PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
NATUREZA DA PENSÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário


I - Aos créditos respeitantes ao complemento de pensão de reforma é inaplicável o prazo de prescrição previsto no Código do Trabalho, pois apesar do direito ao pagamento da pensão complementar de reforma derivar de uma anterior relação laboral, tal direito é autónomo relativamente à relação laboral, uma vez que só depois de cessada a relação de natureza laboral é que surge esta nova relação jurídica, normalmente no âmbito da segurança social pública ou de outra instituição previdencial.
II - O prazo de prescrição para pedir o reconhecimento ao direito a um complemento de pensão de reforma é o prazo ordinário do Código Civil, de 20 anos, sendo que o prazo de prescrição a observar quanto às pensões entretanto vencidas é de cinco anos - cf. art.s 309.º e 310.º, al.s d) e g) e do Código Civil.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe:

a) As pensões complementares de reforma já vencidas, desde 30/03/2020 até ../../2023, incluindo uma 13ª prestação, já vencida nos meses de Novembro de 2019, 2020, 2021 e 2022, acrescido de juros legais de mora no montante global de 7.161,42€;
b) Os juros legais de tais importâncias, à taxa legal, contados da citação para contestação a presente acção até à realização do pagamento;
c) As pensões complementares futuras, considerando a desvalorização da moeda que se vier a verificar, de harmonia com os coeficientes legais que vierem a ser publicados;
d) Bem ainda, uma pensão de sobrevivência em beneficio dos seus sucessores elegíveis, em caso de morte do autor, a partir do dia seguinte à sua obrigação.

Alega para tanto, e em síntese, que foi trabalhador efectivo dos extintos EMP01... de ... nos períodos de 08/02/1984 a 31/07/1985 e de 20/06/1988 até ../../2014, sociedade da qual o único accionista era o Estado Português e que foi entretanto dissolvida e liquidada.
O seu contrato de trabalho cessou em 14.7.2014, por força de um despedimento colectivo que o abrangeu, e foi declarado reformado pela Segurança Social em 23.3.2020.
Sucede que os EMP01... de ... haviam constituído um Fundo de Pensões, nos termos que descreve, que lhe dão direito às prestações que ora reclama.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação.

O réu apresentou contestação, deduzindo, além do mais, a exceção da prescrição do direito invocado pelo autor.

O autor apresentou resposta em que, no fundamental, pugna pela improcedência da referida excepção.

Prosseguindo os autos, foi proferido saneador - sentença pelo Tribunal a quo, com o seguinte dispositivo:
Assim, face ao exposto, julga-se procedente excepção de prescrição dos créditos peticionados nesta acção e, consequentemente, decide-se absolver o R. do pedido.”

Inconformado com esta decisão, dela veio o autor interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões (transcrição):

“1- Entende o Recorrente, com todo o respeito, que a douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por uma outra que julgue improcedente a excepção de prescrição dos créditos peticionados pelo Autor na presente acção uma vez que os referidos créditos não têm natureza laboral e, por conseguinte, não é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho.
2- Os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrente, não têm natureza laboral, mas antes natureza previdencial na medida em que decorrem do direito à pensão complementar de reforma resultante do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01... de ..., direito adquirido pelo Autor a 23 de Março de 2020, data na qual foi declarado reformado por velhice pela Segurança Social.
3- Diversamente do decidido na douta sentença recorrida, as prestações complementares de reforma não emergem da vigência, violação ou cessão do contrato de trabalho, mas antes assumem natureza previdencial, e por conseguinte, o prazo de prescrição do direito a tais prestações periódicas, rege-se pelo regime geral previsto no Código Civil, particularmente nos artigos 309º e seguintes.
4- Conforme resulta da jurisprudência unânime e uniforme dos Tribunais Superiores, a pensão complementar de reforma não é exigível em virtude da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, não podendo ser aplicável o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho (que corresponde aos anteriores artigos 381º do Cód. Trabalho e artigo 38º da Lei do Contrato de Trabalho), neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/11/1984, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/1986 (Processo 001323), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/1990 (Processo 002678), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/1998 (Processo 98S232), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/11/2001 (Processo 0073454), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/2002, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003 (Processo 03S1785), Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/09/2013 (Processo n.º 1161/12.1TTPRT-A.P1) e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/06/2022 (Processo n.º 544/14.7T8VCT.G2), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
5- No modesto entendimento do Recorrente, o prazo de prescrição para a exigibilidade das prestações complementares à pensão de reforma atribuída pela Segurança Social, aqui reclamada, apenas prescreve ao fim de cinco anos relativamente às datas em que deveriam ser pagas, conf. artigo 310º alínea g) do Cód. Civil.
6- Acresce ainda que, no modesto entendimento do Recorrente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 21/10/2013, no âmbito do Processo n.º 230/12.2TTSTS-A.P1, citado na douta sentença recorrida, não tem aplicação ao caso dos autos uma vez que, o referido acórdão debruça-se sobre uma acção emergente do contrato individual de trabalho, na qual a aí Autora peticiona a condenação no pagamento de prestações mensais derivadas de um acordo de pré-reforma celebrado com o empregador, o qual tem a sua génese no contrato de trabalho e, por conseguinte, tem uma natureza diversa da pensão de reforma.
7- Com o devido respeito, ao contrário do que vem expresso na douta decisão recorrida, as prestações complementares de reforma devidas desde 23/03/2020, data em que o Autor foi declarado reformado por velhice pela Segurança Social, não advêm nem decorrem da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, ao invés, são obrigações que assumem natureza previdencial que estão sujeitas ao prazo prescricional geral previsto no artigo 310º alínea g) do Código Civil.
8- Com o devido e merecido respeito, aos créditos peticionados pelo Autor não é aplicável o regime excecional previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, por não derivarem nem emergirem da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, sendo, pelo contrário, aplicável o regime geral de prescrição decorrente do artigo 310º alínea g) do Código Civil.
9- Salvo o devido respeito, não se verifica a prescrição dos créditos peticionados pelo Autor/Recorrente na medida em que os créditos por falta de pagamento das prestações complementares de reforma, como é o caso do Autor/Recorrente, regem-se pelo prazo de prescrição previsto no artigo 310º alínea g) do Código Civil (e não pelo prazo especial previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, apenas aplicável aos créditos laborais).
10- De ressalvar ainda que, no âmbito da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo nº 544/14.7T8VCT na qual figura como Autor, entre outros, o aqui Recorrente, e que actualmente corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo de Trabalho – Juiz ..., peticionou, além do mais, que os Réus, EMP01... de ... S.A. e Fundo de Pensões dos EMP01... de ..., legalmente representado pelo Banco 1..., S.A., fossem condenados a entregar-lhe uma apólice de renda vitalícia ou unidades de participação do Fundo de Pensões PPR que lhe garantisse, em caso de reforma, uma pensão complementar de 156,00 € x 13 meses, até à data em que viesse a ser declarado reformado.
11- Na pendência da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo, em 15/01/2021, o A. deduziu articulado superveniente, através do qual peticionou e liquidou o pagamento das pensões complementares de reforma contadas a partir de 23/03/2020 (data da reforma do Autor).
12- Entretanto, após a dedução do referido articulado superveniente, a Ré “EMP01... de ...”, foi declarada extinta e a acção prosseguiu contra a Ré “EMP02...” em substituição da Ré “EMP01...” e  de seguida foi extinta a Ré “EMP02...”, motivo pelo qual, por despacho de 21/05/2020 proferido na Acção nº 544/14.7T8VCT, foi declarado que a mesma prosseguiria os seus termos contra o Estado Português, em substituição das Rés “EMP01...” e “EMP02...”.
13- Por douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, no âmbito da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo nº 544/14.7T8VCT, os Réus, EMP01... de ... S.A. e Fundo de Pensões dos EMP01... de ..., legalmente representado pelo Banco 1..., S.A foram absolvidos do pedido referente ao pagamento da pensão complementar de reforma peticionado pelos aí AA. por entenderem que o mencionado pedido não emerge da ilicitude do despedimento coletivo, nem, em geral, da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas de obrigações de natureza previdencial alegadamente assumidas por convenção entre os Réus, para a eventualidade de reforma dos Autores.
14- No douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/6/2022, já transitado em julgado, ficou decidido que o pedido formulado quanto ao pagamento de um complemento mensal de reforma aos aí AA. não emerge de contrato de trabalho ou relação jurídica de trabalho subordinado, mas de uma relação previdencial.
15- A aplicação do regime especial de prescrição previsto para os créditos laborais (artigo 337º do Cód. do Trabalho) e a qualificação jurídica constante da douta sentença recorrida colide com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, já transitada em julgado, e consubstancia um entrave nefasto e lesivo para o Autor, vedando por completo o seu direito ao recebimento das pensões complementares de reforma devidas desde 23/03/2020, o que seria ilegal e inconstitucional.
16- Acresce que, à data da propositura da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo (16/10/2014), o direito ao pagamento de uma pensão complementar de reforma constituía uma mera expectativa jurídica que poderia resultar num direito subjectivo do Autor, caso (condição suspensiva), no futuro, viesse a reformar-se por velhice ou invalidez permanente pela Segurança Social, artigo 270º do Cód. Civil.
17- Pelo que, à situação em apreço não é aplicável para efeitos de contagem do prazo de prescrição a data da cessação do contrato de trabalho do Autor, 14/07/2014, mas o dia seguinte à data em que foi declarado reformado pela Segurança Social, em 23 de Março de 2020, conf. Artigo 306º, nº 2 do Cód. Civil e artigos 50º e 51º do Dec. Lei 187/2007, de 10 de Maio.
18- Ao contrário do douto entendimento expresso na douta decisão recorrida, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito nasce e pode ser exercido que é, naturalmente, no momento da declaração de reforma do Autor pela Segurança Social, 23/03/2020, de harmonia com o disposto no art. 306 nºs 1 e 2 do Cód. Civil e artigos 50º e 51º do Dec. Lei Dec. Lei 187/2007 de 10/05.
19- O reconhecimento do direito à pensão complementar de reforma não está sujeito a prazo prescricional especial previsto no artigo 337º do Cód. Do Trabalho, mas apenas ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, conf. art. 309 do Cód. Civil, e o pagamento das pensões complementares de reforma resultantes da declaração de reforma pela Segurança Social, tem natureza periódica e, por isso, a prescrição do direito à sua exigibilidade pelo credor corre desde o vencimento da primeira prestação que não for paga - conf. art. 307 nº 1 do Cód. Civil.
20- Só a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, que absolveu o Réu Estado Português da instância relativamente ao pedido de pagamento da pensão complementar de reforma aqui em causa, é que o Autor poderia intentar a presente acção sem que pudesse ser invocada pela parte contrária, na sua contestação, a verificação da excepção de litispendência, conf. Artigos 576º e 582º do Cód. Proc. Civil.
21- O douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, no âmbito da Acção n.º 544/14.7T8VCT, e que absolveu o Réu Estado relativamente ao pedido de pagamento da pensão complementar de reforma, transitou em julgado em 11/10/2022, pelo que ainda que à situação fosse aplicado o prazo de prescrição previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, face à data da propositura da presente acção em 26/06/2023, ainda assim o prazo de um ano não se encontra precludido e, muito menos, ultrapassado.
22- Por todo o exposto, e salvo o devido respeito, contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença recorrida, não se verifica a prescrição de qualquer prestação complementar de reforma peticionada pelo Autor, ora Recorrente, na medida em que os créditos por falta de pagamento da pensão complementar de reforma não emergem da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas assumem obrigações de natureza previdencial e, por conseguinte, não tem aplicação o prazo prescricional previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, mas antes o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 310º, alíneas d) e g) do Cód. Civil.
23- A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artigos 337º do Cód. do Trabalho, os artigos 307º, 309º, 310º alínea g) do Cód. Civil e artigos 50º e 51º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 18/05.”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a única questão que cumpre apreciar:
- Se prescreveu o direito que o autor pretende ver reconhecido.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra e, atento o acordo das partes e os documentos juntos, ainda os seguintes:
1 - O Autor foi admitido, ao serviço da empresa designada por EMP01... S.A. (EMP01...), NIPC ...27, entretanto dissolvida e liquidada, com sede na Avenida ..., ... ..., nos períodos de 08/02/1984 a 31/07/1985 e de 20/06/1988 a 30/04/2014, para exercer por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas.
2 - Esta sociedade, uma sociedade anónima, cujo único accionista era o Estado Português, foi constituída em 03/06/1944 e a sua dissolução verificou-se em 5 de Maio de 2015, por decisão do respectivo Conselho de Administração e o encerramento da sua liquidação verificou-se em 27/04/2018 - docs. nºs ..., ... e ....
3 - O seu escopo era a actividade de construção e reparação de navios, bem como o exercício de todas as actividades comerciais e industriais com ela conexas.
4 - Por carta enviada, em 23 de Abril de 2014, recebida pelo A. no dia 30 seguinte, a empresa EMP01..., sua entidade patronal, comunicou-lhe o seu despedimento, no âmbito de um despedimento colectivo que se estendeu a mais onze trabalhadores.
5 - À data do despedimento, o A. tinha a categoria profissional de montador de construções metálicas pesadas e auferia uma remuneração base mensal de 1.197,47 €.
6 - À data em que lhe foi comunicado o despedimento, o A. tinha 54 anos de idade, pois que nasceu em ../../1960.
7 - Em 16 de Outubro de 2014, o A., conjuntamente com mais 9 colegas envolvidos naquele despedimento colectivo promovido pelos EMP01..., intentou no Tribunal de Trabalho de ... uma acção comum emergente de contrato de trabalho sob o nº 544/14.7T8VCT, , não só contra a sua identificada entidade patronal, mas ainda contra:
1. EMP03..., LDA., sociedade comercial por quotas, pessoa colectiva ...46, com sede na Zona Industrial ..., ... ..., tendo como objecto a realização de actividades económicas alusivas à industria de construção e reparação de navios, bem como actividades referentes à industria metalo-mecânica;
2. EMP02... S.A., P.C. ...50, com sede na Rua ..., ... ..., tendo como objecto (i) a compra e venda e arrendamento de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a administração e gestão de imóveis; (ii) engenharia naval, gestão de projectos de construção e reparação naval e prestação dos serviços necessários às actividades de construção e reparação naval, designadamente nas áreas de procurement, suply chain management e formação;
3. FUNDO DE PENSÕES DOS EMP01... DE ..., cujo objecto era o suporte ou garante financeiro do pagamento das prestações de reforma por velhice ou invalidez ou por sobrevivência de acordo com o Plano de Pensões aplicável a todos os trabalhadores efectivos admitidos ao serviço da 1ª Ré até, 1 de Novembro de 2008;
4. Banco 1... S.A. com sede na Rua ..., ... ..., sociedade gestora das pensões complementares de reforma dos trabalhadores ao serviço dos EMP01... à data da sua reforma por velhice ou invalidez.
8 - Por despacho de 21/12/2015, referência CITIUS 37850858, os R.R. da acção 544/14... foram absolvidos da instância, em consequência de ter sido julgada provada e procedente a excepção dilatória invocada pelas R.R. de erro na forma do processo.
9 - Na sequência de recurso interposto pelos, aí, A.A. para o Tribunal da Relação de Guimarães, por douto Acórdão proferido em 30/06/2016 (referência CITIUS 4227507), aquele Tribunal da Relação (Secção Social) julgou a apelação parcialmente procedente, convolando-se a forma processual para Processo de Impugnação de despedimento colectivo, com aproveitamento da petição inicial, devendo proceder-se à apreciação da coligação à luz do preceituado nos artigos 36º e 37º do Cód. Proc. Civil.
10 - Por decisão proferida em 10/03/2022, Referência Citius 47138977, o Mmo Juiz em 1ª instância voltou a julgar procedente a excepção de ineptidão da petição inicial invocada pelos, aí, R.R., absolvendo-os a todos da instância.
11 - Desta decisão, o A. e os demais trabalhadores interpuseram Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães em 24/03/2022.
12 - Por douto Acórdão proferido em 15/06/2022, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogou o despacho saneador na parte em que absolveu da instância as 1ª, 2ª e 3ª Rés, relativamente aos pedidos formulados na petição inicial sob os pontos I)- a), b) e c), II), III), IV), V) e VII), confirmando-o na parte restante, designadamente manteve a absolvição da instância relativamente ao pedido formulado por cada um dos autores referente a aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhes garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar ou o capital necessário à garantia desse pagamento.
13 - A decisão de absolvição da instância transitou em julgado em relação ao pedido acima referido, em 11.10.2022
14 - O Réu EMP01... S.A., celebrou em 10/12/1987 com a Companhia de Seguros EMP04... (EMP04...) actualmente EMP05... um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhados admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993.
15 - Também, em caso de cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores que se encontrem no activo e que tenham sido admitidos nos quadros permanentes dos EMP01... antes de 1 de Novembro de 2008, com um mínimo de 15 anos de serviço, e cujo contrato cesse, por mútuo acordo ou por causa involuntária por parte do trabalhador, adquirem o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido nos termos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do anexo I do Plano de Pensões dos EMP01..., quando aplicadas a uma situação de invalidez. O benefício a atribuir é equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, com 13 pagamentos mensais, cujo valor foi determinado nos termos da alínea anterior, será utilizado na aquisição, a título único, de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro de vida PPR. A subscrição deste contrato será reportada à data da cessação do vínculo laboral.
16 – O Autor reformou-se por velhice em 23/03/2020.
17 – Na pendência da Acção de Impugnação de Despedimento Colectivo, em 15.01.2021, o Autor deduziu articulado superveniente, através do qual peticionou e liquidou o pagamento das pensões complementares de reforma contadas a partir de 23/03/2020.
18 - A EMP01..., S.A., após a sua dissolução por decisão do Conselho de Administração de 05/05/2015, entrou em liquidação, cujo encerramento se verificou em 27/04/2018 pela inscrição ..., apresentação nº ...03. As relações jurídicas de que aquela era detentora transmitiram-se, por habilitação para o Estado.
19 - O Fundo de Pensões dos EMP01..., gerido pelo Banco 1..., foi declarado extinto pelo Dec. Lei 62/2015 de 23/04, tendo-se operado a transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. da totalidade das responsabilidades então a cargo do Fundo de Pensões dos EMP01..., S.A. (Fundo de Pensões dos EMP01... de ...).
20 - A presente ação foi instaurada no dia 26.06.2023 e o Réu foi citado no dia 29.06.2023

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
A questão que ora importa conhecer já foi colocada a este Tribunal da Relação, no âmbito dos Processos 2113/21...., 2117/23.... e 2118/23...., sendo que interviemos como adjunto nos acórdãos proferidos nos Proc. 2113/21.... e 2118/23....[1], todos de 29.02.2024, sendo que, continuando a perfilhar o entendimento nesses arestos perfilhado, vamos, naturalmente, acompanhá-lo de perto.

Insurge-se o recorrente quanto ao facto de ter sido julgada procedente a exceção de prescrição do direito ao complemento de reforma e respetivas prestações por si reclamados nos autos, por força do prescrito no art. 337.º n.º 1 do CT, considerando que a relação laboral em causa havia cessado em 14.07.2014.
O recorrente entende que os créditos por si peticionados na presente ação não têm natureza laboral e, por conseguinte, não é aplicável o prazo de prescrição previsto no art. 337.º do CT.

Vejamos se lhe assiste razão, designadamente tendo em conta a assinalada natureza previdencial dos créditos reclamados na presente ação.
O Autor formula os seguintes pedidos de condenação contra o Estado Português:
a) As pensões complementares de reforma já vencidas, desde 30/03/2020 até ../../2023, incluindo uma 13ª prestação, já vencida nos meses de Novembro de 2019, 2020, 2021 e 2022, acrescido de juros legais de mora no montante global de 7.161,42€;
b) Os juros legais de tais importâncias, à taxa legal, contados da citação para contestação a presente acção até à realização do pagamento;
c) As pensões complementares futuras, considerando a desvalorização da moeda que se vier a verificar, de harmonia com os coeficientes legais que vierem a ser publicados;
d) Bem ainda, uma pensão de sobrevivência em beneficio dos seus sucessores elegíveis, em caso de morte do autor, a partir do dia seguinte à sua obrigação.

Efectivamente estes pedidos decorrem do eventual direito à pensão complementar de reforma resultante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01... de ..., e por isso a questão que importa dilucidar respeita ao regime prescricional das obrigações decorrentes de um plano privado previdencial que estabelece uma pensão complementar de reforma.
De facto, o autor insurge-se contra o facto de à data da passagem à reforma não lhe ter sido colocada à disposição a pensão complementar de reforma resultante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01....
E tem razão quanto à questão da prescrição, adianta-se já.

Com efeito, a relação jurídica em causa - do eventual direito à pensão complementar de reforma resultante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01... de ... - não assume carácter laboral, apesar de derivar da relação laboral, antes, configura uma relação jurídica de carácter previdencial, uma vez que a pensão em causa não é exigível em virtude (directamente) da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas resultará, a concluir-se pela sua existência, do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01....

Na data do despedimento (14.7.2014) o autor apenas dispunha de uma mera expetativa jurídica de garantia do pagamento de uma pensão complementar de reforma, caso viesse a ser reformado, por invalidez ou velhice e não do direito subjectivo. O direito só nasce e pode ser exercido no momento em que se verifica a condição suspensiva, ou seja, no momento da declaração de reforma do autor pela Segurança Social.
E o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido – cf. art. 306.º/1 do CC.
Como escreve Ana Filipa Morais Antunes, “A expressão quando o direito puder ser exercido tem de ser interpretada no sentido de a prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objectivas) de o titular puder exercita-lo, portanto, desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação.”[2]

Aos créditos por falta de pagamento de pensão é assim inaplicável o prazo de prescrição previsto no código do trabalho, pois apesar do direito ao pagamento da pensão complementar de reforma ter também como pressuposto ter decorrido uma anterior relação laboral, tal direito é autónomo relativamente a esta, uma vez que só depois de cessada a relação de natureza laboral é que surge esta nova relação jurídica, no âmbito da Segurança Social pública ou de outra instituição previdencial.
Assim, o direito a pedir uma pensão de reforma, ou o complemento da mesma não tem prazo para ser intentado senão o prazo de prescrição do código civil, sendo que prazo de prescrição para intentar uma ação a peticionar o direito à pensão é o prazo geral de 20 anos e que o prazo de prescrição das prestações entretanto vencidas é de 5 anos - cf. art.s 309.º  e 310.º, al. g), do Código Civil[3].

O artigo 337.º n.º 1 do Código do Trabalho só é aplicável à prescrição dos créditos que surgem durante a vigência do contrato de trabalho, o que não sucede com a pensão complementar de reforma a qual constitui uma obrigação que só se concretiza e efetiva após a reforma e por efeito direto desta, ou seja, só se efetiva após a cessação da vigência do contrato de trabalho.[4]
Como também se sintetizou em Ac. da RL de 12.09.2018, “I– Os créditos abrangidos pelo artigo 337º nº1 do CT são aqueles que emergem directamente do contrato de trabalho ou os que resultem da sua violação ou cessação. Se o crédito tiver por fonte um acto diverso do contrato de trabalho ou da sua cessação, ainda que exigível em virtude da cessação do contrato de trabalho, não se lhe aplica tal preceito legal.
II– A apreciação da questão exige pois que atentemos na causa de pedir e no pedido formulado nos autos. (…)[5]

No caso em apreço o autor peticiona o reconhecimento ao direito a uma pensão complementar de reforma, bem com a condenação do réu no pagamento dos montantes vencidos desde que passou à situação de reformado. Estes créditos não emergem directamente nem do exercício da profissão, nem da execução do contrato de trabalho, nem da sua cessação, ao invés emergem da situação de reforma do recorrente e integram-se no âmbito da segurança social da empresa, por isso que não cumpre aplicar o disposto no n.º 1 do art. 337.º do CT.

Acresce ainda dizer, que salvo o devido respeito por opinião em contrário, não é de aplicar ao caso, por se tratar de situação diversa, a posição assumida no Acórdão do TRP de 21.10.2013, proferido no Proc. 230/12.2TTSTS-A.P1, citado na sentença recorrida, o qual sufraga a posição do STJ no seu acórdão de 13.04.2011, Proc. 4720/04.2TTLSB.L1.S1[6], arestos nos quais, ao contrário do caso presente, está em causa uma prestação que tem a sua génese (directamente) no contrato de trabalho. Efectivamente, na situação de pré-reforma o trabalhador mantém-se vinculado à sua entidade empregadora pelo mesmo contrato de trabalho que, por acordo, poderá ser modificado, quer em termos de redução da prestação de trabalho, quer mesmo da sua suspensão, razão pela qual a natureza jurídica da retribuição da pré-reforma é diversa da de pensão de reforma ou da pensão complementar de reforma. A prestação de pré-reforma não é mais do que a contrapartida de uma situação em que o contrato foi reduzido ou suspenso, o que não sucede no caso vertente no qual o contrato de trabalhou não foi reduzido ou suspenso, mas sim cessou.

Relativamente às prestações já vencidas reclamadas pelo autor:
Como já se disse, o prazo de prescrição, de 5 anos, conta-se por referência às datas em que deveriam ser pagas as prestações - art. 310.º, al. g), do CC.
As prestações da pensão só se começariam a vencer (supondo serem devidas), por força do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01..., com a reforma do autor, ou seja, a partir de 23.03.2020.

Ora, tendo o pagamento da pensão complementar de reforma natureza periódica, tal como acima já deixámos expresso, a prescrição do direito à sua exigibilidade pelo credor tem início com o vencimento da primeira prestação que não for paga – cf. art. 307.º do CC.
Por outro lado, e de acordo com o prescrito nos artigos 323.º n.º 1 e 326.º n.º 1 do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou pela notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, inutilizando-se todo o prazo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do ato.
O que significa que, no caso, é em relação à citação da ré para a ação que se contam os cinco anos anteriores para considerar prescritas as prestações já vencidas, ou seja, à data de 29.06.2023.
Assim, só os créditos/prestações vencidos em data anterior a 29.06.2018 haviam de considerar-se prescritos, mas sucedendo que os reclamados pelo autor são todos com alegado vencimento posterior a essa data.

Ante o exposto, procede o recurso.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em dar provimento ao recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida decidindo, em sua substituição, declarar improcedente a exceção peremptória da prescrição, determinando o prosseguimento dos autos com a sua legal e normal tramitação.
Custas do recurso a cargo do recorrido.

Notifique.

Guimarães, 04 de Abril de 2024

Francisco Sousa Pereira (relator)
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso
Antero Veiga


[1] Tendo sido Relatora daquele primeiro a Exm.ª Desembargadora Vera Sottomayor e dos restantes a Exm.ª Desembargadora Maria Leonor Barroso, e sendo os dois primeiros consultáveis em www.dgsi.pt 
[2] Prescrição e Caducidade, Anotação aos artigos 296.º a 333.º do Código Civil, Coimbra Editora, pág.63.
[3] Neste sentido cf. Ac. STJ de 25.6.2002, Proc. 02S882, Mário Torres, www.dgsi.pt: “I - Na relação previdencial de reforma, existem duas espécies de direitos: o direito à reforma, como direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo; a estas prestações periódicas, e aos respectivos juros legais, aplica-se o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310, alíneas d) e g), do Código Civil, aplicando-se ao direito unitário à pensão o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309 do mesmo Código.”
[4] Cf. Ac. STJ de 22.11.1984, Miguel Caeiro, Proc. 002323, www.dgsi.pt
[5] Proc. 25940/17.4T8LSB.L1-4, Paula Santos, no mesmo sentido Ac. RL de 29.05.2019, Proc. 12851/18.5T8LSB.L1-4, Manuela Fialho, ambos em www.dgsi.pt
[6] Relatores Ferreira da Costa e Gonçalves Rocha, respectivamente, e ambos acessíveis em www.dgsi.pt