante cheque e sob reserva de boa cobrança.
(…)
7. Os promitentes compradores entram de imediato na posse dos bens objecto deste contrato, passando assim a ser da sua responsabilidade o pagamento dos encargos que sobre eles incidem, seja qual for a sua natureza.
(…)”.
F) A fls. 33 consta um escrito intitulado “Recibo de Sinal”, que aqui se dá por reproduzido, do qual se fez constar: “Declaro que me foi entregue o cheque abaixo identificado, para pagamento do sinal devido pela venda dos prédios sitos no lugar de ..., (…)”.
G) A referida I... ……, outorgante do documento referido em D), na qualidade de compradora, é mãe da R. C (Documento junto em 19 de Julho de 2018 com o requerimento com a referência Citius 19735381)
H) Da certidão de registo predial consta que o prédio descrito sob o número ... (antes descrito sob o número ..., no Livro n.º 28) é composto por regadio de produtos hortícolas e urbanos: a) rés-do-chão direito e esquerdo, com um total de seis divisões, sc. 98,80m2, artigo ...; b) Cave e rés-do-chão, a cave tem cinco divisões e destina-se a garagem e arrumos, o rés-do-chão destina-se a habitação e tem 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor, s.c. 138m2 e s.d. 2662m2, artigo .... Mais consta a aquisição a favor de I... ….., mãe da R. C , registada pela Ap. ... de 2017/04/20, provisória por dúvidas. (Documento junto em 10 de Abril de 2018 com o requerimento com a referência Citius 18592207).
XVII. Alterada a matéria de facto nos termos supra resulta evidente que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... é parte integrante do prédio descrito sob o número ... (anteriormente número ... do Livro B-28).
XVIII. E que a propriedade do prédio ... (anteriormente número ... do Livro B-28), constituído por regadio de produtos hortícolas e pelos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., foi adquirida pela Mãe da ora recorrente, I... , por escritura pública de compra e venda, em 29 de Fevereiro de 1984.
XIX. Desde logo porque a venda foi realizada pelas mesmas duas pessoas que adquiriram esse prédio, por escritura, em 4 de Fevereiro de 1982.
XX. Não se alcançado a que prédio alude a escritura da mesma data, relativo apenas a um prédio urbano e que foi adquirido pela aqui recorrente B e seu falecido marido J... .
XXI. O prédio prometido vender ao pai da ora recorrente (cf. facto provado F da douta sentença e documento de fls. 31 verso a 33 verso) nunca poderia respeitar ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ....
XXII. Com efeito, o prédio urbano objecto desse contrato-promessa, como se refere no aludido documento, estava “ainda omisso na matriz”.
XXIII. Ora, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., reivindicado pelas recorridas, foi inscrito em 1983, ou seja, em data anterior à venda feita à Mãe da ora recorrente e seis anos antes da promessa de compra e venda realizada entre o J... e a aqui recorrida B  e M..., pai da ora recorrente.
XXIV. A que acresce o facto de o prédio urbano identificado nesse contrato-promessa estar construído num prédio rústico com a área de cinco mil metros quadrados, o que não se coaduna com o teor da certidão de registo predial junta aos autos.
XXV. Os prédios urbanos que são parte integrante de prédios rústicos não podem ser objecto de negócio jurídico autónomo relativamente a estes últimos.
XXVI. O prédio descrito sob o número ... (anteriormente número ..., livro B28), pela sua área total de 35.000m2 destina-se, essencialmente à actividade agrícola pelo que tem, necessariamente a natureza de prédio rústico e nele encontram-se construídos dois prédios urbanos de pequenas dimensões, um deles o aqui reivindicado pelas recorridas.
XXVII. A compra e venda tem como efeitos a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito (cf. artigo 879.º do CC).
XXVIII. A Mãe da recorrente adquiriu a propriedade do prédio descrito sob o número ... a folhas ... do livro B-28 por escritura pública lavrada em 29 de Fevereiro de 1984 a J... e mulher e a O... e pelo qual pagou o preço de um milhão e quinhentos mil escudos.
XXIX. Facto que a recorrida B  sabia e não podia desconhecer por ter sido interveniente na referida escritura.
XXX. Em consequência, as ora recorrentes habitam no prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ..., que é parte integrante do prédio descrito sob o número ... (antigo número ...) da freguesia e concelho de Alcochete, de forma legítima e detêm uma posse titulada que, por isso, se presume de boa-fé.
XXXI. Presumindo-se de boa fé a posse titulada (art. 1260º/2 CC), beneficia o respectivo possuidor dessa presunção, in casu as recorrentes, pelo que impendia sobre as recorridas o ónus de prova dos factos com virtualidade para a ilidir.
XXXII. O que as recorridas não fizeram.
Ainda que assim não se entenda, e por mera cautela de raciocínio
XXXIII. As recorrentes reivindicaram, somente, a propriedade do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ... da freguesia e concelho de Alcochete, composto por cave com cinco divisões e rés-do-chão com cinco salas, duas casas de banho, vestíbulo e corredor.
XXXIV. O douto tribunal a quo deu como provados, além do mais, os factos P) a Z).
XXXV. Resultando, assim, provado que posse da recorrente C se iniciou a partir de dia não concretamente apurado do ano de 1990 [cf. facto provado P)], portanto há mais de 30 anos.
XXXVI. E que desde essa data utilizou o referido prédio para aí guardar os seus bens, aí tendo criado os seus filhos (incluindo a recorrente D, com 37 anos de idade e que foi residir para a referida habitação ainda antes de ingressar na escola primária – cf. motivação da matéria de facto), realizando obras no interior e no exterior, sendo essa habitação conhecida por todos como “Vivenda X” – cf. factos provados Q a Z.
XXXVII. Tais actos foram praticados à vista de todos e sem oposição de ninguém.
XXXVIII. O J... ….. e as ora recorridas, efectivamente, não tiveram conhecimento das obras realizadas pela recorrente atento o facto provado sob Z), que se coaduna com o conhecimento que J... e as recorridas tinham de que aquele prédio urbano já não lhes pertencia.
XXXIX. Resulta das regras de experiência comum, pautadas por critérios de lógica, racionalidade e normalidade que o proprietário de um bem não o abandona à sua sorte.
XL. E não se diga que o falecido J... desconhecia que as recorrentes habitavam naquele prédio, porquanto se refere na motivação da matéria de facto que a recorrente D tem memória de habitar nesse prédio ainda antes de entrar para a escola primária e recorda-se vagamente de lá ter visto o Sr. J... a assinar uns documentos.
XLI. Ora, à luz das sobreditas regras, o falecido J... e a ora recorrida B, sabendo que naquela casa habitavam as recorrentes e demais agregado familiar, e assumindo-se como proprietários, não deixariam de visitar a sua propriedade, zelar para que fosse mantida em bom estado de conservação pelos meros detentores, realizando obras de conservação extraordinárias.
XLII. O que nunca fizeram em mais de 20 anos.
XLIII. Os factos provados sob P) a X) revelam, objectivamente, actos materiais de quem tem a posse e age como proprietário.
XLIV. Nenhum possuidor precário realizaria obras tão extensas como as que foram dadas como provadas, à vista de toda a gente, nem daria ao imóvel o nome de “Vivenda X” ou se reputaria perante os filhos, família e socialmente como proprietário.
XLV. Resultando deste segmento da factualidade provada o animus de proprietária da recorrente B.
XLVI. A data de início da posse da ora recorrente B, foi julgada provada desde data não concretamente apurada mas situada no ano de 1990.
XLVII. O J... apenas registou a aquisição da propriedade a 04 de Junho de 1992 (pese embora não se perceba relativamente a que concreto bem porquanto o terreno de regadio, que integra os demais prédios urbanos, foi comprado por si e por O... pelo que tal registo suscita sérias dúvidas).
XLVIII. Em consequência, a posse da recorrente B é anterior ao registo da propriedade por parte de J... e da ora recorrida, sua mulher.
XLIX. Entendendo a jurisprudência maioritária que a posse, se anterior, prevalece sobre o registo da aquisição.
L. Tanto mais que “Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.”, conforme a versão originária do Código de Registo Predial, em vigor à data dos factos.
LI. Sendo a ora recorrente, a essa data, terceira relativamente ao negócio celebrado entre J...  e V …, em 4 de Agosto de 1982.
LII. Chamando-se à colação a douta jurisprudência vertida no Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 19/09/2017
LIII. Concluindo-se, então, que a posse da ora recorrente B, tendo início em data anterior ao facto registado em 1992, prevalece sobre este.
LIV. Devendo a decisão recorrida ser revogada e reconhecer-se a aquisição originária do prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., por usucapião, pela recorrente B, designadamente para efeitos de registo predial.
Terminam pugnando pela procedência do recurso.
As autoras/recorridas contra-alegaram defendendo a inadmissibilidade da impugnação da matéria de facto e a prolixidade das conclusões, que deve corresponder a falta de conclusões, com a cominação de não conhecimento do recurso, sustentando, quanto ao mais, a manutenção da decisão da recorrida (cf. Ref. Elect. 35424738).
Em 15 de Março de 2024 foi proferido despacho em que a ora relatora considerou desnecessário o convite ao aperfeiçoamento das conclusões (cf. Ref. Elect. 21286800).
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Atualizada, pág. 135.
Assim, perante as conclusões da alegação das rés/apelantes há que apreciar as seguintes questões:
a) A nulidade da decisão recorrida;
b) A impugnação da matéria de facto;
c) A titularidade do prédio urbano identificado no artigo 1º da petição inicial.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos:
A) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, V … e E … declararam vender a J..., que declarou comprar-lhes, pelo preço de Esc. 1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos), o seguinte: “um prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, composto de rés-do-chão, cave, omisso na matriz, mas já apresentada na Repartição de Finanças do concelho de Alcochete, em vinte e quatro de Maio de mil novecentos e oitenta e dois a declaração para a sua inscrição, construído no terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o número ..., a folhas ..., do Livro B-vinte e oito”.
B) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º ... da freguesia de Alcochete (anteriormente sob o nº ... do Livro nº 28) um prédio misto situado em ..., o qual, segundo essa descrição, tem a área total de 35.000 m2, a área coberta de 236,8 m2, a área descoberta de 34.763,2 m2 e é composto, ainda segundo a mesma descrição, por regadio de produtos hortícolas e parte urbana constituída por: a) rés-do-chão direito e esquerdo, com um total de seis divisões; b) cave e rés-do-chão, a primeira com cinco 5 divisões para garagem e o segundo para habitação com cinco salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor.
C) Sobre esse prédio encontram-se lavradas no registo predial as seguintes inscrições:
- pela apresentação nº … de 4 de Junho de 1992 – aquisição, por compra, a favor de J... casado com B, no regime da comunhão geral de bens, e de O... …. casado com R..., sob o regime da separação, “em comum e partes iguais”.
- pela apresentação nº ... de 20 de Abril de 2017 – aquisição, por compra, provisória por dúvidas, a favor de I... , entretanto cancelada.
D) Em escritura pública intitulada “Escritura Pública de Habilitação de Herdeiras” a autora B, intitulando-se a cabeça de casal da herança aberta por óbito de J..., declarou que este não fez testamento nem deixou outra disposição de última vontade e que deixou como únicas herdeiras, ela mesma e a filha, aqui autora, A
E) A fls. 28 verso destes autos consta um escrito intitulado “Promessa de Compra e Venda”, datado de 28 de Fevereiro de 1984, que aqui se dá por reproduzido e do qual se fez, nomeadamente, constar: “J... (…) e O.... (…); e I..., casada, com M...; Os primeiros que prometem vender ao segundos: uma propriedade rústica, com a área de 35.000 m2, sita no ...- Alcochete (…)”.
F) De fls. 31 verso a 33 verso consta um outro escrito intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 4 de Julho de 1989, que aqui se dá por reproduzido, do qual ficou, além do mais, a constar: “PROMITENTES VENDEDORES: J... e mulher B, residentes na Rua ..., … -2º, em Lisboa.
PROMITENTES COMPRADORES:
Entre os acima referidos outorgantes é celebrado um contrato-promessa recíproco de compra e venda, nos termos e condições seguintes:
1. Os primeiros são donos e legítimos possuidores de dois prédios sitos em lugar de ..., freguesia e concelho de Alcochete, que são:
- um prédio rústico, terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de cinco mil metros quadrados (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ..., a fls. 158 do livro B-28.
- um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave (…) construído no terreno acima identificado.
2. Pelo presente contrato os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos, e estes prometem comprar, ambos os identificados prédios.
3. A venda é ajustada pelo preço global de 11.000.000$00 (onze milhões de escudos) (…)
4. Nesta data os promitentes compradores pagaram aos promitentes vendedores o montante de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), a título de sinal e princípio de pagamento, pagamento este que faz objecto de recibo separado, por ter sido efectuado mediante cheque e sob reserva de boa cobrança.
(…)
7. Os promitentes compradores entram de imediato na posse dos bens objecto deste contrato, passando assim a ser da sua responsabilidade o pagamento dos encargos que sobre eles incidem, seja qual for a sua natureza.
(…)”.
G) A fls. 33 consta um escrito intitulado “Recibo de Sinal”, que aqui se dá por reproduzido, do qual se fez constar: “Declaro que me foi entregue o cheque abaixo identificado, para pagamento do sinal devido pela venda dos prédios sitos no lugar de ..., (…)”.
H) Desde data anterior a 1 de Junho de 2014 a ré C ocupa a construção constituída por cave com cinco divisões, destinada a garagem e arrumos e rés-do-chão com cinco salas, cozinha, duas casas de banho, vestíbulo e corredor, referida na alínea B).
I) A mesma não paga às autoras qualquer contrapartida por essa ocupação.
J) A ré C  é mãe da co-ré D .
L) A ré D ocupa, conjuntamente com a co-ré, a construção referida na alínea H), desde data anterior a 1 de Junho de 2014.
M) Essa construção, se dada de arrendamento, proporcionaria um rendimento mensal não inferior a Euros 600 (seiscentos euros).
N) As assinaturas que constam do escrito referido na alínea E) foram apostas no mesmo pelos punhos de J... e O... .
O) As assinaturas que constam do escrito referido na alínea F) foram apostas no mesmo pelos punhos de J... e M....
P) A ré C começou a utilizar a construção descrita na alínea H), a partir de dia não concretamente apurado do ano de 1990.
Q) Algum tempo após o seu casamento, essa construção passou a ser a casa da morada da sua família.
R) Desde há mais de 20 anos que a mesma ré habita essa construção e nela guarda os seus bens, o que faz à vista de toda a gente, de modo pacífico e sem oposição de ninguém.
S) A mesma ré criou os seus filhos nesse espaço, tendo-lhes transmitido a convicção de que era proprietária dessa construção.
T) A mesma ré colocou instalação eléctrica e canalização na cave, revestiu e pintou as respectivas paredes e criou nela divisões, incluindo uma casa de banho.
U) No rés-do-chão, a ré C removeu a alcatifa existente, colocou mosaico, uniu duas casas de banho, renovou outra casa de banho, substitui o pavimento da cozinha, colocou pladur nas paredes, pintou paredes interiores, conservou portas interiores e substituiu as janelas.
V) A mesma ré pintou as paredes exteriores, transformou um portão em porta de entrada, removeu a vedação e colocou sebes à volta da construção.
X) A ré C praticou os actos descritos sob T), U) e V) à vista de toda a gente, exceptuando de J... e das autoras, sem oposição de ninguém, nomeadamente, sem oposição de J... ou das autoras, que desconheciam tais obras, assim agindo essa ré na convicção de que, por efeito do documento escrito mencionado em F) e por ser filha de M..., era a proprietária dessa construção.
Z) J... e as autoras, em mais de 20 anos, nunca visitaram essa construção, não efectuaram qualquer obra na mesma, nem exigiram o pagamento de rendas.
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O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
AA) Foi a partir da data do seu casamento que a construção descrita na alínea H) passou a ser a casa de morada de família da ré C.
BB) Foi logo a partir de 3 de Julho de 1989, na sequência da assinatura do escrito referido na alínea F), que a ré C começou a utilizar a construção descrita na alínea H).
CC) A ré C transmitiu aos filhos que a construção descrita na alínea H) passaria a ser deles quando falecesse.
DD) A ré D habita uma outra construção edificada no mesmo terreno da descrita na alínea H).
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
3.2.1. Da nulidade da decisão por excesso de pronúncia
As recorrentes sustentam que a decisão recorrida padece de nulidade porque condenou em quantidade superior e em objecto diverso do pedido, para o que argumentam que as autoras pediram o reconhecimento do seu direito de propriedade incidente sobre o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial – “prédio urbano sito no ..., S/N, freguesia e concelho de Alcochete, distrito de Setúbal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º .../19971007, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º ... da freguesia de Alcochete” -, sendo que o prédio descrito sob o número ... integra um terreno rústico de regadio de produtos hortícolas inscrito na matriz sob o artigo 26 da secção AC, um prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ... e um prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo ..., restringindo-se o pedido das autoras ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e, apesar disso, a sentença veio declarar a propriedade da autora/recorrida sobre “metade da metade indivisa” do prédio descrito sob o número ..., incluindo a parte rústica com 35 000 m2 e o urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e outra metade dessa metade indivisa como integrante do acervo hereditário de J..., para além de identificar o prédio como omisso na matriz.
Nas suas contra-alegações, as autoras/recorridas defendem que não ocorre a apontada nulidade, porquanto o facto declarado corresponde aos factos B) e C) considerados assentes no despacho saneador, de que aquelas não reclamaram, tendo-se formado caso julgado com força obrigatória no processo, para além de resultar da certidão predial permanente a inscrição registal da aquisição do prédio descrito sob o número ... a favor de J... e mulher, a autora B  .
Aquando da prolação do despacho de admissão do recurso, a senhora juíza a quo pronunciou-se sobre a nulidade suscitada, nos seguintes termos (cf. Ref. Elect. 433193754):
“Nulidade da sentença recorrida – art.º 617.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:
Entendo que a sentença da qual foi interposto recurso pelo/a(s) réu/ré(s) não padece de qualquer uma das nulidades elencadas no art.º 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, porquanto:
a) A decisão recorrida contém a assinatura da magistrada que a elaborou;
b) A decisão recorrida enuncia os fundamentos de facto e direito que a sustentam;
c) Não existe contradição entre os fundamentos da decisão recorrida, nem ocorre ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível, sendo inequívoco o seu sentido, independentemente da discordância que a parte recorrente ante a mesma manifeste;
d) O tribunal pronunciou-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes e não conheceu de questões estranhas ao objecto do processo, independentemente de a parte recorrente concordar ou não com o enquadramento jurídico da decisão posta em crise, o que constitui fundamento de recurso e não causa de nulidade da sentença;
e) A decisão recorrida manteve-se nos limites das pretensões formuladas pelas partes, não tendo condenado em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Ante o exposto, julgo improcedente, por não verificada, a nulidade invocada e mantenho nos seus precisos termos a sentença recorrida.
Notifique.”
Nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 615º do CPC, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, ou seja, quando não observe os limites impostos pelo art.º 609º, n.º 1 daquele diploma legal.
O princípio do dispositivo, desde logo consagrado no n.º 1 do art.º 3º do CPC, repercute-se na configuração do objecto do processo, mediante a dedução do pedido e da alegação da matéria de facto que serve de fundamento à acção ou à defesa, circunscrevendo o âmbito da decisão final, ou seja, são as partes que ao recorrerem à instância judicial delimitam o objecto do processo, devendo a sentença conter-se nesse objecto.
Assim, “o pedido delimita os poderes do juiz, já que este não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir, embora sem prejuízo da aplicação da jurisprudência constante do Assento n.º 4/95 - “o conhecimento oficioso da nulidade de um negócio jurídico não impede que o tribunal condene o réu a restituir o que tenha recebido, se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais” - e do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/01 - “tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do art. 616º do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art. 664º do CPC [de 1961]” – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 17.
É, pois, através do pedido que as partes delimitam o thema decidendum, solicitando a tutela pretendida, pelo que a sentença tem de se inserir no âmbito do pedido e da causa de pedir, não podendo o juiz condenar em quantidade superior ou em objecto diverso daquilo que foi pedido.
Quanto ao sentido da norma do actual art.º 615º, n.º 1, e), do CPC, mantêm-se válidas as palavras de Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra 1984, pp. 67-68:
“O juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes; na decisão que proferir sobre essas questões, não pode ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido formulado pelas partes. […]
Também não pode condenar em objecto diverso do que se pediu, isto é, não pode modificar a qualidade do pedido. Se o autor pediu que o réu fosse condenado a pagar determinada quantia, não pode o juiz condená-lo a entregar coisa certa; se o autor pediu a entrega de coisa certa, não pode a sentença condenar o réu a prestar um facto; se o pedido respeita à entrega de uma casa, não pode o juiz condenar o réu a entregar um prédio rústico, ou a entregar casa diferente daquela que o autor pediu; se o autor pediu a prestação de determinado facto (a construção dum muro, por hipótese), não pode a sentença condenar na prestação doutro facto (na abertura duma mina, por exemplo).”
Sobre esta questão, escreve Manuel Tomé Gomes, Da Sentença Cível, in O novo processo civil, pp. 370-372[2]:
“Também no que respeita à fixação ou condenação em objecto diferente do pedido se tem suscitado dúvidas sobre o alcance prático deste limite, em particular nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte. É o que acontece quando, por exemplo, o autor pede a resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crise é nulo por falta de forma; ou quando, por exemplo, o autor instaura uma ação de impugnação pauliana, concluindo, erradamente, pela invalidade (nulidade ou anulabilidade) do negócio impugnado, sendo que o efeito adequado é o da ineficácia relativa, à luz do disposto no artigo 616º, n.º 1 e 4 do CC. Será que o tribunal poderá, na primeira hipótese, declarar a nulidade do contrato e decretar a respetiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286º e 289º do CC, e, na segunda hipótese, decretar a ineficácia do negócio impugnado, dando ainda provimento à pretensão do autor?
[…] se a situação se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, parece que nada obsta a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa.”
Ainda que, como tem vindo a ser entendido, aquilo que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, seja o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado, há que não olvidar que continua a valer a regra do dispositivo, daí que o decretamento de efeito jurídico diverso do especificamente peticionado pressupõe necessariamente uma homogeneidade e equiparação prática entre o objecto do pedido e o objecto da sentença proferida, assentando tal diferença de perspectivas decisivamente e apenas numa questão de configuração jurídico-normativa da pretensão deduzida.
Assim, o julgador não pode atribuir ao autor ou requerente bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados, ou seja, é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao demandante, por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter, mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos daquilo que este visava – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2016, processo n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1[3].
Na sua pronúncia sobre a nulidade em causa, a senhora juíza a quo não se debruçou sobre o específico fundamento invocado, pelo que aquilo que consignou no despacho de admissão do recurso não tem qualquer utilidade para a apreciação da questão.
Importa afastar, desde já, a relevância da argumentação das autoras/recorridas, porquanto, por um lado, não se encontra hoje legalmente prevista ou imposta a enunciação, em sede de prolação do despacho saneador ou fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, dos factos então já tidos por assentes[4], sendo em sede de sentença que o juiz terá de declarar, dentro da matéria definida pelos factos que constituem a causa de pedir e que integram as excepções, aqueles que julga provados ou não provados, pelo que não há hoje “qualquer cristalização da matéria de facto na fase intermédia do processo, ficando relegada para a sentença”, tanto mais que o juiz deve considerar os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução – cf. art.ºs 595º, 596º, 607º, n.º 4 e 5º, n.º 2, b) do CPC; António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, op. cit., pp. 700-701.
Acresce que, mesmo no âmbito da identificação dos factos assentes prevista no CPC de 1961, se entendia que o juiz não estava adstrito à especificação já feita, ou seja, a condensação (especificação e base instrutória) mantinha a função instrumental que apenas visava facilitar a realização do julgamento, não devendo comprometer, por via do caso julgado formal, a sua modificação posterior tendente a restabelecer a correspondência entre a verdade histórica e a emergente do julgamento – cf. Temas de Reforma do Processo Civil, II volume, pp. 143-145.
Por outro lado, os factos consignados sob as alíneas B) e C) e que assim transitaram para a enunciação da matéria de facto provada constante da sentença recorrida apenas reproduzem as informações que se extraem da descrição predial atinente ao prédio número ... e respectivas inscrições, o que, aliás, não foi sequer exactamente reproduzido no ponto I, alínea a) do dispositivo.
Ora, da leitura da petição inicial, e mais exactamente dos factos integradores da causa de pedir nela vertidos e do pedido deduzido a final, parece claro que as autoras não formularam qualquer pretensão no sentido de lhes ser reconhecido o direito de propriedade incidente sobre a globalidade das existências físicas imobiliárias que integram a descrição predial em referência, posto que sempre se reportaram a um prédio urbano (não rústico ou misto), que claramente identificaram como sendo “destinado a habitação, com uma área coberta de 138 m2 e uma área descoberta de 2.662 m2, é constituído por cave com 5 divisões, destinada a garagem e arrumos, por rés-do-chão com 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor” – cf. artigos 2º, 7º, 9º, 13º a 15º, 18º e 27º da petição inicial.
E é relativamente a este prédio, assim identificado e delimitado, que as autoras formulam a sua pretensão de ver reconhecido o seu direito de propriedade, aludindo especificamente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... – cf. artigo 28º da petição inicial e alínea a) do petitório.
Aliás, foi precisamente e apenas relativamente a este prédio que diligenciaram pela junção da respectiva caderneta predial, apresentada com a petição inicial.
De igual modo, foi relativamente a esta realidade física que as rés exerceram o seu direito de defesa, como se afere dos artigos 15º, a 17º, 19º e 20º da contestação, assim como foi especificamente quanto a ela que a ré C deduziu o seu pedido reconvencional.
E também os posteriores requerimentos apresentados pelas partes, na sequência de convite ao aperfeiçoamento, não introduziram nenhuma alteração quanto ao objecto do direito de propriedade que pretendiam fazer valer, reportando-se concretamente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., sem qualquer tipo de alusão à globalidade do prédio descrito sob o número ..., ou seja, sem que tenha estado em discussão nos autos quer o prédio rústico com a área de 35 000 m2, quer o urbano inscrito na matriz sob o artigo ... – cf. requerimentos das partes de 10 de Abril, 11 de Abril e 4 de Junho de 2018.
Têm, pois, razão, as recorrentes.
Se as autoras formularam um pedido de reconhecimento do direito de propriedade e restituição de um determinado prédio urbano e sendo esse o prédio cuja ocupação ilícita imputam às rés, não podia o tribunal recorrido declarar tal direito sobre coisa diversa e menos ainda condenar as rés, sendo esse o caso, na restituição de imóvel, ou parte de imóvel, relativamente ao qual não foi alegada qualquer ocupação sem título.
Ocorre, pois, a suscitada nulidade da decisão por condenação em objecto diverso do pedido ou para além do pedido.
Não obstante ser confirmada a arguição de nulidade, os autos prosseguirão para apreciação das demais questões suscitadas, nos termos do disposto no art.º 665º, n.º 1 do CPC.
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3.2.2. Da Impugnação da Matéria de Facto
Estabelece o art.º 662º n.º 1 do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente, impuserem decisão diversa.
Ao assim dispor, pretendeu o legislador que a Relação fizesse novo julgamento da matéria de facto, fosse à procura da sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-12-2016, processo n.º 437/11.0TBBGC.G1.S1.
Dispõe o art.º 640º, n.º 1 do CPC:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
À luz do normativo transcrito afere-se que, em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
Fundando-se a impugnação em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados (existem três tipos de meios de prova: os que constam do próprio processo – documentos ou confissões reduzidas a escrito -; os que nele ficaram registados por escrito – depoimentos antecipadamente prestados ou prestados por carta, mas que não foi possível gravar -; os que foram oralmente produzidos perante o tribunal ou por carta e que ficaram gravados em sistema áudio ou vídeo), o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos.
O recorrente deve consignar, na motivação do recurso, a decisão que, segundo a sua análise, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que exige que esta seja feita no contexto do ónus de alegação, de modo a evitar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente.
De notar que a exigência de síntese final exerce a função de confrontar o recorrido com o ónus de contra-alegação, no exercício do contraditório, evitando a formação de dúvidas sobre o que realmente pretende o recorrente – cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 201, nota 345.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-05-2016, processo n. 1393/08.7YXLSB.L1-7 refere-se:
“É ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum.”
As rés/recorrentes convocam para reapreciação factos que, segundo elas, têm relevo para a boa decisão da causa e que não foram tidos em consideração pelo tribunal recorrido. Para o efeito, louvam-se no conteúdo de documentos que não terão sido atendidos, como o documento junto com o requerimento de 4 de Junho de 2018 – contrato de compra e venda -; o documento n.º 2 junto com a contestação – contrato de compra e venda de 29 de Fevereiro de 1984 -; o documento n.º 2 junto com a petição inicial - caderneta predial referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., e com base nos quais deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos:
A) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, V … e mulher, E …, declararam vender a J..., casado no regime da comunhão geral de bens com C, e a O... , casado no regime imperativo da separação de bens com R..., pelo preço global de um milhão e trezentos mil escudos, em comum e partes iguais, os seguintes prédios:
a) Prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Alcochete sob o artigo número mil setecentos e quarenta e nove;
b) Um terreno de regadio de produtos hortícolas sito no sítio do ..., Vale da ... ou Estrada da ..., freguesia e concelho de Alcochete, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com O... ……, Sul com ..., Nascente com Estrada da ... e do Poente com ... e J... e constitui a parte restante do prédio inscrito na respectiva matriz rústica da freguesia de Alcochete sob o artigo ... da Secção AC, e no qual está implantado o artigo urbano identificado na alínea a). A estes prédios foram atribuídos os valores de quatrocentos mil escudos e novecentos mil escudos respectivamente e estão descritos na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ..., a folhas ... do livro B-28. – (Documento junto em 4 de Junho de 2018 com o requerimento com a referência Citius 19225802)
B) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, V ….. e E … declararam vender a J..., que declarou comprar-lhes, pelo preço de Esc. 1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos), o seguinte:
“um prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, composto de rés-do-chão, cave, omisso na matriz, mas já apresentada na Repartição de Finanças do concelho de Alcochete, em vinte e quatro de Maio de mil novecentos e oitenta e dois a declaração para a sua inscrição, construído no terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o número ..., a folhas ..., do Livro B-vinte e oito”. – (Documento de fls. 76 verso, 77 e 78) (Documento 2 junto com a petição inicial)
C) Em 1983 o prédio de cave e rés-do-chão a que alude a escritura de compra e venda referida em B) foi inscrito na matriz sob o artigo ... da freguesia e concelho de Alcochete.
D) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 29 de Fevereiro de 1984, no Cartório Notarial de Alcochete, J.... e mulher B  e O... , casado no regime imperativo da separação de bens com R..., pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, venderam a I..., solteira, um terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com ..., Sul com ... e ... , Nascente com Estrada da ... e ... e do Poente com ... e J..., sito no Sítio do ... ou Vale da ..., o qual vai ser desanexado do prédio rústico, sito no Vale da ... e Sítio do ..., inscrito na matriz cadastral sob o artigo … e do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número …. (Documento 2 junto com a contestação [referência Citius 368591677] e com o requerimento de 19 de Julho de 2018 – referência Citius 19735381)
E) De fls. … verso a … verso consta um outro escrito intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 4 de Julho de 1989, que aqui se dá por reproduzido, do qual ficou, além do mais, a constar: “PROMITENTES VENDEDORES: J... e mulher  B, residentes na Rua ..., -2º, em Lisboa.
PROMITENTES COMPRADORES:
Entre os acima referidos outorgantes é celebrado um contrato-promessa recíproco de compra e venda, nos termos e condições seguintes:
1. Os primeiros são donos e legítimos possuidores de dois prédios sitos em lugar de ..., freguesia e concelho de Alcochete, que são:
- um prédio rústico, terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de cinco mil metros quadrados (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ….
- um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave (…) construído no terreno acima identificado.
2. Pelo presente contrato os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos, e estes prometem comprar, ambos os identificados prédios.
3. A venda é ajustada pelo preço global de 11.000.000$00 (onze milhões de escudos) (…)
4. Nesta data os promitentes compradores pagaram aos promitentes vendedores o montante de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), a título de sinal e princípio de pagamento, pagamento este que faz objecto de recibo separado, por ter sido efectuado mediante cheque e sob reserva de boa cobrança. (…)
7. Os promitentes compradores entram de imediato na posse dos bens objecto deste contrato, passando assim a ser da sua responsabilidade o pagamento dos encargos que sobre eles incidem, seja qual for a sua natureza. (…)”.
F) A fls. 33 consta um escrito intitulado “Recibo de Sinal”, que aqui se dá por reproduzido, do qual se fez constar: “Declaro que me foi entregue o cheque abaixo identificado, para pagamento do sinal devido pela venda dos prédios sitos no lugar de ..., (…)”.
G) A referida I..., outorgante do documento referido em D), na qualidade de compradora, é mãe da R. C. (Documento junto em 19 de Julho de 2018 com o requerimento com a referência Citius 19735381)
H) Da certidão de registo predial consta que o prédio descrito sob o número ... (antes descrito sob o número …, no Livro n.º 28) é composto por regadio de produtos hortícolas e urbanos: a) rés-do-chão direito e esquerdo, com um total de seis divisões, sc. 98,80m2, artigo ...; b) Cave e rés-do-chão, a cave tem cinco divisões e destina -se a garagem e arrumos, o rés-do-chão destina-se a habitação e tem 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor, s.c. 138m2 e s.d. 2662m2, artigo …. Mais consta a aquisição a favor de I... mãe da R.  C, registada pela Ap. ... de 2017/04/20, provisória por dúvidas. (Documento junto em 10 de Abril de 2018 com o requerimento com a referência Citius 18592207).
As autoras/recorridas entendem que a impugnação atinente à matéria de facto deve ser rejeitada, porque as recorrentes se limitam a discordar do sentido da decisão da 1ª instância e valoração que esta efectuou dos documentos apresentados; se assim não se entender, referem que o tribunal recorrido consignou que não atenderia a alegações de natureza vaga ou conclusiva ou inúteis para o exame da causa, para além do que, quanto aos factos A) e D), reportam-se a escrituras que não foram celebradas pelas recorrentes, os factos B) e F) foram dados como provados sob as alíneas A) e G); as alíneas C) e G) reportam-se a factos livremente apreciados pelo tribunal e a alínea H) contém informação incorrecta, porque não consta qualquer aquisição provisória por dúvidas na certidão predial permanente.
António Abrantes Geraldes, in op. cit., pp. 200-201, sustenta:
“A rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4, e 641º, n.º 2, al. B));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v. g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.”
Todavia, tem sido reconhecida a necessidade de distinguir, em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário, que não se destina a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida; a ausência do primeiro, com uma delimitação do objecto e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deve conduzir à rejeição liminar do recurso quanto à matéria de facto, enquanto o incumprimento do referido ónus secundário apenas terá relevo quando, pela sua gravidade e atento o princípio da proporcionalidade, não permita ao Tribunal de recurso discernir qual ou quais os meios de prova convocados para apreciação ou os segmentos da prova testemunhal que relevam para a modificação visada – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2015, processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1.
Há que distinguir aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante.
Os requisitos do ónus impugnatório cingem-se à especificação dos pontos de facto impugnados, dos concretos meios de prova convocados e da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, com expressa indicação das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso (cf. alínea a) do n.º 2 do art. 640º do CPC).
Quanto ao mais, deve considerar-se que “a insuficiência ou a mediocridade da fundamentação probatória aduzida pelo recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.” – cf. acórdãos Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 e de 8-02-2018, processo n.º 8440/14.1T8PRT.P1.S1.
Tendo em conta que não está em causa, propriamente, uma discordância das recorrentes com a matéria de facto provada e não provada, tal como foi determinada pelo tribunal recorrido, mas antes o aditamento de factos que aquelas têm por pertinentes para a resolução do litígio e que sustentam estarem demonstrados com base nos documentos juntos aos autos e que identificam, deve reconhecer-se o cumprimento do ónus impugnatório, nada obstando ao conhecimento da impugnação que incidiu sobre a matéria de facto, tanto mais que se trata de verificar, por um lado, o interesse dos factos que as recorrentes pretendem que sejam adicionados à matéria de facto provada e, por outro, a sua demonstração com base na prova documental carreada para o processo.
Nesta sequência, e procedendo a tal apreciação, independentemente da maior ou menor pertinência dos factos que as recorrentes pretendem introduzir no elenco dos factos provados para a procedência da sua pretensão recursória, nada obsta a que, com base nos documentos a que aquelas se reportam, deles se extraia o respectivo conteúdo, pois que este pode auxiliar na delineação do circunstancialismo que precedeu a ocupação do prédio em litígio por parte das rés.
Assim, quanto ao documento junto com o requerimento de 4 de Junho de 2018[5] e que constitui cópia de escritura pública de compra e venda, com data de 4 de Agosto de 1982, não tendo sido colocada em crise pela contraparte, nada obsta a que se consigne sob uma nova alínea o seu teor, nos seguintes termos:
A1) Com data de 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, foi lavrada escritura pública intitulada “Compra e Venda”, mediante a qual, V... e mulher, E…, como primeiros outorgantes declararam vender a J..., casado no regime da comunhão geral de bens com B , e a O..., casado no regime imperativo da separação de bens com R..., segundos outorgantes, que declararam aceitar, pelo preço global de um milhão e trezentos mil escudos, em comum e partes iguais, os seguintes prédios:
a) Prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Alcochete sob o artigo número mil setecentos e quarenta e nove;
b) Um terreno de regadio de produtos hortícolas sito no sítio do ..., Vale da ... ou Estrada da ..., freguesia e concelho de Alcochete, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com O..., Sul com ..., Nascente com Estrada da ... e do Poente com ... e J... e constitui a parte restante do prédio inscrito na respectiva matriz rústica da freguesia de Alcochete sob o artigo ... da Secção AC, e no qual está implantado o artigo urbano identificado na alínea a). A estes prédios foram atribuídos os valores de quatrocentos mil escudos e novecentos mil escudos respectivamente e estão descritos na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ..., a folhas ... do livro B-28.
Com base no documento n.º 2 junto com o requerimento de 10 de Abril de 2018[6], que constitui a certidão permanente do registo predial atinente ao prédio descrito sob o número ..., pretendem as recorrentes o aditamento do facto descrito sob a sua designada alínea H), onde se descreve tal prédio e suas componentes, consignando ainda as inscrições em vigor, designadamente, a inscrição Ap. ... de 2017/04/20, que menciona a aquisição a favor de I..., com a menção “provisório por dúvidas”.
Sucede que esta certidão foi disponibilizada em 23 de Março de 2018, com validade até 23 de Setembro de 2018.
Já no decurso da audiência de julgamento, na sessão de 10 de Novembro de 2022[7], as autoras juntaram aos autos, o que foi admitido, uma certidão permanente relativa ao mencionado prédio, então válida até 3 de Maio de 2023, onde deixou de figurar a inscrição de aquisição provisória por dúvidas.
Por outro lado, nas alíneas B) e C) dos factos provados o Tribunal recorrido louvou-se precisamente no conteúdo da certidão permanente para enunciar a descrição do prédio ... e respectivas inscrições, embora se tenha abstido de mencionar os artigos matriciais.
Assim, ao invés de se aditar um novo ponto à matéria de facto provada, procede-se, com base na certidão mais recente, à integração na alínea B) das menções em falta e à eliminação na alínea C) da inscrição provisória por dúvidas, que deixou de subsistir (não podendo concluir-se se se verificou o seu cancelamento ou caducidade – cf. art.ºs 59º e 92º do Código do Registo Predial[8]), nos seguintes termos:
B) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o número ... da freguesia de Alcochete (anteriormente N.º ... do Livro n.º 28) um prédio Misto, situado em ..., área total de 35000 m2, área coberta de 236,8 m2, área descoberta 34763,2 m2, matriz n.º 26 – Secção N.º AC; matriz n.º ...; matriz n.º ....
Composição e Confrontações:
Regadio de produtos hortícolas. Norte - …; Sul - ... ….; Nascente - Estrada; Poente - ... e urbanos: a) de rés-do-chão direito e esquerdo, com um total de seis divisões, s.c. 98,80m2, art° ...; b) Cave e rés-do-chão, a cave tem 5 divisões e destina-se a garagem e arrumos, O rés-do-chão destina-se a habitação e tem 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestibulo e corredor, s.c. 138m2 e s.d. 2.662m2, artº ...
Desanexado o descrito sob o n° ... da freguesia de Alcochete (prédio rústico 7.000m2 de cultura arvense, artº 28 da Secção AC)
Desanexado o descrito sob o n° ... da freguesia de Alcochete (área 7.000m2, art° 27 da Secção AC )
A área foi fixada após as desanexações.
C) Relativamente ao prédio identificado em B) encontra-se lavrada a seguinte inscrição: Ap. … de 4 de Junho de 1992 – Aquisição, por compra, a favor de J... casado com B , no regime da comunhão geral de bens, e de O... casado com R..., sob o regime da separação, “em comum e partes iguais”, sendo sujeito passivo V … casado com E …, no regime de comunhão geral.
O conteúdo da escritura pública junta com o requerimento de 10 de Abril de 2018[9], que as recorrentes pretendiam aditar aos factos provados já se mostra vertido na respectiva alínea A), pelo que nada mais há a determinar nesse âmbito.
Quanto ao consignado na proposta alínea C), trata-se apenas do conteúdo que emerge da caderneta predial atinente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., documento n.º 2 junto com a petição inicial[10], sendo certo que não existe dissídio quanto ao ano de inscrição na matriz, pelo que se adita a seguinte alínea aos factos provados:
B1) O prédio localizado no ..., Alcochete, em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, prédio urbano construído em tijolo e coberto de telha, composto de cave e rés-do-chão, a cave tem 5 divisões e destina-se a garagem e arrumos; o rés-do-chão destina-se a habitação e tem 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor, sendo a área total do terreno de 166,00 m2, a área de implantação do edifício de 166,00 m2, a área bruta de construção de 304,00 m2, área bruta dependente de 166,00 m2 e área bruta privativa de 138 m2, foi inscrito na matriz no ano de 1983, sob o artigo ....
Com base no documento n.º 2 junto com a contestação[11], posteriormente junta aos autos a respectiva certidão, com o requerimento de 19 de Julho de 2018[12], este não impugnado pelas autoras, adita-se o seguinte facto ao elenco dos factos provados:
C1) Com data de 29 de Fevereiro de 1984, a folhas 8 a 9 verso do livro de notas para escrituras diversas número ...-B, do Cartório Notarial de Lic. …. foi lavrada escritura pública denominada “Compra e Venda”, através da qual J... e mulher B e O..., casado no regime imperativo de separação de bens com R... …., como primeiros outorgantes, declararam que, livre de ónus e encargos, pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, que já receberam, vendem à segunda outorgante, I..., solteira, um terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com ..., Sul com ... e ..., Nascente com Estrada da ... e ... e do Poente com ... e J..., sito no Sítio do ... ou ..., o qual vai ser desanexado do prédio rústico, sito no ... e Sítio do ..., inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo ... da Secção AC e do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número de ... a folhas ... do livro B-vinte e oito.
Os factos que as recorrentes pretendem aditar e que identificam sob as alíneas E) e F) encontram-se já elencados sob as alíneas F) e G) dos factos provados, nada havendo a aditar.
Finalmente, a relação de parentesco entre a ré C e I... emerge do documento junto com o requerimento de 19 de Julho de 2018 e que constitui a certidão de nascimento da ré, pelo que se adita o seguinte facto:
D1) C nasceu no dia 5 de Julho de 1967 e é filha de M...  e de I... Procede, assim, em parte, a pretensão recursória em sede de decisão sobre a matéria de facto.
*
Em face dos aditamentos e alterações introduzidas, a matéria de facto provada a considerar, reorganizada, é a seguinte (integrando-se na alínea D) referências adicionais constantes do documento n.º 1 junto com a contestação da ré C e na alínea J) a data constante do documento):
A) Em escritura pública intitulada “Compra e Venda”, outorgada no dia 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, V … e E …. declararam vender a J... ….., que declarou comprar-lhes, pelo preço de Esc. 1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos), o seguinte: “um prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, composto de rés-do-chão, cave, omisso na matriz, mas já apresentada na Repartição de Finanças do concelho de Alcochete, em vinte e quatro de Maio de mil novecentos e oitenta e dois a declaração para a sua inscrição, construído no terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o número ..., a folhas ..., do Livro B-vinte e oito”.
B) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o número ... da freguesia de Alcochete (anteriormente N.º ... do Livro n.º 28) um prédio Misto, situado em ..., área total de 35000 m2, área coberta de 236,8 m2, área descoberta 34763,2 m2, matriz n.º 26 – Secção N.º AC; matriz n.º ...; matriz n.º ....
Composição e Confrontações:
Regadio de produtos hortícolas. Norte - …; Sul - ... ; Nascente - Estrada; Poente - ... e urbanos: a) de rés-do-chão direito e esquerdo, com um total de seis divisões, s.c. 98,80m2, art° ...; b) Cave e rés-do-chão, a cave tem 5 divisões e destina-se a garagem e arrumos, O rés-do-chão destina-se a habitação e tem 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestibulo e corredor, s.c. 138m2 e s.d. 2.662m2, artº ...
Desanexado o descrito sob o n° ... da freguesia de Alcochete (prédio rústico 7.000m2 de cultura arvense, artº 28 da Secção AC)
Desanexado o descrito sob o n° ... da freguesia de Alcochete (área 7.000m2, art° 27 da Secção AC )
A área foi fixada após as desanexações.
C) Relativamente ao prédio identificado em B) encontra-se lavrada a seguinte inscrição: Ap. … de 4 de Junho de 1992 – Aquisição, por compra, a favor de J... casado com B, no regime da comunhão geral de bens, e de O... ….. casado com R..., sob o regime da separação, “em comum e partes iguais”, sendo sujeito passivo V … casado com E …., no regime de comunhão geral.
D) Com data de 4 de Agosto de 1982, no Cartório Notarial de Alcochete, foi lavrada escritura pública intitulada “Compra e Venda”, mediante a qual, V… e mulher, E …, como primeiros outorgantes declararam vender a J..., casado no regime da comunhão geral de bens com B, e a O..., casado no regime imperativo da separação de bens com R..., segundos outorgantes, que declararam aceitar, pelo preço global de um milhão e trezentos mil escudos, em comum e partes iguais, os seguintes prédios:
a) Prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Alcochete sob o artigo número mil setecentos e quarenta e nove;
b) Um terreno de regadio de produtos hortícolas sito no sítio do ..., Vale da ... ou Estrada da ..., freguesia e concelho de Alcochete, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com O..., Sul com ..., Nascente com Estrada da ... e do Poente com ... e J... e constitui a parte restante do prédio inscrito na respectiva matriz rústica da freguesia de Alcochete sob o artigo ... da Secção AC, e no qual está implantado o artigo urbano identificado na alínea a). A estes prédios foram atribuídos os valores de quatrocentos mil escudos e novecentos mil escudos respectivamente e estão descritos na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ..., a folhas ... do livro B-28
E) O prédio localizado no ..., Alcochete, em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, prédio urbano construído em tijolo e coberto de telha, composto de cave e rés-do-chão, a cave tem 5 divisões e destina-se a garagem e arrumos; o rés-do-chão destina-se a habitação e tem 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor, sendo a área total do terreno de 166,00 m2, a área de implantação do edifício de 166,00 m2, a área bruta de construção de 304,00 m2, área bruta dependente de 166,00 m2 e área bruta privativa de 138 m2, foi inscrito na matriz no ano de 1983, sob o artigo ....
F) A fls. 28 verso destes autos consta um escrito intitulado “Promessa de Compra e Venda”, com data de 28 de Fevereiro de 1984, que aqui se dá por reproduzido e no qual se fez, nomeadamente, constar: “J... …. […] e O... […]; e I..., casada, com M... […], Os primeiros que prometem vender ao segundos: uma propriedade rústica, com a área de 35.000 m2, sita no ...- Alcochete. Que esta venda é feita pela quantia de 6.250.000$00 (seis milhões duzentos e cinquenta mil escudos), quantia este que já receberam […] cuja escritura é realizada no dia 29 de fevereiro de 1984, e ainda uma casa de habitação e uma viatura ligeira […]”.
G) Com data de 29 de Fevereiro de 1984, a folhas 8 a 9 verso do livro de notas para escrituras diversas número ...-B, do Cartório Notarial de Lic. …. foi lavrada escritura pública denominada “Compra e Venda”, através da qual J... e mulher B e O..., casado no regime imperativo de separação de bens com R..., como primeiros outorgantes, declararam que, livre de ónus e encargos, pelo preço de um milhão e quinhentos mil escudos, que já receberam, vendem à segunda outorgante, I... ….., solteira, um terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de trinta e cinco mil metros quadrados, confrontando do Norte com ..., Sul com ... e ... Nascente com Estrada da ... e ... e do Poente com ... e J..., sito no Sítio do ... ou ..., o qual vai ser desanexado do prédio rústico, sito no ... e Sítio do ..., inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artigo ... da Secção AC e do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número de ... a folhas ... do livro B-vinte e oito.
H) Em escritura pública intitulada “Escritura Pública de Habilitação de Herdeiras” a autora B, intitulando-se a cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de J... ….., declarou que este não fez testamento nem deixou outra disposição de última vontade e que deixou como únicas herdeiras, ela mesma e a filha, aqui autora, A.
I) De fls. 31 verso a 33 verso consta um outro escrito intitulado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 4 de Julho de 1989, que aqui se dá por reproduzido, do qual ficou, além do mais, a constar: “PROMITENTES VENDEDORES: J... …. e mulher B, residentes na Rua ...…,-2º, em Lisboa.
PROMITENTES COMPRADORES:
Entre os acima referidos outorgantes é celebrado um contrato-promessa recíproco de compra e venda, nos termos e condições seguintes:
1. Os primeiros são donos e legítimos possuidores de dois prédios sitos em lugar de ..., freguesia e concelho de Alcochete, que são:
- um prédio rústico, terreno de regadio de produtos hortícolas, com a área de cinco mil metros quadrados (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número ..., a fls. 158 do livro B-28.
- um prédio urbano composto de rés-do-chão e cave (…) construído no terreno acima identificado.
2. Pelo presente contrato os primeiros outorgantes prometem vender aos segundos, e estes prometem comprar, ambos os identificados prédios.
3. A venda é ajustada pelo preço global de 11.000.000$00 (onze milhões de escudos) (…)
4. Nesta data os promitentes compradores pagaram aos promitentes vendedores o montante de 6.000.000$00 (seis milhões de escudos), a título de sinal e princípio de pagamento, pagamento este que faz objecto de recibo separado, por ter sido efectuado mediante cheque e sob reserva de boa cobrança.
(…)
7. Os promitentes compradores entram de imediato na posse dos bens objecto deste contrato, passando assim a ser da sua responsabilidade o pagamento dos encargos que sobre eles incidem, seja qual for a sua natureza.
(…)”.
J) A fls. 33 consta um escrito intitulado “Recibo de Sinal”, com a data de 3 de Julho de 1989, que aqui se dá por reproduzido, do qual se fez constar: “Declaro que me foi entregue o cheque abaixo identificado, para pagamento do sinal devido pela venda dos prédios sitos no lugar de ..., (…)”.
K) C  nasceu no dia 5 de Julho de 1967 e é filha de M... …. e de I...
L) Desde data anterior a 1 de Junho de 2014 a ré C ocupa a construção constituída por cave com cinco divisões, destinada a garagem e arrumos e rés-do-chão com cinco salas, cozinha, duas casas de banho, vestíbulo e corredor, referida na alínea B).
M) A mesma não paga às autoras qualquer contrapartida por essa ocupação.
N) A ré C é mãe da co-ré D .
O) A ré D ocupa, conjuntamente com a co-ré, a construção referida na alínea L), desde data anterior a 1 de Junho de 2014.
P) Essa construção, se dada de arrendamento, proporcionaria um rendimento mensal não inferior a Euros 600 (seiscentos euros).
Q) As assinaturas que constam do escrito referido na alínea F) foram apostas no mesmo pelos punhos de J... e O...
R) As assinaturas que constam do escrito referido na alínea I) foram apostas no mesmo pelos punhos de J... e M... .
S) A ré C  começou a utilizar a construção descrita na alínea L), a partir de dia não concretamente apurado do ano de 1990.
T) Algum tempo após o seu casamento, essa construção passou a ser a casa da morada da sua família.
U) Desde há mais de 20 anos que a mesma ré habita essa construção e nela guarda os seus bens, o que faz à vista de toda a gente, de modo pacífico e sem oposição de ninguém.
V) A mesma ré criou os seus filhos nesse espaço, tendo-lhes transmitido a convicção de que era proprietária dessa construção.
W) A mesma ré colocou instalação eléctrica e canalização na cave, revestiu e pintou as respectivas paredes e criou nela divisões, incluindo uma casa de banho.
X) No rés-do-chão, a ré C removeu a alcatifa existente, colocou mosaico, uniu duas casas de banho, renovou outra casa de banho, substitui o pavimento da cozinha, colocou pladur nas paredes, pintou paredes interiores, conservou portas interiores e substituiu as janelas.
Y) A mesma ré pintou as paredes exteriores, transformou um portão em porta de entrada, removeu a vedação e colocou sebes à volta da construção.
Z) A ré C praticou os actos descritos sob W), X) e Y) à vista de toda a gente, exceptuando de J... e das autoras, sem oposição de ninguém, nomeadamente, sem oposição de J... ou das autoras, que desconheciam tais obras, assim agindo essa ré na convicção de que, por efeito do documento escrito mencionado em I) e por ser filha de M..., era a proprietária dessa construção.
AA) J... e as autoras, em mais de 20 anos, nunca visitaram essa construção, não efectuaram qualquer obra na mesma, nem exigiram o pagamento de rendas.
*
3.2.3. Da titularidade do prédio urbano identificado no artigo 1º da petição inicial
Em consonância com o acima explanado a propósito da nulidade da decisão recorrida por condenação em objecto diverso do pedido, importa assentar que o direito de propriedade que se discute nos autos reporta-se a um prédio urbano, destinado a habitação, com uma área coberta de 138 m2 e uma área descoberta de 2.662 m2, constituído por cave com 5 divisões, destinada a garagem e arrumos, por rés-do-chão com 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor e que se encontra inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ....
As autoras afirmam-se proprietárias de tal prédio, porquanto terá ingressado no património da autora B e seu falecido marido, J..., por compra e venda outorgada em 4 de Agosto de 1982, em que foram vendedores V …. e mulher, fazendo-se menção que se tratava de prédio construído no terreno descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo, sob o número ..., a que corresponde actualmente a descrição número ..., encontrando-se a aquisição inscrita a favor daqueles e de O..., conforme Ap. … de 4 de Junho de 1992 – cf. alíneas A) a C) dos factos provados.
Por sua vez, a ré C deduziu reconvenção em que, também ela, se intitulou proprietária desse mesmo prédio urbano, com as características físicas acima descritas, que teria adquirido por usucapião, por, na sequência do contrato-promessa celebrado com o seu pai, M..., referido na alínea I) dos factos provados, ter aquela passado a ali residir desde 1989, onde instalou a sua casa de morada de família e sobre o qual, construído em terreno adquirido pela mãe, exerceu actos de posse, nele residindo e efectuando obras, comportando-se perante todos como sua proprietária, desde há mais de vinte anos.
Na decisão recorrida concluiu-se que a autora B beneficiava da presunção de propriedade decorrente do registo predial, nos termos do art.º 7º do CRPredial, relativamente a metade da metade indivisa do prédio descrito sob o número ..., na sua globalidade, quanto à outra metade dessa metade indivisa, de tal presunção beneficiavam ambas as autoras, enquanto herdeiras de J..., aduzindo-se o seguinte:
“[…] no âmbito do que prescreve o art.º 1268.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil, o possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto de existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse, sendo que, quando existe concorrência de presunções legais fundadas em registo, a prioridade entre essas presunções é fixada na legislação respectiva.
No que concerne à posse correlativa ao exercício do direito de propriedade sobre imóveis a legislação aplicável corresponde ao Código do Registo Predial. Este Código, no seu art.º 7.º, estabelece que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito nos precisos termos em que o registo o define.
Trata-se de um presunção iuris tantum, que decorre dos art.ºs 349.º e seguintes, do Código Civil, sendo, por isso, essa presunção registral ilidível mediante prova em contrário.
Por seu lado, o art.º 5.º, n.º 1, do Código do Registo Predial estabelece que os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, comportando excepção a esse princípio, entre outras, a aquisição do direito de propriedade por usucapião (art.ºs 5.º, n.º 2, alínea a) e 2.º, n.º 1, alínea a), do Código do Registo Predial).
Da conjugação dos enunciados normativos resulta que, em caso de concurso entre duas presunções legais de titularidade do direito, prevalece a mais antiga, isto é:
- Se o registo for anterior ao início da posse, prevalece a presunção fundada no registo;
- Se a posse for anterior à data do registo, prevalece a presunção fundada na posse.
E é assim, excepto se alguma das presunções for objecto de ilisão mediante prova em contrário, mormente prova de haver adquirido a titularidade do direito por usucapião (forma de aquisição originária), independentemente de ser anterior ou posterior ao registo.
Extraindo-se dos factos provados a inscrição registral da aquisição, por compra, do direito a metade indivisa do imóvel reivindicado, a favor da autora B, em comunhão com o seu então marido, entretanto falecido, teremos que concluir que aquela beneficia da presunção de que o direito de propriedade sobre esse imóvel lhe pertence nos precisos termos em que o registo o define.
Tal presunção não foi objecto de qualquer ilisão, pelo que se presume que a autora B é a proprietária do direito a metade da metade indivisa do imóvel, pois que o adquiriu em comunhão com o seu entretanto falecido marido, tendo direito à sua meação no património comum conjugal, após a dissolução do casamento por óbito do cônjuge (art.ºs 1732.º, do Código Civil).
Não obstante, tendo presente que faleceu esse outro titular do direito de propriedade inscrito no registo nos termos sobreditos, teremos que tomar, desde logo, em consideração que, quando adquirida por sucessão por morte, o momento da aquisição da propriedade é o que vem previsto nos art.ºs 2031.º e 2050.º a 2056.º, do Código Civil (cfr. art.º 1317.º, alínea b), do mesmo Código), correspondendo ao da aceitação da herança. […]
Termos em que não pode ser reconhecido às próprias autoras, enquanto herdeiras que representam a herança deixada por óbito de J... a qualidade de proprietárias ou de comproprietárias do direito à outra metade da metade indivisa do imóvel reivindicado, antes tendo que se reconhecer singelamente, para além do direito de propriedade sobre metade da metade indivisa do bem da autora B, também que o direito a metade da outra metade indivisa do imóvel em causa integra o acervo hereditário e pertence à herança deixada por óbito de J..., aqui representada pelas respectivas herdeiras, improcedendo a pretensão das autoras quanto ao restante pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre o bem, as quais, quanto à aquisição do direito de propriedade sobre a outra metade indivisa do bem, inscrita no registo a favor de terceiros, que sequer são parte nesta acção, não beneficiam logicamente de qualquer presunção decorrente do registo de que esse direito exista na sua titularidade, antes beneficiando dessa presunção os ditos terceiros, presunção essa que as autoras não ilidiram, sequer tendo invocado factos tendentes a sustentar a aquisição originária do direito de propriedade sobre o imóvel ou sobre parte indivisa dele.
Verifica-se, então, que a B e a dita herança beneficiam da presunção de titularidade do direito de propriedade adveniente do registo, mas com o limite do direito a metade indivisa do bem, devendo, em consequência, ser-lhes reconhecido estritamente esse direito sobre o imóvel, assim procedendo parcialmente esse pedido e improcedendo, no demais, o pedido de reconhecimento do direito de propriedade a favor das autoras ou da herança que representam.
Mais sustentou a decisão recorrida que a ré C não logrou ilidir a presunção que para as autoras decorre do registo, o que se fez dizendo:
“Ora, tomando em atenção o quadro factual antecedentemente expresso, desde logo se impõe concluir não se descortinar da matéria factual apurada nos autos a ocorrência de um concreto acto de constituição da posse correspondente ao exercício do direito de propriedade relativamente ao imóvel reivindicado (prédio urbano – cfr. art.ºs 202.º, n.º 1, 203.º e 204.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Civil) por parte da ré / reconvinte, embora se tenha demonstrado que a mesma reside no imóvel na sequência da tradição que ocorreu por efeito de um contrato promessa de compra e venda celebrado entre o seu antecessor (pai da primeira ré e avô da segunda), o que aquela faz, pelo menos, desde dia não apurado de 1990. […]
Procedendo à interpretação dessa noção de «residência» (ao abrigo do que permite o art.º 236.º, n.º 1, do Código Civil), terá que se entender que é naquele prédio que a ré, com carácter de estabilidade, permanece, dorme, come e desenvolve as tarefas e actividades inerentes à sua subsistência, e assegura as suas necessidades de abrigo, higiene e conforto, inclusive mediante realização de obras, aí podendo ser contactada e / ou encontrada, o que faz de forma contínua e exclusiva.
Assim e no que se refere ao primeiro dos enunciados pressupostos constitutivos da posse (o seu elemento objectivo, o «corpus»), perante a matéria dada por assente, verificamos que existe efectivamente uma actuação fáctica que lhe está subjacente e que tem por simetria os poderes inerentes ao exercício de um direito real de gozo, mormente ao direito de habitação sobre o imóvel (cfr. art.º 1484.º, do Código Civil), em virtude de a detenção e utilização do prédio exercida pela ré / reconvinte representar a exteriorização dos poderes de facto compatíveis com a efectivação desse direito (e, consequentemente, a manifestação extrínseca dos poderes ou faculdades que lhe são inerentes e o compõem, traduzida em concretos actos materiais).
Teríamos, pois, por verificado o «corpus» inerente à posse do imóvel caso o direito de habitação pudesse ser adquirido por usucapião, o que a lei impede no art.º 1293.º, alínea b), do Código Civil, pelo que se mostra arredado este elemento constitutivo da posse para efeito da aquisição por usucapião do imóvel.
Acresce que não se pode extrair daquela singela actuação da ré / reconvinte o «animus» que deve subjazer ao exercício de poderes de facto compatíveis com o direito de propriedade sobre o imóvel, pois não se provou que a mesma actuasse na convicção de ser a legítima dona do imóvel, não se tendo demonstrado que o houvesse adquirido por qualquer título válido, pois o contrato-promessa de compra e venda celebrado por seu antecessor não constitui um negócio jurídico translativo da propriedade sobre um imóvel, tal como este vem definido no art.º 410.º, n.º 1, do Código Civil, enquanto convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, correspondendo in casu o contrato prometido ao contrato de compra e venda de imóvel (art.ºs 874.º e 875.º, do Código Civil) e muito menos quando sequer se evidencia ter sido paga a totalidade do preço ajustado para a compra e venda prometida ou que a ré / reconvinte tenha praticado algum acto apto a inverter a posse para a passar a exercer de forma correspondente ao exercício dos poderes que integram o direito de propriedade.
Com efeito, não se apurou (porque sequer foi alegado) que a ré / reconvinte tenha praticado, perante as autoras ou o autor da herança, qualquer concreta actuação apta a consolidar a inversão do título da posse, isto é, mediante a qual tivesse a ré Anabela Tavares (ou antes dela o seu pai) dado expresso conhecimento às autoras ou ao autor da herança da sua intenção de actuar, a partir de um certo momento, como titular do direito de propriedade sobre o imóvel em causa e que, desse modo, tivesse manifestando uma oposição categórica, traduzida em actos positivos, materiais ou jurídicos, mas inequívocos, reveladores de que pretendia, desde essa confrontação, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem, nem se apurou que tais actos tenham sido praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se opõem, ou que tenha ocorrido acto de terceiro capaz de transferir a posse.
Também se evidencia que a ré / reconvinte permanece naquele imóvel com expressa oposição de quem se presume legítimo proprietário, embora o direito incida sobre uma parte indivisa do bem, por o ter validamente adquirido de acordo com a inscrição registral em vigor, pessoas que a vieram demandar judicialmente, com vista a conseguir a restituição do imóvel que a ré ocupa.
Assim, tomando em atenção o quadro factual antecedentemente expresso não se descortina da matéria factual apurada qualquer acto de constituição da posse correspondente ao exercício do direito de propriedade relativamente ao imóvel reivindicado por parte da ré /reconvinte, porquanto inexistentes os actos demonstrativos da inversão do título da posse, não podendo a ré deixar de saber que não actuava como proprietária do prédio no qual se situa a moradia que ocupa, pois que sabe que o mesmo foi entregue em cumprimento de um contrato promessa, cujo preço do contrato prometido sequer se demonstra ter sido integralmente pago.
Razão pela qual se mostra arredada a verificação do primeiro dos enunciados pressupostos constitutivos da usucapião, na medida em que tendo a ré adquirido o corpus possessório, não lhe assiste no caso o animus possidendi, tendo permanecido ao longo do tempo em que utiliza o bem numa situação de mera detentora, inexistindo uma actuação fáctica associada ao animus possidendi por parte da ré reconvinte que tenha por simetria os poderes inerentes ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real de gozo sobre o imóvel, sendo certo que os direitos de uso e habitação não podem ser adquiridos por usucapião – cfr. art.º 1293.º, alínea b), do Código Civil – e que o mero detentor não pode adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto se inverter o título da posse – cfr. art.º 1290.º, do Código Civil –, o que se não demonstrou ter acontecido, conforme já explicitado.
Pelo exposto e por se não verificarem os pressupostos de que depende a procedência dos pedidos de declaração do direito de propriedade da ré / reconvinte sobre o prédio reivindicado pelas autoras, nem de condenação das autoras / reconvindas a reconhecer esse direito, nem de inscrição registral desse direito, devem as autoras / reconvindas dos mesmos ser absolvidos.
Evidencia-se, assim, que, não tendo a ré / reconvinte ilidido a precedentemente invocada presunção adveniente do registo predial, da qual decorre que as autoras são presuntivos proprietárias de parte indivisa do prédio em causa, deve, em consequência, o tribunal declarar reconhecer-lhes esse direito e condenar a ré a reconhecê-lo, assim procedendo esses pedidos.”
As recorrentes insurgem-se contra o assim decidido referindo, em primeiro lugar, que o prédio prometido vender ao pai da recorrente C referido na alínea I) nunca poderia corresponder ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., porque este foi inscrito no ano de 1983, logo não poderia surgir naquele documento como omisso na matriz e que tal prédio estava construído num prédio rústico com a área de 5 000 m2, o que não corresponde à certidão predial junta aos autos, não podendo um prédio urbano parte integrante de um rústico, ser objecto de negócio jurídico de modo autónomo, o que fazem para sustentar que o artigo ... integra a descrição número ..., sendo que o prédio rústico com 35 000 m2 foi vendido à mãe da ré C, pelo que detém a posse de tal prédio.
Ora, tal como realçam as autoras/recorridas, esta via de argumentação surge apenas inovatoriamente em sede de alegações de recurso, para além de estar em manifesta contradição com a posição assumida pela ré Anabela na sua contestação, em cujos artigos 14º a 16º justificou a posse do prédio em litígio precisamente com base no contrato-promessa de compra e venda referido em I), fazendo-lhe corresponder o artigo matricial ....
Como é sabido, enquanto meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, ou seja, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cf. art.ºs 627.º, n.º 1, 631, n.º 1 e 639.º do CPC) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-07-2016, processo n.º 156/12.0TTCSC.L1.S1 – “[…] não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/...; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1”.
Na verdade, no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação, ou seja, visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí afirmar-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-01-2014, processo n.º 154/12.3TBMGR.C1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2014, processo n.º 1206/11. 2TBCHV.S1 – “os recursos visam a reapreciação de anteriores decisões, sendo excepcional a possibilidade de neles ser vertida ou apreciada matéria nova, de modo que a mencionada limitação do objecto do processo se reflecte directamente na limitação do objecto do recurso.”
Significa isto que, não só pela contradição apontada, mas porque se trata de uma via de fundamentação não suscitada nos autos, não cabe agora conhecer da nova versão que as rés/recorrentes pretenderam trazer para a discussão apenas neste momento.
Do que se trata, pois, é de avaliar se, com base nos factos apurados, a decisão recorrida apreciou correctamente as pretensões deduzidas pelas partes, posto que ambas sustentam que lhes cabe o direito de propriedade sobre o mesma realidade física que identificam como correspondendo a um prédio urbano, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ..., com a composição descrita em E) dos factos provados.
Dispõe o art. 1316º do Código Civil que “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.
       De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 1287º do mesmo diploma legal “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.
A usucapião corresponde a uma forma de aquisição originária de direitos reais, operada através da mutação de uma realidade fáctica em realidade jurídica, facultada mediante o exercício da posse da respectiva coisa, ou seja, quando a actuação de facto de alguém corresponde ao exercício do direito.
Conforme o estipulado no n.º 1 do art. 1275º do Código Civil “A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar”, sendo que a posse pode ser titulada ou não, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta - cf. art. 1258º e seguintes do Código Civil.
A usucapião dos imóveis ocorre quando existe posse durante mais ou menos tempo, consoante as características que esta reveste (art.ºs 1294º a 1297º do Código Civil), sendo que no caso de não haver registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé (cf. art. 1296º do Código Civil).
Se se atentar na causa de pedir que fundamenta a pretensão deduzida pelas autoras/apeladas e, bem assim, naqueloutra que foi deduzida pela ré C em sede reconvencional, verifica-se que ambas as partes pretendem fazer prevalecer o seu direito de propriedade sobre o identificado na alínea E) dos factos provados, limitando-se as primeiras a afirmar-se proprietárias do artigo urbano ..., que integra o acervo hereditário de J... …. e o património da mulher, a autora B, por adquirido por compra realizada em 4 de agosto de 1982, enquanto a segunda invoca a sua aquisição originária, com base no exercício de actos de posse que datariam desde 1989.
É sabido que, de acordo com o art. 7º do CRPredial “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” e que se trata de uma presunção iuris tantum, ou seja, ilidível mediante prova em contrário, actuando no sentido de que o direito registado: a) Existe e emerge do facto inscrito; b) Pertence ao titular inscrito; c) A sua inscrição tem determinada substância (objecto e conteúdo dos direitos ou ónus ou encargos nela definidos...)” – cf. Isabel Pereira Mendes, Código do Registo Predial Anotado, 8ª ed., 1996, pág. 78.
O registo definitivo do direito gera uma presunção de propriedade, embora ilidível pela prova de uma posse mais antiga. Com efeito, a posse confere também ao possuidor uma presunção da titularidade do direito, de tal modo que a posse anterior ao registo ilide a presunção de propriedade dele resultante – cf. art.º 1268º, n.º 1 do Código Civil.
Deste modo, o registo de uma transmissão, tendo uma função meramente declarativa, não dá, nem tira direitos; apenas garante ao adquirente os poderes que o alienante efectivamente tinha sobre a coisa, de modo que a posse anterior ao registo ilide a presunção de propriedade dele resultante. Em caso de conflito de presunções, uma derivada da posse e outra do registo, prevalecerá aquela que for mais antiga – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-2013, processo n.º 74/07.3TCGMR.G1.S1.
No entanto, a finalidade do registo é, tão-somente, a de assegurar que relativamente àquele prédio se verificam certos factos jurídicos, e não também garantir os elementos de identificação do prédio, as suas confrontações, os seus limites, a sua área, porquanto essa descrição pode assentar em meras declarações dos interessados, sem qualquer confirmação por parte do conservador, pelo que a presunção prevista no art. 7º do CRPredial não pode abranger os elementos de identificação do prédio constantes da descrição predial.
Na verdade, não é função das inscrições de registo estabelecer quaisquer presunções acerca das concretas dimensões do prédio alvo da inscrição, seus limites ou confrontações. A função do registo é apenas a de definir a situação jurídica dos prédios, exonerando os titulares inscritos de demonstrarem o facto em que assenta a presunção que dimana do registo, ou seja, que o direito registado existe na sua esfera jurídica.
Por tal motivo, o titular do registo não pode pretender que, pelo facto de certo prédio estar registado em seu nome, se têm por provadas as respectivas dimensões, confrontações e limites.
No caso em apreço, a dificuldade coloca-se, precisamente, porque a presunção de titularidade decorrente do registo abrange uma realidade física muito para além daquela que, em concreto, está em discussão nos autos.
Na verdade, o prédio descrito sob o número ..., qualificado para efeitos de registo como misto, abrange uma área muito maior do que aquela que está aqui em discussão, sendo ali identificado como possuindo uma área 35 000 m2, dos quais 236,8 m2 são de área coberta, nele se integrando um artigo matricial rústico e dois artigos matriciais urbanos.
O art. 1º do CRPredial estipula que o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.
Assim, “o registo predial é um registo de factos relativos a direitos e a ónus que incidem sobre prédios – cuja identificação constitui igualmente objecto do registo – e de que decorre a situação jurídica desses mesmos prédios” – cf. Joaquim de Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, 2016, 8ª Edição, pág. 327.
Sucede, contudo, que o conceito de prédio não é unívoco seja na lei, seja na doutrina.
No art. 204º do Código Civil, sem que seja fornecida qualquer definição de prédio, o conceito deste é delimitado pela sua distinção das águas, plantações e partes integrantes dos prédios e o no n.º 2 estatui: “Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.”
O art.º 2º, n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis define prédio como “toda a fração de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com caráter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fração de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”
O Regulamento do Cadastro Predial, aprovado pelo DL 172/95, de 18 de Julho[13], definia prédio como “uma parte delimitada do solo juridicamente autónoma, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela existentes ou assentes com carácter de permanência, e, bem assim, cada fracção autónoma no regime de propriedade horizontal” – cf. art.º 1º, n.º 1, b).
O DL 224/2007, de 31 de Maio, que visa a criação do SINERGIC – Sistema Nacional de Exploração e Gestão de Informação Cadastral, define prédio como “a parte delimitada do solo juridicamente autónoma, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência” – cf. art. 6º, s).
Tendo em atenção que a finalidade do registo é a segurança do comércio jurídico imobiliário, o conceito de prédio para efeitos de registo deverá ser mais abrangente do que aquele que decorre da lei civil (art. 204º do Código Civil), de modo a incluir todas as coisas imóveis, ou seja, além dos prédios, as águas particulares, com autonomia económica, as plantações e as partes integrantes dos prédios.
Acresce que, nos termos do art. 28º, n.º 2 do CRPredial, na descrição dos prédios urbanos e dos prédios rústicos ainda não submetidos ao cadastro geométrico exige-se a sua harmonização com a correspondente inscrição matricial, pelo que não poderão ser diversos os conceitos de prédio a atender para esse efeito.
Assim, prédio, para efeitos de registo, será “uma parte delimitada do solo, juridicamente autónoma, com as construções, águas, plantações e partes integrantes nele existentes” – cf. Joaquim de Seabra Lopes, op. cit., pág. 331.
Para efeitos de qualificação civil, é indiferente o tipo de inscrição matricial, dada a especialidade dos critérios fiscais, bem como o tipo de descrição predial, sendo certo que a lei alude a “prédio misto”. Em termos civis, um terreno não construído é rústico; o terreno totalmente coberto por um edifício é urbano – cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I – Parte Geral – Tomo II Coisas, 2000, pág. 123.
O art.º 82º do CRPredial admite a distinção da natureza dos prédios em rústica, urbana ou mista, mas não fixa os critérios de diferenciação. O Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, no art.º 5º define prédio misto como aquele que tenha partes rústica e urbana, se nenhuma delas puder ser classificada como principal.
Note-se que um prédio pode resultar da junção de outros ou de suas parcelas (anexação), o que pode originar a apensação de nova ficha às que foram anexadas ou pode resultar de desanexação, isto é, da divisão de um prédio de modo a que dele se destaca uma parte para formar um novo prédio que vai ter descrição própria – cf. art.º 85º do CRPredial.
Nos termos do art. 79º, n.º 1 do CRPredial, a descrição predial tem por finalidade a identificação física, económica e fiscal dos prédios e nos termos do art.º 91º a inscrição destina-se à definição da situação jurídica dessas descrições. Com efeito, o registo tem por função essencial dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis, com ele se pretendendo evidenciar a história da situação jurídica destas desde que foram descritas até ao presente e não garantir tais elementos de identificação, sendo jurisprudência pacífica, como já referido, que a presunção a que alude o art. 7º do CRPredial não abrange os factores descritivos, como as confrontações, limites ou áreas dos prédios.
A distinção de prédio rústico e de prédio urbano é feita casuisticamente, tendo por critério subjacente a destinação ou afectação económica, de modo que um prédio será rústico ou urbano conforme a habitação for fundamentalmente um meio de ligação à terra cultivada ou antes a terra constituir apenas um complemento da habitação e não um fim essencial da ocupação da habitação – cf. neste sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2021, processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1.
Os prédios urbanos são, fundamentalmente, edifícios ou casas, ou seja, construções de certo relevo, que devem estar incorporadas no solo. Assim, o prédio urbano engloba necessariamente uma porção delimitada de solo – cf. António Menezes Cordeiro, op. cit., pág. 130.
Na situação em apreço, o prédio reivindicando está incorporado numa parcela de terreno que se mantém, em termos de registo, abrangida pela descrição número ..., conforme se pode retirar, seja da identificação do prédio urbano que foi objecto de venda ao pai da autora, J... …. (cf. alínea A) dos factos provados), seja da descrição predial e identificação da composição do artigo urbano ... (cf. alíneas B) e E)), quer ainda da identificação dos prédios prometidos vender pelo pai da autora e mulher ao pai da ré C (cf. alínea I), sem prejuízo de, como se referiu, a presunção decorrente do registo não incidir sobre a área do prédio.
Acresce que a sucessão de negócios jurídicos concretizados e prometidos celebrar que incidiram sobre o artigo rústico … da Secção AC e sobre os artigos urbanos ... e ... revelam que estes foram sendo objecto de transmissões enquanto realidades autónomas, que acabaram, porém, por não ter reflexo no registo (atente-se, aliás, que a própria venda do terreno de regadio, com a área de 35 000 m2, descrito sob o número ..., actual número ..., efectuada pelo pai da autora e mulher e por O... ….. à mãe da ré C, I... ……, em 29 de Fevereiro de 1984, não chegou a ser inscrita no registo predial – cf. alíneas C) e G)).
Ainda que a construção em causa nos autos integre o prédio referido B) e que o reconhecimento do direito de propriedade da ré implique o fraccionamento do prédio misto ou da sua parcela rústica, sempre não se mostraria violada norma imperativa, atento o disposto no art.º 1376º do Código Civil e Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril.
Não sobram dúvidas que a actuação da ré C descrita nas alíneas L) e S) a Y) dos factos provados incidiu sobre a construção constituída por cave, com cinco divisões, destinada a garagem e arrumos e rés-do-chão, com cinco salas, cozinha, duas casas de banho, vestíbulo e corredor, tendo aquela utilizado essa construção como sua habitação, onde instalou a sua casa de morada de família, desde dia não concretamente apurado do ano de 1990, sendo ali que guarda os seus bens e onde criou os seus filhos, tendo procedido a diversas obras, seja de instalação eléctrica, canalização, pintura e modificação de divisões e vedação, o que fez na convicção de ser dela proprietária (cf. alínea V) e Z)), perante todos, sem oposição de ninguém.
Ou seja, tal actuação incidiu sobre aquilo que se pode considerar um edifício, enquanto prédio urbano com autonomia económica e individualizado, tanto que foi usado, de modo exclusivo, pela ré C e sua família, desde 1990, conferindo-lhe a utilidade inerente ao fim de habitação própria.
Entendeu o Tribunal recorrido que as autoras beneficiavam da presunção de titularidade decorrente do registo e que essa presunção não tinha sido afastada pela ré, porquanto os actos que revelam o exercício de poderes de facto sobre o imóvel não seriam actos de posse, pois que a celebração do contrato-promessa referido em I) não transmitiu a propriedade nem a posse, sendo a ré Ca mera detentora enquanto não invertesse o título da posse perante aquele em cujo nome possuía, o que não sucedeu, pelo que, não existindo animus possidendi, não teria logrado demonstrar os pressupostos da aquisição por usucapião.
Parece claro que a jurisprudência tem entendido que o contrato-promessa não é susceptível, por si só, de transmitir a posse ao promitente-comprador, de modo que a tradição da coisa prometida vender, baseada na pressuposição e expectativa de que será cumprido o contrato definitivo, equivalendo, quando muito, à concessão ao promitente-comprador de uma situação equiparável a um direito pessoal de gozo, apenas origina, normalmente, uma situação de mera detenção, enquadrável no art.º 1253º do Código Civil – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª Edição Revista e Actualizada, pág. 6.
De todo o modo, a qualificação da natureza da posse do beneficiário da tradição da coisa, no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, depende fundamentalmente de uma ponderação casuística que atenda aos termos e ao conteúdo do negócio, às circunstâncias que o rodearam e às vicissitudes que se lhe seguiram, podendo verificar-se situações em que a traditio não teve originariamente como pressuposto subjacente à vontade dos contraentes a realização do contrato definitivo ou em que, supervenientemente, ocorreram vicissitudes na vida da relação contratual determinantes de uma radical mudança no título que tinha justificado a entrega, a título precário e limitado, ao promitente-comprador, enquadráveis na figura da inversão do título da posse – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015, processo n.º 3566/06.8TBVFX.L1.S2.
Não obstante no caso concreto não ter sido paga a totalidade do preço e apesar de se ter consignado no contrato-promessa que os promitentes-compradores entram de imediato na “posse dos bens” (cf. alínea I)), devendo estes assumir todos os encargos inerente à coisa, certo é que os demais elementos apurados não permitem sequer aferir em que termos o promitente-comprador, M..., pai da ré C, passou a exercer, se os exerceu, actos materiais sobre a coisa e menos ainda qual terá sido a verdadeira intenção das partes quanto ao assim clausulado.
Os factos apurados revelam apenas que foi a ré C quem, desde dia não apurado do ano de 1990, começou a utilizar a construção que corresponde ao artigo matricial .... Apesar de estar demonstrado que esta ré efectuou as obras descritas em W), X) e Y), na convicção de que, por efeito do contrato-promessa referido em I), era proprietária da construção (cf. alínea Z)), daí não se retira que os seus actos materiais sobre a coisa tenham radicado na tradição decorrente desse contrato-promessa e que tenha actuado e agido sobre o prédio na expectativa da celebração do contrato definitivo, tanto mais que não era ela a promitente-compradora.
Pelo contrário, a factualidade provada revela que a ré C actuou sobre o imóvel, à vista de todos e na convicção de ser sua proprietária, convicção que, inclusivamente, transmitiu aos seus filhos, sendo que a intenção de domínio não tem de ser manifestada de modo explícito e menos ainda por palavras, pois o que releva é que tal intenção se infira do próprio modo de actuação ou de utilização.
A posse que releva para efeitos da usucapião é a posse tal como é definida pelo art. 1251º do Código Civil: “Posse é o poder de facto que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”
Tal poder terá que ser entendido como um poder jurídico e não simplesmente fáctico, pois a lei distingue-o da mera actuação de modo correspondente ao exercício de um direito.
Assim, a posse terá que ser delimitada como uma situação jurídica, como a exteriorização do exercício de um outro direito, tendo para o mundo jurídico o mesmo significado que este, ainda que desacompanhado da sua titularidade substancial, podendo inclusive, haver o direito posse dissociado do exercício dos poderes fácticos (cf. art. 1267º, n.º 1, d) do Código Civil).
São elementos integrantes da posse o corpus, que, como elemento externo, se identifica com a prática de actos materiais sobre a coisa, ou seja, com o exercício de certos poderes de facto sobre o objecto, de modo contínuo e estável, e o animus que, como elemento interno, se traduz na vontade ou intenção do autor da prática de tais actos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos actos realizados.
Ainda que se exija a presença simultânea desses dois elementos, dada a dificuldade em demonstrar a posse em nome próprio, ou seja, do animus, a lei estabeleceu uma presunção (iuris tantum) deste a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus - cf. art. 1252º, n.º 2 do Código Civil.
A posse de uma coisa é uma actuação material intencionada ao aproveitamento das suas vantagens como se dono fosse.
Só a posse exercida em nome próprio e que revista as características de pacífica, titulada, de boa-fé e exercida durante certo lapso de tempo conduz à usucapião, enquanto modo de constituição de direitos reais (e não de transmissão).
X Fernandes refere que para ocorrer o apossamento é necessária “uma intensidade particular da actuação material sobre a coisa. Assim, a necessidade de a prática de actos materiais ser reiterada significa, não só uma certa repetição da actuação material sobre a coisa, mas também, e sobretudo, a necessidade de ela ser significativa da intenção de se apoderar dela” – cf. Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 1996, pág. 259.
Por esclarecedor transcreve-se a este propósito o que se afirma no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-12-2016, processo n.º 651/15.9T8VIS.C1:
“Como escreveu Orlando de X, in RLJ, n.º 3780, a pág. 66, para que se verifique o exercício de poderes de facto sobre uma coisa não existe a necessidade de um contacto físico com a coisa, para tal bastando que“… a coisa entre na nossa órbita de disponibilidade fáctica, que sobre ela podemos exercer (querendo), poderes empíricos; basta a entrada factual de uma coisa em certa órbita de senhorio ou de interesses.”
Ou, como escreve Durval Ferreira, in Posse e Usucapião, 3.ª edição, Almedina, 2008, a págs. 152 e 155, são elementos do corpus, todos os elementos materiais quer da coisa, quer da sua relação estancial com um sujeito ou de espaço que, à luz do consenso público permitam, relevantemente, a valoração, o entendimento, de entre o sujeito e a coisa existir uma relação de senhorio de facto, à imagem de uma relação empírica de domínio e para que a coisa entre na disponibilidade fáctica de um sujeito, deve atender-se à energia do acto de apreensão, à sua perdurabilidade e à natureza do direito que se pretende adquirir. […]
Na mesma esteira, o Acórdão do STJ, de 11/12/2008, Processo 08B3... […] segundo o qual “… a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica necessariamente que ela se traduza em actos materiais, pelo que há corpus da posse enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a actuação material sobre ele.”
No entanto, para que a posse possa conduzir à usucapião, tem de revestir determinadas características (as descritas no artigo 1258.º do CC), em que se inclui a exigência de ser uma posse pacífica e que tem de ser complementada com a prática reiterada dos actos de posse, de acordo com o estatuído no artigo 1263.º, alínea a), do Código Civil.
Para além de que, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a pág.s 25 e 26, sem a prática reiterada e pública dos actos de posse, nos termos do artigo 1263.º, al. a), do CC, a posse não existe, nem se constitui, valendo esta alínea como um complemento ou uma confirmação do conceito de posse expresso no artigo 1251.º (do Código Civil).”
Os factos apurados viabilizam a afirmação do estabelecimento de uma relação de exercício de poderes de facto entre a apelante C e o prédio reivindicado, que desde há mais de vinte anos tem a disponibilidade fáctica relativamente à coisa, ao imóvel, sobre o qual sempre se comportou, à vista de todos, como se dona fosse, nele residindo, juntamente com a sua família, executando obras e melhoramentos, de modo público e pacífico, que revelam o seu domínio sobre o bem, o que não só é bastante para caracterizar o corpus da posse e, mais do que isso, para se lhe associar o animus possidendi, ou seja, o exercício do poder de facto com a intenção de exercer o direito real correspondente (direito de propriedade).
Ademais, tal está em consonância com o Assento (hoje AUJ) de 14 de Maio de 1996[14], que sancionou a solução que emerge do art.º 1252º, n.º 2 do Código Civil, dispensando em determinadas situações a prova da existência do elemento subjectivo da posse como requisito da prescrição aquisitiva estabelecendo “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.
E contra este entendimento não releva a circunstância de as obras executadas não o terem sido à vista e perante J... ….. e autoras, que as desconheciam, porquanto, por um lado, apenas relativamente aos actos consistentes em tais intervenções no prédio se deu como provado o desconhecimento por parte das autoras e de J... e, por outro lado, durante mais de 20 anos, nem este, nem aquelas visitaram o edifício, efectuaram qualquer intervenção ou solicitaram o pagamento de rendas, sendo que, tendo conhecimento que tal edifício integrava o seu património e tinha sido objecto de um contrato-promessa, revelaram manifesto desinteresse pelo seu destino e pela utilização que dele era feita, quando o podiam ter feito.
A ré C, enquanto possuidora, goza da presunção da titularidade do direito, sendo certo que a presunção decorrente do registo de que beneficiam as autoras é posterior ao início da posse daquela – cf. alíneas C) e S) dos factos provados.
Porquanto os actos de posse praticados pela ré C  e mantêm desde dia não apurado do ano de 1990 e perduraram durante mais de vinte anos, tendo em conta a data da propositura da acção (14-05-2017), a ré/reconvinte logrou demonstrar os pressupostos para a aquisição de tal imóvel por usucapião – cf. art.ºs 1287º, 1288º, 1289º, n.º 1 e 1296º do Código Civil.
Com tais fundamentos, impõe-se julgar procedente a presente apelação e revogar a decisão recorrida, na parte em que declarou a autora B proprietária do direito a metade da metade indivisa do prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de Alcochete, com a área total de 35 000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o número ... e que o direito à outra metade dessa mesma metade indivisa integra o acervo hereditário e pertence em comum com aquela autora, à herança de J... …., condenando as rés a reconhecerem esse direito de propriedade (alíneas a) e b) do ponto I do dispositivo da sentença recorrida), e, bem assim, na parte em que julgou a reconvenção improcedente (ponto II do dispositivo), que deve ser substituída por outra que reconheça a aquisição do direito de propriedade pela ré C, relativamente ao edifício identificado na alínea E) dos factos provados, por usucapião.
Procede, assim, a apelação.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
As rés/recorrentes obtêm provimento quanto à pretensão que trouxeram a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a cargo das autoras/recorridas.
Face ao ora decidido impõe-se também alterar a condenação em custas em 1ª instância, cuja responsabilidade deverá ser atribuída, na acção e na reconvenção, às autoras - cf. António Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 282 – “O resultado obtido no recurso de apelação pode determinar ainda uma modificação da decisão sobre custas que tenha sido proferida no tribunal a quo.”
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, e, em consequência:
a. revogar as alíneas a) e b) do ponto I e o ponto II do dispositivo da sentença recorrida, julgando improcedente o pedido das autoras de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio em litígio;
b. declarar que a ré C é proprietária do prédio urbano localizado no ..., Alcochete, em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, construído em tijolo e coberto de telha, composto de cave e rés-do-chão, a cave tem 5 divisões e destina-se a garagem e arrumos; o rés-do-chão destina-se a habitação e tem 5 salas, cozinha, 2 casas de banho, vestíbulo e corredor, sendo a área total do terreno de 166,00 m2, a área de implantação do edifício de 166,00 m2, a área bruta de construção de 304,00 m2, área bruta dependente de 166,00 m2 e área bruta privativa de 138 m2, inscrito na matriz sob o artigo ..., por o ter adquirido por usucapião.
Custas da apelação e da acção a cargo das autoras/apeladas.
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Lisboa, 9 de Abril de 2024[15]
Micaela Marisa da Silva Sousa
Luís Filipe Pires de Sousa
Paulo Ramos de Faria
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, jan. 2014 acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf.
[3] Acessível na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt, onde se encontram disponíveis todos os arestos adiante mencionados sem indicação de origem.
[4] Embora a opção por tal técnica possa merecer acolhimento em contexto de gestão processual do titular do processo.
[5] Cf. Ref. Elect. 19225802.
[6] Cf. Ref. Elect. 18592207.
[7] Cf. Ref. Elect. 420454721.
[8] Adiante designado por CRPredial.
[9] Cf. Ref. Elect. 18592207.
[10] Cf. Ref. Elect. 366486818.
[11] Cf. Ref. Elect. 368591677.
[12] Cf. Ref. Elect. 19735381.
[13] Revogado pelo art.º 89º do DL 72/2023, de 23 de Agosto, que aprovou o regime jurídico do cadastro predial, estabeleceu o Sistema Nacional de Informação Cadastral (SNIC) e a carta cadastral como registo único e universal de prédios em regime de cadastro predial e em cujo art.º 3º, l) se define prédio como “porção delimitada do solo juridicamente autonomizada, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nele incorporadas ou assentes com carácter de permanência.”
[14] Publicado in DR II Série de 24-06-1996, Processo n.º 85.204.
[15] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.