CONFLITO DE COMPETÊNCIA
PROCESSO TUTELAR
APENSAÇÃO
COMPETÊNCIA POR CONEXÃO
Sumário

1) Relativamente à previsão do n.º 4 do artigo 11.º do RGPTC - quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem – verifica-se que a competência por conexão, não funciona automaticamente, antes sendo de analisar se se encontram preenchidos os pressupostos legais.
2) No âmbito do processo que correu termos no Juiz “Y”, a residência dos irmãos uterinos ficou fixada com a mãe, mas, não se verifica uma identidade de cuidadores, convivendo os irmãos com diversos pais, não se justificando, assim, a conexão ao abrigo daquele normativo.

Texto Integral

I. “A” instaurou contra “B”, ação de regulação das responsabilidades parentais, relativamente à filha de ambos, “C”, nascida em 25-03-2023.
Em 31-01-2024, o Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz “X” declarou-se incompetente para manter consigo o processo, referindo existir um outro processo tutelar cível respeitante a outras duas crianças, irmãos uterinos de “C”, determinando ao abrigo do disposto no n.º. 4 do artigo 11.º do RGPTC, se procedesse à apensação de ambos os autos, com remessa ao Juiz “Y” do mesmo tribunal.
Remetidos os autos ao Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz “Y”, aí foi proferido, em 29-02-2024, despacho de onde consta, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Ora, a decisão de declaração de incompetência do Juiz-“X” encontra o seu fundamento na interpretação e aplicação do regime da competência por conexão estabelecido no art.º 11º da RGPTC, convocando as normas conjugadas dos seus números 1 e 4, estabelecendo o n.º 1, que «se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar» e o n.º 4 que «Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem».
Sucede que o artigo 11º/1 apenas prevê a apensação ao processo instaurado em primeiro lugar entre processos tutelares cíveis, ou entre estes e processos de promoção e proteção ou entre aqueles e estes a processos tutelares educativos, a qual opera em qualquer estado dos processos (mesmo que findos).
Todavia, o processo de regulação das responsabilidades parentais n.º (…)/19.9T8PDL-A findou sem prolação de decisão de mérito, não existindo por isso fundamento para apensação ao mesmo do processo de regulação das responsabilidades parentais n.º (…)/23.7T8PDL, não sendo a norma ínsita no n.º 1 do art.º 11º do RGPTC aplicável ao caso, porquanto a apensação entre o processo de divórcio (um processo comum) e o processo de regulação do regime de exercício das responsabilidades parentais (ele próprio um processo tutelar cível), não se mostra incluída no catálogo dos processos a apensar (obrigatoriamente) do citado artigo 11º/1 do RGPTC.
Ademais a apensação de ação tutelar cível a processo de divórcio apenas poderá ocorrer no circunstancialismo previsto no artigo 11º/3 do RGPTC, nos termos do qual «Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação», ou seja, verificada a condição da apensação - a pendência da ação de divórcio, pressuposto que não se verifica no caso presente, porquanto a ação de divórcio findou com sentença homologatória proferida a 11 de Abril de 2019, estando encerrada, com visto em correição posto em 18-11-2019.
Assim, não sendo aplicável o disposto no art.º 11º n.º 1/3 do RGPTC, não tem o Juiz “Y” do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada competência, por conexão, para tramitar a presente ação de regulação das responsabilidades parentais.
Em conformidade com o exposto, declaro a incompetência do Juízo de família e menores de Ponta Delgada – Juiz “Y” para tramitar os presentes autos, e competente o Juízo de família e menores de Ponta Delgada – Juiz “X”, a quem a ação foi inicialmente distribuída.
Em virtude do declínio de competência pelos J”X” e J”Y” deste Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada para tramitar a presente ação de regulação das responsabilidades parentais, determina-se a remessa dos autos ao Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 109º/2, 110º/2 e 111º/1 do CPC, em vista à resolução do conflito negativo de competência, que se requer”.
Foi suscitado o presente conflito negativo de competência.
Foram notificados a Patrona da requerente e o Ministério Público.
Por decisão de 05-03-2024 foi verificada causa de indeferimento do pedido de conflito, por, então, o despacho de 29-02-2024 ainda não ter transitado em julgado.
Voltando os autos, foi notificado o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 112.º, n.º 2, do CPC, promovendo – em 09-04-2024 –, nomeadamente, seguinte:
“(…) Conforme ressalta do sumário do Acórdão do TRP, de 06-08-2023, processo nº 235/23.8T8GDM-A.P1, “Há sempre lugar à apensação de processo tutelar cível à ação de divórcio dos progenitores da criança pendente (independentemente daquele processo haver sido instaurado antes ou depois da entrada em juízo desta ação).”
Da leitura do citado aresto, verifica-se que a exigência legal, requisito único para a apensação, é, apenas, a de a ação de divórcio estar pendente.
Ora, o processo em causa mostra-se findo.
Não se mostrando preenchido o pressuposto da aplicação do nº 3, do artigo 11º citado, não há lugar à apensação a coberto deste normativo.
Assim sendo, e reproduzindo os argumentos veiculados no despacho do J”Y”, com os quais concordamos, e afastada que está a competência por conexão a que se reporta o artigo 11º, em todos os seus pontos, cremos ser competente para tramitar o processo de regulação das responsabilidades parentais, relativo à menor “C”, o Juiz “X” do Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada, em conformidade com as regras da competência territorial (Cf. Artigo 9º do RGPTC)”.
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II. Mostra-se apurado, com pertinência para a resolução do conflito, o seguinte:
1) Em 28-11-2023, “A” instaurou contra “B”, ação de regulação das responsabilidades parentais, relativamente à filha de ambos, “C”, nascida em 25-03-2023, tendo sido distribuída com o n.º (…)/23.7T8PDL, ao o Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz “X”;
2) Em 05-01-2024, o Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz “X”, no âmbito do processo n.º (…)/23.7T8PDL, proferiu o seguinte despacho: “Compulsadas as pesquisas efectuadas pela unidade de processos, verifica-se que correu termos o processo n.ºs (…)/19.9T8PDL (bem como o respectivo apenso n.º (…)/19.9T8PDL-A), pelo Juízo de Família e Menores – Juiz “Y”, tendo sido regulado o exercício das responsabilidades parentais de outro(s) filho(s) da aqui requerente.
Assim, antes de mais e para efeito de ponderação quanto à aplicação do disposto no artigo 11.º, n.º 4, do RGPTC, solicite ao identificado processo certidão da respectiva regulação do exercício das responsabilidades parentais e respectiva sentença, acompanhada dos correspondentes assentos de nascimento”;
3) Em 09-01-2024, o Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz “Y” remeteu ao Juiz “X” do mesmo Tribunal os referidos elementos, nomeadamente, certidão da sentença proferida em 11-04-2019 e transitada em julgado a 21-05-2019, referente ao processo n.º (…)/19.9T8PDL onde era autora “A” e réu “D”, que decretou o divórcio e homologou os acordos celebrados, em particular o acordo de regulação das responsabilidades parentais relativos aos filhos daqueles, “E”, nascida a 31.12.2013, e “F”, nascido a 17.09.2017.
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III. Conhecendo:
Nos termos do n.º 2 do artigo 109.º do CPC, há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.
Não há conflito enquanto forem suscetíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência (cfr. artigo 109.º, n.º 3, do CPC).
Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir (cfr. artigo 111.º, n.º 1, do CPC).
Entendem ambos os tribunais, não serem competentes em razão do território, para dirimir o processo de regulação.
A Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro veio aprovado o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (abreviadamente RGPTC) estabelecendo o artigo 3.º desse regime que:
“Para efeitos do RGPTC, constituem providências tutelares cíveis:
(…) c) A regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes; (…)”.
Por seu turno, o artigo 9.º do RGPTC – sob a epígrafe “Competência territorial” – prescreve o seguinte:
“1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais.
3 - Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais.
4 - No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
5 - Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
6 - Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas.
7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa.
9 - Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo”.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 10.º do RGPTC, a incompetência territorial pode ser deduzida até decisão final, devendo o tribunal conhecer dela oficiosamente.
O artigo 11.º do RGPTC regula os casos de “competência por conexão”, dispondo o seguinte:
1 - Se, relativamente à mesma criança, forem instaurados, separadamente, processo tutelar cível e processo de promoção e proteção, incluindo os processos perante a comissão de proteção de crianças e jovens, ou processo tutelar educativo, devem os mesmos correr por apenso, independentemente do respetivo estado, sendo competente para deles conhecer o juiz do processo instaurado em primeiro lugar.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às providências tutelares cíveis relativas à averiguação oficiosa da maternidade ou da paternidade, nem às que sejam da competência das conservatórias do registo civil, ou às que respeitem a mais que uma criança.
3 - Estando pendente ação de divórcio ou de separação judicial, os processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de prestação de alimentos e de inibição do exercício das responsabilidades parentais correm por apenso àquela ação.
4 - Quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem.
5 - A incompetência territorial não impede a observância do disposto nos n.ºs 1, 3 e 4.”.
Da conjugação do n.º 1 com o n.º 5 do preceito, resulta que a competência “por conexão”, a que se refere o primeiro, sobreleva sobre a competência territorial.
Da interpretação do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC resulta a consagração de 4 regras:
“- a 1ª impõe (“devem”) a apensação entre o processo tutelar cível e o processo de promoção e proteção ou o processo tutelar educativo (e somente entre estes);
- a 2ª que a apensação opera em qualquer estado dos processo (mesmo que findos);
- a 3ª (implícita), estabelece a ordem ou precedência da apensação (ao processo instaurado em 1ª lugar);
- a 4ª instituindo um regime especial de competência territorial (o tribunal onde primeiramente se instaurou qualquer dos referidos processos)” (assim, a decisão do Vice-Presidente do STJ de 21-04-2023, Pº 2600/14.2TBALM-B.L1.S1, rel. NUNO GONÇALVES, disponível em https://www.dgsi.pt).
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IV. No caso concreto, ambos os Juízos declinam a sua competência para dirimir o litígio que tem a natureza tutelar cível (n.º (…)/23.7T8PDL) e respeita à criança “C”.
O Juiz “X” fundamenta a declaração de incompetência no disposto no artigo 11.º, n.º 4, do RGPTC, considerando que os autos deverão ser apensados ao processo onde foi homologado acordo sobre a regulação das responsabilidades parentais referentes às crianças “E” e “F”, “considerando que as relações familiares assim o justificam: i. as crianças “E”, nascida a 31/12/2013, e “F”, nascido 17/09/2017, ficaram à guarda e cuidados da mãe com quem têm a residencial habitual, e sendo as questões particular importância na vida daqueles exercidas por ambos os pais; ii. tendo por horizonte que a não separação dos irmãos é um princípio ao qual deve ser dada particular relevância a fim de evitar a tentação de separar os filhos para equilibrar os direitos dos pais”.
Por seu turno, o Juiz “Y” considera que, por um lado, o processo de regulação das responsabilidades parentais n.º (…)/19.9T8PDL-A (que tramitou nesse Juiz “Y”) findou sem prolação de decisão de mérito e não existe fundamento para apensação do processo de regulação das responsabilidades parentais (tutelar cível) a processo de divórcio (um processo comum), não se mostrando incluída no catálogo dos processos a apensar nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC e, por outro lado, a apensação de ação tutelar cível a processo de divórcio apenas poderá ocorrer no circunstancialismo previsto no artigo 11º/3 do RGPTC – estando pendente ação de divórcio - pressuposto que não se verifica, porquanto a ação de divórcio findou com sentença homologatória proferida a 11 de Abril de 2019, estando encerrada, com visto em correição posto em 18-11-2019.
Ora, de facto, o processo n.º (…)/19.9T8PDL (ação de divórcio) mostra-se findo, inexistindo pressuposto para lhe apensar os autos em apreço, ao abrigo do n.º 3 do artigo 11.º do RGPTC.
Mas, por outro lado, a decisão que regulou as responsabilidades parentais referente aos irmãos uterinos da criança “C” foi proferida nos referidos autos de divórcio (ação não tutelar). Assim, não se verifica também circunstância que, com apelo ao disposto no n.º 1 do artigo 11.º do RGPTC justifique a determinação de apensação dos presentes autos, por não se verificar a conexão ali prevista.
Relativamente à previsão do n.º 4 do artigo 11.º do RGPTC - quando o processo tutelar cível respeitar a mais do que uma criança, pode ser instaurado um único processo e, tendo sido instaurados processos distintos, pode proceder-se à apensação de todos eles ao que foi instaurado em primeiro lugar, se as relações familiares assim o justificarem – verifica-se que a competência por conexão, não funciona automaticamente, antes sendo de analisar se se encontram preenchidos os pressupostos legais.
No caso vertente, verificamos que, no âmbito do processo que correu termos no Juiz “Y”, a residência dos irmãos uterinos ficou fixada com a mãe, mas, não se verifica uma identidade de cuidadores, convivendo os irmãos com diversos pais, não se justificando, assim, a conexão ao abrigo deste último normativo.
Pelo exposto, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, decido este conflito, declarando inexistir fundamento para a apensação do processo do Juiz “X” ao processo do Juiz “Y”, ambos do Tribunal de Família e Menores de Ponta Delgada.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, decido este conflito, declarando competente para a presente ação, o Juízo de Família e Menores de Ponta Delgada – Juiz “X”.
Sem custas.
Notifique-se (cfr. artigo 113.º, n.º 3, do CPC).
Baixem os autos.

Lisboa, 10-04-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente, com poderes delegados).