RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
REPARAÇÃO DE VEÍCULO
EXCESSIVA ONEROSIDADE
Sumário

I – Não estando em causa a questão concreta da propriedade do veículo, é de concluir que a prova da existência de um veículo na autora novo, de marca Mercedes, desde data não concretamente apurada, mas adquirido para ser afetado ao uso do seu representante legal e em à substituição da viatura acidentada não carece da prova documental da sua aquisição e muito menos da sua titularidade por via de prova do registo automóvel.
II - A reparação dos danos deve efetuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é, repondo-se a situação anterior à lesão.
III – Tratando-se, como é o caso dos autos, de um veículo automóvel deverá, pois, fazer-se em princípio a reconstituição natural pela reposição em substância da utilidade perdida pelo lesado através da reparação da viatura.
IV- O veículo da autora, um Renault, modelo ..., atualmente com 24/25 anos, (com 20/21 anos à data do acidente) e com 461.947 quilómetros percorridos tinha, à data do sinistro, um valor comercial, no mercado de veículos usados, de €1.673,58.
V – Sendo a sua reparação materialmente possível foi a mesma orçamentada num valor total de €13.713,95.
VI – É de se considerar a sua reparação excessivamente onerosa para a seguradora, não só devido à manifesta desproporção entre o custo da reparação e o valor comercial do veículo, mas também devido ao facto de a apelante ter, entretanto, substituído o veículo por um outro novo, ou seja, deixou de contar com tal veículo para a satisfação das necessidades que ele, enquanto tal, lhe proporcionava, pelo que podemos considerar que deixou de ter um interesse específico na reparação do veículo.

Texto Integral

Apelação
Processo n.º 6267/19.3T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 4


Recorrente – A..., Ld.ª
Recorrida - B..., SA


Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Márcia Portela
Desemb. Maria da Luz Seabra




Acordam no Tribunal da Relação do Porto (1.ªsecção cível)

I A..., Ld.ª, com sede em ..., Vila Nova de Gaia, intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra B..., SA, com sede em ..., Maia, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €12.840,63 ou a reparar a viatura de matrícula ..-..-NT, bem como no pagamento de €50 por dia, por privação do uso e, na quantia de €860 do parqueamento dessa viatura.
Alegou, para tanto e em síntese que a referida viatura foi interveniente num acidente de viação causado por culpa única e exclusiva de condutor de veículo que havia transferido para a ré/seguradora a responsabilidade civil pelos danos consequentes da circulação automóvel do seu veículo.
Esse sinistro causou-lhe danos, pelos quais pretende ser indemnizada.

Citada a ré, esta veio apresentar contestação, pedindo a improcedência da ação.
Para tanto, aceitando o invocado contrato de seguro automóvel e a responsabilidade do seu segurado na ocorrência do sinistro, impugnou no mais e, em suma, a factologia invocada pela autora.

Realizou-se a audiência prévia, após o que foi proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença de onde consta: “5. Decisão
Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno a ré B..., SA, a pagar à autora A..., Ld.ª, a quantia de €1.673,58, acrescida de juros de mora à taxa legal civil, desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo do demais peticionado.
As custas correm pela autora e pela ré, atento o decaimento (artigo 527.º, 1 e 2, do
CPC).
Notifique e registe”.


Inconformada com tal decisão, dela veio a autora recorrer de apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra no sentido das suas alegações.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes conclusões:
1. Nos presentes autos, a recorrente pugnou para que a recorrida fosse condenada a pagar o valor de €12.840,63, devido pela reparação da viatura; não procedendo, mas sem prescindir, que fosse condenada na reparação da viatura, a expensas suas; requerendo ainda a sua condenação no pagamento de indemnização pela privação do uso desde a data do acidente até efetiva reparação e no pagamento do parqueamento diário da viatura.
2. O então peticionado foi julgado parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar, à autora, tão só, a quantia de €1.673,58, acrescida de juros de mora à taxa legal civil, desde a data da citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado, fundamentando que “a ré logra afastar a restauração natural por ser excessivamente onerosa para si, devendo então a indemnização ser fixada em dinheiro…; a autora passou a ter novo veículo que substituiu aquele outro acidentado e, mais relevante do que isso, podia a autora ter esta questão decidida se tivesse aceitado qualquer uma das propostas… não podendo esta falta de solução ser imputada à ré.”
3. Com tal decisão não pode a recorrente concordar, por discordar da subsunção jurídica dos factos apresentada, entendendo que o valor indemnizatório arbitrado não contempla os danos efetivamente sofridos, pelo que da mesma recorre.
Do erro na apreciação da prova:
4. O Juiz a quo declarou como assente, fundamentado nas declarações de parte e ao abrigo do artigo 611.º, n.º 1 do C.P.C., que: “18) Para proceder à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT, a autora adquiriu em data não determinada um veículo novo, de marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal”.
5. Resulta do mesmo que a recorrente adquiriu um veículo novo, em substituição do sinistrado, em data não concretizada.
6. Consigna-se que a prova do direito de propriedade de um automóvel, só pode ser feita através de documento emitido pela competente Conservatória de Registo Automóvel” (cf. Ac. STJ de 07.10.2012).
7. Se o facto, constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, só admite prova documental, porque existe lei expressa nesse sentido, em tal caso a confissão será ineficaz, por insuficiente.
8. Consequentemente, tal facto (vertido no paragrafo 18.º) deverá excluir-se do quadro factual valorado como assente, não podendo a decisão que se impugna basear-se neste para a aplicação do direito.
9. Mas mais, a aplicação o disposto do n.º 1 do artigo 611.º do C.P.C., pressupõe que as partes tragam esses factos ao processo através de articulados supervenientes, que deles sejam notórios ou que o Tribunal tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções (cf. artigo 412.º do C.P.C.).
10. O Tribunal a quo tomou conhecimento desse facto (parágrafo 18 matéria assente) no exercício das suas funções, porém, ex vi do n.º 2 do artigo 412.º, do C.P.C., para se socorrer do mesmo teria que juntar ao processo documento que o comprove, ónus ou exigência legal que não foi satisfeita.
11. Pelo que, também por esta via, tal facto tem que se ter por não escrito, isto é, deverá ser excluído da matéria assente, não podendo fundamentar a decisão, nos moldes em que se observa na sentença posta em crise, sob pena de violar o disposto nos citados artigos 611.º, 412.º, n.º 2 e 6.º do C.P.C., e artigo 7.º do Código Registo Predial, ex vi do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro, e, bem assim, o Princípio da Livre Apreciação da Prova.
12. Não procedendo, mas sem prescindir, importa referir que o artigo 611.º do C.P.C., tem como epígrafe “Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes”, consagrando a admissibilidade de novos factos ocorridos ou produzidos após a propositura da ação.
13. Nestes termos, a improceder o supra alegado, o que não se concede, deverá completar-se tal facto nos seguintes moldes: “18) Para proceder à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT, a autora adquiriu em data não determinada, mas após 31.07.2019, um veículo novo, de marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal”.
Do erro na aplicação do Direito:
14. A recorrente impugna o conteúdo, medida e espécie da obrigação de indemnizar no caso vertente.
Da reconstituição in natura:
15. Fundamentada na excessiva onerosidade da restauração natural, e apoiado no disposto no artigo 41.º, n.º 1, alínea c) do DL n.º 291/2007, o Juiz a quo defendeu que a “ré logra afastar a restauração natural por ser excessivamente onerosa para si”, fixando a indemnização, a favor da recorrente, em €1.673,58.
16. No entanto, o Decreto-lei n.º 291/2007 não tem aplicabilidade na fase judicial.
17. “Se não houver acordo, e se houver necessidade de recorrer às vias judiciais, a determinação da espécie e do quantum da indemnização passam a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano, ficando afastada a aplicação dos critérios previstos no Capítulo III do DL 291/2007, designadamente o artigo 41º” – Ac. TRP de 7.09.2010.
18. Não ignora a recorrente que o princípio da reconstituição in natura pode ser derrogado pela alegada “excessiva onerosidade” que a reconstituição natural poderá importar, porém, no caso dos presentes autos esta não se encontra demonstrada.
19. “A aferição da excessiva onerosidade não se pode basear num raciocínio meramente aritmético de confronto entre o valor do veículo e o custo da sua reparação” (TRG de 01.07.2021).
20. “Não faria sentido autorizar-se o lesante a indemnizar apenas o valor em dinheiro do automóvel, sob pretexto de a reparação ser mais cara que esse valor, já que tal implicaria privar o lesado do meio de locomoção de que dispunha e que não pretendia trocar por dinheiro” (Menezes Leitão - in Direito das Obrigações, vol. I, pág.402).
21. “Indemnizar não se trata aqui, propriamente, de fixar … o valor do bem em si mesmo, correspondendo a realidades distintas (e um carro é quase um exemplo paradigmático disto) o valor do bem e a concreta utilidade por ele propiciada, através dele alcançada, sendo esta utilidade, e não tanto o valor do bem, que expressa o verdadeiro dano e, consequentemente, o real “objeto” indemnizatório: “a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, como diz o artigo 562º do CC” (in Júlio Gomes, citado por TRC, de 16.09.2014).
22. Assim, para se afirmar a excessiva onerosidade não basta demonstrar que o valor da reparação é superior ao valor venal do veículo, pois que se um dos polos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação, o outro não é o valor venal do veículo, mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.
23. O veículo, pela sua antiguidade, pode ter um valor comercial reduzido ou diminuto, e, ainda assim, ser apto a satisfazer as necessidades do seu proprietário que, de forma nenhuma poderá alcançar com uma quantia correspondente a esse valor comercial.
24. Por conseguinte, sem ele, poderá ver-se privado das comodidades que um veículo, ainda que “velho”, proporcionava, o que não pode deixar de ser considerado na reconstituição natural como forma de reparação do lesado.
25. Como se logrou provar, o veículo sinistrado, não obstante ser antigo, com 461.947 quilómetros, estava em bom estado geral de conservação, esteve guardado em garagem, com manutenção feita em prazo, sempre na mesma oficina, cujo histórico a recorrente conhece integralmente.
26. Tal veículo não pode ser comparado apenas com um veículo de igual marca, matrícula e ano de construção, usado por terceiros, sobre o qual se desconhece as situações a que esteve sujeito e as vicissitudes porque passou.
27. Nesta senda, não se pode considerar como provado que com o valor da indemnização fixada (de €1.673,59 - valor venal do veículo sinistrado), a recorrente consegue adquirir um veículo com as mesmas características do seu.
28. A excessiva onerosidade da reconstituição natural é matéria de exceção, pelo que, compete à recorrida a prova respetiva, conforme as regras de repartição do ónus da prova constantes do artigo 342.º, n.º 2, do CC.
29. Nada se provou sobre esta matéria, com exceção do valor do veículo e do valor de reparação.
30. Porém, este critério estritamente aritmético é insuficiente para permitir o recurso, subsidiariamente, à indemnização em dinheiro, nos termos do artigo 566.º, n.º 1 do C.C.
31. A recorrida não logrou provar que com o valor da indemnização fixada – de €1.673,59, a recorrente consegue adquirir um veículo com as mesmas características daquele.
32. “A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial” (Ac. TRP de 1.06.2010).
33. Embora o valor da reparação seja superior ao valor venal do veículo, não se pode considerar que a indemnização por reparação natural seja excessivamente onerosa para a aqui recorrida, uma vez que não existe manifesta desproporção entre o interesse da autora lesada e o custo que a reparação natural envolve para a seguradora, não representando o mesmo um sacrifício excessivo em termos patrimoniais.
34. A reparação também não representa qualquer enriquecimento para a recorrente, pois não há qualquer indício de que o veículo passe a valer mais depois de reparado.
35. Assim, a sentença a quo violou o disposto no artigo 562.º e 566.º do C.C.
Da privação do uso:
36. Formulado o pedido de privação do uso do veículo automóvel, julgou-o, o Tribunal a quo, improcedente, considerando que: “… a ré disponibilizou à autora uma viatura de substituição até 03 de maio de 2019, tem-se ainda conhecimento que fez duas propostas concretas de indemnização … e, por último, em data que se desconhece a autora adquiriu novo veículo automóvel…”
37. No que tange à aquisição do veículo de substituição, remete-se, para o supra expendido sobre a epígrafe “Do erro na apreciação da prova”.
38. No que concerne às duas propostas apresentadas pela recorrente, as mesmas foram apresentadas extrajudicialmente, ao abrigo do Decreto-lei n.º 291/2007, pelo que, convicta, a recorrente, que as mesmas não salvaguardam os seus direitos, rejeitou-as.
39. Não é pelo facto de a recorrida ter apresentado as propostas que a desonera da obrigação de reparar todos os danos sofridos por aquela.
40. A recorrente, de forma célere, interpôs a presente ação, isto é, ocorrido o acidente em 24.03.2019, em 31 de julho de 2019, apresentou em juízo a sua pretensão, contra a aqui recorrida, no entanto, apenas em 30.06.2023 (transcorridos mais de três anos), foi notificada da sentença que ora se impugna.
41. Por conseguinte, as delongas evidenciadas não poderão ser imputadas à aqui recorrente, que apenas pretende ver ressarcidos todos os danos que padeceu.
42. Uma afirmação em contrário, como se observa na sentença a fls. …, importa uma absoluta denegação da Justiça, violadora do princípio constitucional do Acesso ao Direito e da Tutela de Jurisdicional Efetiva (artigo 20.º da CRP).
43. A Doutrina e a Jurisprudência maioritária tendem a reconhecer o direito de indemnização independentemente da prova do real prejuízo, apenas com fundamento na simples privação do uso normal do bem.
44. A simples privação do seu uso causa uma alteração negativa, que, só por si, é passível de afetar moralmente o lesado, justificando uma compensação monetária, pelo que, a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça (Ac. TRG de 11.07.2017, disponível in www.dgsi.pt).
45. Nesta esteira, entende-se que bastará que seja demonstrado que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.
46. Provado que está, nos presentes autos, a utilização do veículo, os danos no mesmo e a sua paralisação, como consequência destes, é forçoso concluir que recorrente padeceu do dano de privação do uso, o qual, merecendo a tutela do direito, deverá ser reparado mediante o pagamento de uma indemnização justa e equitativa.
47. Por conseguinte, andou mal decisão a quo, ao decidir como fez, estando ferida de ilegalidade, por violar os artigos 562.º, 563.º, 566.º do C.C. e artigo 20.º da CRP.
Do dano respeitante às despesas com o parqueamento:
48. Peticionada a reparação do dano proveniente do parqueamento, o Tribunal de 1.ª Instância julgou improcedente, porque: “…. como se viu a proposta vantajosa para a autora foi apresentada pela ré no dia anterior, pelo que desde esse dia podia este assunto estar resolvido… não podendo esta falta de solução ser imputada à ré.
49. O decisório ora impugnado faz uma inversão, ilegal e ilegítima, da culpa no que concerne à produção dos danos.
50. Por identidade de raciocínio, a recorrente dá aqui por integralmente reproduzido o disposto sob a epígrafe “Da privação do uso”, na parte em que refuta a argumentação aduzida em sentença ora posta em crise, nomeadamente no que tange às delongas no encontro de uma solução, as quais nunca, poderão ser imputadas à recorrente, nem, tão pouco, pode esta ser censurada por recorrer à via judicial, no exercício de um direito que lhe é constitucionalmente garantido.
51. O custo do parqueamento do veículo é uma consequência do sinistro e imobilização da viatura, razão pela qual o pagamento de tal encargo constitui um dano, cuja reparação é uma necessidade.
52. Sobre a recorrida recai a obrigação de ressarcimento dos danos, em que se repercute os custos reflexos de falta de diligência desse cumprimento, como sejam o seu parqueamento, por via de retardamento na sua reparação.
53. Deve a recorrente ser responsável pela tarifa relativa ao parqueamento do automóvel na oficina, durante todo o período em questão.
54. Deveria o Tribunal a quo, no cálculo da indemnização, atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (artigo 565.º CC).
55. Mesmo que a recorrente não tenha ainda pago qualquer quantia, o seu valor terá que ser satisfeito e por isso constitui um prejuízo patrimonial, que vai ter de arcar e não pode ser descurado.
56. Posto isto, pela decisão ora impugnada foi violado o Princípio da livre apreciação de prova, fazendo, concomitantemente, uma errónea subsunção legal, em manifesta violação do disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º do C.C., entre outros, e artigo 20.º da CRP.


A ré/apelada juntou aos autos as suas contra-alegações onde pugna pela confirmação da decisão recorrida.


II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1) A autora é uma sociedade comercial que se dedica à construção de edifícios para venda, construção civil e obras publicas em geral, carpintaria e serralharia mecânica e compra, permuta, venda e revenda de prédios rústicos e urbanos
2) A autora é proprietária da viatura marca Renault, modelo ..., com matrícula ..-..-NT, do ano de 1999, que é utilizada para desenvolvimento da sua atividade.
3) A viatura estava afeta ao seu sócio gerente, AA, que a utilizava para exercício da atividade da autora e para a sua vida pessoal e familiar encontrando-se em bom estado e bem conservada.
4) No dia 24 de março de 2013 (manifestamente trata-se de um lapso de escrita da alegação da autora na p. inicial, pois pelos documentos juntos o acidente terá ocorrido em 21.03.2019), pelas 15h 30h, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-NT, na altura conduzido pelo seu sócio gerente, e o veículo de passageiros com a matrícula ..-UM-.., de marca Mercedes modelo ..., propriedade de BB.
5) À data do embate o proprietário da viatura com a matrícula ..-UM-.. havia transferido a sua responsabilidade civil automóvel para a ré, através da apólice n.º ...59, tudo conforme termos do documento 1 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
6) Nos momentos que precederam o embate, o veículo com matrícula ..-..-NT circulava na VCI Porto, no sentido Freixo-Arrábida, com velocidade reduzida, adequado para as condições da via e com atenção, uma vez que havia muito trânsito nesse sentido, facto devidamente anunciado na sinalética existente na via, e que determinava um para e arranca constante, circulando pela faixa mais à esquerda, junto ao separador.
7) Numa dessas paragens o condutor da viatura com matrícula ..-..-NT, que no momento se encontrava imobilizada, apercebeu-se que o condutor da viatura com a matrícula ..-UM-.., que circulava atrás de si, prosseguia a sua marcha, não a abrandando ou travando.
8) Acabando a viatura com a matrícula ..-UM-.. por embater com a sua parte dianteira na parte traseira da viatura de matrícula ..-..-NT
9) Por força do embate, a viatura de matrícula ..-..-NT foi projetada para a frente, embatendo na viatura que se encontrava imediatamente à sua frente, disparando os seus airbags e impulsionando o sistema de segurança do assento do passageiro.
10) A produção deste acidente ficou a dever-se em exclusivo à desconsideração e à conduta negligente e grosseira do condutor do veículo segurado pela ré, que podia e devia ter evitado o acidente caso tivesse mantido a atenção devida à condução, verificando que não podia circular em frente por o veículo de matrícula ..-..-NT se encontrar parado por força do restante trânsito que a tanto obrigava.
11) Em resultado do embate, a viatura da autora sofreu diversos danos, designadamente no para-choques traseiro, friso lateral, tampa da mala, farolim mala direito e esquerdo, farolim mala direito e esquerdo, monograma, suporte, painel lateral, para-choque frontal, friso, barra calandra, grelha de proteção, radiador, condensador, farolim frente direito e esquerdo, farolim, fecho segurança, airbags que dispararam.
12) No âmbito do seguro contratado foi comunicada à ré o acidente, tendo esta assumido a responsabilidade da ocorrência do sinistro causado pelo veículo de matrícula ..-UM-...
13) A ré comunicou ao autor em 4.04.2019 que os danos estimados na viatura ascendiam a €8.188,79, alegando ainda que em conformidade com o disposto do artigo 41.º, 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, se impunha a respetiva regularização como perda total, sendo o valor de substituição do veículo à data do acidente de €1.500, o valor do salvado de €100, aceitando indemnizar a autora pelo valor de €1.400, ficando o salvado na posse da autora, tudo conforme termos do documento 4 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
14) A autora respondeu a 04.04.2019 recusando tal proposta, não aceitando a perda total e acrescentando que a viatura teria que ser “arranjada para ficar tal como se encontrava antes do acidente”, tudo conforme termos do documento 5 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15) A autora solicitou um orçamento junto da empresa C..., Ld.ª, a qual lhe apresentou uma estimativa de reparação de €12.840,63, tudo conforme termos do documento 6 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
16) Em 2 de Maio de 2019, a ré apresentou nova proposta de indemnização à autora, dizendo que a oficina informou que não consegue efetuar a reparação uma vez que o veículo necessita de peças que já não existem no mercado, pelo que o sinistro terá de ser regularizado com base em perda total e pagando €3.000 à autora, que ficaria ainda com o veículo sinistrado, tudo conforme termos do documento 8 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
17) A ré facultou um veículo de substituição à autora até ao dia 3 de maio de 2019.
18) Para proceder à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT, a autora adquiriu em data não determinada um veículo novo, de marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal.
19) O veículo com a matrícula ..-..-NT tinha à data do embate 461.947 quilómetros percorridos.
20) O valor da reparação do veículo com a matrícula ..-..-NT, em consequência do acidente ocorrido em 24.03.2019 (como consta dos documentos juntos aos autos o acidente terá ocorrido a 21.03.2019) é de €11.149,55, mais IVA a 23% no valor de €2.564,40, num total de €13.713,95.
21) Sendo necessários 25 a 81 dias de calendário para a sua reparação completa.
22) O valor comercial do mesmo veículo com a matrícula ..-..-NT à data do acidente é de €1.673,58.
23) O valor dos salvados deste veículo é de €500.
24) O valor de um veículo igual veículo com a matrícula ..-..-NT no mercado de veículos usados é de €1.673,59.
25) A reparação da viatura com a matrícula ..-..-NT é materialmente possível, não tendo o embate ocorrido em 24.03.2019 afetado as condições de segurança da viatura.
26) A D... informou o Senhor perito nomeado nestes autos que várias peças para reparação do veículo com a matrícula ..-..-NT “estão descontinuadas, e uma vez que apenas trabalhos (deverá ser trabalhamos) com material original, não podíamos posteriormente fazer a reparação da mesma”, conforme informação constante de página 11 do relatório pericial junto a 08.02.2022, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
27) A viatura de matrícula ..-..-NT está parqueada desde 03.05.2019 nas instalações da C..., Ld.ª, tendo o seu representante legal combinado com a autora um pagamento de 10 diários.


Não se julgaram provados os seguintes factos:
28) A viatura de matrícula ..-..-NT foi adquirida pela autora em estado novo.
29) A autora encontra-se já a pagar os €10 diários desde 03.05.2019 para manter a viatura de matrícula ..-..-NT parqueada nas instalações da C..., Ld.ª.
30) A viatura à data do embate tinha um valor comercial de €6.500/€6.000.
31) Desde 3 de maio de 2019 que o representante legal da autora está sem qualquer viatura de transporte.
32) Vendo-se forçado a recorrer a táxi e a boleia de familiares para se poder deslocar para a empresa e para as diversas obras que se encontram em curso
33) O que muitas vezes impõe horários a serem cumpridos, em função de compromissos assumidos com clientes e fornecedores, e que impõe a necessidade de o fazer através de táxi ou estar sujeito a boleias de familiares ou até de alguns colaboradores da empresa.



III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*

Ora, visto o teor das alegações da autora/apelante são questões a apreciar no presente recurso:
1.ª – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.ª – Da reparação do veículo e/ou respetiva indemnização.
3.ª – Do dano da privação do uso de veículo e respetiva indemnização.
4.ª – Das despesas de parqueamento e respetiva responsabilidade.

Assente vem a responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo de matrícula ..-UM-.., já que por sua culpa única e exclusiva ocorreu o acidente “sub iudice”, em consequência do qual resultaram danos para a autora, proprietária da viatura de matrícula ..-..-NT interveniente nesse acidente.
Porque o proprietário do veículo de matrícula ..-UM-.. tinha à data do sinistro a sua responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com a circulação do mesmo, por contrato de seguro válido e eficaz celebrado com a ré, é sobre esta seguradora, ora apelante, que impede a obrigação de indemnizar a autora/apelante pelos danos e consequente prejuízos por ela sofridos.
A 1.ª instância, com base nos factos que julgou provados, veio a decidir que “in casu” está afastada a possibilidade de reparação natural dos danos causados no veículo da autora/apelante, por o custo da reparação do mesmo se revelar excessivamente onerosa, concluindo que a autora tem direito a ser indemnizada na quantia de €1.673,58, correspondente ao valor de mercado do referido veículo no momento do acidente, descontando-se ainda a tal valor, o dos salvados do veículo que se mantêm na sua posse.
Mais decidiu a 1.ª instância que a autora/apelante, no que concerne à indemnização pela privação do uso do seu veículo que peticionou desde 3.05.2019 (data até à qual a ré lhe proporcionou um veículo de substituição) e às despesas de parqueamento da viatura, também desde essa data, não tem direito a qualquer indemnização, para o que se fundamentou da seguinte forma: “(…) Sabendo-se que a ré
disponibilizou à autora uma viatura de substituição até ao dia 3 de maio de 2019, tem-se ainda conhecimento que fez duas propostas concretas de indemnização, defendendo corretamente a perda total do veículo de matrícula ..-..-NT, a primeira em 4 de abril de 2019 na qual oferecia €1.400 e a segunda a 2 de maio de 2019 na qual propunha pagar à autora €3.000, não se podendo considerar nenhuma delas como desproporcionada face ao valor comercial do veículo (€1.673,58), sobretudo a segunda que é quase no dobro e, por último, em data que se desconhece a autora adquiriu novo veículo automóvel para substituir o viatura acidentada.
Neste sentido, sabe-se, embora não desde quando, que a autora passou a ter novo veículo que substituiu aquele outro acidentado e, mais relevante do que isso, podia a autora ter esta questão decidida se tivesse aceitado qualquer uma das propostas que a autora apresentou, nenhuma delas sendo irrazoável, certo que a segunda até constituía para si uma mais valia face ao valor comercial do veículo sinistrado, sendo estes fundamentos suficientes para a ré poder excluir a sua responsabilidade quanto ao pagamento de uma indemnização pela privação do uso, improcedendo então o respetivo pedido.
O mesmo se passa com as despesas de parqueamento. A autora ainda nada pagou a este respeito, mas acordou que pagaria €10 diários a partir de 3 de maio de 2019. Ora, como se viu a proposta vantajosa para a autora foi apresentada pela ré no dia anterior, pelo que desde esse dia podia este assunto estar resolvido, mantendo a autora os salvados e fazendo com eles o que quisesse, incluindo a sua possível venda, com isso sempre evitando centenas de dias de parqueamento, não podendo esta falta de solução ser imputada à ré”.
Ora, vem agora a autora/apelante manifestar a sua oposição à indemnização fixada e à que lhe não foi reconhecida.
Vejamos.
1.ªquestão – Da impugnação da decisão da matéria de facto.
Defende a autora/apelante que o facto julgado provado em 1.ª instância e aí elencado sob o n.º 18 tem de ser eliminado desse elenco porque “(…) Consigna-se que a prova do direito de propriedade de um automóvel, só pode ser feita através de documento emitido pela competente Conservatória de Registo Automóvel” (cf. AC. STJ de 07/10/2012). Se o facto, constitutivo, modificativo ou extintivo do direito, só admite prova documental, porque existe lei expressa nesse sentido, em tal caso a confissão será ineficaz, por insuficiente. 8. Consequentemente, tal facto (vertido no paragrafo 18.º) deverá excluir-se do quadro factual valorado como assente, não podendo a decisão que se impugna basear-se neste para a aplicação do direito”
Mais defende ainda a apelante que “(…) o Tribunal a quo tomou conhecimento desse facto (parágrafo 18 matéria assente) no exercício das suas funções, porém, ex vi do n.º 2 do artigo 412.º, do C.P.C., para se socorrer do mesmo teria que juntar ao processo documento que o comprove, ónus ou exigência legal que não foi satisfeita. Pelo que, também por esta via, tal facto tem que se ter por não escrito, isto é, deverá ser excluído da matéria assente”.
Efetivamente a 1.ª instância julgou provado, além do mais, que:
“18) Para proceder à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT, a autora adquiriu em data não determinada um veículo novo, de marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal”.
E fundamentou assim essa sua decisão: “(…) A par desta prova documental e pericial atendeu-se à prova testemunhal e por declarações de parte/depoimento de parte do representante legal da autora, AA.
A este propósito será de atender que o representante legal da autora admitiu na parte final das suas declarações que comprou o veículo de matrícula ..-..-NT em segunda mão, ou seja, não era novo pois teve um anterior proprietário e ainda que, em data que não referiu alegando não se recordar, comprou um outro veículo, de marca mercedes, para substituir o veículo acidentado, tratando-se estes de factos supervenientes, que não importam alteração da causa de pedir, e cujo apuramento resultou da instrução da causa, foram mesmo admitidos pelo representante legal da autora, tendo tido ambas as partes a oportunidade de livremente os sindicar, razão pela qual o Tribunal na esteira do disposto no artigo 611.º, 1, do CPC, os faz constar da matéria de facto provada.
Em face destas declarações, o tribunal não deu credibilidade aos depoimentos prestados por CC e DD, respetivamente sua filha e genro, que contaram que, desde que a ré deixou de facultar o veículo de substituição, davam boleia a AA, não tendo este ou a autora outro veículo em que se pudesse deslocar.
Aliás, AA foi ainda um pouco mais longe. Para além de ter admitido que a autora adquiriu outro veículo que o próprio passou a utilizar, referiu ainda que a autora tem outras viaturas, designadamente para transporte de pessoal, sendo este mais um elemento para a resposta negativa à matéria que se reportava a não ter possibilidade de transporte e a viver na dependência de táxis e de boleias, o que trazia transtornos de horários.
Seja como for, dos depoimentos/declarações de CC, DD e AA ficou claro que a viatura de matrícula ..-..-NT estava confiada a este último, que utilizava o ano todo, pelo que se percebeu tanto para a sua vida profissional como pessoal, e que AA o estimava, estando essa viatura bem conservada e em bom estado”.
Vejamos então.
Como se vê pelas suas alegações e conclusões recursórias a autora/apelante não pôe em causa o teor das declarações do seu legal representante proferidas em audiência de julgamento, ou seja, de que a autora para proceder à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT, a autora adquiriu em data não determinada um veículo novo, de marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal.
Também como é evidente em causa não está a propriedade da referida viatura, assim adquirida, por compra, renting, leasing, ou outro qualquer contrato, nem em que titularidade o mesmo foi registado. O que se procurava averiguar era do dano da privação do uso do veículo ..-..-NT por parte da autora, em consequência do sinsitro em apreço e, dos correspetivos prejuízos.
Em suma, não estando em causa a questão concreta da propriedade do veículo, manifesto é de concluir que a prova da existência de um veículo na autora novo, de marca Mercedes, desde data não concretamente apurada, mas adquirido para ser afetado ao uso do seu representante legal e em à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT (acidentada) não carece da prova documental da sua aquisição e muito menos da sua titularidade por via de prova do registo automóvel.
Ora sabe-se que a ré/apelada facultou à autora/apelante a seguir ao acidente e até 3 de maio de 2019 um veículo de substituição.
A este respeito havia a autora alegado em sede de p. inicial que: “A Ré facultou veículo de substituição ao A., até ao dia 3 de maio de 2019, estando desde essa data sem qualquer viatura de transporte, desde essa data, que o A. se vê forçado a recorrer a táxi e a boleia de familiares para puderem fazer o seu dia a dia. Nomeadamente para a deslocação para a empresa e para as diversas obras que se encontram em curso, o que muitas vezes impõe horários a serem cumpridos, em função de compromissos assumidos com clientes e fornecedores, e que impõe a necessidade de o fazer através de táxi ou estar sujeito a boleias de familiares ou até de alguns colaboradores da empresa. O sócio gerente da A., vê-se assim privado da viatura, que adquiriu para uso da sua catividade profissional, o que merece tutela jurídica e deve ser indemnizado em função do dano causado”, a ré/apelada impugnou tal factualidade, daí que um dos temas de prova elencados em sede própria tenha sido: “6 – A partir do momento em que deixou de dispor do veículo de substituição disponibilizado pela ré, a autora vê-se forçada a recorrer a táxis e à boleia de familiares do seu sócio gerente e de colaboradores da empresa para assegurar as deslocações deste no seu dia a dia, nomeadamente para a deslocação para a empresa e para as diversas obras que se encontram em curso?”
Como é sabido o objeto do depoimento de parte, valorizado no nosso ordenamento não como testemunho da parte, mas como meio de provocar a confissão judicial -declaração de ciência através da qual se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante e favorável à parte contrária, cfr. art.º 352.º do C.Civil – está restringido aos factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, cfr. art.º 454.º, n.º 1 do C.P.Civil, que correspondem aos que se devem obter da parte, em regra, uma posição definida nos articulados, sob pena dos mesmos se terem por admitidos, cfr. art.ºs 574.º, n.º 1 e 3 e 587.º, ambos do C.P.Civil.
Como ensinam Alberto dos Reis e Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado, Volume IV , pág. 93 e, in Código de Processo Civil anotado”, pág. 291, entre outros, na categoria de facto pessoal integram-se os atos praticados pela parte, os atos praticados com a sua intervenção, os atos de terceiro perante ela praticados e, ainda, os atos ocorridos na sua presença; devendo considerar-se como facto de que a parte deva ter conhecimento aquele que é de presumir que ela tenha conhecido, pois o termo ‘deve’ utilizado no preceito tem o sentido de juízo de probabilidade psicológica e não de conduta ética, competindo assim ao juiz, para apurar, segundo o seu prudente arbítrio, se o facto é de molde a ser conhecido do depoente, valorizar a natureza do facto e as circunstâncias em que o mesmo se produziu.
Depois destas linhas gerais e voltando ao caso em apreço, é de concluir que o legal representante da autora - AA – relatou/reconheceu em audiência de julgamento a realidade de um facto pessoal, a si desfavorável - declarante em representação da autora/apelante – e, favorável à parte contrária, ora ré/apelada, atento o que acima se deixou consignado quanto ao que a autora a tal propósito havia alegada em sede de p. inicial e fazia parte do elenco dos temas da prova.
Logo, temos de concluir que a prova da realidade constante do facto n.º 18 provado nos autos não resultou, contrariamente ao que apelante defende, do conhecimento do julgador em virtude do exercício das suas funções.
Em conclusão, nenhuma censura nos merece o facto n.º18 julgado provado em 1.ª instância que assim se mantém inalterado.
Improcedem as respetivas conclusões da autora/apelante.

1.2. – Alteração da redação do facto n.º 18.
Defende ainda a autora/apelante que “… a improceder o supra alegado, o que não se concede, deverá completar-se tal facto nos seguintes moldes: “18) Para proceder à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT, a autora adquiriu em data não determinada, mas após 31.07.2019, um veículo novo, de marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal”.
Para tanto, alega a mesma que: “… dispõe o artigo 611.º, n.º 1 do C.P.C. que “…deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direitos que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”. Tal normativo tem como epígrafe “Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes”, consagrando a admissibilidade de novos factos ocorridos ou produzidos após a propositura da ação. Acolhendo como assente que a Recorrente adquiriu um veículo novo, em substituição do anterior, em data que não se consegue precisar, é certo, tendo por princípio a base legal do artigo 611.º do C.P.C, nos termos a que alude a sentença, que tal sucedeu após a interposição da ação, isto é, após 31/07/2019, pelo que, a improceder o supra alegado, o que não se concede e apenas se admite por mera hipótese académica…”
Manifestamente não assiste à apelante o mínimo de razão.
Ou seja, na sequência do que acima se deixou consignado, foi a confissão efetuada pelo legal representante da autora de tal realidade, desfavorável à autora e favorável à ré, que fundou o constante do facto 18.º do elenco factual provado nos autos. Tal depoimento, na realidade, contradisse o alegado na p. inicial, e muito provavelmente não se trata de facto posterior à entrada da ação em juízo, mas também não se apurou quando ocorreu tal aquisição, apenas se apurou que a mesma foi realizada para proceder à substituição da viatura de matrícula ..-..-NT, (acidentada) e que tal viatura foi afetada ao uso do seu representante legal, sendo essa a realidade que corretamente foi vertida nos autos.
Logo, manifestamente, não se trata de um facto superveniente, objetiva ou subjetivamente, nem como tal foi alegado nos autos pelo forma legalmente prevista – articulado superveniente, cfr. art.º 588.º do C.P.Civil, pelo que está fora do estatuído no art.º 611.º do C.P.Civil.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, improcedem as respetivas conclusões da apelante, mantendo-se inalterado o facto n.º18.º julgado provado nos autos.

2.ªquestão – Da reparação do veículo e/ou respetiva indemnização.
Como é sabido a responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado. Este dever de indemnizar compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, cfr. art.º 564.º do C.Civil.
O prejuízo surge, pois, como um elemento novo a acrescer ao facto ilícito e à culpa, sem o qual o agente não se constituiria na obrigação de indemnizar.
Os danos podem ter um conteúdo económico (danos patrimoniais) abrangendo os danos emergentes, efetiva diminuição do património do lesado, o prejuízo causado nos seus bens, e o lucro cessante, os ganhos que se frustraram por causa do facto ilícito, ou imaterial (danos não patrimoniais ou morais, que resultam da ofensa de bens de carácter espiritual ou morais, e que não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem todavia ser compensados pelo sacrifício imposto no património do lesante).
A reparação dos danos deve efetuar-se em princípio mediante uma reconstituição natural, isto é, repondo-se a situação anterior à lesão; mas quando isso não for possível, ou não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor, então haverá que, subsidiariamente, fixar-se a indemnização em dinheiro, cfr. art.ºs 562.º e 566.º do C.Civil. Nesta última situação, o dano real ou concreto é expresso pecuniariamente, refletindo-se sobre a situação patrimonial do lesado (dano patrimonial ou abstrato), cfr. Pessoa Jorge in “Ensaio dos Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pág. 61 segs. e 371 e segs.
Como deixámos dito o princípio geral em matéria de indemnização é o da reconstituição natural colocando o lesado no estado em que se encontraria se não fosse a lesão, sendo certo que a indemnização em dinheiro surge em segundo plano quando a reconstituição natural se torne impossível ou seja excessivamente onerosa para o devedor, cfr. art.ºs 562.º, 563.º e 564.º, todos do C.Civil.
Tratando-se, como é o caso dos autos, de um veículo automóvel deverá, pois, fazer-se em princípio a reconstituição natural pela reposição em substância da utilidade perdida pelo lesado através da reparação da viatura, pois como estatui o art.º 562.º do C.Civil o objetivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.
Tal princípio sofre de algumas limitações ou exceções que se encontram previstas no citado n.º 1 do art.º 566.º do C.Civil, onde a obrigação de restauração natural é substituída pela obrigação de indemnizar em dinheiro, equivalente ao prejuízo causado. E uma dessas situações de exceção ocorre quando a reconstituição natural se mostre excessivamente onerosa para o devedor.
Ora foi com precisamente com base na ocorrência dessa situação de exceção que na sentença recorrida se optou, quanto ao dano em causa, pela condenação da indemnização em dinheiro em vez da condenação em reconstituição natural, ou seja, concluiu-se ali que a reparação dos danos sofridos pelo veículo da autora/apelante se mostrava excessivamente onerosa.
Muito embora o legislador não nos tenha definido ou precisado o conceito de reconstituição natural excessivamente onerosa para o devedor, vem, todavia, sendo em termos dominantes entendido, quer pela nossa doutrina, quer pela nossa jurisprudência, que a restauração ou reconstituição natural é de considerar excessivamente onerosa para o devedor quando houver uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável.
Defendendo Meneses Cordeiro in “Direito das Obrigações”, 2.º vol., pág. 401, que a reconstituição natural é de “considerar excessivamente onerosa quando a sua exigência atenta gravemente contra os princípios da boa fé”. Já para Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, vol. I, pág. 551, a reconstituição natural só se deve considerar excessivamente onerosa para o devedor “quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado que interessa recompor e o custo que a reparação natural envolve para o responsável”.
No Ac. do STJ de 21.04.2010, in www.dgsi.pt escreveu-se que: “II -Em relação a um veículo automóvel acidentado, sendo a sua reparação integral possível, deve privilegiar-se a sua reconstituição natural, exceto se se revelar excessivamente onerosa, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização.
III - Um veículo de valor comercial reduzido pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que equivale a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente, pelo que a situação inicial do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo.
IV - A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, o qual deve prevalecer sobre o do lesante, sendo pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial.
V - Demonstrando-se que a reparação do veículo, no caso concreto, era possível e sendo a diferença entre o valor da reparação e o valor venal da viatura de apenas 1 241,47 € (2 999,47 – 1 750), além da lesante ser uma companhia de seguros, a reparação pretendida não se revela excessivamente onerosa para ela, dado que o valor em si deve ser entendido como pouco relevante para uma seguradora, não sendo crível que possa ter reflexos significativos na sua situação patrimonial”.

Já no Ac. do STJ de 12.12.2023, in www.dgsi.pt, considerou-se que: “…a apreciação deve enquadrar-se no disposto no art.º 566.º do CC. E aqui vem a propósito o Ac. STJ de 31.05.2016 (…) de que se destaca o seguinte sumário: “ (…)
V - A excessiva onerosidade da reconstituição natural tem de ser aferida, não, apenas, em função da diferença entre o preço da reparação e o valor venal do veículo, mas, também, no confronto entre aquele preço e o valor patrimonial do veículo, como o valor de uso que dele retira o seu proprietário, sendo que a um insignificante valor comercial daquele pode corresponder a satisfação, em elevado grau, das necessidades do seu proprietário.
VI - É errado estabelecer-se a comparação entre o valor venal ou de mercado do automóvel, antes do acidente, por um lado, e o custo da sua restituição natural [reparação ou aquisição de bem idêntico, em valor e qualidades], por outro, porquanto os termos da relação são, antes, entre o valor necessário para a satisfação dos interesses legítimos do credor, por um lado, e o custo da restauração natural, por outro.
VII - A existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será, excessivamente, onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas, quando se apresente como um sacrifício, manifestamente, desproporcionado para o lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património.
(…)”
Assim, é errado estabelecer-se uma mera comparação entre o valor venal do veículo (€6.000) e o custo da sua restituição natural (€8.761,70), devendo atender-se também ao grau de satisfação das necessidades que aquele veículo, enquanto tal, proporciona ao seu proprietário (cfr. Ac. STJ de 11.1.2005, proc. 0427006)”.
Todavia entendemos, tal como se considerou no Ac. do STJ de 21.04.2010, in www.dgsi.pt citando o Ac. do mesmo Tribunal de 5.06.2008 que “não podem deixar de ser considerados fatores subjetivos, respeitantes não só (embora primacialmente) à pessoa do devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao justificado interesse específico na reparação do objeto danificado, antes que no seu percebimento do seu valor em dinheiro”.
Na verdade, não ignoramos que um veículo automóvel é atualmente um bem essencial e utilitário para a deslocação do comum dos cidadãos, proporcionando a quem o utiliza evidentes vantagens de comodidade e rapidez nas viagens de trabalho ou de lazer, tendo assim frequentemente um elevado valor de uso.
Sendo ainda certo que um veículo automóvel pode ter um de valor comercial reduzido, mas estar em excelentes condições de apresentação e funcionamento e sobretudo, satisfazer plenamente as necessidades do seu dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (que como é manifesto é muitas vezes reduzido) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é equivalente a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente. O que quer dizer que, em muitos casos, atribuindo-se ao lesado o valor comercial do veículo, este não ficará em situação idêntica à que existia antes do acidente, violando-se o comando constante do art.º 562.º do C.Civil. Essa situação pré-existente ao acidente só será conseguida para o lesado com a reparação do veículo, recolocando-o no estado em que se encontrava antes do acidente.
Por fim, entendemos ainda que, vendo a questão pela ótica do lesante, este só poderá opor-se à restauração natural quando, como já se disse acima, for excessivamente onerosa para si, isto é, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado e o custo que a reparação natural envolve para si.
Sendo ainda nosso entendimento, assim como jurisprudência dominante, que o preceituado no art.º 41.º do DL n.º 291/2007 de 21.08 - Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel - apenas teria aplicação se a indemnização fosse acordada no âmbito do regime da proposta razoável, o que não é o caso agora em apreço.
Vejamos o caso em apreço nos autos.
As partes divergiam e continuam a divergir quanto a este ponto, defendendo a autora/apelante que a viatura sinistrada deve ser reparada para que fique no estado em que se encontrava antes do acidente, enquanto a ré/apelada defendia e continua a defender que estamos perante uma situação de perda total, não devendo haver lugar à restauração natural por ser excessivamente onerosa.
A 1.ª instância fundamentou, assim, a sua decisão: “Tendo o veículo de matrícula ..-..-NT, que data de 1999, um valor de mercado de €1.673,58, sabe-se que o valor para a sua reparação ascende a €13.713,95, pelo que com o montante que a ré teria de suportar para o restaurar a autora poderia adquirir cerca de oito veículos idênticos ou similares ao acidentado e que de igual modo satisfariam as necessidades de deslocação e transporte do representante legal da autora.
O artigo 41.º, 1, c), do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto (regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel), também aponta claramente neste sentido. Prevê, para o que aqui importa, o normativo a situação de perda total de veículo interveniente num acidente, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro, quando se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respetivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos, o que aqui evidentemente sucede.
Neste sentido, nos termos do artigo 566.º, 1, do CC, a ré logra afastar a restauração natural por ser excessivamente onerosa para si, devendo então a indemnização ser fixada em dinheiro.
Tem então a autora o direito a ser indemnizada na quantia de €1.673,58, que corresponde ao valor de mercado do veículo de matrícula ..-..-NT no momento do acidente de viação, mantendo-se os salvados na posse da autora e sem o seu valor ser descontado àquela indemnização (…)”.
Como decorre do que acima se deixou consignado, afastamos, de todo, a argumentação fundada no preceituado no art.º 41.º do DL n. º 291/2007 de 21.08.
Quanto ao mais, vejamos.
Está provado nos autos que:
- o veículo da autora, acidentado por via do sinistro em apreço é da marca Renault, modelo ..., do ano de 1999, com matrícula ..-..-NT;
- à data do sinistro encontrava-se em bom estado e bem conservada;
- tinha à data 461.947 quilómetros percorridos;
- em consequência direta do embate tal viatura sofreu diversos danos, designadamente no para-choques traseiro, friso lateral, tampa da mala, farolim mala direito e esquerdo, farolim mala direito e esquerdo, monograma, suporte, painel lateral, para-choque frontal, friso, barra calandra, grelha de proteção, radiador, condensador, farolim frente direito e esquerdo, farolim, fecho segurança, airbags que dispararam;
- a autora solicitou um orçamento de reparação da viatura à empresa C..., Ld.ª, a qual lhe apresentou uma estimativa de reparação de €12.840,63;
- a reparação da viatura é materialmente possível, não tendo o embate ocorrido afetado as condições de segurança da viatura;
- o valor da reparação do veículo é de €11.149,55, mais IVA a 23% no valor de €2.564,40, num total de €13.713,95;
- sendo necessários 25 a 81 dias de calendário para a sua reparação completa;
- o valor comercial do mesmo veículo, no mercado de veículos usados, à data do acidente é de €1.673,58;
-o valor dos salvados deste veículo é de €500,00.
-mas também não podemos olvidar que está provado nos autos que para proceder à substituição da viatura acidentada, a autora adquiriu, em data não determinada, um veículo novo, de marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal.
Em suma, o veículo da autora é um Renault, modelo ..., atualmente com 24/25 anos, (com 20/21 anos à data do acidente) e com 461.947 quilómetros percorridos e tinha um valor comercial, no mercado de veículos usados, à data do sinistro de €1.673,58.
A sua reparação é materialmente possível já que o sinistro não afetou as suas condições de segurança e foi orçamentada em tempos em €11.149,55, mais IVA a 23% no valor de €2.564,40, num total de €13.713,95.
Daqui podemos concluir que, atenta tal factologia, a reparação da viatura da autora, nos dias de hoje, não é economicamente razoável, muito menos sendo a apelante uma sociedade comercial. Não só devido à manifesta desproporção entre o custo da reparação e o valor comercial do veículo, mas também devido ao facto de a autora/apelante ter, entretanto, substituído o veículo por um outro novo, ou seja, a autora/apelante deixou de contar com tal veículo para a satisfação das necessidades que ele, enquanto tal, lhe proporcionava, pelo que podemos considerar que deixou a mesma de ter um interesse específico na reparação do veículo.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, é nosso entendimento que o custo da reparação do veículo da autora/apelante dentro das circunstâncias acima referidas é excessivamente onerosa para a ré/seguradora, atento ainda o diferencial entre o valor comercial, no mercado de veículos usados, de tal veículo, à data do sinistro e orçamento da sua reparação, que como é evidente estará desatualizado, pois “in casu” é de janeiro de 2022, pelo que muito provavelmente o custo da reparação, a ser realizada, seria de montante superior.
Pelo que, tal como foi decidido em 1.ª instância tem a autora/apelante direito a ser indemnizada em dinheiro, no montante de €1.673,58, correspondente ao valor comercial do veículo à data do acidente, mantendo-se os salvados na posse da autora e sem o seu valor ser descontado àquela indemnização por a última missiva que a ré escreveu à autora de 02.05.2019 permitir supor acordo nesse sentido.
descontando o valor dos respetivos salvados que se mantêm na esfera jurídica da autora/apelante, o que corresponderia à indemnização de.
É para nós evidente que, numa decisão justa e objetiva, a autora/apelante apenas teria direito a título de indemnização por tal dano, ao valor comercial do veículo ao tempo do acidente, descontado o valor dos seus salvados que se mantêm na sua esfera jurídica, ou seja, a €1.173,58 (€1.673,58 - €500,00) e não de €1.673,58, como acabou por ser decidido em 1.ª instância. Todavia, e não obstante a ré/apelada a esta situação se ter referido expressamente em sede de contra-alegações, certo é que este tribunal de recurso nada pode fazer relativamente a tal situação, sob pena de cair numa situação de reformatio in pejus, cfr. art.º 635.º n.º5 do C.P.Civil.
Improcedem as respetivas conclusões da apelante.

3.ªquestão – Do dano da privação do uso de veículo e respetiva indemnização.
A autora peticionou o pagamento de uma indemnização de €50,00/dia, que liquidou em €4.300,00 (86 dias x €50,00) pelos prejuízos sofridos em virtude da paralisação do seu veículo desde a data do acidente.
A esse propósito está provado nos autos que:
- o veículo da autora sinistrado era utilizado para desenvolvimento da sua atividade, concretamente estava afeta ao seu sócio gerente, AA, que a utilizava para exercício da atividade da autora e para a sua vida pessoal e familiar;
- o acidente ocorreu a 21.03.2019;
- desde 3.05.2019 que essa viatura está parqueada nas instalações da C..., Ld.ª;
- a ré facultou um veículo de substituição à autora até ao dia 3 de maio de 2019;
- para proceder à substituição da viatura sinistrada, a autora adquiriu, em data não determinada, um veículo novo, da marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal.
Quanto ao dano em apreço, são conhecidas as divergências jurisprudenciais sobre a necessidade de demonstração de terem ocorrido prejuízos concretos para o lesado, resultantes da impossibilidade de uso e fruição de uma viatura sinistrada, para que o denominado dano de privação de uso seja indemnizável.
É hoje doutrina e jurisprudência correntes que a privação de uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constituiu uma perda que deve ser considerada e objeto de indemnização autónoma, cfr. António Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, pág. 30.
Fazer depender invariavelmente a indemnização da prova da ocorrência de danos imputáveis diretamente a essa privação é solução que pode justificar-se quando o lesado pretenda a atribuição de uma quantia suplementar correspondente aos benefícios que deixou de obter, ou seja, aos lucros cessantes, nos termos do art.º 564º nº1 do CC, ou às despesas acrescidas que o evento determinou, já não quando o seu interesse se reduza à compensação devida pela privação que, nos termos da mesma norma, corresponde ao prejuízo causado, isto é, aos danos emergentes, cfr. António Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 34.
O dano da privação de uso de veículo pode manifestar-se no plano patrimonial e ou apenas no plano não patrimonial do lesado. Poderá ser caracterizado com um dano patrimonial, na modalidade de dano emergente ou lucro cessante, quando nele se integrem as despesas com o aluguer de um veículo de substituição, as despesas suportadas com transportes alternativos ou os benefícios não auferidos por causa da privação, desde que devidamente alegada a necessidade de utilização do veículo durante o período de imobilização. E será qualificável como dano de natureza não patrimonial quando represente o conjunto de incómodos, inconvenientes, contrariedades e esforços do lesado, ditado pela impossibilidade de usar o veículo. Neste caso, a ressarcibilidade do dano terá de apresentar uma gravidade tal que reclame a proteção do direito e a sua indemnização/compensação será apurada com recurso à equidade.
Entendendo, por seu turno, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 317, que constituindo o simples uso do bem uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, a sua privação constituiu um dano patrimonial, suscetível de ser indemnizado.
Em suma, como se escreveu no Ac. da Relação de Coimbra de 12.02.2008, in www.dgsi.pt., estando um automóvel, em regra e por sua natureza, destinado a proporcionar ao seu proprietário e legítimo detentor utilidades (designadamente a possibilidade de se deslocar para onde quiser e quando quiser) que só podem ser fruídas pelo seu uso, impedido este, há um prejuízo que se traduz na impossibilidade de fruir essas utilidades, situação que pode ou não implicar lucros cessantes, e/ou danos emergentes com tradução monetária imediata, mas que, em regra, importa a frustração do gozo.
In casu” a autora/apelante fundamenta o seu pedido indemnizatório de privação do uso do veículo – na simples indisponibilidade do uso do veículo, na medida
em que ficou impedida do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor, inerentes à propriedade da viatura e da consequente satisfação das necessidades que com ele normalmente obtinha.
A 1.ª instância fundamentou a improcedência de tal pedido, dizendo: “(…) há aqui ainda três elementos decisivos a considerar. Sabendo-se que a ré disponibilizou à autora uma viatura de substituição até ao dia 3 de maio de 2019, tem-se ainda conhecimento que fez duas propostas concretas de indemnização, defendendo corretamente a perda total do veículo de matrícula ..-..-NT, a primeira em 4 de abril de 2019 na qual oferecia €1.400 e a segunda a 2 de maio de 2019 na qual propunha pagar à autora €3.000, não se podendo considerar nenhuma delas como desproporcionada face ao valor comercial do veículo (€1.673,58), sobretudo a segunda que é quase no dobro e, por último, em data que se desconhece a autora adquiriu novo veículo automóvel para substituir o viatura acidentada.
Neste sentido, sabe-se, embora não desde quando, que a autora passou a ter novo veículo que substituiu aquele outro acidentado e, mais relevante do que isso, podia a autora ter esta questão decidida se tivesse aceitado qualquer uma das propostas que a autora apresentou, nenhuma delas sendo irrazoável, certo que a segunda até constituía para si uma mais valia face ao valor comercial do veículo sinistrado, sendo estes fundamentos suficientes para a ré poder excluir a sua responsabilidade quanto ao pagamento de uma indemnização pela privação do uso, improcedendo então o respetivo pedido”.
Ora, não se olvida que até 3.05.2019 a ré disponibilizou à autora/apelante uma viatura de substituição que colmatou plenamente a satisfação das necessidades que retirava com a utilização da viatura sinistrada. Posteriormente e, em data não concretamente apurada – ou seja, se ainda durante o tempo em que teve ao seu dispor um veículo de substituição ou posteriormente e quando…, a autora/apelante, para substituição da viatura sinistrada, adquiriu um veículo novo que afetou ao uso do seu representante legal.
Mas, na verdade, julgamos ser necessário fazer-se prova de qual o período de tempo, em concreto, que a autora/apelante esteve privada do uso de um veículo capaz de satisfazer plenamente as utilidades e a satisfação das necessidades que o veículo sinistrado lhe proporcionava até à ocasião do acidente.
Donde e ao abrigo do preceituado na al. c) do n.º3 do art.º 662,º do C.P.Civil há que anular o julgamento relativamente a esta questão – dano da privação do uso do veículo - e ordenar que os autos voltem à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto, reabrindo-se o julgamento, para se apurar, mormente, qual a exata data em que foi adquirido pela autora o veículo novo, da marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal.
Esta ampliação deve igualmente abranger os factos complementares que, eventualmente, resultem da instrução da causa, nos termos do art.º 5.º, n.º 2, do C.P. Civil, relativos ao período em que veículo esteve imobilizado e aos prejuízos concretos que resultaram para a autora/apelante dessa imobilização.

4.ªquestão – Das despesas de parqueamento e respetiva responsabilidade.
A 1.ª instância julgou improcedente o pedido da autora de pagamento da quantia de €860,00, decorrente do parqueamento diário da viatura, que se encontra imobilizada desde o acidente.
Para tanto, consta da decisão recorrida que: “A autora ainda nada pagou a este respeito, mas acordou que pagaria 10€ diários a partir de 3 de maio de 2019. Ora, como se viu a proposta vantajosa para a autora foi apresentada pela ré no dia anterior, pelo que desde esse dia podia este assunto estar resolvido, mantendo a autora os salvados e fazendo com eles o que quisesse, incluindo a sua possível venda, com isso sempre evitando centenas de dias de parqueamento, não podendo esta falta de solução ser imputada à ré”.
Está provado nos autos que:
- a viatura sinistrada está parqueada desde 03.05.2019 (desde a data em que a autora/apelante deixou de ter viatura de substituição fornecida pela ré/apelada) nas instalações da C..., Ld.ª, tendo o seu representante legal combinado com a autora um pagamento de 10 diários.
Na sequência do que acima já se deixou consignado, na fase extrajudicial do litígio, as propostas feitas pela seguradora ao lesado e por este não aceites, nenhuma influência podem ter no apuramento dos danos ocorridos e respetiva indemnização. Na realidade, ninguém está obrigado a aceitar uma qualquer proposta da seguradora se a entender injusta ou parca em face dos direitos que julga deter.
E mesmo se, na fase judicial se venha a provar que o lesado acabou por não aceitar um acordo melhor, ou seja, mais vantajoso para si, do que lhe veio a ser reconhecido por sentença judicial, daí não decorre que a seguradora não se mantenha responsável pelos danos que perdurem para lá da emissão da supra referida proposta.
Assim, no caso em apreço, não resulta minimamente provada qualquer situação intencional ou de má-fé da autora/apelante quando, em 3.05.2019 - no dia seguinte à última proposta realizada pela seguradora para terminar extrajudicialmente o litígio, e que não aceitou - parqueou a viatura sinistrada nas instalações da C..., Ld.ª, e acordou com tal empresa o pagamento de €10,00/dia por tal parqueamento.
Logo, é manifesto que esta despesa de parqueamento é um dano patrimonial que a autora não teria se não tivesse ocorrido o sinistro. Daí dever ser indemnizado, tal como foi peticionado, ou seja, na quantia de € 860,00, decorrente do parqueamento diário da viatura, que se encontra imobilizada decorrente do acidente. Isto sem olvidar o preceituado no n.º 2 do art.º 564.º do C.Civil, pelo que a este montante indemnizatório, deverá acrescer a quantia de €10,00 dia desde a data da p. inicial até à data da presente decisão, ocasião em que fica definitivamente excluída a reparação da viatura e, como tal, legitimado o seu parqueamento na dia oficina.
Uma vez que a autora/apelante não procedeu ainda ao pagamento de qualquer quantia devida a título de parqueamento da sua viatura apenas serão devidos juros moratórios sobre a quantia em dívida à taxa legal, desde a data desta decisão e até efetivo e integral pagamento.

Procedem assim as derradeiras conclusões da apelante.


Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação parcialmente procedente, todavia anula-se a decisão recorrida relativamente à questão do dano da privação do uso do veículo, ordenando-se que os autos voltem à 1.ª instância, reabrindo-se o julgamento, para ampliação da matéria de facto, mormente, para se apurar qual a exata data em que foi adquirido pela autora o veículo novo, da marca Mercedes, que afetou ao uso do seu representante legal.

Revoga-se parcialmente a decisão recorrida, condenando-se a ré/seguradora a pagar à autora/apelante a quantia liquidada à data da p. inicial de €860,00 (oitocentos e sessenta euros), relativo às despesas com o parqueamento da viatura sinistrada, acrescida da quantia de €10,00/dia, pelas mesmas despesas, desde então e até à data da presente decisão, vencendo juros moratórios desde então (data da decisão) e até efetivo e integral pagamento.

No mais, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela autora/apelante e pela ré/apelada, na proporção do respetivo decaimento.





Porto, 2024.02.20
Anabela Dias da Silva
Márcia Portela
Maria da Luz Seabra