PROPRIEDADE INTELECTUAL
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
MARCA
IMITAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Sumário

1. Tendo em conta as especificidades do regime (administrativo) de concessão de direitos industriais e subsequente recurso judicial sobre as decisões proferidas pelo INPI, não são aplicáveis as regras relativas ao ónus de impugnação previstas no artigo 574.º do Código de Processo Civil, em concreto, quanto aos efeitos da falta de impugnação específica de um determinado facto.
2. Tal não significa que a matéria de facto fixada não possa ser alterada em sede de recurso de apelação (artigo 45.º, n.º 1, do CPI e artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil), caso tal se afigure necessário para a boa decisão da causa e resulte de meios de prova juntos de forma tempestiva. Contudo, nos presentes autos não se vislumbra qualquer necessidade em alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo.
3. Para efeitos do disposto no artigo 238.º, n.º 3 do CPI, uma marca será de fantasia quando é carente de significado concetual o que não é o caso relativamente ao termo “resolve”.
4. No caso concreto inexiste afinidade entre produtos e/ou serviços assinalados pelas marcas em confronto, pelo que não se mostra preenchido um dos requisitos essenciais do conceito de imitação de marca (artigo 238.º, n.º 1, al. b), do CPI).
5. A determinação do conteúdo de conceitos legais, tal como a “afinidade entre produtos ou serviços” e, dentre deste, serviços “acessórios” ou “complementares”, constitui matéria de direito. Já a questão de saber se determinado serviço ou produto pressupõe, em determinadas circunstâncias, a utilização de um outro serviço ou produto, trata de matéria de facto.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
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Relatório

Recorrente: WORTEN - EQUIPAMENTOS PARA O LAR, S.A. (doravante Worten).
Recorrida: YOUBIZ, LDA. (doravante Youbiz)

1 A Worten veio, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º, al. a) do Código da Propriedade Industrial, interpor recurso, junto do TPI, do despacho do Diretor de Marcas do INPI que concedeu o registo da marca nacional n.º 694872,
, à Youbiz, para assinalar serviços de “desinfeção de superfícies interiores de casas para reduzir a propagação de vírus e microrganismos; desinfeção de instalações; desinfeção”, da classe 37 da Classificação de Nice, pedindo que fosse revogado o despacho recorrido e recusado o registo de Marca.
2. Citada, a Youbiz apresentou resposta ao recurso no TPI, pugnando pela manutenção do despacho de concessão da marca proferido pelo INPI.
3. O recurso perante o TPI foi julgado improcedente.
3. De tal decisão apelou agora a WORTEN, formulando as seguintes
CONCLUSÕES E PEDIDO (transcrição integral)
“A) Impugnação da decisão sobre matéria de facto
1. Com a petição de recurso, alegaram-se os factos dos artigos 4.º a 9.º e, para prova destes, ofereceram-se os documentos n.ºs 4 a 6, que são aqui por reproduzidos.
2. A Recorrida não contestou o recurso e, consequentemente, não impugnou os referidos factos, razão por que deverão ser dados por admitidos, por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do CPC.
3. Na douta sentença recorrida não existe qualquer fundamentação da decisão de não dar esses factos por provados, não obstante ser manifesta a sua relevância para a decisão.
4. O pedido de registo anterior de uma marca igual à marca registanda e que foi recusado (com fundamento em imitação das marcas da Recorrente e em concorrência desleal), não pode deixar de ser considerada como factualidade muito relevante para se apurar a intenção da Recorrida no pedido de registo sub judice.
5. Por consequência, pede-se a este tribunal que dê por provados os factos dos artigos 5.º a 9.º da petição de recurso, e acrescentados à matéria de facto dada por provada, com a redacção seguinte:
- Antes de a Recorrida ter requerido o registo da marca nacional n.º 694872, em 07/11/2022, requereu ao INPI, em 17/12/2021, o registo da marca nacional n.º 677789 , para assinalar “serviços de limpeza doméstica; serviços de limpeza”, da classe 37 – cf. Doc. n.º 4 junto à P.I.
- Esse pedido de registo foi recusado, por despacho do INPI de 12/07/2022, publicado no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) n.º 138/2022, de 15/07/2022 – cf. Docs. n.ºs 5 e 6 juntos à P.I.
- No despacho de recusa desse registo (cf. Doc. n.º 5 junto à P.I.), o INPI considerou o seguinte:
“(…) entre os serviços que se pretende identificar com a marca em estudo na classe 37ª (“serviços de limpeza doméstica; serviços de limpeza”) da Classificação Internacional de Nice, e os serviços acima transcritos e relativamente aos quais as marcas prioritárias se encontram registadas, da mesma Classificação, estabelece-se, em nosso entender, um elo de identidade e de afinidade, na medida em que poderá induzir o consumidor em erro ou confusão.
Subjacente ao conceito de afinidade dos serviços, está o facto de estes serem concorrentes no mercado, satisfazerem a mesma utilidade e destinarem-se à mesma finalidade.” – sublinhados sempre nossos.
(…)
Do confronto entre o sinal requerido e a marca anteriormente registada, constata-se que o elemento dominante e em destaque da marca em análise – “RESOLVE (JÁ)” – reproduz o elemento dominante e em destaque do sinal prioritariamente registado – “WORTEN RESOLVE” –, circunstância que, salvo melhor opinião, dificilmente permitirá a sua destrinça, uma vez que poderá induzir o consumidor na crença, indevida, de que provêm da mesma origem empresarial ou que existe uma relação entre as duas entidades que se propõem a satisfazer um serviço no mercado.”.
Com efeito, torna-se evidente que o sinal proposto a registo retrata o elemento dominante que compõe o sinal obstativo, sendo precisamente este o que perdura na memória do consumidor quando confrontado com os sinais em apreço.
Concordamos ainda com a argumentação apresentada em sede de oposição na medida em que o sinal proposto a registo apresenta um lettering muito idêntico aos direitos anteriores, confirmando-se, assim, uma similitude gráfica entre os sinais em cotejo.
Por conseguinte, e partilhando os conjuntos em comparação o termo “RESOLVE” em especial destaque, consideramos que há o risco de impelir o público-alvo a crer, indevidamente, que a marca em estudo identifica uma variante do sinal prioritário.
No que respeita às alegações apresentadas na contestação (ponto 8º), cumpre frisar que o INPI não está vinculado a decisões administrativas relativas a registos anteriores, tal como deflui do juízo proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito dos Processos C-39/08 e C-43/08: “a autoridade competente de um Estado-Membro chamada a pronunciar-se sobre um pedido de registo de marca não é obrigada a desconsiderar os motivos de recusa (…) e a acolher esse pedido pelo facto de o sinal cujo registo enquanto marca é pedido ser composto de forma idêntica ou comparável a um sinal relativamente ao qual já aceitou o registo enquanto marca e que se refere a produtos ou serviços idênticos ou semelhantes”.
Desta feita, as decisões anteriores não viabilizam por si só a concessão do atual registo, já que os critérios de análise evoluem, bem como as tendências de mercado.
Sem embargo, e analisando o exemplo apresentado que se destina aos mesmos serviços da classe 37ª, nomeadamente a marca nacional n.º 611008 “O CHICO RESOLVE”, verifica-se que a coexistência de direitos resulta da dissemelhança da impressão global transmitida pelas marcas em comparação, na medida em que apresentam mais elementos verbais e figurativos que as permite distinguirem-se no mercado.
Entendemos que, quanto maior for a proximidade entre os produtos e serviços, maior terá que ser a diferença entre os respetivos sinais para que os registos possam coexistir no mercado.
Deste modo, e tendo em conta a afinidade dos serviços do requerente e dos registos anteriores, consideramos que os sinais em confronto não apresentam distância suficiente entre si para evitar riscos de indução em erro e de associação.
Em suma, acreditamos que a marca em apreciação constitui uma imitação dos direitos invocados na reclamação e que, independentemente da intenção da requerente, poderia promover atos de concorrência desleal.
Proposta de decisão
Em face do exposto, reputando-se a reclamação procedente, propõe-se o indeferimento do presente pedido de registo, nos termos do n.º 3 do artigo 229.º do CPI e com os fundamentos acima indicados».
- No mesmo despacho concluiu-se:
“Em suma, (…) a marca em apreciação constitui uma imitação dos direitos invocados na reclamação e que, independentemente da intenção da requerente, poderia promover atos de concorrência desleal.”.
- A Recorrida não interpôs recurso dessa decisão de recusa do pedido de registo de marca n.º 677.789, que se tornou definitiva – cf. Doc. n.º 4.
Pelos mesmos motivos invocados sobre os factos anteriores, devem ser dados por provados os factos alegados nos artigos 23.º, 24.º e 35.º da P.I. (cf. Worten Resolve | Especialistas que resolvem tudo e Doc. n.º 9 junto à P.I.), com a redacção seguinte:
- A Recorrente anuncia e oferece na sua página da Internet, entre outros, os serviços de “Limpezas em Geral”, que compreende serviços de “Limpeza Única”, “Limpeza Profunda” e “Limpeza Pós-Obra”.
- A Recorrida utiliza a marca registanda no seu perfil do “Facebook” para assinalar serviços de “reparações & manutenções”, do modo seguinte:
               
- A Recorrida está a usar a marca registanda da forma seguinte:

6. Estes factos não foram contestados e são manifestamente relevantes para a decisão, por evidenciarem que a Recorrida usa a marca registanda de forma a agravar a possibilidade de confusão com as marcas da Recorrente.
7. Revelam, ainda, que a marca registanda é usada para assinalar serviços idênticos aos protegidos pelas marcas da Recorrente e diferentes daqueles para que foi pedida a marca sub judice, que são semelhantes aos serviços para que foi pedida e recusada a marca n.º 677789, o que demonstra a capciosidade do pedido de registo em apreço.
8. Na sentença não se fundamenta por que não foram dados por provados esses factos, nem por que não foram considerados relevantes para a decisão.
B) Imitação de marca
9. Na decisão recorrida considerou-se que a marca da Recorrida não imita as marcas da Recorrente, por considerar que não se estabelece uma relação de identidade ou de afinidade entre os serviços a que se destinam as marcas em confronto.
10. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o requisito de imitação de marca da susceptibilidade de erro ou confusão da marca registanda com as marcas da Recorrente – cf. art.º 238.º, n.º 1, alínea c) do C.P.I.
11. A decisão recorrida não se coaduna com o conceito legal de imitação de marca, tal como definido no artigo 238.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.I.
12. Sendo as marcas em confronto de formação mista, é notório que o carácter distintivo de cada uma delas encontra-se na palavra RESOLVE.
13. Perante essa palavra, por si só, o consumidor é incapaz de descortinar a que produtos ou serviços se destina a marca, o que torna esse termo uma denominação de fantasia.
14. Ou seja, o elemento característico e distintivo da marca registanda RESOLVE JÁ reproduz a denominação de fantasia RESOLVE das marcas da Recorrente, razão por que a douta sentença recorrida violou, por omissão de aplicação, o comando do n.º 3 do artigo 238.º do C.P.I., devendo concluir-se que a marca registanda imita as marcas da Recorrente, nos termos desse preceito legal.
15. Acresce que, mesmo que o Tribunal a quo concluísse, como concluiu, que as marcas em cotejo não se destinam a assinalar serviços idênticos ou afins – no que não se concede –, ainda assim, em face da evidência de que se caracterizam pelo mesmo elemento característico e distintivo, não podia dispensar-se de se pronunciar sobre o requisito de imitação de marca da susceptibilidade de confusão ou erro fácil da marca registanda com as da Recorrente.
16. Com efeito, perante tão elevada semelhança gráfica e fonética entre as marcas, a comparação deve obedecer ao chamado princípio da interdependência (entre os requisitos de imitação de marca), definido no acórdão do Tribunal de Primeira Instância da União Europeia de 18/06/2008 (Processo C-766/18 P), nos termos acima citados.
17. A boa aplicação ao caso do referido princípio de propriedade industrial não seria ociosa, bem pelo contrário, não permitia ao Tribunal a quo dispensar de se pronunciar sobre o requisito de imitação de marca da confusão ou de associação, tal é a semelhança entre as marcas em confronto.
18. Acresce que ficou evidenciado que a Recorrida, na sequência da recusa do registo de uma marca igual à registanda – com fundamento, precisamente, em imitação das marcas da Recorrente e no reconhecimento de que, independentemente da intenção da requerente, poderia promover atos de concorrência desleal –, pediu o registo de marca aqui em causa, com uma alteração da lista de serviços em relação ao pedido anterior, mas que continua a usar a marca registanda para serviços idênticos ou afins aos protegidos pelas marcas da Recorrentes.
19. Essa realidade reforça que na formação do juízo sobre imitação de marcas, não se afaste a avaliação da susceptibilidade de erro ou confusão e do risco de associação da marca registanda com as marcas da Recorrente, recorrendo para tanto ao princípio da interdependência entre os requisitos de imitação de marca das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 238.º do C.P.I.
20. Assim se procedendo, como parece curial, afigura-se claro que, perante as elevadas semelhanças gráficas e fonéticas da marca registanda com as marcas da Recorrente – tanto considerando o sinal tal como pedido, sem reivindicação de cores, como, ainda maior, na forma como está a ser usada, em que é copiada a combinação de cores das marcas da Recorrente, e usada para assinalar serviços de «reparações & manutenções», que não são os constantes do pedido –, conclui-se que constitui uma imitação das marcas da Recorrente – cf. art.º 238.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.I.
C) Concorrência desleal
21. Sobre este motivo de recusa do registo de marca, importa salientar que na sentença não se deram por provados os factos dos artigos 5.º a 9.º, 23.º, 24.º e 35.º da P.I., que se reputam de essenciais para a decisão sobre a questão da possibilidade de a marca registanda possibilitar à Recorrida cometer actos de concorrência desleal.
22. Tais factos foram acima objecto de impugnação da decisão sobre matéria de facto, e, na eventualidade de esta Relação decidir dá-los por provados, como se espera, deverão enfileirar na decisão sobre concorrência desleal.
23. Existe uma relação de complementaridade e associação entre os “serviços de desinfeção” de casas e instalações a que se destina a marca “RESOLVE JÁ” com os “serviços de reparação” assinalados pelas marcas “RESOLVE” da Recorrente, no que respeita à reparação de “eletrodomésticos para a cozinha” e “aparelhos de iluminação, de aquecimento, de refrigeração, de produção de vapor, de cozedura, de secagem, de ventilação”, isto é, a reparação de aparelhos domésticos ou “de casa”.
24. Os mencionados produtos, sobre os quais a Recorrente presta serviços de reparação doméstica, necessitam amiúde de serviços de desinfeção, que são mais um serviço, um “plus” que é proporcionado pelo mesmo tipo de empresas de reparação e manutenção doméstica, situadas no mesmo mercado relevante.
25. Para um consumidor médio é expectável que uma marca de serviços de reparação de aparelhos e eletrodomésticos no geral, também preste serviços de desinfeção dos mesmos e vice-versa.
26. Tanto assim, que a Recorrente anuncia e oferece na sua página da Internet, entre outros, os serviços de “Limpezas em Geral”, que compreende serviços de “Limpeza Única”, “Limpeza Profunda” (a qual, naturalmente, inclui desinfeção de espaços e de electrodomésticos) e “Limpeza Pós-Obra” – cf. Worten Resolve | Especialistas que resolvem tudo e Doc. n.º 9 junto à P.I.
27. E, por banda da Recorrida, verifica-se que está a utilizar a marca registanda (por exemplo, no seu perfil do “Facebook”) para assinalar serviços de “reparações & manutenções” – cf. (1) Facebook
28. É a própria Recorrida que confirma que uma empresa que presta os serviços a que se destina a marca registanda – “desinfeção de superfícies interiores de casas para reduzir a propagação de vírus e microrganismos; desinfeção de instalações; desinfecção” –, também presta serviços de “reparações & manutenções”, sob a marca registanda.
29. A maior ou menor afinidade que se estabelece entre os serviços a que se destinam as marcas em confronto, é agravada pela elevada semelhança gráfica e fonética entre as marcas, à luz do princípio da interdependência entre os factores comparativos entre marcas.
30. É por isso bastante provável que os consumidores ao se depararem com a marca RESOLVE JÁ, suponham tratar-se da marca RESOLVE que já conheciam, da Recorrente, ou a associem a esta.
31. Acresce que, como se alegou no artigo 35.º da P.I., para “garantir” que a marca registanda se confundirá “mesmo” com a marca da Recorrente, a Recorrida usa-a com o mesmo aspecto cromático daquela, não obstante ter seguido o estratagema de pedir o registo dessa marca sem reivindicação de cores.
32. O pedido de registo em apreço deve ser recusado, também, por força do disposto no artigo 232.º, n.º 1, alínea h), do CPI.
33. Conclui-se que a sentença recorrida deve ser revogada e recusado o pedido de registo sub judice, com fundamento no disposto no artigo 232.º, nº. 1, alíneas b) e h) do C.P.I.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento dos Muito Dignos Desembargadores desta Relação, deve a sentença recorrida ser revogada, e, em consequência, ser substituído pela recusa do registo da marca nacional n.º 694872, assim se fazendo JUSTIÇA!”
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4. A Recorrida apresentou Resposta ao recurso de apelação, pugnando pela manutenção do decidido em primeira instância.
5. Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
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Questões a decidir
a) Os factos alegados nos artigos 5.º a 9.º e nos artigos 23.º, 24.º e 35.º da petição de recurso devem ser acrescentados à matéria de facto dada por provada?
b) Apesar da diferença entre os produtos e serviços assinalados pelas marcas em confronto, o elemento característico e distintivo da marca registanda RESOLVE JÁ reproduz a denominação de fantasia RESOLVE das marcas da Recorrente, razão por que deve ser aplicado o n.º 3 do artigo 238.º do C.P.I. e concluir-se que a marca registanda imita as marcas da Recorrente?
c) Apesar da diferença entre os produtos e serviços assinalados pelas marcas em confronto, atenta a elevada semelhança gráfica e fonética entre as marcas em confronto, e o princípio da interdependência, a marca registanda deve ser considerada uma imitação das marcas da Recorrente, ao abrigo do artigo 238.º, n.º 1, do CPI?
d) Com o registo da marca concedido à Recorrida esta pode praticar atos de concorrência desleal, independentemente de intenção, o que também deveria ter conduzido à recusa do respetivo registo?
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Fundamentação
6. A decisão recorrida fixou a factualidade nos termos que se passa a expor.
“A) Os factos provados
Considerando a posição das partes e os documentos juntos aos autos, resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1) A Recorrida deduziu pedido de registo em 7/11/2022 da marca nacional n.º 694872 , para assinalar produtos/serviços da classe 37: “desinfeção de superfícies interiores de casas para reduzir a propagação de vírus e microrganismos; desinfeção de instalações; desinfecção”, concedido em 19/04/2023.
2) A Recorrente é titular da marca nacional n.º 644053 , requerida em 5/06/2020 e concedida em 14/09/2020 para assinalar os seguintes produtos serviços da classe 37: serviços de reparação de telemóveis, portáteis, consolas, electrodomésticos (grandes e pequenos), televisores, equipamentos electrónicos.
3) A Recorrente é titular da marca da UE n.º 018495385 , requerida em 17/06/2021 e concedida em 9/12/2021, destinando-se a assinalar, na classe 37, serviços de reparação de computadores portáteis, consolas de jogos, televisores, equipamento de telecomunicações, equipamento de tecnologia de informação e audiovisuais, eletrodomésticos para a cozinha, aparelhos de telecomunicações, telemóveis, relógios inteligentes, dispositivos electrónicos digitais móveis e de mão e outros produtos de eletrónica de consumo, especificamente software e acessórios de computador, aparelhos e instrumentos de fotografia, navegação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de refrigeração, de produção de vapor, de cozedura, de secagem, de ventilação.
B) Os factos não provados
4) Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.”.
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Do mérito do recurso
Os factos alegados nos artigos 5.º a 9.º e nos artigos 23.º, 24.º e 35.º da petição de recurso devem ser acrescentados à matéria de facto dada por provada?
7. Conforme resulta das conclusões supra expostas no Relatório, nesta sede alega a Recorrente que “[a] Recorrida não contestou o recurso e, consequentemente, não impugnou os referidos factos, razão por que deverão ser dados por admitidos, por acordo, nos termos do artigo 574.º, n.º 2 do CPC.”.
8. Mais alega que “[n]a douta sentença recorrida não existe qualquer fundamentação da decisão de não dar esses factos por provados, não obstante ser manifesta a sua relevância para a decisão.”.
9. Quanto ao primeiro argumento adiantado pela Recorrente, ora referida em 7, entendemos que não é aqui aplicável o disposto no artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
10. O recurso judicial de uma decisão do INPI, regulado nos artigos 38.º e ss., do CPI, trata de um processo declarativo especial, onde não está sequer prevista uma fase autónoma de instrução.
11. Por sua vez, o recurso judicial é necessariamente precedido de um procedimento administrativo (no INPI), regulado nos artigos 9.º e ss., do CPI.
12. O fim deste procedimento é a concessão de determinado direito industrial que, como se sabe, em regra depende do registo. No plano do registo do direito industrial o procedimento administrativo terá em vista, no que a marcas concerne, a verificação dos respetivos requisitos nomeadamente a não verificação de motivos relativos de recusa, o que pressupõe a compatibilidade entre o registo requerido e registos prioritários.
13. Atento o apontado fim do procedimento administrativo - a concessão, pelo registo, de determinado direito industrial – compreende-se que a lei apenas preveja a prova documental (artigo 19.º) e a prova por vistoria (artigo 20.º).
14. Nestes termos, tendo em conta as descritas especificidades do sistema de concessão de direitos industriais e subsequente recurso judicial sobre as decisões proferidas pelo INPI, julgamos que não são aqui aplicáveis as regras relativas ao ónus de impugnação previstas no artigo 574.º do Código de Processo Civil, em concreto, quanto aos efeitos da falta de impugnação específica de um determinado facto.
15. Tal não significa, contudo, que a matéria de facto fixada não possa ser alterada em sede de recurso de apelação (artigo 45.º, n.º 1, do CPI e artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil), caso tal se afigure necessário para a boa decisão da causa e resulte desde logo de meios de prova juntos de forma tempestiva.
16. Decorre da decisão recorrida que esta não considerou relevantes os factos ora em causa. Com efeito, em sede de factos não provados, o tribunal a quo deixou consignado que “[i]nexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir”. A Recorrente discorda desta conclusão.
17. Vejamos.
18. O primeiro conjunto de factos ora em causa (alegados nos artigos 5.º a 9.º da petição de recurso judicial), referem-se a um pedido de registo anterior de uma marca e que foi recusado pelo INPI. O pedido em causa terá sido apresentado em 17/12/2021 e dizia respeito ao registo da marca nacional n.º 677789, , que se destinaria a assinalar “para assinalar “SERVIÇOS DE LIMPEZA DOMÉSTICA; SERVIÇOS DE LIMPEZA”, da classe 37.
19. Ora, em causa nestes autos está a concessão do registo da marca nacional n.º 694872 com a configuração  .
20. Contrariamente ao que alega a Recorrente (conclusão n.º 4), não é assim verdade que a marca nacional n.º 677789 (marca recusada) seja igual à marca n.º 694872 (concedida). As marcas contém diferenças desde logo no uso de letras minúsculas e maiúsculas.
21. A tal acresce, conforme já sublinhado na decisão final do INPI que “as decisões emitidas em processos de registo prévios com uma composição análoga para identificar produtos ou serviços similares não são vinculativas e, por isso, não determinam obrigatoriamente a mesma resolução noutros processos”.
22. Concordamos com este entendimento do INPI que está, aliás, sustentado em Despacho do Tribunal de Justiça (Sexta Secção) de 12 de Fevereiro de 2009 – Bild digital e ZVS Zeitungsvertrieb Estugarda /Präsident des Deutschen Patent-und Markenamts - (Processos apensos C-39/08 e C-43/08), onde se decidiu que “[l]’autorité compétente d’un État membre appelée à se prononcer sur une demande d’enregistrement d’une marque n’est pas tenue d’écarter les motifs de refus d’enregistrement énoncés à l’article 3, paragraphe 1, sous b) et c), de la directive 89/104/CEE du Conseil, du 21décembre 1988, rapprochant les législations des États membres sur les marques, telle que modifiée par la décision 92/10/CEE du Conseil, du 19 décembre 1991, et d’accéder à cette demande au motif que le signe dont l’enregistrement en tant que marque est demandé est composé de manière identique ou comparable à un signe dont elle a déjà accepté l’enregistrementen tant que marque et qui se réfère à des produits ou à des services identiques ou similaires.”.[1]
23. Tendo em conta, portanto, as ditas diferenças entre as marcas e a citada jurisprudência, concordamos com o tribunal a quo no sentido da irrelevância dos factos alegados nos artigos 5.º a 9.º da petição de recurso judicial.
24. Vejamos agora da relevância dos factos alegados nos artigos 23.º, 24.º e 35.º da petição de recurso judicial.
25. Esta factualidade diz respeito aos alegados usos efetivos e atuais que a Recorrente e Recorrida dão aos sinais distintivos em questão, conforme prints (documento n.º 9 junto com a petição de recurso judicial), ao que parece, de um website da Worten e segundo links de alegadas páginas de Facebook relativos à Recorrida.
26. Segundo o alegado pela Recorrente esta factualidade (e a precedente) assume especial relevância no âmbito da questão da possibilidade de a marca registanda possibilitar à Recorrida cometer atos de concorrência desleal (cf. conclusão 21).
27. Nesta sede, em primeiro lugar, convirá notar que o documento n.º 9 junto com a petição de recurso judicial (website da worten?) é parcialmente ininteligível, encontrando-se cortado nas margens.
28. Por seu turno, não resulta sequer deste documento o alegado uso que a Recorrente dá à sua marca , mas o uso que dá ao sinal .[2] Também não resulta do documento o local donde foi retirado e, não menos importantemente, em que data. O referido documento 9 tem, assim, escasso ou nulo valor probatório.
29. Já quanto aos links de páginas de Facebook relativos à Recorrida (cf. p. 17 do recurso e conclusão n.º 27), tais meios (de obtenção) de prova são manifestamente inadequados. Com efeito, o presente tribunal não é subscritor de qualquer conta Facebook de modo a poder sequer utilizar os ditos links de forma plena, nem a tal é obviamente obrigado. Mas mesmo que pudesse usar os links de forma plena, nada garantiria que o conteúdo acedido em determinada data seria o mesmo que o consultado no passado pela Recorrente. Como é sabido, os conteúdos na Internet são realidades mutáveis.
30. Teria sido, parece-nos, mais avisado juntar printscreens dos locais da Internet em causa, donde se pudesse, portanto, comprovar os alegados conteúdos, localizações (website e/ou URL) e datas de acesso.
31. Por seu turno, nesta sede registral, a concorrência desleal pressuposta pela recusa de registo de determinada marca trata de uma desconformidade objetiva numa perspetiva preventiva e não repressiva. Como nos ensina Luís Couto Gonçalves “[a]ntes do registo a concorrência desleal, como vimos, não é convocada em sentido próprio e direto, como um instituto repressivo de actos desleais concretos e actuais”.[3]
32. A factualidade ora em causa ultrapassa, portanto (e de forma notória), a função própria de um recurso de decisão de concessão de uma marca pelo INPI como trata os presentes autos. Como a decisão do INPI deixou claro neste plano registral não é “relevante o uso comercial, que a aqui requerente tem feito do sinal registando (que não tem qualquer reivindicação de cores)”. Como vimos supra, o processo de concessão do registo visará aqui verificar a compatibilidade entre o registo requerido e registos prioritários, entenda-se, tal como registados e não tal como usados.
33. Nestes termos também aqui temos de concluir que a factualidade alegada nos artigos 23.º, 24.º e 35.º da petição de recurso judicial é irrelevante, tal como decidiu o tribunal a quo.
34. Em suma, o presente tribunal não vislumbra quaisquer razões para proceder às requeridas alterações da matéria de facto, pelo que o recurso terá de improceder nesta parte.
35. Passemos, pois, à resposta a dar às demais questões suscitadas no recurso.
Apesar da diferença entre os produtos e serviços assinalados pelas marcas em confronto, o elemento característico e distintivo da marca registanda RESOLVE JÁ reproduz a denominação de fantasia RESOLVE das marcas da Recorrente, razão por que deve ser aplicado o n.º 3 do artigo 238.º do C.P.I. e concluir-se que a marca registanda imita as marcas da Recorrente?
36. Segundo o artigo 238.º, n.º 3, do CPI “[c]onsidera-se imitação ou usurpação parcial de marca o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada.”.
37. A Recorrente defende aqui que a o termo distintivo “resolve” presente nas marcas em confronto, trata de um termo de fantasia porquanto “por si só, o consumidor é incapaz de descortinar a que produtos ou serviços se destina a marca, o que torna esse termo uma denominação de fantasia (conclusão 13).
38. Não vislumbramos a pertinência desta argumentação porquanto, como é sabido, uma marca será de fantasia quando é carente de significado concetual,[4] sendo manifesto que a palavra “resolve” tem significado conceptual.
39. Falha, portanto, a primeira premissa deste argumento da Recorrente e da consequente subsunção do caso na previsão do artigo 238.º, n.º 3, do CPI.
40. A resposta à questão é, assim, negativa, não podendo o recurso proceder com base no argumento ora em análise.
Apesar da diferença entre os produtos e serviços assinalados pelas marcas em confronto, atenta a elevada semelhança gráfica e fonética entre as marcas em confronto, e o princípio da interdependência, a marca registanda deve ser considerada uma imitação das marcas da Recorrente, ao abrigo do artigo 238.º, n.º 1, do CPI?
41. Neste âmbito, alega a Recorrente que “perante tão elevada semelhança gráfica e fonética entre as marcas, a comparação deve obedecer ao chamado princípio da interdependência (entre os requisitos de imitação de marca), definido no acórdão do Tribunal de Primeira Instância da União Europeia de 18/06/2008 (Processo C-766/18 P)” (conclusão 16).
42. O princípio da interdependência tal qual invocado significa que “[a] apreciação global do risco de confusão implica uma certa interdependência entre os fatores tomados em conta, nomeadamente a semelhança das marcas e dos produtos ou serviços designados. Assim, um reduzido grau de semelhança entre os produtos ou serviços designados pode ser compensado por um elevado grau de semelhança entre as marcas, e inversamente.” (n.º 41 do acórdão do TJUE em referência).
43. Vejamos.
44. Os sinais em confronto efetivamente contém semelhanças significativas:

Marca WORTENMarca da Recorrida (controversa)


45. Resulta do artigo 1.º do CPI que a propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.
46. Neste domínio, como é sabido, a marca destina-se a distinguir produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas (artigo 208.º, do CPI), não sendo admissíveis marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo (artigo 209.º, n.º 1, alínea a), do CPI).
47. Daí que se afirme que a função essencial da marca é a função de garantir aos consumidores a proveniência do produto ou serviço (a chamada função de indicação de origem), ainda que possa complementarmente desempenhar outras funções, designadamente, a função de garantia da qualidade dos produtos e serviços e/ou as funções de comunicação, de investimento ou de publicidade.
48. Conforme resulta do artigo 238.º, n.º 1, do CPI, o conceito de imitação inclui 3 requisitos cumulativos: a) A prioridade de uma marca registada; b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins; c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
49. Tendo em conta a factualidade provada, não podem existir dúvidas sobre a prioridade das marcas tituladas pela Recorrente.
50. Quanto à alegada afinidade entre produtos e/ou serviços assinalados pelas marcas em confronto, temos que a marca controversa visa assinalar:
desinfeção de superfícies interiores de casas para reduzir a propagação de vírus e microrganismos; desinfeção de instalações; desinfeção”.
51. Por seu turno, as marcas prioritárias da Recorrente visam assinalar:
serviços de reparação de telemóveis, portáteis, consolas, electrodomésticos (grandes e pequenos), televisores, equipamentos electrónicos, e
serviços de reparação de computadores portáteis, consolas de jogos, televisores, equipamento de telecomunicações, equipamento de tecnologia de informação e audiovisuais, eletrodomésticos para a cozinha, aparelhos de telecomunicações, telemóveis, relógios inteligentes, dispositivos eletrónicos digitais móveis e de mão e outros produtos de eletrónica de consumo, especificamente software e acessórios de computador, aparelhos e instrumentos de fotografia, navegação, aparelhos de iluminação, de aquecimento, de refrigeração, de produção de vapor, de cozedura, de secagem, de ventilação”.
52. A semelhança dos produtos e serviços foi abordada na jurisprudência do Tribunal de Justiça no caso Canon (acórdão de 29/09/1998, C-39/97). O Tribunal de Justiça sustentou que para apreciar a semelhança entre os produtos importa levar em conta todos os factores pertinentes que caracterizam a relação entre os produtos. Estes factores incluem, em especial, a sua natureza, destino, utilização bem como o seu carácter concorrente ou complementar (n.º 23).
53. Deve ser considerado que determinado produto ou serviço é complementar de outro se existir uma relação estreita entre si, no sentido de que um é indispensável (essencial) ou importante (significativo) para a utilização do outro, de molde a que os consumidores possam entender que é a mesma empresa que é responsável pela sua produção (Cf. Ac. TG de 15 Dezembro 2010, Wind, T‑451/09, n.º 25).     
54. Nesta sede, alega a Recorrente que a Recorrida “continua a usar a marca registanda para serviços idênticos ou afins aos protegidos pelas marcas da Recorrentes” (conclusão 18), acrescentando que atenta a “forma como está a ser usada [a marca registanda], em que é copiada a combinação de cores das marcas da Recorrente, e usada para assinalar serviços de «reparações & manutenções», que não são os constantes do pedido.” (conclusão n.º 20).
55. Em primeiro lugar dir-se-á, tal como sublinhou o INPI na respetiva decisão, não foram reivindicadas cores nas marcas da Recorrente.
56. Por outro lado, como vimos supra na resposta à primeira questão, no plano registral não se visam usos concretos e atuais das marcas, mas apenas os produtos e/ou serviços tal como registados.
57. Nestes termos, a argumentação da Recorrente citada em n.º 53 não é aqui pertinentes. O que é efetivamente pertinente são os sinais e produtos/serviços tal como constam dos registos (ou pedidos de registo).
58. E comparando os produtos/serviços efetivamente registados, tal como concluiu o tribunal a quo (e o INPI), não vislumbramos qualquer afinidade entre os mesmos.
59. Ou seja, falha o segundo requisito essencial do conceito legal de imitação de marca.
Com o registo da marca concedido à Recorrida esta pode praticar atos de concorrência desleal, independentemente de intenção, o que também deveria ter conduzido à recusa do respetivo registo?
60. Conforme resulta do disposto no artigo 232.º, n.º 1, al. h), do CPI, constitui fundamento de recusa de registo de marca “[o] reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.”.
61. No domínio da concorrência desleal, ensina-nos o saudoso Prof. Oliveira Ascensão A concorrência deve medir-se, não em abstracto, mas em concreto. Não interessa saber se tipos de actividade são em abstracto concorrentes, mas se aquela actividade no mercado, concretamente, atinge ou não outra empresa (…) Se o acto tiver idoneidade de atribuir uma posição vantajosa, em termos de clientela, há um acto de concorrência. (…) Este entendimento permitirá ainda a superação de um critério atomístico, fundado na identidade ou na substituibilidade dos produtos com que as empresas se ocupam, por um critério mais abrangente, em que o que interessa é que a empresa obtenha assim uma posição favorável no mercado, em detrimento doutras empresas, porque em concreto disputam a mesma clientela.”.[5]
62. Conforme se deixou supra enunciado em 31 a concorrência desleal pressuposta pela recusa de registo de determinada marca trata de uma desconformidade objetiva numa perspetiva preventiva e não repressiva. Também reiteramos em 56 que no plano registral não se visam usos concretos e atuais das marcas, mas apenas os produtos e/ou serviços tal como registados.
63. Nesta sede, alega a Recorrente que “serviços de reparação doméstica, necessitam amiúde de serviços de desinfeção, que são mais um serviço, um “plus” que é proporcionado pelo mesmo tipo de empresas de reparação e manutenção doméstica, situadas no mesmo mercado relevante” (conclusão n.º 24), para daqui inferir que para “um consumidor médio é expectável que uma marca de serviços de reparação de aparelhos e eletrodomésticos no geral, também preste serviços de desinfeção dos mesmos e vice-versa” (conclusão n.º 25).
64. Ou seja, da perspetiva da Recorrente os serviços de reparação de electrodomésticos assinalados pelas suas marcas pressupõem, em determinadas circunstâncias, serviços de desinfeção. Esta matéria de facto tinha sido já alegada em sede de recurso judicial perante o TPI (artigos 21.º e 22.º da petição). Note-se que esta matéria de facto é diversa da alegada nos artigos 23.º, 24.º e 35.º da mesma petição porquanto esta, como vimos supra na resposta à primeira questão, diz respeito a alegados usos concretos e atuais das marcas e não a relações de necessária pressuposição entre serviços.
65. Convirá aqui recordar que a determinação do conteúdo de conceitos legais, tal como a “afinidade entre produtos ou serviços” e, dentre deste, serviços “acessórios” ou “complementares”, constitui matéria de direito. Já a questão de saber se determinado serviço ou produto pressupõe, em determinadas circunstâncias, a utilização de um outro serviço ou produto, trata de matéria de facto. Tal como ensina o Guia do EUIPO “it is a matter of fact to state that cooking fat is used in preparing food for human consumption and that oils and greases are used for machines”.[6]
66. Desconhecemos se os factos alegados e supra descritos em 63 correspondem ou não à verdade, sendo certo que não foi esta a factualidade que a Recorrente quis que fosse aqui aditada à matéria de facto fixada pelo TPI. A factualidade em causa também não resulta de documentação junta aos autos, em especial do documento n.º 9 da petição analisado aquando da resposta à primeira questão, nem os links do Facebook igualmente apreciados supra, constituem, pelo motivos já supra adiantados, meios (de obtenção) de prova adequados.
67. Nestes termos, julga-se que a matéria de facto é manifestamente insuficiente para se poder concluir pelo alegado risco de o requerente fazer concorrência desleal ou de que esta é possível independentemente da sua intenção.
68. Assim sendo, resta-nos julgar o recurso improcedente.
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Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar o presente recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
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Lisboa, 10-04-2024
Alexandre Au-Yong
Eleonora Viegas
Armando Manuel da Luz Cordeiro
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[1] Acessível em https://curia.europa.eu/jcms/jcms/j_6/en/.
[2][2] Como é sabido a marca deve ser usada tal como registada ou em moldes que dela não difira senão em elementos que não alterem o seu caráter distintivo (artigos 255.º e 267.º do CPI).
[3] Manual de Direito Industrial, 2014, 5.ª ed. revista e atualizada, Almedina, p. 253.
[4] Cf. Luís Couto Gonçalves, obra cit., p. 239.
[5] José de Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Almedina, 2002, p. 118-119.
[6] Guidelines for Examination, European Union Intellectual Property Office (EUIPO), p. 873. Guia acessível em https://guidelines.euipo.europa.eu/2058843/2199801/trade-mark-guidelines/1-introduction (acedido em 19-03-2024).