RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
RECLAMAÇÃO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


I – Havendo o acórdão recorrido corroborado no essencial a fundamentação nuclear e decisiva constante da sentença de 1ª instância, não atribuindo o menor relevo à alegação produzida pela A. quanto ao dito pagamento de tornas e respectivas consequências jurídicas e entendendo não censurar – antes reafirmar em absoluto – o bem fundado da decisão de conhecimento imediato do mérito da causa, sem necessidade de produção de prova a realizar na fase processual subsequente, constituiu-se dupla conforme impeditiva da interposição de revista (normal) nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.
II – Com efeito, a questão jurídica essencial que as instâncias uniformemente salientaram, e em que ambas convergiram inteiramente, tem a ver com a natureza dos bens apreendidos para a massa insolvente (bens próprios do cônjuge insolvente e não bens comuns do casal), a qual era reconhecidamente imune ao alegado pagamento de tornas pela A., que se revelou, no seu entender e em qualquer circunstância, totalmente inócuo e inaproveitável para alcançar o desiderato prosseguido pela demandante.
III – Embora o acórdão recorrido haja desenvolvido com maior detalhe esta temática (o que bem se compreende em função da extensão e alcance das alegações da apelação), o que é certo é que a fundamentação jurídica essencial que perfilhou é precisamente a que foi adoptada em 1ª instância, não se vislumbrando que haja encetado qualquer percurso jurídico substantivamente diverso daquele que o juiz a quo já antes havia trilhado.
IV – De resto, a presente reclamação, apresentada nos termos e para os efeitos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, versa basicamente sobre o mérito das decisões (questões de fundo que neste âmbito não há que cuidar), questionando ainda a sua validade formal, e não propriamente sobre qualquer verdadeira diferença essencial susceptível de afastar o efeito processual da dupla conforme previsto no artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, fazendo-o através da desadequada invocação de nulidades; manifestações gerais e subjectivas de inconformismos vibrantes; despropositadas invocações de vícios de inconstitucionalidade (que manifestamente inexistem).

Texto Integral



Conferência na reclamação nº 2476/10.9TJCBR-AE.C1-A.S1

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível):

Foi proferida a seguinte decisão singular quanto à reclamação apresentada por AA, nos termos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“Veio AA, por apenso aos autos de insolvência de BB, instaurar a presente acção especial para separação e restituição de bens contra a massa insolvente, os credores e o devedor, tendo em vista ver reconhecido o seu direito a separar da massa insolvente a sua meação de um conjunto de imóveis que identifica.

Foi proferido saneador-sentença, em 1ª instância, que julgou a presente acção improcedente.

Interpôs a A. recurso de apelação, da qual constam as seguintes conclusões:

- O Tribunal omitiu factos essenciais que tinham sido aduzidos pela A., na p. i.

- O Tribunal omitiu estes factos essenciais que, aliás, foram formalmente, confessados pelo R. marido.

- Tais factos constam da p. i. (pontos 8º e 11º).

- Tais factos constam da Contestação (pontos 17º, 19º, 20º).

- A aproximação entre A. e R., no que respeita ao teor destes factos levou-nos a concluir que se consumou uma confissão, neste particular, à luz do disposto no artigo 355º nº 3 e 356º nº 1 do C. P. Civil.

- Factos aduzidos e factos confessados, estes factos não poderão ser ignorados.

- Todavia, o que fez o Tribunal? Emitiu a sentença sem que tenha sequer agendado a adequada audiência de discussão e julgamento, omitindo toda a factualidade subjacente.

- E que factualidade é esta?

- Trata-se das centenas de milhares de euros que a A. pagou do seu bolso, a título de tornas para que a escritura de permuta e o acordo na acção judicial de divisão de coisa comum pudessem ter sido concretizados.

- Caso estas tornas não tivessem sido assumidas e pagas pela A., quer a escritura de permuta quer o acordo na acção judicial de divisão de coisa comum não teriam acontecido.

- Estas tornas no valor de centenas de milhares de euros foram pagas pela A., ao longo de cerca de dez anos.

- O casamento da A. com o R. marido aconteceu em ... de ... de 1981.

- A primeira escritura de permuta de bens ocorreu em 26 de Setembro de 1986. CINCO anos depois.

- As sentenças homologatórias foram proferidas em 6 de Abril de 1990 (processos de divisão de coisa comum nºs 74/88 e 316/89 do Tribunal de Círculo de ...) e em 19 de Abril de 1991 (processos de divisão de coisa comum nºs 74/88 e 316/89 do Tribunal de Círculo de ...). NOVE e DEZ anos após o casamento.

- Aquando de uma e da outra ocorrência, a A. assumiu como compromisso proceder ao pagamento das tornas que decorriam com normalidade das divergências entre os valores dos bens, em causa; o que aconteceu durante cerca de dez anos e que atingiu valores de largas centenas de milhares de euros.

- Esta factualidade assumida pela A. repercutiu-se quer nas suas responsabilidades perante o cônjuge marido, quer nos seus direitos garantisticos sobre os imóveis em causa (seja aqueles que constam da escritura de permuta, seja aqueles outros que se incluem nos acordos da acção judicial de divisão de coisa comum).

- Esta factualidade conferiu à A. direitos sobre os bens imóveis em causa. Direitos estes que a A. quer ver garantidos, tal como consta da p. i.

- Vejam-se os artigos 1693º a 1697º do Código Civil.

- Ora, o Tribunal – ao ignorar toda esta factualidade assente e confessada – violou grosseiramente o disposto no artigo 640º nº 1 do C. P. Civil.

- Deve, assim, a sentença proferida ser revogada e deve ser agendada audiência de discussão e julgamento.

- É o que se requer.

A Massa Insolvente de BB respondeu ao recurso, formulando as seguintes conclusões:

I - Com todo o devido respeito que possa merecer outro entendimento, falece, salvo melhor opinião, qualquer razão à pretensão da recorrente/A. na certeza da bondade da decisão entretanto recorrida. Senão vejamos;

(…)

V. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência da acção, circunstância atinente à justa e adequada ponderação da prova documental apresentada.

VI. De facto, aquela sentença é congruente com a prova documental constante dos autos, não carecendo da produção de qualquer prova testemunhal, a qual apenas serviria para protelar a presente acção e, consequentemente, o prosseguimento da Liquidação do Activo;

VII. E encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer vício ou nulidade que a A./recorrente lhe pretende assacar.

VIII. Acresce que, a PSEUDO-confissão que a A./recorrente pretende retirar de uma actuação concertada entre si e o seu marido/insolvente, não tem qualquer validade e OBVIAMENTE não é minimamente oponível à aqui R./Massa Insolvente. Por outro lado;

IX. Quanto aos fundamentos da acção e da sua manifesta improcedência, verifica-se que, dos documentos juntos aos autos e considerando que a A./recorrente e o insolvente contraíram matrimónio em ........1981, encontrando-se casados sob o regime de comunhão de adquiridos, verifica-se, quanto aos bens apreendidos para a Massa Insolvente, os mesmos configuram-se como bens próprios do insolvente, nos termos do art.º 1722.º do CPCivil, e/ou sub-rogados no lugar de bens próprios, nos termos do art.º 1723.º do CPCivil.

X. Deste modo, a decisão de improcedência da acção, face ao vasto acervo documental constante dos autos, que demonstra que os bens apreendidos para a Massa Insolvente são bens próprios do insolvente, nos termos do art.º 1722.º n.º 1, alínea b) do CCivil, e/ou bens sub-rogados no lugar de bens próprios, nos termos do art.º 1723.º do CPCivil, não merece qualquer crítica.

XI. Por tudo o exposto, a decisão recorrida não merece qualquer apontamento ou censura que legitime o recurso apresentado, devendo manter-se NA ÍNTEGRA.

Foi proferido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 7 de Novembro de 2023, que julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Interpôs então a A. recurso de revista (normal), apresentando as seguintes conclusões:

1.Subjacentemente a este processo de divisão de bens existe um processo de insolvência em que é insolvente o marido da aqui A. e Réu nestes autos.

2. A p. i. é aquela que consta dos autos, bem como as demais Contestações e articulados.

3. O Réu marido deduziu oposição, corroborando a posição da A e apenas o representante da massa insolvente marcou posição diversa, ao longo da sua Contestação que consta dos autos.

4. O processo seguiu os seus termos, efectuou-se uma audiência prévia donde resultou a convicção de que a audiência de discussão e julgamento seria agendada, após a junção dos documentos solicitados.

5. Tal não aconteceu, todavia, não tendo o Tribunal justificado tal mitigadora decisão.

6. Como iremos desenvolvendo infra, a realização daquela audiência de discussão e julgamento é crucial para se poder fazer a prova dos valores, das datas, das circunstâncias em que aquelas tornas foram, efectivamente, pagas.

7. Nada disto foi possível concretizar, uma vez que o Tribunal coarctou tal possibilidade, não agendando qualquer julgamento.

8. Foram anexados os documentos que constam do processo, tendo os mesmos sido obtidos a partir dos Arquivos ... e de ....

9. Até que – e sem que nada o fizesse prever - foi emitida a sentença em primeira instância, que negou provimento às teses da A.

10. A douta sentença emitida – a nosso ver – peca por um grave erro/nulidade insanável!

11. A sentença dá razão à perspectiva da massa ... omitindo completamente as argumentações da A.

12. A sentença ignora as posições da A.

13. A sentença é completamente autista relativamente aos argumentos da A.

14. Ora, esta postura jurisprudencial, aliás, peregrina viola a lei processual de forma grosseira.

15. Esta é uma factualidade incontornável que como tal não se pode olvidar: o Tribunal ignorou uma matéria crucial da A. que esta tinha aduzido à exaustão.

16. Veja-se neste sentido o teor do artigo 615º do C. P. Civil.

17. O douto Acórdão de que se recorre encontra-se bem equacionado, sob a perspectiva do Tribunal, é certo.

18. Porém, há duas grandes questões – que sendo incontornáveis – são por si esquecidas.

19. Estas duas questões são reais, factuais, palpáveis e muito evidentes.

20. Em primeiro lugar, a circunstância de o Tribunal de 1ª instância não ter agendado qualquer data prévia de julgamento; julgamento este que é fundamental para o apuramento testemunhal das datas, dos valores, das circunstâncias em que aquelas tornas foram, efectivamente pagas.

21. Estamos a analisar factos e procedimentos que ocorreram há cerca de cinquenta anos.

22. As pessoas envolvidas pessoalmente são as únicas que conseguem reconstituir o que se passou – datas, valores, pormenores, circunstâncias.

23. Aliás, o interveniente principal – irmão mais velho – já faleceu.

24. Tudo isto para dizer que só na audiência de julgamento é que todas estas matérias se poderão esclarecer e em pormenor.

25. Como é sabido, esta não se efectuou, por vontade do Tribunal.

26. Não tendo sido efectuado qualquer julgamento, não se puderam apurar quaisquer valores, a título de tornas; tornas estas que o Tribunal ignorou.

27. Responde-se, assim, a nosso ver, às considerações repetidamente aduzidas pelo Tribunal a quo, quando este estranha não existirem nos autos provas documentais ou outras acerca dos valores pagos a título de tornas. Pudera, o Tribunal não o permitiu!

28. O segundo grande erro cometido pelo Tribunal a quo – e com o primeiro relacionado - é aquele que tem a ver com o teor do artigo 615º d) do C. Processo Civil

29. Vejamos aquilo que comina este dispositivo processual:

Artigo 615.º (art.º 668.º CPC 1961) Causas de nulidade da sentença

1 - É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.(...)

4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

30. Quer isto dizer que qualquer sentença é NULA e de nenhum efeito – sempre que o juiz não se pronuncie sobre quaisquer questões que deveria apreciar.

31.O teor desta regra processual é muito claro; inequívoco, mesmo.

32. Se existe uma matéria ou uma questão pendente nos autos e muito bem visível – como é o caso das tornas, invocado pela A. na sua p. i - e se o juiz a ignora, não a apreciando, a sentença é nula. Tout court.

33. Foi, precisamente, aquilo que aconteceu no caso em apreciação.

34. A A. chamou à acção a questão das tornas que, aliás, constituem o essencial daquele seu petitório e como resulta – agora – das considerações levadas a efeito (embora tardiamente) ao longo do ACÓRDÃO da 2ª instancia.

35. A A. aduziu, como lhe competia, invocando as tornas por si pagas como sendo elemento nodal das suas pretensões.

36. Peregrinamente, o juiz IGNOROU tais tornas ao longo do sei extenso libelo decisório.

37. IGNOROU, omitiu, olvidou.

38. Esta decisão está ferida de NULIDADE!

39. Quer-nos parecer que esta NULIDADE é evidente, à luz do disposto no artigo 615º d) do C. Processo Civil.

40. Ou seja – a sentença é NULA.

41. Esta NULIDADE deveria ter sido já declarada pelo Acórdão desta 2ª instância.

42. A função do recurso não é a de ter que justificar os defeitos das decisões anteriores. Tem, outrossim, que se pronunciar sobre a validade e/ou nulidade da sentença proferida, a quo.

43. O que não fez!

44. E não se diga que o Tribunal não teria necessidade de se pronunciar sobre estas questões. A demonstração cabal de que assim é resulta do facto peregrino de ser o Tribunal de 2ª instância quem vem – tardiamente – discutir esta questão, tentando suprir os erros, as faltas, o esquecimento da 1ª instância.

45. Se assim não fosse, qual a necessidade que o Acórdão da 2ª instância teria para vir recolocar a questão, discuti-la e branqueá-la?

46. Esta tentativa de branqueamento ensaiada na 2ª instância serve-se de novos argumentos que não puderam conhecer o contraditório por parte da A.

47. São novas questões teóricas que se encontram feridas pela ausência da realidade.

48. As questões suscitadas em 2ª instância são absolutamente novas e deveriam ter sido dirimidas em 1ª instância. Não agora em sede meramente teórica e depois de terem sido ignoradas pela instância anterior que seria a competente para o efeito.

49. A sentença proferida é NULA e de nenhum efeito. Como tal, deverá ser revogada na totalidade.

50. É aquilo que se requer.

51. Atentemos no teor do artigo 671º do C. P. Civil, mormente no seu ponto 3 ...

Recurso de revista SECÇÃO I

Interposição e expedição do recurso Artigo 671.º (art.º 721.º CPC 1961)

Decisões que comportam revista

1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

(...)

52. Este número 3 do artigo citado confere à A. a possibilidade da interposição do presente recurso de revista, uma vez que são – claramente – distintos (como se viu) os argumentos aduzidos em 1ª e em 2ª instância. Ou seja, como resulta claro da leitura dos autos e como resulta claro daquilo que vimos dizendo, a 1ª instância e a 2ª instância argumentaram de formas distintas; a 1ª instância ignorou a questão central das tornas, ao contrário da 2ª instância que baseia a sua argumentação em questões novas, decorrentes das tornas, pagas.

53. A situação e os factos são tão evidentes que dúvidas não sobejam quanto à viabilidade do presente recurso de revista.

54. É o que se pede e invoca.

55. Por último, atente-se no teor do artigo 674º nºs 1 e 2 no que toca à fundamentação do presente recurso, bem como ao artigo 676º nº1 no que respeita ao estado das pessoas e ao seu efeito suspensivo.

Contra-alegou a massa insolvente de BB, apresentando as seguintes conclusões:

I.Com todo o devido respeito que possa merecer outro entendimento, falece, salvo melhor opinião, qualquer razão à pretensão da recorrente/A., na certeza da bondade, quer da sentença, quer do acórdão entretanto recorrido

i. seja porque o recurso é inadmissível;

ii. seja ainda porque lhe falece qualquer fundamento para reverter a douta decisão.

I - da INADMISSIBILIDADE DO RECURSO

II.Invoca a ora recorrida/R. a inadmissibilidade legal do presente recurso, o que sucede com fundamento na falta de cumprimento dos requisitos de admissibilidade de tal recurso de revista, o que sucede com os seguintes e diversos fundamentos, a saber:

i. da inadmissibilidade recursória, por via da limitação eivada no art.º 14.º n.º 1 do CIRE;

ii. da inadmissibilidade recursória, por força da verificação de “dupla conforme”.

III.Por um lado, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça não deve ser admitido, em função disposto no art.º 14.º n.º 1 do CIRE, na medida em que os presentes autos correm por apenso aos autos falimentares, com influência directa na Apreensão de Bens e na Liquidação do Activo dos Autos de Insolvência, sendo-lhes tal normativo aplicável.

IV.Por outro lado, pretendendo a recorrente lançar mão do presente recurso de revista nos termos previstos no art.º 671.º n.º 1 do CPCivil, tal viabilidade recursória está vedada na medida em que se verifica a existência de dupla conforme, nos termos do art.º 671.º n.º 3 do CPCivil que estabelece que “não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”, não se verificando os pressupostos da sua admissibilidade.

V.Como tal, ao contrário do que sufraga recorrente/A., o recurso de revista ordinário é, salvo melhor opinião, inadmissível, devendo ser rejeitado.

VI.Bem andou o Tribunal a quo ao decidir pela improcedência da acção, circunstância atinente à justa e adequada ponderação da prova documental apresentada, inexistindo qualquer nulidade passível de ser apontada a qualquer das decisões proferidas.

VII.De facto e conforme doutamente abordado, quer na sentença de 1.ª Instância, quer ainda mais vincadamente no Acórdão do Tribunal da Relação, aquela sentença é congruente com prova documental constante dos autos, não carecendo da produção de qualquer prova testemunhal, a qual apenas serviria para protelar a presente acção e, consequentemente, o prosseguimento da Liquidação do Activo;

VIII. E encontra-se devidamente fundamentada, não padecendo de qualquer vício ou nulidade que a A./recorrente lhe pretende assacar.

IX.Quanto aos fundamentos da acção e da sua manifesta improcedência, verifica-se que, dos documentos juntos aos autos e considerando que a A./recorrente e o insolvente contraíram matrimónio em ........1981, encontrando-se casados sob o regime de comunhão de adquiridos, verifica-se, quanto aos bens apreendidos para a Massa Insolvente, os mesmos configuram-se como bens próprios do insolvente, nos termos do art.º 1722.º do CPCivil, e/ou sub-rogados no lugar de bens próprios, nos termos do art.º 1723.º do CPCivil.

X.Deste modo, a decisão de improcedência da acção, face ao vasto acervo documental constante dos autos, que demonstra que os bens apreendidos para a Massa Insolvente são bens próprios do insolvente, nos termos do art.º 1722.º n.º 1, alínea b) do CCivil, e/ou bens sub-rogados no lugar de bens próprios, nos termos do art.º 1723.º do CPCivil, não merece qualquer crítica.

XI.Por tudo o exposto, a decisão recorrida não merece qualquer apontamento ou censura que legitime o recurso apresentado, devendo manter-se NA ÍNTEGRA.

Foi proferido pelo Juiz Desembargador relator despacho de não admissão do recurso de revista nos seguintes termos:

“A Apelante veio interpor recurso de revista do acórdão proferido nos autos que confirmou a sentença proferida em 1.ª instância, sustentando a Recorrida (Massa Insolvente de BB) que o recurso não é admissível por força do disposto no art.º 14.º, n.º 1, do CIRE e por força do disposto no art.º 671.º, n.º 3, do CPC.

Em relação ao art.º 14.º, n.º 1, do CIRE cabe dizer que o regime restritivo de recursos aí estabelecido não é aqui aplicável, uma vez que, conforme jurisprudência fixada do STJ (Acórdão n.º 13/2023, publicado no DR, I Série, de 21/11/2023), ele apenas abrange as decisões proferidas no processo principal de insolvência, nos incidentes nele processados e os embargos à sentença de declaração de insolvência, não se aplicando, portanto, aos demais apensos e designadamente à acção para restituição ou separação de bens, como é o caso da acção aqui em causa.

É certo, porém, que a admissibilidade do recurso de revista agora interposto está vedada pelo art.º 671.º, n.º 3, do CPC, onde se determina que, por regra e ressalvando os casos em que o recurso é sempre admissível e os casos em que o recurso é interposto ao abrigo do disposto no art.º 672.º (revista excepcional), não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância.

Ora, no caso, o acórdão proferido confirmou, sem voto de vencido, a decisão proferida em 1.ª instância e, ao contrário do que sustenta a Apelante, fê-lo sem fundamentação essencialmente diferente.

Com efeito, o recurso de apelação que havia sido interposto baseava-se, fundamentalmente, na circunstância de a decisão proferida em 1.ª instância ter desconsiderado factos que, alegadamente e segundo a Apelante, eram relevantes para a decisão na medida em que permitiriam concluir que os bens em causa nos autos eram bens comuns do casal.

Ora, o que se considerou no acórdão – e, essencialmente, foi esse o fundamento da decisão nele proferida – é que, conforme também já se havia entendido em 1.ª instância, esses factos não eram relevantes para a decisão porque, ainda que viessem a ser provados, eles não permitiriam concluir que os bens em causa eram bens comuns do casal; estavam em causa, portanto, bens próprios do devedor e, portanto, não assistia à Autora o direito – que reclamava – a separar da massa insolvente a sua (pretensa) meação nos referidos prédios.

Assim, ainda que possam existir algumas diferenças na argumentação utilizada (diferenças que, na prática, existirão sempre a não ser que o acórdão da Relação reproduza a sentença de 1.ª instância), a fundamentação do acórdão é essencialmente a mesma que havia fundamentado a sentença de 1.ª instância: de acordo com a matéria de facto que já estava provada, os bens em causa eram bens próprios do devedor e a restante matéria de facto que havia sido alegada e ainda não estava provada não tinha idoneidade para alterar essa conclusão.

Nessas circunstâncias e tendo em conta que o acórdão confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, o recurso de revista apenas seria admissível, conforme estabelecido no citado n.º 3 do art.º 671.º, se estivesse em causa um caso em que o recurso fosse sempre admissível ou nos casos previstos no art.º 672.º.

Assim, tendo em conta que não se verifica nenhum dos casos em que o recurso é sempre admissível e sendo certo que a Apelante não invocou nenhuma das situações previstas no art.º 672.º, impõe-se concluir pela inadmissibilidade do presente recurso.

Não se admite, portanto, o recurso de revista que foi interposto”.

Reclamou a recorrente ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil nos seguintes termos:

A decisão de que agora se reclama – e que indeferiu a subida do recurso de revista interposto – assenta em dois pontos: em primeiro lugar, insinua – erroneamente – que a decisão da 1ª instância se havia pronunciado acerca da matéria das tornas pagas pela reclamante (veja-se a decisão reclamada a folhas 1 e 2 §s 4, 5, 6, 7); em segundo lugar, a mesma decisão ora reclamada afirma que os argumentos/fundamentos acolhidos pelas deliberações da 1ª e da 2ª instâncias são, em essência, os mesmos.

Importa, por conseguinte, rever atentamente os textos mencionados para se poder concluir – em evidência – que nenhuma das aduções constantes da decisão reclamada é correcta.

1 – Subjacentemente a este processo de divisão de bens existe um processo de insolvência em que é insolvente o marido da aqui A. e Réu nestes autos.

2 – A p. i. é aquela que consta dos autos, bem como as demais Contestações e articulados.

3 – O Réu marido deduziu oposição, corroborando a posição da A e apenas o representante da massa insolvente marcou posição diversa, ao longo da sua Contestação que consta dos autos.

4 – O processo seguiu os seus termos, efectuou-se uma audiência prévia donde resultou a convicção de que a audiência de discussão e julgamento seria agendada, após a junção dos documentos solicitados.

5 – Tal não aconteceu, todavia, não tendo o Tribunal justificado tal decisão. mitigadora.

6 – Como iremos desenvolvendo infra, a realização daquela audiência de discussão e julgamento é crucial para se poder fazer a prova dos valores, das datas, das circunstâncias em que aquelas tornas foram, efectivamente, pagas.

7 – Nada disto foi possível concretizar, uma vez que o Tribunal coarctou tal possibilidade, não agendando qualquer julgamento.

8 – Foram anexados os documentos que constam do processo, tendo os mesmos sido obtidos a partir dos Arquivos ... e de ....

9 - Até que – e sem que nada o fizesse prever - foi emitida – sem julgamento - a sentença em primeira instância, que negou provimento às teses da A.

10 – A douta sentença emitida – a nosso ver – peca, desde logo, por um grave erro/nulidade insanável!

11 – A sentença dá razão à perspectiva da massa ... omitindo completamente as argumentações da A.

12 – A sentença ignora as posições da A.

13 – A sentença é completamente autista relativamente aos argumentos da A.

14 –Ora, esta postura jurisprudencial, aliás peregrina, viola a lei processual de forma grosseira.

15 – Esta é uma factualidade incontornável que como tal não se pode olvidar: o Tribunal ignorou uma matéria crucial da A. que esta tinha aduzido à exaustão.

16 – Veja-se neste sentido o teor do artigo 615º d) do C. P. Civil.

17 – Visto e revisto o texto da sentença proferida em 1ª instância, em lado nenhum se vislumbra, sequer, a mínima referência à questão das tornas, tal como é suscitada pela A. Nenhuma!

18 – Este facto é insofismável!

19 – Não se percebe nem aceita – por conseguinte – a afirmação constante de folhas 1 e 2 §s 4, 5, 6 e 7 da deliberação reclamada.

20 – Esta evidência é incontornável.

21 – O Acórdão de que se recorreu encontra-se bem equacionado, sob a perspectiva do Tribunal, é certo.

22 – Porém, há duas grandes questões – que sendo incontornáveis – são por si esquecidas.

23 – Estas duas questões são reais, factuais, palpáveis e muito evidentes.

24 – Em primeiro lugar, a circunstância de o Tribunal de 1ª instância não ter agendado qualquer data prévia de julgamento; julgamento este que é fundamental para o apuramento testemunhal das datas, dos valores, das circunstâncias em que aquelas tornas foram, efectivamente pagas.

25 – Estamos a analisar factos e procedimentos que ocorreram há cerca de cinquenta anos.

26 – As pessoas envolvidas pessoalmente são as únicas que conseguem reconstituir o que se passou – datas, valores, pormenores, circunstâncias.

27 – Aliás, o interveniente principal – irmão mais velho – já faleceu.

28 – Tudo isto para dizer que só na audiência de julgamento é que todas estas matérias se poderão esclarecer e em pormenor.

29 – Como é sabido, esta não se efectuou, por vontade exclusiva do Tribunal. Não tendo sido efectuado qualquer julgamento, não se puderam apurar quaisquer valores, a título de tornas; tornas estas que o Tribunal ignorou.

30 – Responde-se, assim, a nosso ver, às considerações repetidamente aduzidas pelo Tribunal a quo, quando este estranha não existirem nos autos provas documentais ou outras acerca dos valores pagos a título de tornas. Pudera, o Tribunal não o permitiu!

31 – O segundo grande erro cometido pelo Tribunal a quo – e com o primeiro relacionado - é aquele que tem a ver com o teor do artigo 615º d) do C. Processo Civil

32 – Vejamos aquilo que comina este dispositivo processual:

Artigo 615.º (art.º 668.º CPC 1961)

Causas de nulidade da sentença

1 - É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.(...i

4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

33 – Quer isto dizer que qualquer sentença é NULA e de nenhum efeito – sempre que o juiz não se pronuncie sobre quaisquer questões que deveria apreciar.

34 – O teor desta regra processual é muito claro; inequívoco, mesmo.

35 – Se existe uma matéria ou uma questão pendente nos autos e muito bem visível - como é o caso das tornas, invocado pela A. na sua p. i - e se o juiz a ignora, não a apreciando, a sentença é nula; tout court.

36 – Foi, precisamente, aquilo que aconteceu no caso vertente.

37 – A A. chamou à acção a questão das tornas que, aliás, constituem o essencial daquele seu petitório e como resulta – agora – das considerações levadas a efeito (embora tardiamente) ao longo do Acórdão da 2ª instância.

38 – A A. aduziu, como lhe competia, invocando as tornas por si pagas como sendo elemento nodal das suas pretensões.

39 – Peregrinamente, o juiz IGNOROU tais tornas ao longo do seu extenso libelo decisório.

40 – IGNOROU, omitiu, olvidou.

41 – Esta decisão está ferida de NULIDADE!

42 – Quer-nos parecer que esta NULIDADE é evidente, à luz do disposto no artigo 615º d) do C. Processo Civil.

43 – Ou seja – a sentença é NULA.

44 – Esta NULIDADE deveria ter sido já declarada pelo Acórdão da 2ª instância.

45 - A função do recurso não é a de ter que justificar os defeitos das decisões anteriores. Tem, outrossim, que se pronunciar sobre a validade e/ou nulidade da sentença proferida, a quo.

46 - O que não fez!

47 – E não se diga que o Tribunal não teria necessidade de se pronunciar sobre estas questões. A demonstração cabal de que assim é resulta do facto peregrino de ser o Tribunal de 2ª instância que vem – tardiamente – discutir esta questão, tentando suprir os erros, as faltas, o esquecimento da 1ª instância.

48 – Se assim não fosse, qual a necessidade que o Acórdão da 2ª instância teria para vir recolocar a questão, discuti-la e branqueá-la?

49 – Voltamos a chamar a atenção para o texto da sentença proferida em 1ª instância: NADA dali consta que aflore, sequer, a matéria das tornas.

50 – É, por conseguinte, erróneo que se afirme o contrário, na decisão agora reclamada.

51 – Esta tentativa de branqueamento ensaiada na 2ª instância serve-se de novos argumentos que não puderam conhecer o contraditório por parte da A.

52 – São novas questões teóricas que se encontram feridas pela ausência da realidade.

53 – As questões suscitadas em 2ª instância são absolutamente novas e deveriam ter sido dirimidas em 1ª instância. Não agora em sede meramente teórica e depois de terem sido ignoradas pela instância anterior que seria a competente para o efeito.

54 – A sentença proferida é NULA e de nenhum efeito. Como tal, deverá ser revogada na totalidade.

55 – É aquilo que se requer.

IV

56 – É a Lei nº 25/85 de 30 de Julho (Estatuto dos magistrados judiciais) que rege a prática judiciária dos magistrados.

57 – É a esta Lei que os magistrados devem estrita obediência profissional.

58 - Ora, o seu artigo 4º nº 1 diz o seguinte:

Artigo 4º

Independência

1 - Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.”

59 – Quer isto dizer que os magistrados são servos da Lei ... e da Constituição.

60 – A Lei aqui em causa é aquela que vimos citando: artigo 615º d) do C. Processo Civil.

61 – O texto da norma é inequívoco:

“Artigo 615.º (art.º 668.º CPC 1961)

Causas de nulidade da sentença

1 - É nula a sentença quando:

(...)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

62 – Ora, como é possível – em face da inequivocidade destas normas conjugadas, não ter revogado – tout court – a decisão tomada pela 1ª instância?

63 – Não se compreende nem aceita!

V

64 – Atentemos, agora, no teor do artigo 671º do C. P. Civil, mormente no seu ponto 3 ...

Recurso de revista

SECÇÃO I

Interposição e expedição do recurso

Artigo 671.º (art.º 721.º CPC 1961)

Decisões que comportam revista

1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a. Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

(...)

65 – Este número 3 do artigo citado confere à A. a possibilidade da interposição do presente recurso de revista, uma vez que são – claramente – distintos os argumentos aduzidos em 1ª e em 2ª instâncias. Ou seja, como resulta claro da leitura dos autos e como resulta claro daquilo que vimos dizendo, a 1ª instância e a 2ª instância argumentaram de formas distintas; a 1ª instância ignorou a questão central das tornas, ao contrário da 2ª instância que baseia a sua argumentação em questões novas, decorrentes das tornas, pagas.

66 – A situação e os factos são tão evidentes que dúvidas não sobejam quanto à viabilidade do presente recurso de revista.

67 – Ora, vejamos,

Atentemos em todo o texto da sentença emitida na 1ª instância. Em lado nenhum se detecta qualquer referência – mínima que seja – ao tema das tornas.

68 – Afirmar o contrário é erróneo e não verdadeiro.

69 – Vejamos, agora, com atenção e cuidado o texto do Acórdão proferido na 2ª instância.

70 – Atentemos nos argumentos exarados a folhas 14 a 17 deste Acórdão.

71 - Vejamos com atenção o teor destas 4 páginas.

72 – Como é possível considerar idênticos os argumentos aduzidos pela 1ª e 2ª instâncias se a decisão do Tribunal de Montemor-o-Velho NUNCA menciona a matéria das tornas pagas pela A, enquanto – por outro lado – o Acórdão reclamado surge – ao longo daquelas 4 páginas – enxameado por alusões concretas e repetidas às tornas, em causa?

73 - É certo que a subjectividade é inerente à hermenêutica jurídica; todavia, encontramo-nos confrontados com duas realidades bem tangíveis que é impossível escamotear: por um lado vemos uma decisão que ignora o assunto das tornas, ignorando-o e por outro lado lemos o corpo do Acórdão reclamado que – precisamente – se serve do tema das tornas para fundamentar as suas conclusões.

74 – Esta diferença entre as decisões é objectiva, é real, é palpável, é visível!

75 – Não é possível – à luz da legislação mobilizada – negar aquilo que é uma evidência.

76 – Os factos estão aí e encontram-se identificados.

77 – Não é possível negar aquilo que é inegável.

78 – A função do Acórdão produzido pela 2ª instância não pode ser a de branquear os erros evidentes cometidos pelo Tribunal de Montemor-o-Velho

79 – O Acórdão subsequente deveria ter revogado – tout court – a deliberação anterior

80 – É o que se pede e invoca.

81 - Compulsada a factualidade apurada e efectuados os enquadramentos jurídico-normativos mobilizados estamos em crer que os princípios da legalidade, da igualdade e da força jurídica dos direitos se encontram violados.

82 – É a Constituição da República Portuguesa que os consagra por via dos seus artigos 3º, 13º nº 2 e 18º.

83 - A legalidade assente foi violada.

84 – A igualdade perante a Lei não foi cumprida.

85 – A força jurídica decorrente destes princípios (violados) não foi executada.

É por tudo o que se segue exposto que a A - não se conformando com o teor da decisão proferida a 5 de Janeiro de 2024 que indeferiu a subida do recurso de REVISTA, interposto anteriormente, - vem dela RECLAMAR. Tudo, de acordo com o disposto no artigo 643º do C. Processo Civil.

Deve a decisão proferida ser revogada na íntegra porque é nula e de nenhum efeito.

Apreciando do mérito da reclamação apresentada nos termos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil:

Dispõe o artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

A introdução, em termos gerais, da figura da dupla conforme, por via da reforma operada pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (tendo como antecedente o agravo em 2ª instância), teve consagração no artigo 721º, nº 3, do Código de Processo Civil nos seguintes termos:

“Não é admitida a revista de acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo os casos previstos no artigo seguinte”.

Ou seja, inicialmente, e no firme propósito de procurar racionalizar e valorizar de forma selectiva o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, afastando-o, em princípio, no caso de confirmação do decidido sem voto de vencido no Tribunal da Relação, o legislador preocupou-se exclusivamente em estabelecer como requisito da dupla conforme a coincidência da decisão através da sua unânime confirmação.

O que abrangeria situações de frontal e absoluta divergência em relação aos fundamentos essenciais subjacentes às decisões, verificando-se apenas em comum entre o acórdão do Tribunal da Relação e a de 1ª instância a objectiva e formal coincidência no plano dispositivo.

Mais tarde, o Decreto-lei nº 41/2021, de 26 de Junho, conferiu a actual redacção ao preceito, passando tal norma a exigir que a constituição de dupla conforme dependesse da circunstância do acórdão recorrido, lavrado sem qualquer voto de vencido, não apresentar fundamentação essencialmente diferente da adoptada na sentença da 1ª instância.

Tratou-se, como se compreende, de uma forma de atenuar os efeitos limitativos associados à constituição da dupla conforme, enquanto factor impeditivo do acesso ao terceiro grau de jurisdição.

Previu-se, nesse sentido, que tal coincidência (dispositiva) quanto ao resultado (final) proferido (improcedência do recurso) não obstaria à interposição de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que o acórdão recorrido se tivesse afastado de forma substantiva, essencial e significativa, do decidido na sentença de 1ª instância, trilhando percursos jurídicos perfeitamente distintos que nada tinham a ver com os seguidos por esta.

Ou seja, a razão decisiva para o não funcionamento da dupla conforme passou a consistir na adopção de uma fundamentação jurídica que nada tem a ver, no seu essencial, com as razões de decidir perfilhados pela instância inferior.

De todo o modo, tal alteração não correspondeu a qualquer propósito de menor preocupação com a necessidade de racionalização no acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e melhor gestão dos meios (limitados) ao dispor do sistema judiciário.

Escreve a este propósito Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2022, 7ª edição, a páginas 422 a 425:

“O regime que foi consagrado acabou por resultar de um compromisso entre as duas tendências, levando à consagração, como regra geral, da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 do artigo 672º.

Tal solução visou compatibilizar diversos interesses, contrapondo a um generalizado direito de interposição de recurso a necessidade de uma gestão equilibrada dos meios humanos e materiais.

(…) Trata-se de um regime equilibrado, na medida em que, é ponto assente que o direito de acesso aos tribunais não exige necessariamente o triplo grau de jurisdição, tanto assim que o Tribunal Constitucional vem rejeitando alegações de inconstitucionalidade.

Contra tal regime são frequentes as tentativas de contornar as exigências legais, mas a jurisprudência do Supremo encontra-se consolidada a respeito de todas as questões que estão associadas à figura da dupla conforme e ao mecanismo da revista excepcional”.

“A alusão à natureza essencial da diversidade de fundamentação claramente induz-nos a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso”.

Referem sobre esta temática João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa in “Manual de Processo Civil”, Volume II, Almedina, 2022, a página 196:

“A divergência entre os fundamentos das decisões afasta a dupla conforme sempre que se reflicta na condenação ou absolvição, ou seja, sempre que as decisões não incidam sobre eadem res”.

Em termos de jurisprudência podemos assinalar, entre muito outros, os seguintes arestos do Supremo Tribunal de Justiça:

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2016 (relator Gonçalves Rocha), proferido no processo nº 31/12.8TTVFR.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salienta:

“(...) é na comparação da argumentação utilizada como suporte das duas decisões que poderemos encontrar o conjunto de elementos que se podem considerar essenciais para que se tenha decidido num determinado sentido.

Por isso, quando o núcleo fundamental das duas decisões assentar na mesma argumentação, poderemos concluir pela inexistência de diferença relevante e dizer que a fundamentação das decisões em causa não é essencialmente diferente.

E assim, para aferir da existência (ou não) de fundamentação essencialmente diferente apenas relevam as divergências das instâncias relativamente a questões essenciais, sendo insuficientes as que se apresentem com natureza meramente complementar ou secundária, sem carácter decisivo, ou seja, que não revelem um enquadramento jurídico alternativo”.

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Julho de 2015 (relator Lopes do Rego), proferido no processo nº 542/13.8TLAVR.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt, no qual se enfatiza que:

“Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada”.

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 2021 (relator Tibério Silva), proferido no processo nº 712/19.5T8LSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se salientou que:

“Para que a dupla conforme seja afastada é necessário que a solução jurídica constante do acórdão da Relação assente de modo radicalmente ou profundamente inovatório em normas, interpretações, normativas, ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada”

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (relatora Rosa Ribeiro Coelho), proferido no processo nº 28/16.9T8MGD.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“Para a descaracterização da figura da dupla conformidade de julgados não releva uma qualquer dissemelhança das fundamentações, a diferença existente entre cada uma delas tem de ser essencial”.

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2020 (relatora Maria João Vaz Tomé), proferido no processo nº 1840/18.0T8STR-A.E1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“Ao considerar a “fundamentação essencialmente diferente” como óbice à verificação da dupla conforme, o legislador teve em vista os casos em que a confirmação da sentença pelo Tribunal da Relação assenta num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi levado em linha de conta na decisão do Tribunal de 1.ª Instância. Assim, irrelevam a modificação da decisão de facto efetuada no Tribunal da Relação, as dissensões secundárias, a não aceitação de um dos caminhos percorridos, ou o mero aditamento de fundamentos que não tenham sido anteriormente considerados Almedina, 2017, pp.351-353; entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2014, proc. n.º 5869/09.0TBMTS.P1.S1 – disponível para consulta em www.dgsi.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de julho de 2014, proc. n.º 1122/08.5TBAMD.L1.S1 – disponível para consulta em www.dgsi.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Setembro de 2014, proc. n.º 630/11.5TBCBR.C1.S1 – disponível para consulta em www.dgsi.pt; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de novembro de 2014, proc. n.º 371/10.0TBOFR.C1.S1 - sumariado pela assessoria cível deste Tribunal em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2014.pdf; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de março de 2015, proc. n.º 360/12.0T2AND.C1.S2 - sumariado pela assessoria cível deste Tribunal em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Cvel2015.pdf; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de julho de 2015, proc. n.º 5436/12.1TBBRG.G1.S1 -sumariado pela assessoria cível deste Tribunal emhttp://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Cvel2015.pdf.”.

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Abril de 2021 (relator Pedro Lima Gonçalves), proferido no processo nº 15129/15.2T8PRT.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se:

“A circunstância do acórdão recorrido ter confirmado a sentença findando com a menção a “ainda que por fundamentos distintos” não se mostra decisiva uma vez que, não só o juízo final quanto à admissibilidade do recurso cabe ao tribunal superior, como a utilização de fundamentos distintos não implica, por si, que tenha ocorrido fundamentação essencialmente diferente.

No caso presente, com efeito, não se vislumbra que as instâncias tenham percorrido um percurso jurídico substancialmente diverso, antes, pelo contrário, situaram-se e enquadraram normativamente as pretensões formuladas pelas partes nos mesmos institutos e regras jurídicas, sem que se surpreenda qualquer caminho ou via de solução inovadora ou diversa que não possa ser reconduzida à análise e interpretação das mesmas regras jurídicas”.

- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2020 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 665/14.6TBERS.E.G1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde se sublinhou:

“o obstáculo recursório da “dupla conforme” não se preenche com “qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica assumida pela Relação para manter a decisão já tomada em 1ª instância”; [é] necessário, na verdade, que estejamos confrontados com uma modificação qualificada ou essencial da fundamentação jurídica em que assenta, afinal, a manutenção do estrito segmento decisório – só aquela se revelando idónea e adequada para tornar admissível a revista normal”, só se podendo considerar existente essa fundamentação essencialmente diferente se “a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância” Em suma, para se activar o recurso de revista é imperativo que a essencialidade da diferença do fundamento que confirma a decisão determine uma sucumbência qualitativa da parte prejudicada”.

Na situação sub judice, é manifesta a coincidência entre a fundamentação essencial que conduziu à improcedência da presente acção na sentença de 1ª instância e, posteriormente, no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2023, não sendo possível descortinar, entre um e outro destes arestos, qualquer tipo de fundamentação essencialmente diferente nos termos e para os efeitos da ressalva efectuada no nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil

Com efeito, escreveu-se na sentença no que concerne à sua fundamentação essencial de direito:

“Reverendo ao caso concreto, temos que a Autora, casada no regime de bens de comunhão de adquiridos com o aqui devedor insolvente (cf. ponto 7 dos factos provados, em conjugação com o artigo 1717.º do Código Civil), através da presente ação, visa obter o reconhecimento da natureza comum dos bens que são objeto da mesma e a consequente declaração do direito a proceder à separação da sua meação.

Ora, atendendo à factualidade apurada, desde já é possível concluir que, em relação ao prédio melhor identificado no ponto 4, a presente ação mostra-se esvaziada de propósito, porquanto a MI, reconhecendo a sua natureza comum, apenas apreendeu o direito do devedor insolvente sobre a metade indivisa do mesmo.

Já em relação aos demais prédios que são objeto da presente ação, pode concluir-se tratarem-se de bens próprios do devedor insolvente, não assistindo direito à Autora em ver declarado o direito a proceder à separação da sua meação.

Senão, vejamos, não olvidando que a Autora e co-Réu BB mostram-se casados sob o regime de bens de comunhão de adquiridos, desde ........1981 (cf. ponto 7 dos factos provados, em conjugação com o artigo 1717.º do Código Civil).

Segundo o artigo 1722.º, n.º 1, Código Civil, são considerados bens próprios dos cônjuges:

a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;

b) Os bens que lhe advierem depois do casamento por sucessão ou doação;

c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.

E, segundo o n.º 2 da citada norma, consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum, os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele [alínea a)].

Por fim, nos termos do n.º do artigo 1723.º, alínea a), do Código Civil, conservam ainda a qualidade de bens próprios os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges por meio de troca direta.

Conforme resulta da factualidade provada (cfr. pontos 8 e 9), o bem imóvel identificado no ponto 1, foi adquirido por compra, em 28.06.1965, pelo ora co-Réu (e devedor insolvente) BB, por CC, por DD e por EE, em igual proporção para cada um dos adquirentes (1/4) – cf. artigos 874.º e ss e 1403.º e ss. do Código Civil.

Posteriormente, em 26.09.1986 (cfr. pontos 10, 11 e 12), os quatro adquirentes, declarando-se donos e legítimos e possuidores (em compropriedade), não só do prédio acima referido, mas também de outros três prédios que identificaram, celebraram um contrato de permuta entre si (cfr. artigo 939º do Código Civil), mediante o qual o co-Réu BB (e ora devedor insolvente) adquiriu o direito sobre os restantes ¾ do prédio acima referido, tendo cedido a cada um dos demais o seu direito a ¼ dos demais prédios ali descritos.

Em face do exposto, e pese embora este último negócio jurídico tenha já sido celebrado na vigência do casamento entre o co-Réu BB e a Autora (que nele interveio apenas para autorizar aquele a celebrá-lo), resulta que os direitos cedidos em permuta constituíam-se como próprios daquele, por decorrência do artigo 1722.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil, e que a aquisição do direito a ¾ do prédio identificado no ponto 1 conservou também a qualidade de direito próprio, por aplicação do artigo 1723.º, alínea a), do Código Civil.

Assim sendo, entende-se que o bem imóvel identificado em 1), adquirido em ¼, por compra, antes da celebração do casamento e nos restantes ¾, por permuta com bens próprios, após o casamento, mantém a natureza de próprio do aqui devedor insolvente.

Em relação aos prédios melhor identificados nos pontos 2 e 3 dos factos provados, resulta da factualidade assente que ambos foram adquiridos por BB (pai do ora devedor insolvente), por compra, em 24.10.1963 e 12.11.1963, respetivamente (cfr. pontos 13 e 14), e que, por apresentação efetuada em 28.05.1987, foi registada a aquisição dos mesmos, por doação, a favor do ora co-Réu (e devedor insolvente) BB, de CC, de DD e de EE (cfr. pontos 15 e 16).

Posteriormente, em 19.04.1991, no âmbito de ação de divisão de coisa comum, em que tais prédios foram julgados pertencer em comum e partes iguais a BB, CC, DD e EE, foi homologada transação datada de 20.03.1991, mediante a qual os aludidos prédios foram adjudicados ao aqui co-Réu BB (cfr. pontos 17, 18, 19, 20 e 21), e os demais prédios sido adjudicados aos restantes outorgantes (nos termos ali constantes).

Desta feita, nos termos do artigo 1722.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, entende-se que o direito a ¼ indiviso sobre os aludidos prédios, recebido por doação em 28.05.1987, constitui-se como próprio do aqui devedor insolvente e que o direito aos restantes ¾ sobre os mesmos, adquirido em ação de divisão de coisa comum, conservou também a qualidade de próprio, por aplicação do artigo 1723.º, alínea a), do Código Civil.

Assim sendo, entende-se que os bens imóveis identificados em 2) e 3), adquiridos em ¼, por doação, e nos restantes ¾, por sub-rogação com bens próprios, mantêm a natureza de próprios do aqui devedor insolvente.

Por conseguinte, e em face de todo o acima exposto, deverá a presente ação improceder”.

Por sua vez, deixou-se consignado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2023 relativamente ao enquadramento jurídico essencial que veio a determinar o insucesso da lide:

“Conforme se referiu, o presente recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a pretensão que a Autora havia formulado e que visava a separação da massa insolvente da sua meação nos bens acima identificados (quatro imóveis) que, segundo alegava, eram bens comuns do casal constituído por ela e pelo Insolvente.

Comecemos então por recordar os fundamentos dessa decisão.

Em relação ao prédio identificado no ponto 4, considerou-se que a presente acção se mostrava “esvaziada de propósito”, uma vez que a natureza comum desse imóvel já estava reconhecida nos autos e por isso apenas havia sido apreendido o direito do Insolvente a metade indivisa desse prédio.

Em relação aos demais prédios, considerou-se que estavam em causa bens próprios do devedor, na medida em que ou haviam sido adquiridos pelo Insolvente antes do casamento, (o que sucedeu com ¼ do prédio identificado no ponto 1) ou haviam sido adquiridos na constância do matrimónio, mas por doação (o que sucedeu com ¼ dos prédios identificados nos pontos 2 e 3) ou mediante sub-rogação no lugar de bens próprios (como aconteceu com os restantes ¾ dos aludidos prédios que foram adquiridos pelo Insolvente, mediante permuta com o direito que detinha sobre outros imóveis próprios ou mediante adjudicação no âmbito de acção de divisão de coisa comum). Em qualquer caso – considerou-se na decisão – estavam em causa bens próprios por força do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 1722.º e alínea a) do art.º 1723.º do CC.

A discordância da Apelante em relação à decisão recorrida centra-se – pelo que podemos perceber – numa única circunstância: a circunstância de a decisão ter desconsiderado/ignorado os factos que haviam sido alegados nos pontos 8 e 11 da petição inicial e que, na sua perspectiva, eram essenciais para a decisão da causa, na medida em que se reportam às “centenas de milhares de euros que a A. pagou do seu bolso, a título de tornas para que a escritura de permuta e o acordo na acção judicial de divisão de coisa comum pudessem ter sido concretizados” e na medida em que, segundo sustenta, essa factualidade lhe conferiu direitos sobre os bens imóveis em causa (aludindo a propósito aos artigos 1693.º e 1697.º do CC).

Segundo a Apelante, aqueles factos permitiriam, portanto, concluir que os imóveis em causa eram bens comuns do casal (conforme alegou na petição inicial).

Salvo o devido respeito, pensamos não ser assim.

Nos citados pontos da petição inicial, a Autora alegou o seguinte:

No ponto 8 e na sequência da alegação feita no ponto 7 onde se dizia que os imóveis haviam sido adquiridos na constância do matrimónio, a Autora alegou o seguinte:

“No âmbito e contexto destas aquisições, a A. pagou, do seu bolso, vultuosas tornas, aos restantes intervenientes, nestas propriedades imobiliárias, cujos valores se provarão, em sede própria”;

No ponto 11 e na sequência da alegação feita no ponto 10 onde se dizia que a massa insolvente se prepara para proceder à liquidação desse acervo imobiliário, na sua totalidade, a Autora alegou o seguinte:

“Ignorando esta compropriedade, da A., bem como os valores de tornas por si, efectivamente, pagas”.

Ora, não vislumbramos de que forma essa alegação – vaga e genérica – poderia permitir a conclusão de que os imóveis em causa haviam ingressado na comunhão conjugal, quando é certo que a Autora nem sequer alegou qual o concreto valor das “vultuosas tornas” que pagou; a quem foram pagas; em que momento; em que circunstâncias; se elas se destinaram à aquisição de todos os imóveis ou de apenas alguns e qual o valor pago em relação a cada um dos imóveis.

Em primeiro lugar, cabe assinalar que em relação a ¼ de cada um dos imóveis aqui em causa (referidos nos pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto), nunca poderia ter havido lugar ao pagamento de quaisquer tornas, tendo em conta que ¼ do imóvel referido em 1 foi adquirido pelo Insolvente mediante compra e venda realizada em data anterior ao casamento e ¼ de cada um dos outros dois imóveis adveio ao Insolvente por doação, sendo indiscutível que esses direitos (¼ sobre esses imóveis) correspondem a bens próprios do Insolvente por força do disposto no art.º 1722.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CC.

É certo, portanto, que, em relação a essa quota parte dos imóveis nunca a Autora poderia ter adquirido qualquer comunhão por força de pagamento de quaisquer tornas.

O eventual pagamento de tornas – nos termos alegados pela Autora – apenas poderia, portanto, ser equacionado em relação aos restantes ¾ de cada um dos referidos imóveis que foram adquiridos já na constância do casamento por permuta (em relação ao imóvel constante do ponto 1) e por força de transacção e adjudicação efectuada no âmbito de acção de divisão de coisa comum (em relação aos imóveis constantes dos pontos 2 e 3).

Mas, ainda assim, seria evidente que qualquer comunhão da Autora por força do pagamento de tornas nunca poderia incidir sobre a totalidade desses ¾ uma vez que pelo menos uma parte deles (a maior parte certamente) foi adquirida à custa de outros bens próprios do Insolvente que também estiveram envolvidos na permuta e na acção de divisão de coisa comum e, portanto, conservavam a qualidade de bens próprios à luz do disposto no art.º 1723.º, alínea a), do CC. Tal comunhão apenas poderia, portanto, ser equacionada em relação à parte desses imóveis que excedesse a quota parte do Insolvente no conjunto dos bens permutados e divididos na acção de divisão coisa comum e que corresponderia, portanto, ao valor das tornas alegadamente pagas, sendo certo, no entanto, que a Autora nem sequer alegou qual foi esse valor e tão pouco alegou quais foram os concretos imóveis a que se destinaram.

Sendo certo e evidente que, ao contrário do que pretende a Apelante, o alegado pagamento daquelas tornas nunca permitiria concluir que os imóveis em causa tivessem ingressado, na sua totalidade, no património comum, a verdade é que a alegação – vaga e genérica – da Autora também não nos permitiria concluir qual o imóvel – ou imóveis – a cuja aquisição se teria destinado o pagamento de tornas (refira-se que apenas a escritura de permuta faz referência a valores que teriam sido pagos pelo Insolvente, o mesmo não acontecendo com a transação celebrada na acção de divisão de coisa comum) nem permitiria concluir qual a quota parte do imóvel ou imóveis que se poderia considerar adquirida por força do pagamento daquelas tornas.

De qualquer forma e além de tudo o que foi dito, importa ainda convocar o disposto no art.º 1727.º do CC do qual resulta – de forma inequívoca, pensamos nós – que, ainda que a Apelante tivesse pagado tornas com vista à aquisição de parte daqueles imóveis (sendo certo que, como se referiu, uma parte deles já pertencia ao Insolvente), isso não implicaria que tais bens passassem a integrar o património comum.

Dispõe a norma citada que “A parte adquirida em bens indivisos pelo cônjuge que deles for comproprietário fora da comunhão reverte igualmente para o seu património próprio, sem prejuízo da compensação devida ao património comum pelas somas prestadas para a respectiva aquisição”.

Significa isso, portanto, que, se um dos cônjuges for comproprietário de certa coisa indivisa fora da comunhão conjugal (ou seja, se a quota detida, em compropriedade, sobre determinada coisa indivisa corresponder a bem próprio de um dos cônjuges), qualquer outra quota do mesmo bem que esse cônjuge/comproprietário venha a adquirir (além da que já lhe pertencia) será sempre um bem próprio independentemente da natureza dos valores que sejam usados para tal aquisição. A circunstância de essa aquisição ser efectuada com dinheiro comum do casal (ou, eventualmente, com bens próprios do outro cônjuge) não determina, portanto, que a quota assim adquirida passe a integrar a comunhão conjugal (essa quota será sempre bem próprio do cônjuge que já era comproprietário), determinando apenas a compensação ao património comum (ou, eventualmente, ao outro cônjuge) pelos valores utilizados nessa aquisição.

Ora, era essa precisamente a situação dos autos. Na verdade, o Insolvente já era, indiscutivelmente, titular de ¼ dos imóveis em causa e esse direito era um bem próprio dele (não integrado na comunhão), uma vez que, no que toca ao imóvel referido em 1, essa quota havia sido adquirida antes do casamento (cfr. art.º 1722.º, n.º 1, alínea a), do CC) e, no que toca aos imóveis referidos em 2 e 3, havia sido adquirida por doação (cfr. art.º 1722.º, n.º 1, alínea b), do CC) e, portanto, a quota correspondente aos restantes ¾ de cada um desses imóveis que veio a adquirir posteriormente (por permuta e acção de divisão de comum) seria sempre um bem próprio, por força do disposto no citado art.º 1727.º do CC, ainda que essa aquisição tivesse sido efectuada com utilização de valores integrados na comunhão conjugal ou próprios do outro cônjuge.

Nessas circunstâncias, ainda que a Autora tivesse pago (do seu bolso, como diz) quaisquer tornas para aquisição dos referidos ¾ dos imóveis em causa – conforme alega nos referidos pontos 8 e 11 da petição inicial – isso não implicaria, ao contrário do que sustenta, que esses imóveis – ou algum deles ou qualquer quota parte deles – tivessem ingressado na comunhão conjugal e que, como tal, correspondessem a bens comuns do casal; esse pagamento apenas determinaria, conforme se disse, a correspondente compensação ao património comum (caso tivessem sido utilizados valores comuns) ou, eventualmente, à Autora (caso os valores em questão correspondessem a bens próprios dela).

Significa isso, portanto, que o alegado nos referidos pontos 8 e 11 da petição inicial não tinha qualquer relevância para a decisão, uma vez que essa matéria (ainda que resultasse provada) não permitiria concluir que estavam em causa bens comuns e que, como tal, assistisse à Autora o direito – que reclama na presente acção – a separar da massa insolvente a sua meação nos referidos prédios.

Em face de tudo o exposto, resta apenas dizer que os artigos 1693.º a 1697.º do CC – citados pela Apelante – nada dispõem que possa contrariar aquilo que foi referido. Nem se percebe, aliás, a alusão feita a tais disposições legais, uma vez que elas apenas regulam as dívidas dos cônjuges e nada dispõem a propósito da natureza (comum ou própria) dos bens.

Vejamos o que diz a Apelante para justificar a alusão a essas disposições. Em relação ao art.º 1693.º (onde se regula a responsabilidade pelas dívidas que oneram doações, heranças ou legados), diz a Apelante que dele resulta que “...se por força do regime de bens adoptado, os bens doados ingressarem no património comum – que foi o caso – a responsabilidade das dívidas passa a ser comum”. Mas – perguntamos nós – o que tem isso a ver com a questão que se suscita nos autos, quando é certo que aquilo que aqui se discute não é a responsabilidade por quaisquer dívidas e muito menos por dívidas que onerem doações, heranças ou legados? O que aqui se discute é se os bens em causa são (ou não) comuns e o preceito legal em questão não dá resposta a essa questão; essa questão é regulada por outras normas legais e o que delas resulta, nos termos acima mencionados, é que os bens em causa são bem próprios do Insolvente.

Em relação ao art.º 1694.º (onde se regula a responsabilidade por dívidas que oneram bens certos e determinados), diz a Apelante que dele resulta que “...as dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges”. Mas, mais uma vez, o que tem isso a ver com a questão que se discute nos autos, se não está aqui em causa a responsabilidade por qualquer dívida?

Em relação aos artigos 1695.º e 1696.º (onde se determina quais os bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges e quais os bens que respondem pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges), diz a Apelante que deles resulta que “...são os bens comuns do casal que respondem pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges” e que “...respondem pelas dívidas de um dos cônjuges os bens próprios do cônjuge devedor, bem como, subsidiariamente, a meação nos bens comuns do casal. Assim como respondem pelas dívidas os bens próprios do cônjuge devedor, os bens por este levados para o casamento ou mesmo os bens adquiridos a título gratuito”. Mais uma vez, a matéria aqui regulada nada tem a ver com a questão que se discute nos autos; a citada norma apenas determina quais os bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges e pelas dívidas da responsabilidade exclusiva de um deles e nada dispõe a propósito da questão de saber quais são os bens comuns do casal e quais são os bens próprios de cada um dos cônjuges (a resposta a esta questão – conforme dissemos – resulta de outras normas legais e, em função do que elas dispõem, os bens aqui em causa são bens próprios do Insolvente).

Em relação ao art.º 1697.º (onde se regulam as compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal), diz a Apelante que dele resulta que “...quando só um dos cônjuges tenha assumido as dívidas comuns, este cônjuge torna-se credor do outro. Além do que quando os bens comuns responderam por dívidas de um deles, o ressarcimento far-se-á aquando da partilha final”. Continuamos sem perceber qual a conclusão que a Apelante daí pretende retirar para o efeito de concluir que os bens em causa nos autos são bens comuns do casal quando é certo que esta matéria não é regulada nesta disposição legal e quando é certo resultar já do que se disse supra que o eventual pagamento de tornas pela Autora (nos termos que alegou) será objecto da devida compensação ao património comum (se elas foram pagas com valores comuns) ou à Autora (se elas foram pagas com dinheiro próprio desta), não interferindo, contudo, com a natureza dos bens adquiridos que, conforme supra mencionado, reverteram para o património próprio do Insolvente.

Assim e em face de tudo o exposto, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida”.

Ora, confrontando cada um destes excertos verifica-se, sem a menor margem para dúvidas, que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2023 corroborou no essencial a fundamentação nuclear e decisiva constante da sentença de 1ª instância, não atribuindo o menor relevo à alegação produzida pela A. quanto ao dito pagamento de tornas e respectivas consequências jurídicas que desse facto, a seu ver, resultariam.

Nesse mesmo sentido e em total coerência, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2023 entendeu não censurar – antes reafirmar em absoluto – o bem fundado da decisão de conhecimento imediato do mérito da causa, sem necessidade de produção de quaisquer meios de prova a realizar na fase processual subsequente.

A questão jurídica essencial que as instâncias uniformemente salientaram, e em que ambas convergiram inteiramente, tem a ver com a natureza dos bens apreendidos para a massa insolvente (bens próprios do cônjuge insolvente e não bens comuns do casal), a qual seria reconhecidamente imune ao alegado pagamento de tornas pela A., que se revelou, no seu entender e em qualquer circunstância, totalmente inócuo e inaproveitável para alcançar o desiderato prosseguido pela demandante.

Embora o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2023 haja desenvolvido com maior detalhe esta temática (o que bem se compreende em função da extensão e alcance das alegações da apelação), o que é certo é que a fundamentação jurídica essencial que perfilhou é precisamente a que foi adoptada em 1ª instância, não se vislumbrando que haja encetado qualquer percurso jurídico determinante e substantivamente diverso daquele que o juiz a quo já antes havia trilhado.

De resto, a presente reclamação, apresentada nos termos e para os efeitos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, versa basicamente sobre o mérito das decisões (questões de fundo que neste âmbito não há que cuidar) e sobre sua validade formal, e não propriamente sobre qualquer verdadeira diferença essencial susceptível de afastar o efeito processual da dupla conforme prevista no artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil, designadamente com a desadequada invocação de nulidades; manifestações gerais e subjectivas de inconformismos vibrantes; despropositadas invocações de vícios de inconstitucionalidade (que manifestamente inexistem).

(A reclamante chega a concluir o seu requerimento de reclamação com a inopinada – por absolutamente descabida em termos processuais - expressão “Deve a decisão proferida ser revogada na íntegra porque é nula e de nenhum efeito”).

Por tudo isto, é evidente que a revista não era admissível como muito bem foi considerado pela Juíza Desembargadora relatora no seu despacho de rejeição do recurso datado de 15 de Janeiro de 2024, com o qual se concorda inteiramente.

O meio processualmente adequado para tentar superar este impedimento legal à admissibilidade da revista consistira, sim, na interposição da revista excepcional prevista no artigo 672º do Código de Processo Civil, expediente técnico jurídico em relação ao qual a reclamante não esboçou o menor propósito de querer utilizar.

Desatende-se, pelos motivos indicados, a presente reclamação”.

Reclamou a Reclamante/Recorrente para a Conferência com os seguintes fundamentos:

A decisão de que agora se reclama – e que insiste no indeferimento da subida do recurso de revista interposto – assenta em dois pontos: em primeiro lugar, insinua – erroneamente – que a decisão da 1ª instância se havia pronunciado acerca da matéria das tornas pagas pela reclamante; em segundo lugar, a mesma decisão afirma que os argumentos/fundamentos acolhidos pelas deliberações da 1ª e das 2ª instâncias são, em essência, os mesmos.

Importa, por conseguinte, rever atentamente os textos mencionados para se poder concluir – em evidência – que nenhuma das aduções constantes da decisão reclamada é correcta.

Historiando

1 – Subjacentemente a este processo de divisão de bens existe um processo de insolvência em que é insolvente o marido da aqui A. e Réu nestes autos.

2 – A p. i. é aquela que consta dos autos, bem como as demais Contestações e articulados.

3 – O Réu marido deduziu oposição, corroborando a posição da A e apenas o representante da massa insolvente marcou posição diversa, ao longo da sua Contestação que consta dos autos.

4 – O processo seguiu os seus termos, efectuou-se uma audiência prévia donde resultou a convicção de que a audiência de discussão e julgamento seria agendada, após a junção dos documentos solicitados.

5 – Tal não aconteceu, todavia, não tendo o Tribunal justificado tal decisão. mitigadora.

6 - Como iremos desenvolvendo infra, a realização daquela audiência de discussão e julgamento é crucial para se poder fazer a prova dos valores, das datas, das circunstâncias em que aquelas tornas foram, efectivamente, pagas.

7 – Nada disto foi possível concretizar, uma vez que o Tribunal coarctou tal possibilidade, não agendando qualquer julgamento.

8 – Foram anexados os documentos que constam do processo, tendo os mesmos sido obtidos a partir dos Arquivos ... e de ....

9 – Até que – e sem que nada o fizesse prever - foi emitida – sem julgamento - a sentença em primeira instância, que negou provimento às teses da A.

10 – A douta sentença emitida – a nosso ver – peca, desde logo, por um grave erro/nulidade insanável!

11 – A sentença dá razão à perspectiva da massa ... omitindo completamente as argumentações da A.

12 – A sentença ignora as posições da A.

13 – A sentença é completamente autista relativamente aos argumentos da A.

14 –Ora, esta postura jurisprudencial, aliás peregrina, viola a lei processual de forma grosseira.

15 – Esta é uma factualidade incontornável que como tal não se pode olvidar: o Tribunal ignorou uma matéria crucial da A. que esta tinha aduzido à exaustão.

16 – Veja-se neste sentido o teor do artigo 615º d) do C. P. Civil.

17 – Visto e revisto o texto da sentença proferida em 1ª instância, em lado nenhum se vislumbra, sequer, a mínima referência à questão das tornas, tal como é suscitada pela A. Nenhuma!

18 – Este facto é insofismável!

19 – Não se percebe nem aceita – por conseguinte – a afirmação a contrario constante da deliberação reclamada.

20 – Esta evidência é incontornável.

Dos factos e do direito

21 – O Acórdão da 2ª instância de que se recorreu encontra-se bem equacionado, sob a perspectiva do Tribunal, é certo

22 – Porém, há duas grandes questões – que sendo incontornáveis – são por si esquecidas.

23 – Estas duas questões são reais, factuais, palpáveis e muito evidentes.

24 – Em primeiro lugar, a circunstância de o Tribunal de 1ª instância não ter agendado qualquer data prévia de julgamento; julgamento este que é fundamental para o apuramento testemunhal das datas, dos valores, das circunstâncias em que aquelas tornas foram, efectivamente pagas.

25 – Estamos a analisar factos e procedimentos que ocorreram há cerca de cinquenta anos.

26 – As pessoas envolvidas pessoalmente são as únicas que conseguem reconstituir o que se passou – datas, valores, pormenores, circunstâncias.

27 – Aliás, o interveniente principal – irmão mais velho – já faleceu.

28 – Tudo isto para dizer que só na audiência de julgamento é que todas estas matérias se poderão esclarecer e em pormenor.

29 – Como é sabido, esta não se efectuou, por vontade exclusiva do Tribunal. Não tendo sido efectuado qualquer julgamento, não se puderam apurar quaisquer valores, a título de tornas; tornas estas que o Tribunal ignorou.

30 – Responde-se, assim, a nosso ver, às considerações repetidamente aduzidas pelo Tribunal a quo, quando este estranha não existirem nos autos provas documentais ou outras acerca dos valores pagos a título de tornas. Pudera, o Tribunal não o permitiu!

31 - O segundo grande erro cometido pelo Tribunal a quo – e com o primeiro relacionado - é aquele que tem a ver com o teor do artigo 615º d) do C. Processo Civil

32 – Vejamos aquilo que comina este dispositivo processual:

Artigo 615.º (art.º 668.º CPC 1961)

Causas de nulidade da sentença

1 - É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. (...i

4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

33 – Quer isto dizer que qualquer sentença é NULA e de nenhum efeito – sempre que o juiz não se pronuncie sobre quaisquer questões que deveria apreciar.

34 – O teor desta regra processual é muito claro; inequívoco, mesmo.

35 – Se existe uma matéria ou uma questão pendente nos autos e muito bem visível - como é o caso das tornas, invocado pela A. na sua p. i - e se o juiz a ignora, não a apreciando, a sentença é nula; tout court.

36 – Foi, precisamente, aquilo que aconteceu no caso vertente.

37 – A A. chamou à acção para a questão das tornas que, aliás, constituem o essencial daquele seu petitório e como resulta – agora – das considerações levadas a efeito (embora tardiamente) ao longo do Acórdão da 2ª instância.

38 – A A. aduziu, como lhe competia, invocando as tornas por si pagas como sendo elemento nodal das suas pretensões.

39 – Peregrinamente, o juiz IGNOROU tais tornas ao longo do seu extenso libelo decisório.

40 - IGNOROU, omitiu, olvidou.

41 – Esta decisão está ferida de NULIDADE!

42 – Quer-nos parecer que esta NULIDADE é evidente, à luz do disposto no artigo 615º d) do C. Processo Civil.

43 – Ou seja – a sentença é NULA.

44 – Esta NULIDADE deveria ter sido já declarada pelo Acórdão da 2ª instância.

45 – A função do recurso não é a de ter que justificar os defeitos das decisões anteriores. Tem, outrossim, que se pronunciar sobre a validade e/ou nulidade da sentença proferida, a quo.

46 - O que não fez!

47 – E não se diga que o Tribunal não teria necessidade de se pronunciar sobre estas questões. A demonstração cabal de que assim é resulta do facto peregrino de ser o Tribunal de 2ª instância que vem – tardiamente – discutir esta questão, tentando suprir os erros, as faltas, o esquecimento da 1ª instância.

48 – Se assim não fosse, qual a necessidade que o Acórdão da 2ª instância teria para vir recolocar a questão, discuti-la e branqueá-la?

49 – Voltamos a chamar a atenção para o texto da sentença proferida em 1ª instância: NADA dali consta que aflore, sequer, a matéria das tornas.

50 – É, por conseguinte, erróneo que se afirme o contrário, na decisão agora reclamada.

51 – Esta tentativa de branqueamento ensaiada na 2ª instância serve-se de novos argumentos que não puderam conhecer o contraditório por parte da A.

52 – São novas questões teóricas que se encontram feridas pela ausência da realidade.

53 – As questões suscitadas em 2ª instância são absolutamente novas e deveriam ter sido dirimidas em 1ª instância. Não agora em sede meramente teórica e depois de terem sido ignoradas pela instância anterior que seria a competente para o efeito.

54 – A sentença proferida é NULA e de nenhum efeito. Como tal, deverá ser revogada na totalidade.

55 - É aquilo que se requer.

56 – É a Lei nº 25/85 de 30 de Julho (Estatuto dos magistrados judiciais) que rege a prática judiciária dos magistrados.

57 – É a esta Lei que os magistrados devem estrita obediência profissional.

58 – Ora, o seu artigo 4º nº 1 diz o seguinte:

“Artigo 4.º

Independência

1 - Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.”

59 – Quer isto dizer que os magistrados são servos da Lei ... e da Constituição.

60 – A Lei aqui em causa é aquela que vimos citando: artigo 615º d) do C. Processo Civil.

61 – O texto da norma é inequívoco:

“Artigo 615.º (art.º 668.º CPC 1961)

Causas de nulidade da sentença

1 - É nula a sentença quando:

(...)

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

62 – Ora, como é possível – em face da inequivocidade destas normas conjugadas, não ter revogado – tout court – a decisão tomada pela 1ª instância?

63 – Não se compreende nem aceita!

64 - Atentemos, agora, no teor do artigo 671º do C. P. Civil, mormente no seu ponto 3 ...

Recurso de revista

SECÇÃO I

Interposição e expedição do recurso

Artigo 671.º (art.º 721.º CPC 1961)

Decisões que comportam revista

1 - Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

3 - Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.

(...)

65 – Este número 3 do artigo citado confere à A. a possibilidade da interposição do presente recurso de revista, uma vez que são – claramente – distintos os argumentos aduzidos em 1ª e em 2ª instâncias. Ou seja, como resulta claro da leitura dos autos e como resulta claro daquilo que vimos dizendo, a 1ª instância e a 2ª instância argumentaram de formas distintas; a 1ª instância ignorou a questão central das tornas, ao contrário da 2ª instância que baseia a sua argumentação em questões novas, decorrentes das tornas, pagas.

66 – A situação e os factos são tão evidentes que dúvidas não sobejam quanto à viabilidade do presente recurso de revista.

67 – Ora, vejamos,

Atentemos em todo o texto da sentença emitida na 1ª instância. Em lado nenhum se detecta qualquer referência – mínima que seja – ao tema das tornas.

68 – Afirmar o contrário é erróneo e não verdadeiro.

69 – Vejamos, agora, com atenção e cuidado o texto do Acórdão proferido na 2ª instância.

70 – Atentemos nos argumentos exarados a folhas 14 a 17 deste Acórdão.

71 – Vejamos com atenção o teor destas 4 páginas.

72 – Como é possível considerar idênticos os argumentos aduzidos pela 1ª e 2ª instâncias se a decisão do Tribunal de Montemor-o-Velho NUNCA menciona a matéria das tornas pagas pela A, enquanto – por outro lado – o Acórdão reclamado surge – ao longo daquelas 4 páginas – enxameado por alusões concretas e repetidas às tornas, em causa?

73 – É certo que a subjectividade é inerente à hermenêutica jurídica; todavia, encontramo-nos confrontados com duas realidades bem tangíveis que é impossível escamotear: por um lado vemos uma decisão que ignora o assunto das tornas, ignorando-o e por outro lado lemos o corpo do Acórdão reclamado que – precisamente – se serve do tema das tornas para fundamentar as suas conclusões.

74 – Esta diferença entre as decisões é objectiva, é real, é palpável, é visível!

75 – Não é possível – à luz da legislação mobilizada – negar aquilo que é uma evidência.

76 – Os factos estão aí e encontram-se identificados.

77 – Não é possível negar aquilo que é inegável.

78 – A função do Acórdão produzido pela 2ª instância não pode ser a de branquear os erros evidentes cometidos pelo Tribunal de Montemor-o-Velho

79 – O Acórdão subsequente deveria ter revogado – tout court – a deliberação anterior

80 – É o que se pede e invoca.

Inconstitucionalidade

81 – Compulsada a factualidade apurada e efectuados os enquadramentos jurídico-normativos mobilizados estamos em crer que os princípios da legalidade, da igualdade e da força jurídica dos direitos se encontram violados.

82 – É a Constituição da República Portuguesa que os consagra por via dos seus artigos 3º, 13º nº 2 e 18º.

83 - A legalidade assente foi violada.

84 – A igualdade perante a Lei não foi cumprida.

85 – A força jurídica decorrente destes princípios (violados) não foi executada.

CONCLUINDO

É por tudo o que se segue exposto que a A - não se conformando com o teor da decisão proferida a 20 de Fevereiro de 2024 que indeferiu a subida do recurso de REVISTA, interposto anteriormente, - vem dela RECLAMAR para a CONFERÊNCIA. Tudo, de acordo com o disposto no artigo 652º nº 3 do C. Processo Civil.

Deve a decisão proferida ser revogada na íntegra porque é nula e de nenhum efeito.

Respondeu a reclamada nos seguintes termos:

I. Com todo o devido respeito que possa merecer outro entendimento, falece, salvo melhor opinião, qualquer razão à pretensão da reclamante/recorrente/A., na certeza da bondade da decisão singular proferida quanto à inadmissibilidade do recurso.

II. Por economia de processado, a aqui R./recorrida/reclamada dá por integralmente reproduzido o teor das suas contra-alegações de recurso, designadamente sob a epígrafe “I - da INADMISSIBILIDADE DO RECURSO” designadamente quanto à “ii - da DUPLA CONFORME”.

III. No mesmo sentido e com a mesma economia de processado, a aqui R./recorrida/reclamada dá por integralmente reproduzido o teor e sufraga a decisão singular, por devidamente fundamentada.

IV. De facto, resulta insofismavelmente que, nos termos previstos no art.º 671.º n.º 1 do CPCivil, a viabilidade recursória está vedada na medida em que se verifica a existência de dupla conforme, nos termos do n.º 3 daquele normativo.

V. Como tal, ao contrário do que sufraga reclamante/recorrente/A., não existe na decisão recorrida, NEM “voto de vencido”, NEM “fundamentação essencialmente diferente”;

VI. Pelo que, o recurso de revista ordinário é, salvo melhor opinião, inadmissível, devendo ser confirmada a decisão singular, que não merece qualquer apontamento ou censura que legitime a reclamação apresentada, devendo manter-se NA ÍNTEGRA, mantendo-se a rejeição do mesmo.

Apreciando do mérito da reclamação:

Não assiste obviamente razão à reclamante.

Corroborando as razões desenvolvidas na decisão singular, verifica-se in casu a constituição de dupla conforme impeditiva da interposição da revista nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

De resto, na presente reclamação limitou-se a recorrente a repetir, sem qualquer novidade, tudo o que antes já havia referido.

Concorda-se, assim e inteiramente, com o despacho reclamado, para cujos fundamentos se remete.

Pelo exposto, acordam, em Conferência, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em indeferir a reclamação apresentada, mantendo-se a decisão singular reclamada que desatendeu a admissibilidade do recurso de revista face à constituição de dupla conforme nos termos do artigo 671º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Lisboa, 10 de Abril de 2024.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ricardo Costa

Amélia Ribeiro

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.