SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
OFENSA DO CASO JULGADO
DUPLA CONFORME
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário


O despacho de suspensão da instância não impede o tribunal de, cessada a suspensão, absolver os réus da instância, por inadmissibilidade do meio processual.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Recorrente: AA

Recorridos: BB e CC

I. — RELATÓRIO

1. AA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, pedindo

I. — que se reconheça o direito de propriedade da herança aberta por óbito de DD e EE sobre o prédio urbano situado na Rua ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 1.497 e inscrito na matriz sob o artigo 1.525º;

II. — que se determine a restituição do mesmo “à esfera jurídica da herança, livre de pessoas, bens e quaisquer ónus”,

III. — que se declare a nulidade do contrato de compra e venda do referido imóvel celebrado por escritura pública de 30 de Maio de 2018;

iV. — que se determine o cancelamento de todas as inscrições de aquisição registadas no respectivo registo predial com base na referida escritura e de eventuais registos subsequentes.

2. Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação.

3. Em 28 de Junho de 2023, o Tribunal de 1.ª instância absolveu os Réus da instância, declarando estarem preenchidos os pressupostos da excepção dilatória inominada de inadmissibilidade do meio processual.

4. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.

5. Os Réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

6. Em 13 de Dezembro de 2023, o Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

7. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.

8. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso, oportunamente interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, que, nos autos à margem identificados, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida, que declarou verificada a excepção dilatória de inadmissibilidade do meio processual, e, em consequência, absolveu os Recorridos da instância, o qual deve ser admitido, ao abrigo das als. a) e b) do nº 1 do art. 672º do CPC.

II. Suscitam-se, nestes autos, várias questões, que nascem de um processo de inventário, nomeadamente quanto ao instituto do caso julgado, quanto à adequação dos meios processuais usados e quanto ao instituto da simulação.

III. Não obstante as questões em apreço estarem há muito reguladas e previstas no nosso ordenamento jurídico, suscitam-se, ainda assim, dúvidas e divergências de relevo, doutrinárias e jurisprudenciais, assumindo, por isso, especial complexidade e dificuldade na sua aplicação e concretização.

IV. Precisamente porque as questões em causa estão na base de muitos litígios, e porque existe uma pluralidade de teses e soluções jurídicas díspares, a apreciação das questões em causa nos presentes autos, atenta a sua relevância jurídica, claramente torna-se necessária para uma melhor aplicação do direito.

V. Existe a necessidade, por isso, de se obter uma decisão susceptível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial, tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.

VI. A apreciação e resolução das questões em causa nos presentes autos, porque dizem respeito a questões de interesse geral e que afecta muitas pessoas, sejam elas particulares ou colectivas, implicará uma profunda análise da doutrina e da jurisprudência, e necessária e claramente será útil e quiçá inovadora, para o universo jurídico que se debate com estas questões, na esperança de um resultado que sirva de guia orientador.

VII. As constantes alterações legislativas, com a inerente necessidade de recurso às regras de aplicação da lei no tempo, acentuam a dificuldade de interpretação e aplicação de regras e normas quanto às questões que cabem exclusivamente no domínio do processo de inventário, bem como as que podem ser discutidas antes, durante ou após o referido processo, ainda que com aquele conexas.

VIII. Atento o elevado número de processos de inventário, para fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha dos bens, e correspondentes questões conexas, cuja tendência será sempre crescente e nunca decrescente, nos quais impera uma forte conflitualidade, leva à conclusão inequívoca de que os interesses em apreço se revestem de particular relevância social, uma vez que são interesses importantes da comunidade e valores que se sobrepõem ao mero interesse das partes, extravasando, atento o seu forte impacto para social e para a comunidade em geral.

IX. Aos tribunais cabe a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cfr. artigo 202.º, n.º 2, CRP).

X. Uma das formas de concretização deste dever dos tribunais é através da determinação e direcção das decisões jurisdicionais pelos direitos fundamentais materiais.

XI. Pelo que, justifica-se e deve ser admitida e apreciada a revista ora interposta, à luz do disposto nas als. a) e b) do nº 1 do art. 672º do CPC, o que se requer.

XII. A decisão sub judice mostra-se em clara oposição e contradição com a decisão proferida em sede de audiência prévia, realizada no dia 19.11.2020.

XIII. Não obstante não estarmos perante duas decisões sobre uma mesma questão, sendo que o despacho de 19.11.2020 decide quanto à suspensão da instância, e a decisão ora recorrida decide quanto à verificação da excepção dilatória inominada de inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Recorrente, as circunstâncias e pressupostos que sustam uma e outra decisão são os mesmos.

XIV. E o caso julgado formal abrange não apenas a decisão propriamente dita, mas também os pressupostos nos quais cada decisão se fundamentou e considerou.

XV. Neste sentido, atente-se ao ensinamento de Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pág. 578: “O caso julgado abrange a parte decisória do despacho, sentença ou acórdão, isto é, a conclusão extraída dos seus fundamentos (art. 659.°, n.º 2, “in fine”, e 713.° n.º 2), que pode ser, por exemplo, a condenação ou absolvição do réu ou o deferimento ou indeferimento da providência solicitada. Como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respectivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos.

Assim, reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto os pressupostos daquela decisão.” , sublinhado e realçado nosso.

XVI. Ainda que a decisão do despacho de 19.11.2020 não verse sobre qualquer alvitrada inadmissibilidade do meio processual, é evidente que o despacho proferido na audiência prévia, realizada a 19.11.2020, identificou claramente os pedidos formulados pela Recorrente nos presentes autos,

XVII. Assim como identificou concretamente os fundamentos do recurso interposto da sentença homologatória da partilha.

XVIII. E, expressamente reconheceu “ (…) confrontado o que está em discussão na presente acção e o processo de inventário, não podemos dizer que o processo de inventário está em causa a apreciação de uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada na decisão da presente acção. De facto, já foi proferida sentença homologatória de partilha e a venda objecto da presente acção foi efectuada no âmbito do processo de inventário e, portanto, não está em discussão qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica que tem que ser considerada na presente acção.

Assim, embora no inventário não se discuta qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica a ser apreciada nos presentes autos até porque já foi proferida sentença homologatória de partilha, a verdade é que a decisão do recurso interposto da sentença homologatória de partilha é susceptível de modificar a situação jurídica pressuposto da presente acção.

Por isso, conclui-se que não sendo o processo de inventário causa prejudicial da presente acção, a verdade é que na sequência da interposição de recurso da sentença homologatória de partilha com a invocação de nulidades várias, pode o negócio jurídico em causa nos presentes autos ser anulado o que implicaria que esta acção ficaria sem objecto. Esta situação justifica a suspensão da instância. ”, sublinhado e realçado nosso.

XIX. O referido despacho já há muito transitou em julgado.

XX. A exceção de caso julgado, em nome da segurança e paz jurídica, bem como de imperativos de economia processual, tem por objetivo, por um lado, impedir que qualquer Tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, volte a emitir pronúncia sobre uma determinada questão, e, por outro lado, vincular o mesmo Tribunal à decisão proferida.

XXI. O despacho de 19.11.2020 tem pois força obrigatória no processo, cfr. nº 1 do art. 620º do CPC.

XXII. O juízo quanto à adequação da presente acção, considerando os pedidos formulados na p.i. e o processo de inventário já se mostram devidamente consolidados nos presentes autos, plasmados no referido despacho de 19.11.2020.

XXIII. Pelo que não poderia o Tribunal a quo fazer tábua rasa daquele, ignorando-o, assim como os seus efeitos, tendo em conta que é uma decisão transitada em julgada e que tem força obrigatória no processo.

XXIV. Assim, deve a decisão recorrida ser revogada, cfr. art. 625º do CPC, devendo os autos prosseguir os seus regulares trâmites, o que se requer.

XXV. Mesmo que assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, a verdade é que não se verifica de facto a excepção inominada de inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Recorrente.

XXVI. O Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal da Relação, nos autos de inventário, em 12.10.2021, decidiu nos seguintes termos:

“(…) acorda este Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação interposta da decisão da Exma Notaria incidente sobre o requerimento de 25/3/2019, anulando o mapa de partilha definitivo, devendo ter lugar o mapa informativo a que se referia o art 60º do RJPI, e, na sua sequência, ser notificada a apelante para exercer as faculdades do art 61º desse diploma legal, anulando-se também a sentença homologatória do mapa de partilha, e, em consequência, julgando-se prejudicado o conhecimento das questões que decorram da apelação incidente sobre a sentença homologatória da partilha que não se reconduzam às apreciadas no âmbito do recurso atrás referido.”

XXVII.Não houve qualquer pronúncia ou apreciação quanto à concreta venda operada do bem imóvel em causa nestes autos.

XXVIII. Tendo aliás, tal questão, suscitada em sede de recurso, sido considerada prejudicada pela decisão proferida.

XXIX. Não foi apreciada, nem pode ser suscitada no processo de inventário.

XXX. Pelo que nada impede a Recorrente de ter suscitado a nulidade por simulação na venda do imóvel em causa nestes autos, através da acção declarativa autónoma, como o fez.

XXXI. É curial não esquecer que tal questão não foi suscitada no âmbito da tramitação do processo de inventário, porque apenas em 25.03.2019 a Recorrente teve efectivamente intervenção naquele processo, desconhecendo, até àquele momento, tudo quanto se havia passado naqueles autos.

XXXII.Acresce ainda que os presentes autos têm ainda como parte alguém absolutamente estranho ao processo de inventário – o 2º R., e cuja intervenção naqueles autos nunca seria admissível.

XXXIII. Se apenas fosse admissível discutir-se questões conexas com o processo de inventário nos meios comuns quando as partes para aí fossem remetidas por decisão expressa naquele processo proferida, nenhum sentido, utilidade ou aplicação teria a al. a) do nº 1 do art. 1092º do CPC.

XXXIV. E mesmo considerando ser aplicável a revogada Lei 23/2013, de 5 de Março, concretamente o seu art. 16º, sempre a conclusão seria mesma, atenta a semelhança dos preceitos.

XXXV. Não está em causa a definição de bens que integram ou não o acervo hereditário, pois que o bem em causa nestes autos foi relacionado e operada a sua venda no processo de inventário.

XXXVI. Face ao sucedido no processo de inventário, que, por factos alheios à vontade da Recorrente, decorreram à sua total revelia, nada obsta a que tivesse sido intentada a acção que deu origem aos presentes autos.

XXXVII. Nada obstando à sua apreciação.

XXXVIII. Por fim, ao contrário do que sustenta a decisão recorrida, qualquer decisão de mérito a ser proferida nestes autos não tem a virtualidade de consubstanciar ofensa do caso julgado, mormente pelas decisões proferidas no âmbito do processo de inventário, pura e simplesmente porque, naqueles autos, de inventário, ainda que invocada, não foi apreciada a questão aqui em causa.

XXXIX. Incorreu o Tribunal a quo na violação e/ou incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 620º, 625º e 1092º, todos do CPC, e arts. 2º, 16º e 17º do RJPI.

XL. Pelo que, por tudo o exposto, não se verifica a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Recorrente, ou qualquer outra excepção ou vício que obste ao conhecimento dos pedidos formulados, e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, devendo os autos prosseguir os seus regulares trâmites, o que se requer.

TERMOS EM QUE E SEMPRE,

Invocando-se o DOUTO SUPRIMENTO DESSE VENERANDO TRIBUNAL deve ser admitido e dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogada a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos, tudo com as legais consequências.

PORÉM VOSSAS EXCELÊNCIAS DECIDIRÃO COMO FOR DE JUSTIÇA!

9. Os Réus não contra-alegaram.

10. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código do Processo Civil), as questões a decidir, in casu, consistem em determinar:

— se o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado formado sobre o despacho de 19 de Novembro de 2020;

— em caso de resposta negativa, se se verifica a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Autora,

— em caso de resposta negativa, se se verifica a excepção dilatória nominada de caso julgado ou a excepção dilatória nominada de litispendência.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

11. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes:

1. No dia 6 de março de 2014 a Ré BB, na qualidade de cabeça-de-casal, declarou, no âmbito do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros instaurado na Conservatória do Registo Civil de ..., que os autores das heranças, DD e EE, faleceram, respetivamente, no dia ... de ... de 2002 e no dia ... de ... de 2014 e, para além disso:

“Que nenhum dos falecidos deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade.

Que ao falecido, sucederam como únicas herdeiras:

- O cônjuge sobrevivo – EE, ora falecida;

- as filhas – BB,

– AA, ao tempo da abertura da sucessão casada com FF, no regime da separação de bens, presentemente dele divorciada.

Que à falecida sucederam como únicas herdeiras:

- As filhas, já identificadas – BB e AA.

Que não há quem lhes prefira ou com elas possa concorrer nas sucessões. (…).”.

2. A Ré BB instaurou, no Cartório Notarial de ... a cargo da Ex.ma Senhora Dr.ª GG, o processo de inventário por óbito dos seus pais que correu termos sob o número 5663/16, no âmbito do qual apresentou, na qualidade de cabeça-de-casal, a relação de bens da qual constam os seguintes:

“A) Bens imóveis

Verba n.º 4

Prédio Urbano, afeto a habitação, composto de R/Chão e 1º andar, sito na Rua ..., Freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o Art. 1525º da Freguesia de São ..., concelho de ... Processo: 670/20.3T8CTB Referência: ......04 Tribunal Judicial da Comarca de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1.497, com valor patrimonial tributário de € 45.450,00 (…).

Verba n.º 5

Prédio Urbano, afeto a habitação, composto de casa abarracada de 1 pavimento e três divisões, sito em Zambujal, Caminho ..., ..., Freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o Art. 830º da Freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 4.115, com valor patrimonial tributário de € 25.210,00 (…).

Verba n.º 6

Prédio Rústico, composto de horta, oliveiras, figueiras, olival, cultura arvense em olival, cultura arvense de regadio, citrinos e vinha, com área de 3.600 m2, sito em ..., Freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. 16º, Secção AX, da Freguesia de São ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º 1.498, com valor patrimonial tributário de € 57,90 (…).

Verba n.º 7

¼ Prédio Rústico, composto de construção rural, olival, cultura arvense em olival e cultura arvense, com área de 6.480 m2, sito em ..., Freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. 94º. Secção BG, da Freguesia de São ..., concelho de ..., omisso na Conservatória do Registo Predial de ..., com valor patrimonial tributário de € 37,99 (…).

Verba n.º 8

Prédio Rústico, composto de cultura arvense de regadio e oliveiras, com área de 160 m2, sito em Casal ..., Freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. 111º, Secção BG, da Freguesia de São ..., concelho de ..., omisso na Conservatória do Registo Predial de ..., com valor patrimonial tributário de € 3,19 (…).

Verba n.º 9

Prédio Rústico, composto de cultura arvense, com área de 120 m2, sito em Casal ..., Freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o Art. 124º, Secção BG, da Freguesia de São ..., concelho de ..., omisso na Conservatória do Registo Predial de ..., com valor patrimonial tributário de € 0,46 (…).”.

3. No dia 24 de novembro de 2017 foi realizada conferência de interessados no Cartório Notarial de ... a cargo da Ex.ma Senhora Dr.ª GG, na qual estiveram presentes apenas a Ré BB e o seu Ilustre Patrono, constando da respetiva ata, para além do mais, o seguinte:

“A conferência destina-se à adjudicação de bens.

Estando presente apenas a cabeça-de-casal, (…), foi apresentada pela mesma uma proposta em carta fechada, aberta neste ato, (…), na qual aquela se propõe adquirir os bens a partilhar, constantes da respetiva relação, identificados sob as verbas cinco, seis, sete, oito e nove pelos valores respetivamente de € 21.430,00, € 50,00, € 33,00, € 3,00 e € 1,00, somando tudo o valor total de € 21.517,00, tendo entregue um cheque caução do valor de € 1.505,35, valor este superior a cinco por cento do valor base dos mesmos bens.

Assim foi aceite a referida proposta apresentada pelo cabeça-de-casal, tendo-se deliberado adjudicar-lhe os bens acima identificados objeto da sua proposta.

Não foi apresentada qualquer proposta de adjudicação relativamente ao bem imóvel da verba quatro e aos bens da verba dez.

Deliberou-se proceder à venda do bem imóvel da verba quatro, cujo valor atribuído é de € 45.450,00, tendo a cabeça-de-casal indicado a Agente de Execução HH para proceder à respetiva venda.

Foi ainda deliberado adjudicar à interessada, AA, o bem móvel da verba dez e adjudicar à cabeça-de-casal a única verba do passivo, identificada como verba onze. (…).”.

4. Mediante escrito datado de 30 de maio de 2018, intitulado Compra e Venda, a Ex.ma Senhora Agente de Execução HH, na qualidade de primeira outorgante e de encarregada de venda no processo de inventário número 5663/2016, e o Réu CC, na qualidade de segundo outorgante, declararam, perante Notário, o seguinte:

“A primeira outorgante, na qualidade em que outorga, declarou:

Que, pelo preço já recebido de dez mil e quinhentos euros, livre de ónus ou encargos, vende ao segundo outorgante, o prédio urbano, sito na Rua ..., na freguesia de S. ..., concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1525º, com o valor patrimonial tributário de € 45.450,00, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número mil quatrocentos e noventa e sete/da freguesia de S. ..., com o registo de aquisição a favor de EE e marido DD, pela apresentação vinte e sete de dezassete de dezembro de mil novecentos e noventa e sete.

O segundo outorgante declarou:

Que aceita esta venda. (…).”.

5. Pela apresentação n.º 4.467, de 30 de maio de 2018, foi registada a aquisição do prédio urbano identificado em 4., por compra, a favor do Réu CC.

6. Por sentença proferida a 18 de março de 2019 no âmbito do processo de inventário que correu termos no Juízo Local Cível de ... sob o número 268/19.9..., foi homologada a partilha constante do mapa elaborado pela Ex.ma Senhora Notária a 20 de outubro de 2018, do qual resulta que “à herdeira, AA, são adjudicados os bens móveis da verba sete e metade do valor que constitui a verba oito, que somam o valor total de sete mil setecentos e cinquenta euros (…), e como tem direito ao valor líquido de dezasseis mil duzentos e noventa e nove euros e nove cêntimos (…), tem a receber de tornas da cabeça-de-casal a quantia de oito mil quinhentos e quarenta e nove euros e nove cêntimos (…).”.

7. No despacho proferido em sede de audiência prévia realizada no âmbito da presente ação declarativa, a 19 de novembro de 2020 foi referido, para além do mais, o seguinte:

“Ora, da consulta no sistema informático do referido processo – processo n.º 268/19.9... deste Juízo Local Cível -, resulta que são invocadas as seguintes nulidades:

- Nulidade de todo o processado desde a sua citação, por ter sido por erro desculpável que não interveio no inventário, erro cuja essencialidade é conhecida da interessada BB, por bem saber que ela pretendia nele intervir, ficando a dever-se tal erro à circunstância de a Patrona que lhe foi inicialmente nomeada lhe ter referido para não receber qualquer carta e que ela trataria de tudo, e só recentemente, por substituição daquela Patrona, vir a ter conhecimento que tinha tornas a receber;

- Nulidade da citação por preterição de formalidades essenciais por aquela não vir acompanhada dos docs. 1 a 3, o que lhe prejudicou o direito de defesa;

- Nulidade por abuso de direito por parte da interessada BB que se aproveitou da sua ausência no inventário para preencher o seu quinhão com bens cujo valor real é muito superior ao do da adjudicação;

- Nulidade por simulação na venda do bem imóvel que constitui a verba n.º 4 da inicial relação de bens por ter sido vendido pela encarregada de venda de forma pouco transparente, vindo a sê-lo ao companheiro da interessada BB, por € 10.500,00, quando o valor real dele era de € 45.450,00;

- Nulidade da adjudicação das verbas 2, 3, 4, 5 e 6 da relação de bens, por dever ter sido adiada a Conferência Preparatória e a Conferência de Interessados atenta a sua não presença nelas, bem como a falta de notificação a ela da ata da Conferência de Interessados e do despacho de 14/4/2018 que aceitou a proposta de aquisição do imóvel que constitui a verba n.º 4.

Assim, a sentença homologatória de partilha ainda não transitou em julgado e a serem procedentes as nulidades invocadas, o processo de inventário voltaria ao seu início e, teria que haver pronúncia sobre o negócio de compra e venda em causa nos presentes autos. (…).

Assim, embora no inventário não se discuta qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica a ser apreciada nos presentes autos até porque já foi proferida sentença homologatória de partilha, a verdade é que a decisão do recurso interposto da sentença homologatória de partilha é suscetível de modificar a situação jurídica pressuposto da presente ação.

Esta circunstância constitui um motivo justificativo para a suspensão da instância, de modo a evitar que, nas duas causas, se produzam decisões contraditórias ou até que a presente ação deixe de ter objeto, salvaguardando-se, desse modo, a imagem e o prestígio dos tribunais. Evitar que dois tribunais sejam colocados numa situação de contradição de julgamentos de facto ou que sejam proferidas decisões inúteis, é um motivo relevante, se outros não se sobrepuserem, para justificar a suspensão da instância ao abrigo do disposto na parte final do n.º 1 do art. 272º do CPC.

Por isso, conclui-se que não sendo o processo de inventário causa prejudicial da presente ação, a verdade é que na sequência da interposição de recurso da sentença homologatória de partilha com a invocação de nulidades várias, pode o negócio jurídico em causa nos presentes autos ser anulado o que implicaria que esta ação ficaria sem objeto. Esta situação justifica a suspensão da instância.

Pelo exposto, e nos termos da disposição legal citada, ordeno a suspensão destes autos até que a sentença homologatória de partilha proferida no âmbito do processo n.º 268/19.9... transite em julgado.”.

8. Por acórdão proferido a 12 de outubro de 2021 no âmbito do processo de inventário n.º 268/19.9..., o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu julgar parcialmente procedente a apelação interposta pela Autora AA da “decisão da Ex.ma Notária incidente sobre o requerimento de 25/03/2019, anulando o mapa de partilha definitivo, devendo ter lugar o mapa informativo a que se referia o art. 60º do RJPI, e, na sua sequência, ser notificada a apelante para exercer as faculdades do art. 61º desse diploma legal, anulando-se também a sentença homologatória do mapa de partilha, e, em consequência, julgando-se prejudicado o conhecimento das questões que decorram da apelação incidente sobre a sentença homologatória da partilha que não se reconduzam às apreciadas no âmbito do recurso atrás referido”.

9. No Acórdão a que se alude em 8. refere-se, para além do mais, o seguinte:

“2 - A interessada AA interpôs apelação, para este Tribunal da Relação, da sentença homologatória da partilha, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos:

I. Vem o presente recurso, oportunamente interposto da sentença que homologou a partilha constante do mapa junto aos autos, adjudicando os quinhões às respetivas interessadas, impugnando-se ainda, as decisões tomadas anterior e posteriormente e que reflexamente influem na sentença em causa.

II. O presente recurso tem por objeto a globalidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo, bem como as decisões interlocutórias proferidas ao longo do processo de inventário, e ainda a apreciação das nulidades e irregularidades cometidas ao longo de todo o processo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

III. A sentença recorrida não cumpre com os requisitos legalmente exigidos, cfr. art. 57º do RJPI, nomeadamente no que diz respeito às decisões tomadas na conferência de interessados e quanto ao pagamento do passivo.

IV. A sentença recorrida não possui o relatório, fundamentação e parte dispositiva, determinando a sua nulidade.

V. No âmbito do dever contido no art. 66º do RJPI, impende sobre o juiz o dever de suscitar e decidir nulidades que sejam de conhecimento oficioso.

VI. Por isso, impunha-se que o Tribunal a quo aferisse da citação da Recorrente, que se revela aliás, nula, por preterição de formalidades essenciais prescritas na lei que coartam e prejudicam os direitos de defesa da Recorrente, por força do disposto nos arts. 219º, n.ºs 1 e 3 e 191º, ambos do CPC.

VII. Na medida em que com a citação da Recorrente não foram remetidos os documentos juntos como doc. n.º 1 a 3, assim mencionados na relação de bens apresentada pela Cabeça-de-Casal, o que impossibilita a Recorrente de exercer o respetivo direito de defesa e contraditório.

VIII. Não tendo a sentença que homologou a partilha apreciado a citação da Recorrente, é a mesma nula, por omissão de pronúncia.

IX. Constituindo tal omissão também uma nulidade, que se invoca, tudo com as legais consequências.

X. Por outro lado, a forma da partilha evidencia, no mínimo, manifesto e flagrante abuso de direito e simulação, o que não poderia escapar ao escrutínio e apreciação que se impõe ao/à M.º/ª Juiz a quo.

XI. Na Conferência de Interessados foram adjudicados à Cabeça-de-Casal 5 (cinco) bens imóveis pela irrisória quantia global de € 21.517,00, quando, como é facto manifestamente notório, cfr. art. 412º do CPC, é totalmente inverosímil que haja bens imóveis cujo valor real se cinja a tais quantias, em particular face ao estado do mercado imobiliário atualmente.

XII. Na Conferência de Interessados, a Cabeça-de-Casal, premeditada e propositadamente, requereu a venda da verba nº 4 da primeira relação de bens apresentada, pelo valor patrimonial, correspondente a € 45.450,00, e desde logo indicou agente de execução para promover a mesma.

XIII. Por requerimento de 17.01.2018, a Exma. Sra. Agente de Execução dá conta aos autos de que nenhuma proposta foi apresentada, até àquela data.

XIV. No dia 03.02.2018, a Exma. Sra. Agente de Execução junta aos presentes autos 3 (três) propostas, sendo uma delas datada de 17.01.2018, precisamente a data em que a Exma. Sra. Agente de Execução indicou aos autos não existir ainda nenhuma proposta de compra.

XV. As 3 (três) propostas alegadamente apresentadas não evidenciam a forma como chegaram à Exma. Agente de Execução, seja por carta, seja por fax, seja por qualquer outro meio e muito menos evidenciam a data em que foram apresentadas as propostas e não consta nos autos a forma como foi promovida a venda do referido bem, até 17.01.2018 e posteriormente.

XVI. As propostas alegadamente apresentadas e juntas aos presentes autos são em tudo, estilo, letra, discurso, etc, idênticas.

XVII. Com aquela venda, alegadamente a terceiros estranhos à Cabeça-de-Casal não foi mais do que um ardil por esta montado para que o bem fosse adquirido indiretamente em seu benefício, pelo seu companheiro, por valor muito abaixo do real e até muito abaixo do valor patrimonial.

XVIII. A aceitação por parte da Cabeça-de-Casal da venda de um bem imóvel pelo modesto valor de € 10.500,00, cujo valor patrimonial é de € 45.450,00, evidencia o esquema que foi montado.

XIX. Era imperioso concluir que a forma da partilha, era, assim, no mínimo, suspeita.

XX. A partilha deve ter em consideração o valor atual das verbas em causa, sob pena de prejuízo para os adquirentes, injusta composição do litígio e da decisão final não corresponder à situação real no momento da decisão.

XXI. O processo de inventário destina-se a uma justa e equitativa partição do património hereditário, e constitui uma medida de proteção que se destina a evitar prejuízos e a distribuir, equivalentemente, um património.

XXII. Basta atentar ao mapa de partilha, aos valores pelos quais vasto e significativo património foi adjudicado à Cabeça-de-Casal para facilmente se concluir que não existe, nos presentes autos, qualquer justa partição do património hereditário, sendo também, por esta via, contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes a partilha em causa,

XXIII. Pois existe um manifesto desequilíbrio entre os benefícios obtidos pela Cabeça-de-Casal, de adjudicação de 5 (cinco) bens imóveis, e um manifesto prejuízo da Recorrente, ao ser “concedido”, por isso, um direito a tornas, no mísero valor de € 8.549,09, sendo o seu quinhão composto pela quantia irrisória de € 16.299,09.

XXIV. É, assim, igualmente nula a partilha, nos termos do disposto no art. 280º do CC.

XXV. A Cabeça-de-Casal, com a partilha patente nos autos, a manter-se, irá enriquecer de forma clamorosamente injusta e abismal em detrimento da Recorrente, que irá igualmente empobrecer na mesma medida.

XXVI. Constatado que a partilha ofende gravemente os interesses patrimoniais da ora Recorrente e que esta estava convencida de uma realidade distinta da verdadeira, é dever oficioso proceder à correção de tal situação, de modo a alcançar-se a repartição igualitária e equitativa do acervo hereditário.

XXVII. Impende de facto sobre o Juiz o dever de verificar a legalidade da partilha, do ponto de vista substantivo e processual.

XXVIII. Pelo que, de modo a alcançar uma repartição igualitária e equitativa, deve ser declarado nulo todo o processado posterior à citação da Recorrente.

XXIX. Pelo que se impunha, e impõe, a declaração de nulidade da adjudicação à Cabeça-de-Casal dos bens correspondentes às verbas n.º 2, 3, 4, 5 e 6 da ulterior relação de bens apresentada, o que ora se requer.

XXX. É igualmente nula, a venda do imóvel correspondente ao artigo matricial n.º 1525, da freguesia de S. ..., concelho de ..., por simulação, o que se requer, tudo com as legais consequências.

XXXI. A Recorrente não foi notificada da ata da Conferência de Interessados, nem do despacho da Digníssima Notária de 14.04.2018, que aceitou a proposta de aquisição do imóvel que corresponde à verba n.º 4 pela proposta apresentada pelo Exmo. Senhor CC, nem foi a Recorrente notificada dos demais atos praticados relativos a esta venda,

XXXII. O que constitui nulidade, apta a influir na decisão da causa e justa composição do litígio.

XXXIII. Não foi dado cumprimento ao disposto no art. 45º do RJPI.

XXXIV. A Conferência Preparatória deveria ter sido adiada, pela ausência da Recorrente, nos termos do art. 47º, n.º 5 do RJPI,

XXXV. Tal como a Conferência de Interessados.

XXXVI. O que constitui igualmente nulidade, suscetível de influir no exame e decisão da causa e justa composição do litígio, e que deveria ter sido apreciada pelo Tribunal a quo.

XXXVII. Não tendo sido, é a sentença recorrida nula, por omissão de pronúncia, o que se invoca, tudo com as legais consequências.

XXXVIII. Assim, deveria e deve ser decretada a nulidade do processo, anulando-se todo o processado desde a citação da Recorrente, o que se requer.

XXXIX. As decisões tomadas pela Digníssima Notária merecem reparo, cuja sindicância nesta sede se reclama, sendo o modo, meio e Tribunal competente para delas conhecer.

XL. No dia 25.03.2019, a Recorrente dirigiu um requerimento ao Cartório Notarial em causa, invocando a nulidade do processo, por erro, quer por julgar a Recorrente que estava a ser devidamente representada em juízo pela Il. Patrona que lhe fora nomeada para o efeito, Dra. II, Il. Advogada, quer por desconhecer a Recorrente o efeito de não recebimento das notificações que lhe foram dirigidas, porque foi assim expressamente aconselhada pela Dra. II, Il. Advogada e patrona que lhe fora nomeada, nulidade ainda decorrente da violação do direito indisponível de partilhar, nulidade da citação da Recorrente, nulidade por abuso de direito, nulidade por simulação, nulidade decorrente da ausência de notificação à Interessada da Ata da Conferência de Interessadas e do despacho de 14.04.2018, bem como de todos os atos subsequentes referentes à venda do imóvel que corresponde à verba n.º 4, nulidade por violação do art. 45º do RJPI, nulidade por violação do art. 47º n.º 5 do RJPI, tendo ainda a Recorrente, nesse mesmo ato e requerimento, apresentado reclamação contra a relação de bens, juntando ainda 5 (cinco) documentos e arrolando testemunhas.

XLI. No dia 26.03.2019, por uma questão de mera cautela de patrocínio, a Recorrente apresentou no Tribunal a quo requerimento de igual teor.

XLII. Tal requerimento mereceu o despacho de fls…, de 27.03.2019, que declarou a instância local cível incompetente em razão da matéria para apreciar o requerimento apresentado pela aqui Recorrente em 26.03.2019, indeferindo-o, por isso, liminarmente.

XLIII. No dia 28.03.2019, a Recorrente apresentou requerimento no Cartório Notarial, juntando o despacho judicial de fls…, de 27.03.2019, insistindo e requerendo a apreciação do requerimento apresentado em 25.03.2019.

XLIV. Tais requerimentos mereceram a notificação datada de 31.03.2019.

XLV. No dia 11.04.2019, a Recorrente apresentou requerimento dirigido à Digníssima Notária, invocando a nulidade da notificação, por, ao contrário do ali constante, não ter sido junta a sentença homologatória da partilha, insistiu e requereu a apreciação do requerimento apresentado em 25.03.2019, e, caso assim não se entendesse, requereu ainda a Recorrente a remessa do referido requerimento para o Tribunal a quo, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 16º, n.º 1 e 3 do RJPI.

XLVI. No dia 23.04.2019, a Recorrente apresentou recurso da notificação datada de 31.03.2019, ao abrigo do disposto no art. 67º do CPC, dirigido ao Tribunal a quo.

XLVII. Por notificação datada de 25.04.2019, foi a Recorrente notificada do despacho da mesma data, da Digníssima Notária, e agora sim, da sentença homologatória da partilha.

XLVIII. A Digníssima Notária não poderia ter remetido o processo para o Tribunal a quo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 66º, n.º 1 do RJPI, quando as tornas nem sequer estavam pagas à Recorrente.

XLIX. A Digníssima Notária não poderia ter tramitado o processo de inventário, sem cumprir com as regras que lhe são aplicáveis, e ignorando as evidências latentes, nos termos dos factos patentes nas conclusões VI, VII, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XX, XXI, XXII, XXIII, XXV, XXVI, XXXI XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV e XXXVI, por uma questão de economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

L. Era obrigação e estava na disposição da Digníssima Notária assegurar a regular tramitação do processo de inventário e assegurar e garantir a justa composição dos quinhões e repartição do património hereditário.

LI. Independentemente de existir ou não sentença homologatória da partilha, a Digníssima Notária tinha o dever de se pronunciar quanto aos requerimentos apresentados pela Recorrente, em 25.03.2019, 28.03.2019, 11.04.2019 e 23.04.2019.

LII. Sendo certo que, a sentença homologatória da partilha, à data, como agora, ainda não havia transitado em julgado, sendo, por isso, a arguição dos vícios patentes no requerimento de 25.03.2019 tempestiva.

LIII. A decisão da Digníssima Notária, datada de 31.03.2019, embora se tenha dificuldade em qualificar como decisão, sendo antes uma mera informação, é nula, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.

LIV. Pela equiparação das funções do notário no âmbito do processo de inventário, às funções do juiz, no âmbito dos pleitos judiciais, considerando ainda o disposto no art. 82º do RJPI, está o notário sujeito aos mesmos deveres, em especial no que tange às decisões.

LV. E, por isso, impõe-se também ao notário, no âmbito do processo de inventário, o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, nos termos do n.º 2 do art. 608º do CPC,

LVI. Bem como o dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, em respeito pelo princípio do inquisitório, contido no art. 411º do CPC.

LVII. E, as decisões têm de ser sempre fundamentadas, nos termos do disposto no art. 205º da CRP, densificando-se legalmente no art. 154º do CPC.

LVIII. O processo de inventário, apesar de atualmente desjudicializado, não deixa igualmente de estar sujeito nas decisões a proferir, a tal dever de fundamentação.

LIX. Assim, a cada cidadão, que recorre ao sistema jurisdicional, é assegurado um direito e garantia constitucional e convencional, que se traduz numa efetiva decisão sobre a sua pretensão em prazo razoável.

LX. O despacho de 25.04.2019 da Digníssima Notária é completamente omisso quanto ao requerimento apresentado pela Recorrente em 11.04.2019 e o recurso apresentado em 23.04.2019, apesar de ser posterior a estes atos praticados pela Recorrente.

LXI. Pelo que, também este despacho, é nulo, por completa omissão de pronúncia, nomeadamente quanto à remessa dos autos ao Tribunal a quo, nos termos do disposto no art. 16º, n.ºs 1 e 3 do RJPI, e quanto à admissão do recurso interposto em 23.04.2019.

LXII. A circunstância do requerimento em causa ter sido apresentado após a prolação da sentença homologatória da partilha não constitui fundamento e base para recusar a sua apreciação, já que, a sentença não transitou em julgado, e impende sobre o notário a obrigação de apreciar todas as questões submetidas à sua apreciação, e que, não foram apreciadas antes e muito pelo Juiz, ao contrário do que consta do despacho de 25.04.2019.

LXIII. A sentença que homologou a partilha, precisamente por ser anterior a 25.03.2019, jamais poderia ter apreciado a matéria alegada e colocada em crise no requerimento em causa.

LXIV. O RJPI não impede nem veda ao notário a capacidade e competência para apreciar questões mesmo após a prolação de sentença homologatória.

LXV. Se assim fosse, não seria possível nem a lei preveria a nova partilha, emenda ou anulação da partilha.

LXVI. O processo de inventário padece de graves nulidades, e têm de facto que ser consideradas as questões suscitadas pela Recorrente.

LXVII. Como consta dos autos, até 25.03.2019, a Recorrente não teve qualquer intervenção nos autos de inventário, como consta dos mesmos.

LXVIII. Mas estava a Recorrente em erro, por estar convencida que a Dra. II, Il. Advogada, patrona que lhe fora nomeada, estaria a agir de acordo com os interesses e direitos da Recorrente, que assim foi expressamente declarado por aquela. Processo:

LXIX. Nunca foi nem vontade, nem desejo, nem determinação da Recorrente não participar nos presentes autos e muito menos permitir o absoluto roubo e assalto ao património dos seus pais e ao seu quinhão hereditário.

LXX. A Recorrente nada fez, por si mesma, até à presente data por ter a convicção plena que a Dra. II, Il. Advogada, estava a atuar em seu nome e representação, como declarou que o fazia e como era sua obrigação legal e deontológica.

LXXI. Pelo que é evidente que a Recorrente esteve, desde o início dos presentes autos, em erro, compreensível e desculpável.

LXXII. O homem médio, colocado nas mesmas circunstâncias que a Recorrente teria a mesma convicção e comportamento.

LXXIII. Não obstante o disposto no art. 249º do CPC, a verdade é que a Recorrente não teve de facto qualquer conhecimento das notificações que lhe foram dirigidas e que, por indicação da Dra. II, Il. Advogada, as não recebeu.

LXXIV. E, por isso, porque não foram efetivamente recebidas, como consta dos autos, as mesmas não devem ser consideradas como eficazes quanto à Recorrente, o que se requer, tudo com as legais consequências, por força do erro em que estava a Recorrente.

LXXV. A Recorrente desconhecia quer que ao não receber as notificações que lhe eram dirigidas, tinha o mesmo efeito como se as recebesse e tomasse conhecimento do seu teor,

LXXVI. E desconhecia igualmente a Recorrente que a Dra. II, Il. Advogada nomeada, nada tinha feito nos presentes autos.

LXXVII. A própria Cabeça-de-Casal bem sabe que a Recorrente queria intervir nos presentes autos, porque sempre se interessou pela herança dos pais, desde o óbito dos mesmos, e que, de forma alguma, a Recorrente concordaria com o que se veio a verificar.

LXXVIII. Nos termos configurados pelos arts. 246º, 247º, 251º e 252º, todos do Código Civil, verificou-se erro, na declaração da Recorrente, aqui consubstanciado no seu silêncio ao longo dos presentes autos, em virtude da desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada (silêncio), o que desde já se invoca, tudo com as legais consequências.

LXXIX. Pelo que, também por esta via, deve ser decretada a nulidade de todo o processado, desde a citação da Recorrente, cfr. art. 359º do CC e art. 291º do CPC, o que se requer, com as legais consequências.

LXXX. Nos termos do disposto no art. 2101º, n.º 2 do CC, o direito de partilhar é um direito indisponível, pelo que, não está na disponibilidade das partes afastá-lo ou não exercê-lo.

LXXXI. Tal indisponibilidade tem subjacente um princípio de interesse e ordem pública, pelo que a sua violação importa a nulidade, nos termos do disposto no art. 280º do CC.

LXXXII. Assim, também por esta via, é nulo todo o processado posterior à citação da Recorrente, na medida em que ferido, ainda que não querido e desconhecido pela Recorrente, da manifestação e exercício do seu direito de partilhar.

LXXXIII. A Recorrente alegou e juntou prova documental apta a demonstrar que a Cabeça-de-Casal conhece os pretensos proponentes na aquisição do imóvel em causa.

LXXXIV. O Exmo. Sr. JJ e a Exma. Sra. KK são amigos chegados da Cabeça-de-Casal, sendo suas visitas de casa e companhia para passeios, convívios, etc, conforme doc. n.º 1 junto com o referido requerimento.

LXXXV. O Exmo. Senhor CC é o companheiro da Cabeça-de-Casal há cerca de 10 (dez) anos, que vivem como de marido e mulher se tratassem, igualmente conforme doc. n.º 1 e 2 junto com o requerimento de 25.03.2019.

LXXXVI. A reclamação contra a relação de bens pode ser apresentada a todo o tempo, até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.

LXXXVII. O que a Recorrente fez, com o requerimento de 25.03.2019.

LXXXVIII. Considerando as questões suscitadas pela Recorrente e a sua importância e influência da decisão e objeto do processo, impõe-se a sua apreciação.

LXXXIX. Incorreram as decisões impugnadas na violação e/ou incorreta interpretação e aplicação do disposto nos arts. 240º, 246º, 247º, 251º, 252º, 280º, 359º e 2101º, n.º 2, todos do Código Civil, arts. 154º, 187º, 191º, 195º, 196º, 198º, 200º, 219º, 291º, 411º e 607º, n.º 4 e 5, todos do CPC, arts. 4º, 16º, 28º, 29º, 32º, 45º, 47º, 57º e 82º, todos do RJPI, arts. 8º, 20º, n.ºs 1, 4 e 5 e 205º, todos da CRP e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

XC. Impondo-se, por tudo o supra exposto a revogação das decisões impugnadas.

Termos em que e sempre, invocando-se o douto suprimento desse Venerando Tribunal deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, determinada a nulidade de todo o processado após a citação da Recorrente, tudo com as legais consequências.

Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, declarada a nulidade da adjudicação à Cabeça-de-Casal dos bens correspondentes às verbas n.º 2, 3, 4, 5 e 6 da ulterior relação de bens apresentada, bem como declarada a nulidade da venda do imóvel correspondente ao artigo matricial n.º 1525, da freguesia de S. ..., concelho de ..., por simulação, tudo com as legais consequências.

Caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ordenada a apreciação do requerimento apresentado em 25.03.2019, tudo com as legais consequências. (…).

Ainda sobre o requerimento acima referido – o dirigido ao Cartório Notarial – veio este Tribunal da Relação declarar-se incompetente em razão da hierarquia, para dele conhecer, tendo ordenado que os autos baixassem ao Cartório Notarial em causa para dele conhecer.

Foi apreciado o requerimento em causa pela Exma Notária que o indeferiu totalmente.

4 – Apelou, então, a interessada AA dessa decisão, tendo concluído as respetivas alegações nos seguintes termos: (…).

XLVII. A Cabeça-de-Casal atuou em manifesto abuso de direito, aproveitando-se da ausência e não intervenção da Recorrente – repita-se novamente, não querida e desconhecida por esta – para preencher o seu quinhão hereditário com bens cujo valor real é muito superior ao da adjudicação.

XLVIII. A Cabeça-de-Casal declarou pretender a venda a terceiro de um bem imóvel, para assim conseguir o mesmo através do seu companheiro, por valor muito inferior ao real e até ao patrimonial.

XLIX. As únicas 3 (três) pretensas propostas apresentadas para a aquisição do bem imóvel em causa foram apresentadas por amigos próximos e pelo companheiro da Cabeça-de-Casal.

L. E, surpreendentemente, ou não, a proposta vencedora, de aquisição de um bem imóvel, cujo valor patrimonial é de € 45.450,00, pelo ridículo valor de € 10.500,00, foi apresentada precisamente pelo companheiro da Cabeça-de-Casal, que rapidamente se apressou a aceitar.

LI. Esta aceitação, por isso, é desde logo suscetível de causar estranheza, no mínimo.

LII. Uma vez que a venda de um bem imóvel com o valor patrimonial de € 45.450,00, pelo montante de € 10.500,00, é no mínimo suspeito.

LIII. Porquanto a sentença que homologou a partilha ainda não transitou em julgado, e que a mesma deverá ter em consideração o valor atual das verbas em causa, sob pena de prejuízo para os adquirentes, injusta composição do litígio e da decisão final não corresponder à situação real no momento da decisão, deve ser anulada.

LIV. As evidências supra descritas, patentes no requerimento de 25.03.2019, impõem a sua consideração, uma vez que demonstram, de forma cabal e inequívoca o desequilíbrio da partilha.

LV. E é nesta sede que tal tem de ser considerado e não em ação autónoma.

LVI. Uma vez que o processo de inventário destina-se a uma justa e equitativa partição do património hereditário. (…).”.

10. Na fundamentação do Acórdão a que se alude em 8. refere-se, para além do mais, o seguinte:

“6 - Na sequência do acórdão que foi proferido por este Tribunal da Relação nos presentes autos dever-se-á iniciar a apreciação dos recursos interpostos pela interessada AA pelo que incide sobre o despacho da Exma Notária que indeferiu na íntegra o requerimento por ela apresentado em 25/03/2019 e, apenas na sua improcedência, e relativamente às questões que não se configurem como comuns relativamente a esse recurso, havendo-as, se deverá apreciar a apelação sobre o despacho de homologação da sentença de partilha.

Referentemente àquele recurso, e que importa aqui desde já decidir, resulta do confronto da decisão proferida pela Exma Notária e das conclusões das respetivas apelações, constituir objeto do mesmo a apreciação das seguintes questões:

A- a nulidade dessa decisão, nos termos do als. b) e d) do n.º 1 do art. 615º CPC, por ausência de fundamentação e por omissão de pronúncia;

B - a nulidade de todo ou parte do processo de inventário, pelos seguintes motivos:

- por falta de citação da apelante;

-por não ter sido adiada a conferência preparatória, apesar da ausência da apelante;

-por não ter sido dada sem efeito a conferência de interessados, com designação de nova data para a respetiva realização, não obstante não existir então nos autos a confirmação da notificação da apelante para a mesma;

- por falta de notificação da mesma relativamente aos demais atos /diligências;

C- a tempestividade da arguição, no requerimento de 25/3/2019, das nulidades decorrentes dessas não notificações, tempestividade essa advinda das seguintes circunstâncias, cuja apreciação corresponderá a outras tantas sub-questões:

- por não se poder considerar o requerimento apresentado em 21/11/2018 pelo Sr. Dr. LL como efetiva e real intervenção da apelante;

- porque os atos nulos não podem ser renovados, nem sanados, independentemente da arguição;

- porque se verificou erro da apelante em função da conduta da Il. Patrona que lhe foi nomeada, devendo esse erro ser apurado nos presentes autos;

- por abuso de direito da cabeça-de-casal ao ter-se aproveitado da ausência e não intervenção da apelante para preencher o seu quinhão hereditário com bens cujo valor é notoriamente superior ao da adjudicação e, ao ter adquirido indiretamente em seu beneficio a verba n.º 4 da relação de bens através da venda que potenciou, por valor muito inferior ao real, ao seu companheiro;

- em função do dever oficioso de corrigir a repartição desigualitária e não equitativa do acervo hereditário, sob pena de ofensa à ordem pública e bons costumes;

D) a tempestividade da reclamação contra a relação de bens. (…).

Havendo apenas dois interessados num processo de inventário, o desinteresse de um deles no processamento do processo facilmente pode redundar no resultado de que aqui a apelante se queixa – o interessado não revel aproveitar-se da ausência daquele para preencher o seu quinhão hereditário com bens imóveis cujo valor é notoriamente superior ao da adjudicação. Bem como, pode agir como a apelante refere relativamente a uma das verbas, dissimulando o seu real interesse nesse bem através da sua venda por propostas em carta fechada a um proponente fictício.

Saber se há um dever oficioso por parte do Juiz (ou do Notário) na correção da repartição desigualitária e não equitativa do acervo hereditário que assim venha a ser obtida pode ser questão discutível, mas desde logo levanta a interrogação, de difícil resposta, a respeito de saber quão desigualitária ou não equitativa se tem que apresentar essa repartição para esse efeito.

Parece-nos antes, que o devido processamento do inventário e a atuação interessada dos interessados nele obvia àquele resultado, sendo de rejeitar intervenções corretivas por parte do Juiz ou Notário, ainda que em nome de ofensa à ordem pública e bons costumes.

Já atrás se deixou referido que na concreta situação dos autos se entende que a Exma Notária antes de prosseguir na realização da conferência de interessados e perante a ausência de um dos dois, se deveria ter certificado se a ausente estava notificada para esse ato, sendo que, se não tivesse meio de o saber, deveria ter dado sem efeito aquela diligência e marcar nova data para a mesma.

Não o fez, porém, deixando prosseguir a conferência, com o resultado dela advindo, vindo a verificar-se que a referida interessada ausente, aqui apelante, estava efetivamente notificada para a diligência, pois, tendo-lhe sido possível levantar no correio a carta que lhe fora enviada com essa finalidade, optou por não o fazer.

Quando assim é não se vê que o Juiz (ou Notário) hajam de ser mais papistas que o Papa.

De todo o modo, e mais uma vez, na situação concreta dos autos, a questão em referência acaba por perder relevância autónoma, desde o momento em que o patrono oficioso da apelante veio aos autos reclamar o pagamento das tornas por depósito, com o conteúdo que a esse ato se deu acima.

Não obstante esse entendimento, e continuando a entender não ser possível desconsiderar esse requerimento para o efeito de sanar as pretendidas nulidades, como já se expôs, entende-se ser de admitir que desde o momento em que, efetivamente, do mesmo não consta o IBAN da apelante de modo a tornar operante o pagamento das tornas e, como notificada para o indicar, a mesma não o fez, se tenha ainda como possível para a interessada/apelante o exercício das opções alternativas que resultam do disposto no art. 61º do RJPI, para o que deve ser notificada.

Veja-se, aliás, que do mapa de partilha de fls. 209 apenas consta, «notifique-se ainda a interessada a quem cabem tornas para reclamar o pagamento das mesmas».

A possibilidade que se entrevê, torna prematura a organização do mapa de partilha definitivo, devendo ter lugar o mapa informativo a que se refere o art. 60º do RJP, que, aliás, perante as tornas devidas, deveria, de todo o modo, ter tido lugar nos autos.

O que significa que foi prematura também a prolação da sentença homologatória do mapa de partilha, que, por isso, se anula, bem como, antecedentemente, o mapa de fls. 209.

Com o que resultam prejudicadas as questões a conhecer no recurso interposto pela apelante da sentença homologatória da partilha que se não reconduzam às acima decididas no âmbito do recurso interposto da decisão proferida relativamente ao requerimento de 25/3/2019.

Cabe por fim decidir a última questão – a de saber se é ainda possível à aqui apelante reclamar da relação de bens.

Assim o pretende a apelante entendendo possível fazê-lo mesmo depois de proferida a sentença homologatória da partilha.

A respeito dessa matéria referia o art. 32º/5 do RJPI: «As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas até ao inicio da audiência preparatória, sendo o reclamante condenado em multa, exceto se demonstrar que não a pode oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável».

É bem clara a norma em questão relativamente ao terminus do prazo para apresentar reclamações contra a relação de bens – o início da audiência preparatória.

Não há como, salvo melhor opinião, entender possíveis tais reclamações até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, como sucedia no âmbito do art. 1348º do CPC. (…).”.

11. No dia 6 de dezembro de 2021 os autos de inventário foram remetidos ao Cartório Notarial para os fins indicados pelo Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão mencionado em 8. a 10..

12. Por sentença proferida a 26 de abril de 2022, transitada em julgado no dia 1 de junho de 2022, foi homologada a partilha constante do mapa junto aos autos de inventário n.º 268/19.9..., tendo sido adjudicados às interessadas os respetivos quinhões.

13. Do mapa da partilha a que alude a sentença mencionada em 12. consta, para além do mais, o seguinte:

“Imóveis – Verba dois (valor € 10.500,00,00 - € 514,50 de honorários pagos à Agente de Execução encarregada da venda = valor € 9.985,50)

Verba três (valor – 21.430,00)

Verba quatro (valor – € 50,00)

Verba cinco (valor – € 33,00)

Verba seis (valor – € 3,00)

Verba sete (valor – € 1,00)

Valor total – € 31.502,50.

Móveis – Verba oito. - Valor – € 2.500,00. (…).

Considerando a proposta em carta fechada apresentada pela cabeça-de-casal na conferência de interessados e o pedido de adjudicação feito pela interessada, AA, no seu requerimento de 13/01/2022, procede-se às adjudicações pela seguinte forma:

Pagamentos

- São adjudicados à cabeça-de-casal, BB, os bens das verbas quatro, cinco, seis, sete e oito e metade do bem da verba três da Relação de Bens, (…) leva a menos do que o seu direito, o valor de quatro mil e dois euros e cinquenta cêntimos (…), que tem a receber de tornas.

- São adjudicados à interessada, AA, metade do bem identificado na verba três da Relação de Bens, (…), leva a menos do que o seu direito o valor de cinco mil novecentos e oitenta e três euros e dois cêntimos (…), que tem a receber de tornas. (…).”

O DIREITO

12. A primeira questão consiste em determinar se o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado formado sobre o despacho de 19 de Novembro de 2020.

13. Estando em causa a ofensa de caso julgado, a circunstâncias de o Tribunal da Relação ter confirmado, por unanimidade, a decisão do Tribunal de 1.ª instância é de todo em todo irrelevante — o recurso é sempre admissível 1.

14. O facto dado como provado sob o n.º 7 é do seguinte teor.

7. No despacho proferido em sede de audiência prévia realizada no âmbito da presente ação declarativa, a 19 de novembro de 2020 foi referido, para além do mais, o seguinte:

“Ora, da consulta no sistema informático do referido processo – processo n.º 268/19.9... deste Juízo Local Cível -, resulta que são invocadas as seguintes nulidades:

- Nulidade de todo o processado desde a sua citação, por ter sido por erro desculpável que não interveio no inventário, erro cuja essencialidade é conhecida da interessada BB, por bem saber que ela pretendia nele intervir, ficando a dever-se tal erro à circunstância de a Patrona que lhe foi inicialmente nomeada lhe ter referido para não receber qualquer carta e que ela trataria de tudo, e só recentemente, por substituição daquela Patrona, vir a ter conhecimento que tinha tornas a receber;

- Nulidade da citação por preterição de formalidades essenciais por aquela não vir acompanhada dos docs. 1 a 3, o que lhe prejudicou o direito de defesa;

- Nulidade por abuso de direito por parte da interessada BB que se aproveitou da sua ausência no inventário para preencher o seu quinhão com bens cujo valor real é muito superior ao do da adjudicação;

- Nulidade por simulação na venda do bem imóvel que constitui a verba n.º 4 da inicial relação de bens por ter sido vendido pela encarregada de venda de forma pouco transparente, vindo a sê-lo ao companheiro da interessada BB, por € 10.500,00, quando o valor real dele era de € 45.450,00;

- Nulidade da adjudicação das verbas 2, 3, 4, 5 e 6 da relação de bens, por dever ter sido adiada a Conferência Preparatória e a Conferência de Interessados atenta a sua não presença nelas, bem como a falta de notificação a ela da ata da Conferência de Interessados e do despacho de 14/4/2018 que aceitou a proposta de aquisição do imóvel que constitui a verba n.º 4.

Assim, a sentença homologatória de partilha ainda não transitou em julgado e a serem procedentes as nulidades invocadas, o processo de inventário voltaria ao seu início e, teria que haver pronúncia sobre o negócio de compra e venda em causa nos presentes autos. (…).

Assim, embora no inventário não se discuta qualquer questão que possa modificar uma situação jurídica a ser apreciada nos presentes autos até porque já foi proferida sentença homologatória de partilha, a verdade é que a decisão do recurso interposto da sentença homologatória de partilha é suscetível de modificar a situação jurídica pressuposto da presente ação.

Esta circunstância constitui um motivo justificativo para a suspensão da instância, de modo a evitar que, nas duas causas, se produzam decisões contraditórias ou até que a presente ação deixe de ter objeto, salvaguardando-se, desse modo, a imagem e o prestígio dos tribunais. Evitar que dois tribunais sejam colocados numa situação de contradição de julgamentos de facto ou que sejam proferidas decisões inúteis, é um motivo relevante, se outros não se sobrepuserem, para justificar a suspensão da instância ao abrigo do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 272º do CPC.

Por isso, conclui-se que não sendo o processo de inventário causa prejudicial da presente ação, a verdade é que na sequência da interposição de recurso da sentença homologatória de partilha com a invocação de nulidades várias, pode o negócio jurídico em causa nos presentes autos ser anulado o que implicaria que esta ação ficaria sem objeto. Esta situação justifica a suspensão da instância.

Pelo exposto, e nos termos da disposição legal citada, ordeno a suspensão destes autos até que a sentença homologatória de partilha proferida no âmbito do processo n.º 268/19.9... transite em julgado.”.

15. Os requisitos do artigo 581.º do Código de Processo Civil devem interpretar-se de acordo com a directriz substancial traçada no n.º 2 do actual artigo 580.º, onde se afirma que a excepção de caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior 2.

16. Ora, entre o despacho de 19 de Novembro de 2020 e o acórdão recorrido, de 13 de Dezembro de 2023, não há nenhuma contradição.

17. O despacho de 19 de Novembro de 2020 determinou a suspensão da instância e, cessada a suspensão, o acórdão recorrido, de 13 de Dezembro de 2023, confirmou a decisão de absolvição dos Réus da instância, por inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Autora.

18. Ora um, despacho de suspensão da instância de 19 de Novembro de 2020 não impedia o Tribunal de 1.º instância ou o Tribunal da Relação de, cessada a suspensão, absolver os Réus da instância, por inadmissibilidade do meio processual.

19. Em termos em tudo semelhantes aos do acórdão recorrido, dir-se-á que:

O que se decidiu no despacho de 19.11.2020 não vincula que o juiz que o proferiu ou outro que o venha a substituir, como aconteceu até no caso, não possa decidir pela inadmissibilidade do meio processual empregue, nem pela procedência de qualquer pressuposto processual, como a falta da capacidade judiciária ou de legitimidade. Em momento algum, o despacho de 19.11.20 se pronunciou sobre a admissibilidade do meio empregue, nem sobre qualquer pressuposto processual.

20. Em resposta à primeira questão, dir-se-á que o acórdão recorrido não ofendeu o caso julgado formado sobre o despacho de 19 de Novembro de 2020.

21. Esclarecido que a resposta à primeira questão deve ser uma resposta negativa, a segunda e a terceira questões suscitada pela Autora, agora Recorrente, consistem em determinar:

— se se verifica a excepção dilatória inominada de inadmissibilidade do meio processual utilizado pela Autora;

— em caso de resposta negativa, se se verifica a excepção dilatória nominada de caso julgado ou a excepção dilatória nominada de litispendência.

22. O acórdão recorrido confirmou, por unanimidade, a decisão do Tribunal de 1.ª instância de absolver os Réus da instância, por inadmissibilidade do meio processual.

23. Ora o artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

24. Entre a fundamentação das duas decisões não há nenhuma diferença— e, em todo o caso, não há nenhuma diferença essencial — o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação concordaram em que “[o] meio próprio para obstar à homologação de uma partilha que se considera não dever ter sido homologada é o recurso” e em que, “[a]pós o trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, o modo de obter alterações à partilha efetuada é apenas através da emenda e da anulação da partilha e eventualmente, nos casos excecionais previstos na lei, o recurso de revisão”.

25. O facto de o acórdão recorrido terminar com a afirmação de que “[se mantém], pelo exposto, a bem fundamentada sentença recorrida” exclui qualquer dúvida sobre o preenchimento dos pressupostos do artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

25. Em todo o caso, a Autora, agora Recorrente, pede que a revista seja admitida, a título excepcional, ao abrigo das alíneas a e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

26. Ora, o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil determina que

“[a] decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.ª 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis”.

Existindo dupla conforme, e tendo a Autora, agora Recorrente, pedido que a revista fosse admitida, a título excepcional, ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, a decisão sobre se a segunda e a terceira questões devem ser conhecidas deve ser tomada pela Formação prevista no n.º 3 do artigo 671.º.

III. — DECISÃO

Face ao exposto,

I. — quanto à primeira questão suscitada pela Autora, agora Recorrente, julga-se improcedente o recurso;

II. — quanto à segunda e à terceira questões suscitadas pela Autora, agora Recorrente, determina-se a remessa dos autos à Formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º, para decisão quando ao preenchimentos dos pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

Custas a final.

Lisboa, 4 de Abril de 2024

Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Ferreira Lopes

Sousa Lameira

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1. Cf. artigo 629.º, n.º 2, alínea a), em ligação com o artigo 671.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

2. João de Matos Antunes Varela / José Miguel Bezerra / Sampaio e Nora, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 302.