SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
PATENTE
VALOR DA CAUSA
Sumário

I. Os pedidos da acção não surgem concretizados por referência a um qualquer valor económico, designadamente de natureza indemnizatória, quando se pretende fazer actuar a Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro com vista a impôr uma abstenção de actuação violadora de direitos emergentes de patente;
II. Não altera este quadro a activação de um meio de protecção coactiva, ou seja, a imposição de uma sanção pecuniária compulsória nos termos viabilizados pelo artigo 829.º-A do Código Civil;
III. A quantia pecuniária definida no âmbito deste preceito corresponde a uma sanção e não a um valor correspondente à aferição económica da dimensão de um direito violado ou da violação que em juízo se tenha pretendido tutelar;
IV. Não se trata de um quantitativo relativo à avaliação da dimensão de um direito mas de um montante orientado para compelir, ou seja, induzir um comportamento;
V. E essa compulsão ou pressão para agir é apenas activada em caso de «atraso no cumprimento»;
VI. A sanção pecuniária compulsória nada revela sobre a extensão e contornos pecuniários dos direitos brandidos;
VII.Dela apenas extraímos a consciência da magnitude tida por efectiva e relevante para coagir ao cumprimento;
VIII. A atribuição de um valor a uma causa corresponde ao esforço de aferição da utilidade económica de um pedido apresentado em juízo;
IX. Não nos fornece elementos em tal percurso analítico a posse de consciência do valor adequado para compelir, já que tal quantitativo não se reporta a um qualquer direito protegido de violação aferida economicamente mas, meramente, a uma potencial eficácia coactiva assente numa ficção de valor relevante para esse efeito;
X. À luz dos contornos da acção, esta é um encadeado de actos processuais incidente sobre interesses imateriais, não autonomizados em termos quantitativos, de abrangência difusa numa perspectiva económica estrita;
XI. É o direito na sua dimensão ideal, operativa, excludente, «erga omnes», não balizado economicamente, o que que aqui se pretende proteger;
XII.Neste contexto, é ajustado e plenamente aceitável que se afirme que, nesta acção, se visa tutelar «interesses imateriais» e que a patente constitui pressuposto do decretamento e não elemento de aferição de uma qualquer dimensão do pedido.

Texto Integral

Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Na acção «declarativa de condenação» que constitui o processo principal, em que são Demandantes BRISTOL-MYERS SQUIBB HOLDINGS IRELAND UNLIMITED COMPANY, SWORDS LABORATORIES e BRISTOL-MYERS SQUIBB FARMACÊUTICA PORTUGUESA, S.A., todas com os sinais identificativos constantes dos autos, e Demandada a Sociedade PENTAFARMA – SOCIEDADE TÉCNICOMEDICINAL, S.A., neles melhor identificada, foi proferida decisão com o seguinte conteúdo:
Em consonância, nos termos dos artigos 299.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1,do CPC e do artigo 829.º-A, n.ºs 1 e 3, do Código Civil, fixa-se à presente acção o valor processual de € 31 320 000,00 (trinta e um milhões e trezentos e vinte mil euros).
Descrevendo o percurso que conduziu à sua prolação, o Tribunal «a quo» inscreveu no relatório de tal decisão:
No despacho de 30-05-23, consignou-se, na parte aqui pertinente:
“Nos termos do n.º 1 do artigo 299.º do CPC, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção.
Por sua vez, o artigo 306.º, n.º 1, do CPC estabelece que compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
Conforme escreve Salvador da Costa – cf. «Os Incidentes da Instância», 2014, 7.ª edição, p. 59 –, anotando este preceito legal e comparando o actual regime com o anterior: «As partes indicavam frequentemente para a causa valor desconforme com a utilidade económica do pedido e a lei e, não raro, o juiz não proferia o respectivo despacho de fixação do valor da causa, desvirtuando-se, por via disso, o regime de admissibilidade dos recursos e a própria obrigação de pagamento da taxa de justiça.
A referida alteração visou obstar, além do mais, às mencionadas consequências. Agora, independentemente da posição das partes relativamente ao valor da causa, tem o juiz de o fixar, podendo para o efeito, nos termos dos artigos 308.º e 309.º, ordenar determinadas diligências.
Assim, o acordo tácito ou expresso das partes quanto ao valor processual da causa já não releva com vista à sua fixação, antes se impondo, sempre, ao juiz, a verificação da sua conformidade com os factos e a lei.» (sic)
Tudo visto, é ostensivo que o valor da causa aceite pelas partes não é minimamente fidedigno em face dos interesses económicos de largas dezenas de milhões de euros que são alegados na petição inicial, mormente nos artigos 138.º e seguintes desta peça processual, em que as autoras declaram que a média das vendas diárias do ELIQUIS® nos anos 2016, 2017 e 2018 foi de 92.053 € (noventa e dois mil e cinquenta e três euros).
Por conseguinte, e previamente à prossecução dos autos, considerando que o valor da acção e da reconvenção inicialmente atribuído pelas partes não retrata minimamente a realidade e os interesses económicos que ambas pretendem fazer valer nos autos, notifiquem-se as mesmas para se pronunciarem sobre o(s) critério(s) que reputam mais adequado(s) à fixação do valor da causa – podendo fazê-lo separada ou conjuntamente –, desde já se consignando que o Tribunal poderá recorrer, caso assim o entenda necessário, aos mecanismos previstos nos artigos 308.º e 309.º do CPC. Prazo: 12 dias.”
Cumprido o contraditório – cf. artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC) – as partes vieram pronunciar-se da seguinte forma:
1. As autoras, através do requerimento com a referência n.º 112102, aduzem que invocaram os direitos de propriedade industrial emergentes da Patente Europeia n.º 1427415 (EP ‘415) e do Certificado Complementar de Proteção n.º 456 (CCP 456), tendo indicado como valor da causa o montante de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo). Em sede de reconvenção, a ré peticionou a declaração de nulidade da EP ‘415, tendo atribuído à reconvenção o mesmo valor.
Mais indica que ambas as partes indicaram aquele valor porquanto, nos termos do disposto no artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais (euro) 0,01. Prosseguindo que a “dimensão eminentemente imaterial dos direitos de propriedade industrial (emergentes, inter alia de patentes) tem sido amplamente reconhecida e destacada pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores”, dando como exemplos os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 26-02-2015 (Processo n.º 1288/05.6TYLSB.L1.S1) e de 18-03-2010 (Processo n.º 1004/07.8TYLSB.L1.S1) e do Tribunal Constitucional n.º 123/2015.
Referem, complementarmente: “Para mais, os referidos valores de vendas foram indicados com o propósito único de ajudar este Tribunal a determinar um valor suficientemente dissuasor para efeitos de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, sendo que em nada se relacionam com os pedidos concretamente formulados pelas Autoras – que se destinam à somente proibição de exploração de medicamentos genéricos –, nem com o pedido formulado pela Ré – que se destina à declaração de nulidade dos direitos de propriedade industrial invocados nos presentes autos.”
De harmonia, “(…) na perspetiva das Autoras, não há que recorrer aos critérios gerais previstos nos artigos 296.º e seguintes do CPC e, consequentemente, averiguar da eventual “utilidade económica imediata do pedido”, como sugerido pelo Tribunal no Despacho a que ora se responde, desde logo porque há uma regra no CPC que fixa precisamente um valor específico sempre que as causas visem interesses imateriais (independentemente de outras dimensões que esses mesmos interesses E, concluem: “Nestes termos, e atendendo que tanto à ação como à reconvenção em causa nos presentes autos se aplica o mesmo critério especial previsto no artigo 303.º, n.º 1, do CPC, requerem as Autoras que este Tribunal fixe o valor total da causa em 60.000,02€ (sessenta mil euros e dois cêntimos).”
2. A ré, por requerimento com a referência n.º 112100, aduz que “as autoras pretendem fazer valer nos autos os direitos de propriedade industrial decorrentes do certificado complementar de proteção n.º 456 (‘CCP’456’), apresentando a data de vinte (20) de maio de 2026 como a estimada para o respetivo limite de vigência, constituindo, pois, a defesa de tais direitos o objeto da ação tal como proposta pelas autoras.” E, prossegue, “em termos práticos, as autoras pretenderão evitar, com a ação em presença, incorrer em (alegados) ‘(…) prejuízos financeiros (…)’ decorrentes da diminuição do período de exclusivo conferido pelo CCP’456.”
A ré, aventa, depois, o seguinte critério para a fixação do valor da causa: “Tomando em linha de conta, por um lado, a regra geral consagrada no n.º 1 do artigo 296.º do código de processo civil (‘CPC’), nos termos da qual o valor da causa será o representativo da utilidade económica imediata do pedido formulado, e, por outro, o critério especial previsto no 2 artigo 301.º, n.º 1, do CPC, que prevê a determinação do valor da causa com recurso ao valor do ato jurídico, dir-se-ia, prima facie, que a utilidade económica dos pedidos (o inicial, formulado pelas autoras, e o posterior, deduzido pela ré-reconvinte) seria determinada pelo valor económico do título de propriedade industrial em causa nos autos – o CCP’456 – e do correspondente período de exclusivo.”
Porém, após tecer algumas considerações sobre a matéria de facto a debater, acaba por considerar que “não é conhecida e/ ou possível de conhecer, no momento atual, a real utilidade económica do pedido, porquanto a ré não praticou qualquer ato tendente à exploração económica do(s) medicamento(s) genérico(s) objeto dos pedidos de AIM identificados nos autos. Por conseguinte, não existem elementos, nos autos ou além destes, que permitam atribuir à causa outro valor distinto do indicado pelas partes.”
E, remata: “Quando assim se não entenda, julgando V. Ex.a, pelo contrário, reunidas as condições necessárias para lançar mão da prerrogativa da atribuição oficiosa de outro(s) valor(es) à causa distinto do(s) indicado(s) pelas partes, terá, ainda assim, de atender-se aos elementos anteriormente referidos, mormente:
(i.) a ausência de comercialização do(s) medicamento(s) genérico(s) objeto dos pedidos de AIM identificados nos autos;
(ii.) ao PVP do medicamento genérico; e
(iii.) ao modo (concorrencial) de funcionamento do mercado do(s) medicamento(s) em Portugal, apurando e, consequentemente, conhecendo as correspondentes quotas de mercado.”
BRISTOL-MYERS SQUIBB HOLDINGS IRELAND UNLIMITED COMPANY, SWORDS LABORATORIES e BRISTOL-MYERS SQUIBB FARMACÊUTICA PORTUGUESA, S.A., interpuseram recurso da referida decisão concluindo e pedindo:
1. A presente ação, é uma ação inibitória, exemplo típico das ações propostas nos termos da Lei n.º 62/2011 relativas a “litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial”, iniciados, por definição, numa fase anterior à existência de qualquer infração desses direitos, sendo que o pedido nela formulado é, em termos gerais, os de que a Ré se abstenha de explorar industrial ou comercialmente um produto protegido pelo CCP 456 e respetiva patente de base EP ‘415.
2. Trata-se de uma ação pela qual é exercido o direito de patente incidente sobre invenções (soluções técnicas para problemas técnicos) e que são, ambos eles (direito de patente e invenção por ela protegida), indiscutivelmente, bens e direitos imateriais que entroncam nos direitos fundamentais, liberdades e garantias protegidos pelo artigo 42.º da Constituição.
3. O que se pede nesta ação é a condenação do réu na prática de uma atividade infungível de carácter negativo, de cariz inegavelmente imaterial – o respeito, por via da abstenção de exploração do invento protegido por uma patente, do direito de propriedade intelectual do autor sobre um bem imaterial que é esse mesmo invento.
4. Deste modo, ao valor processual das ações em que se exerçam direitos de propriedade industrial aplica-se o regime do artigo 303.º, n.º 1 do CPC, ou seja, deve-lhes ser atribuído o valor da alçada da Relação mais 0.01 euros, como vem sendo pacificamente afirmado pelos mais reputados processualistas portugueses desde JOSÉ ALBERTO DOS REIS (v.g. EURICO LOPES CARDOSO, SALVADOR DA COSTA e LEBRE DE FEITAS) e, também pacificamente aceite pela jurisprudência constante dos tribunais tanto arbitrais como estaduais.
5. De acordo artigo 303.º, n.º 1 do CPC, a regra relativa ao valor da causa, dele constante, não requer que os interesses envolvidos na ação sejam exclusivamente materiais, bastando apenas que o sejam.
6. A existência de uma dimensão económica – forte ou fraca - nos direitos de propriedade industrial, não determina a inaplicabilidade ao caso do artigo 303.º, n.º 1 do CPC, não só porque essa norma não exige que os interesses em litígio sejam exclusivamente imateriais, mas, sobretudo, porque a mesma norma deve ler-se em conjugação com o princípio geral do artigo 296.º n.º 1 do CPC, ou seja, a materialidade ou imaterialidade do interesse do autor há de avaliar-se pela utilidade económica imediata da ação e esta só pode resultar do pedido feito.
7. Daqui resulta que a existência de eventuais interesses materiais mediatos, indiretos ou reflexos, conexos com o direito de propriedade intelectual sejam irrelevantes para a aplicação do preceito, a menos que o pedido formulado na ação tenha uma utilidade económica direta, tal como ocorre na ação de indemnização por danos causados pela violação desses direitos, caso em que o valor da ação deverá ser encontrado por aplicação direta da regra geral do artigo 296.º, n.º 1 do Código Civil.
8. Da procedência do pedido formulado na presente ação que visa evitar a perturbação das Autoras no exercício do seu direito de propriedade intelectual, pela condenação da Ré a que o não pratique quaisquer atos de violação desse direito, não resulta qualquer utilidade económica imediata ou direta para as Autoras, pelo que a mesma não tem qualquer valor pecuniário.
9. Noutra perspetiva, o valor económico que possa ser, indiretamente, atribuído à presente ação não é passível de quantificação, pelo que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência pacificas, deve ser considerada como prosseguindo interesses imateriais.
10. O douto despacho recorrido errou ao desaplicar o artigo 303.º, n.º 1 do CPC, sob a invocação de que, a par dos interesses imateriais em causa nesta ação, haveria que considerar também os aspetos materiais ligados à natureza do direito invocado.
11. Numa ação puramente inibitória, como o é o caso da presente, a existência da patente e a sua titularidade pelas Autoras constituem meros pressupostos da procedência da ação e da legitimidade das Autoras, não fazendo parte do pedido.
12. Errou, assim, também, o douto despacho recorrido, ao considerar, para efeitos da desaplicação do artigo 303.º, n.º 1 do CPC, a patente como um bem valorizável e a fixação do valor da causa com base no correspondente valor.
13. A não ser aplicado o artigo 303.º, n.º 1 do CPC, sempre teria de ser aplicado o artigo 296.º, n.º 1 do CPC e as normas que densificam o princípio geral nele contido, nomeadamente a do artigo 297.º, n.º 1 do CPC.
14. Este último preceito não tem autonomia em relação à regra geral constante do artigo 296.º, n.º 1 do CPC, isto é, o “benefício” a que ela se refere tem necessariamente de constituir uma utilidade económica que imediatamente (diretamente, não reflexamente) decorra da ação.
15. A sanção pecuniária compulsória não tem natureza indemnizatória, assumindo-se unicamente como meio de forçar o devedor ao cumprimento, e o seu valor tende necessariamente a ser superior ao benefício que esse devedor possa retirar do incumprimento da sentença e daquele que o credor beneficiaria no caso de o cumprimento ter efetivamente lugar.
16. Tal teleologia legislativa é óbvia, em face da norma expressa no n.º 2 do dito artigo 829.º-A do Código Civil, no qual se desliga totalmente a sanção pecuniária compulsória não só do valor dos danos resultantes do incumprimento da sentença, como da indemnização devida por esse incumprimento.
17. O douto despacho recorrido estabeleceu como valor processual da causa um valor correspondente ao montante proposto pelas Autoras para a requerida sanção pecuniária compulsória em que o réu deve ser condenado, ao abrigo do artigo 829.º-A do Código Civil, considerando o requerimento da dita sanção como um verdadeiro pedido autónomo.
18. Ou seja, o Meritíssimo Juiz a quo reclama o recurso ao valor proposto para a sanção pecuniária compulsória, não como correspondente a uma eventual utilidade económica imediata da procedência do pedido inibitório que verdadeiramente define a ação, mas como a “utilidade económica” emergente do requerimento, meramente auxiliar e instrumental, de fixação da dita sanção pecuniária.
19. Acresce que a sanção pecuniária compulsória jamais poderá ser considerada como uma utilidade económica imediata da ação (matriz da determinação do valor da causa, segundo a norma do n.º 1 do artigo 296.º do CPC), porque ela emerge de uma sentença meramente condicional, dependente de um facto (negativo) subsequente - o incumprimento da parte dispositiva principal da mesma sentença - apenas sendo devida para o caso em que tal incumprimento ocorra.
20. Errou assim, também, o douto despacho na aplicação do artigo 296.º, n.º 1 do CPC nesta matéria.
21. A regra geral para a determinação do valor tributário de uma ação consta do artigo 11.º do RCP, o qual estabelece que “a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo”, ou seja, o valor tributável de uma causa é, em princípio, equivalente ao seu valor processual.
22. Assim sendo, uma ação inibitória, como a presente, baseada no direito de patente, proposta ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 102.º do CPI, da Lei n.º 62/2011 e do artigo 2º do CPC, deve, prima facie ter o valor processual e, consequentemente, o valor tributário de € 30.000,01.
23. Porém, de acordo com as alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 12.º do RCP, o valor tributário da causa será o valor l.1 da tabela I-B desse regulamento, ou seja € 2.000,00, sempre que (i) “for impossível determinar o valor da causa” ou (ii) “o valor é fixado pelo juiz da causa com recurso a critérios indeterminados e não esteja indicado um valor fixo”.
24. Ou seja, mesmo que se entenda ser inaplicável à fixação do valor processual da causa a regra do artigo 303.º, n.º 1 do CPC, sempre haverá de lançar mão das regras constantes do artigo 12.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, quando seja impossível determinar o valor da causa com base no valor da utilidade económica imediata do pedido ou pela aplicação de critérios de valoração indeterminados e subjetivos.
25. E, assim, uma ação como a presente terá um valor tributário de € 2.000,00, independentemente do valor processual que lhe venha a ser fixado pelo juiz, a menos que, sendo aplicável ao caso a alínea f) do artigo 12º n.º 1 do RCP, as partes tiverem indicado um valor superior, caso em que o valor por elas indicado deverá ser o valor tributário adotado.
26. Também por essa via, errou o douto despacho recorrido, ao fazer uma desadequada aplicação dos artigos 296.º, n.ºs 1 e 3 do CPC e 11.º do RCP.
27. Violou assim o douto despacho recorrido, entre outras, as citadas normas dos referidos artigos 296.º, 297.º e 303.º do CPC e bem assim as dos artigos 11.º e 12.º do RCP.                                                                                                
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido e substituído por decisão que fixe o valor processual e tributário desta causa em € 30.000,01, (…).
PENTAFARMA – SOCIEDADE TÉCNICO MEDICINAL, S.A., aderiu à impugnação judicial, sem apresentar conclusões.
Cumprido o disposto na 2.ª parte do n.º 2 do art. 657.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
Dado que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cf. arts. 635.°, n.° 4, e 639.°, n.° 1, ambos do Código de Processo Civil) – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.°, n.° 2, por remissão do art. 663.º, n.° 2, do mesmo Código) – é a seguinte a questão a avaliar:
Pelas razões indicadas no recurso que se aprecia, deve ser revogado o o despacho recorrido e substituído por decisão que fixe o valor da causa em € 30.000,01, (…)?
II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, na presente sede lógica, os factos processuais constantes do relatório.
Resulta directamente dos autos e tem importância para a decisão o seguinte facto:
As Demandantes, na petição inicial pela qual introduziram a acção «declarativa de condenação» que constitui o processo principal, solicitaram:
Nestes termos, a presente ação deverá ser julgada procedente e, consequentemente, a Ré deverá ser condenada a:
a) abster-se, no território português ou com vista à comercialização nesse território, de explorar (por si própria e/ou permitindo que terceiros o façam ao abrigo das AIMs identificadas no artigo 69.º, após serem concedidas) a invenção protegida pela EP ‘415 e pelo CCP 456 e, nomeadamente, de importar, fabricar, armazenar, utilizar, colocar no mercado, vender e/ou oferecer, os Genéricos Apixabano identificados no artigo 69.º da Petição Inicial, enquanto a EP ‘415 e o CPP 456 estiverem em vigor;
b) abster-se, no território português ou com vista à comercialização nesse território, de explorar (por si própria e/ou permitindo que terceiros o façam ao abrigo de quaisquer AIMs para quaisquer medicamentos compreendendo apixabano como substância ativa) a invenção protegida pela EP ‘415 e pelo CCP 456 e, nomeadamente, de importar, fabricar, armazenar, utilizar, colocar no mercado, vender e/ou oferecer quaisquer produtos que compreendam apixabano como substância ativa, enquanto a EP ‘415 e o CPP 456 estiverem em vigor.
c) Requer-se ainda, nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, que a Ré seja condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 60.000 € (sessenta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida, de acordo com o acima exposto.
Fundamentação de Direito
Pelas razões indicadas no recurso que se aprecia, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por decisão que fixe o valor da causa em € 30.000,01?
A questão proposta justifica as seguintes considerações:
1. As pretensões formuladas em juízo esteiam-se na invocação da patente europeia 1427415 (abreviadamente denominada como «EP 415») e no Certificado Complementar de Proteção português n.º 456 («CCP 456», na formulação abreviada escolhida nos autos);
2. Essas pretensões visam obstar à exploração da referida EP através da oferta dos «Genéricos Apixabano» e dos «produtos que compreendam apixabano como substância ativa»;
3. Não surgem tais pedidos concretizados por referência a um qualquer valor económico, designadamente de natureza indemnizatória;
4. A lógica da pretensão assenta no binómio: a. sou titular de uma patente; b. logo protejam-me da usurpação dos meus direitos por terceiros (in casu, através da pretendida actuação da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que criou um regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, procedendo à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, e à segunda alteração ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio);
5. A par destas duas pretensões – afinal uma só, no fundo, de defesa não especificada face a ataques, não concretamente perspectivados, aos Direito garantidos pela patente – as Requerentes solicitaram a activação de um meio de protecção coactiva, ou seja, a imposição de uma garantia do cumprimento de emanação normativa, id est, de uma sanção pecuniária compulsória nos termos viabilizados pelo artigo 829.º-A do Código Civil;
6. Resulta com muita clareza deste preceito que a quantia pecuniária definida no seu âmbito corresponde a uma sanção e não a um valor correspondente à aferição económica da dimensão de um direito violado ou da violação que em juízo se tenha pretendido tutelar;
7. Da mesma forma, a semântica clara dos termos usados na norma revela que não se trata de um quantitativo relativo à avaliação da dimensão de um direito mas de um montante orientado para compelir, ou seja, induzir um comportamento;
8. E essa compulsão ou pressão para agir é apenas activada em caso de incumprimento (ou, melhor dito, nas palavras do legislador, de «atraso no cumprimento»);
9. É bem visível, no sentido do já dito, que a sanção pecuniária compulsória nada revela sobre a extensão e contornos pecuniários dos direitos brandidos;
10. Dela apenas extraímos a consciência da magnitude tida por efectiva e relevante para coagir ao cumprimento;
11. A atribuição de um valor a uma causa corresponde ao esforço de aferição da utilidade económica de um pedido apresentado em juízo – vd. a parte final do n.º 1 do  art. 296.º do Código de Processo Civil;
12. No processo de busca dessa utilidade económica no contexto descrito (recorda-se, de invocação de patente e de pedido da sua protecção de forma indefinida e sem efectivas causas de temor e falência tutelar já conhecidas), constatamos que não é possível subsumir a situação dos autos aos art.s 297.º, 298.º, 300.º, 301.º, 302.º e 304.º do referido encadeado normativo, que seriam as normas aplicáveis caso estivessemos perante um pedido economicamente concretizado ou concretizável;
13. Não nos fornece elementos em tal percurso analítico a posse de consciência do valor adequado para compelir, já que tal quantitativo não se reporta a um qualquer direito protegido de violação aferida economicamente mas, meramente, a uma potencial eficácia coactiva assente numa ficção de valor relevante para esse efeito (não para definir mas para impôr);
14. Designamente, a referida quantia não nos providencia tais elementos para os efeitos do disposto no n.º 1 do  art. 301.º do Código de Processo Civil (aliás, a acção não tem incidência directa sobre «a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico»);
15. Não se obtêm, no requerimento que introduziu a acção, vestígios do valor do Direito de propriedade, para os efeitos do estabelecido no n.º 1 do  art. 302.º do Código de Processo Civil, não correspondendo a sanção compulsória a qualquer avaliação do valor da patente (até por ser distinta a sua finalidade, que culmina nos limites da efectividade da compulsão e não na aferição do relevo económico de um direito brandido);
15. Este caminho conduz-nos, na configuração que foi dada à acção na petição inicial, ao disposto no n.º 1 do art. 303.º do conjunto de normas sob referência;
16. À luz dos contornos da acção, esta é uma acção sobre interesses imateriais, não autonomizados em termos quantitativos, de abrangência difusa numa perspectiva económica estrita – vd., aparentemente num sentido muito restritivo e distinto, que equipara tais interesses a interesses «insusceptíveis de ser avaliados em termos patrimoniais», MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, CPC ONLINE, Versão de 2024/02, pág. 212;
17. A este nível, ou seja, o da afirmação da imaterialidade do brandido, têm razão as Recorrentes ao chamarem à colação o disposto no  art. 42.º da Constituição da República Portuguesa; é, com efeito, e afinal, ao menos em segunda linha, a tutela do Direito à invenção o que afinal se tenta fazer na acção;
18. Igual razão lhes assiste ao recordarem que o que se peticiona no processo é uma abstenção e não um valor concretizado ou concretizável;
19. A existência de uma dimensão económica nos direitos de propriedade industrial, que sabemos concretizar-se sempre que é invocada uma patente, não afasta a subsunção ao disposto no n.º 1 do  art. 303.º, desde logo porquanto, neste processo, não se busca a cobrança de qualquer concreta quantia pecuniária mas a interdição de uma actuação violadora dos direitos dela emergentes;
20. É o direito na sua dimensão ideal, operativa, excludente, «erga omnes», não balizado economicamente, o que que aqui se pretende proteger;
21. Ou seja, afirma-se, apenas, «tenho um direito; abstenham-se de mo agredir»;
22. Não há aqui, efectivamente, conforme adequadamente afirmado pelas Recorrentes, uma «utilidade económica imediata ou direta»;
23. Neste contexto, é ajustado e plenamente aceitável que se afirme que, nesta acção, se visa tutelar «interesses imateriais» e que a patente constitui pressuposto do decretamento e não elemento de aferição de uma qualquer dimensão do pedido;
24. Tal convoca o disposto no n.º 1 do art. 303.º do Código de Processo Civil, que atribui a acções da natureza da presente o valor «equivalente à alçada da Relação e mais (euro) 0,01», isto é, 30.000,01 – cf. o estabelecido no n.º 1 do  art. 44.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário).
Flui do exposto dever ser dada resposta afirmativa à questão avaliada.

III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos procedente o recurso e, em consequência, concedendo-lhe provimento, revogamos a decisão posta em crise e fixamos o valor da acção em 30.000,01 EUR.
Custas pela parte vencida a final.
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Lisboa, 10 de Abril de 2024
Carlos M. G. de Melo Marinho
Eleonora M. P. de Almeida Viegas
Armando M. da Luz Cordeiro