NULIDADE DE SENTENÇA
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
QUESTÃO PREJUDICIAL
FACTUALIDADE PROVADA
Sumário


I - O vício de nulidade da decisão decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º, designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
II - A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
III - Não cumprindo, para efeitos de apreciação da existência de nulidade, aferir do acerto ou desacerto da decisão do ponto de vista substancial, e concluindo-se que o saneador-sentença se pronunciou sobre a questão suscitada, referindo que ela deveria ser tratada numa outra ação, não se verifica o vício de nulidade assacado à decisão recorrida.
IV - O caso julgado tem a vertente negativa de exceção, impedindo a repetição de uma causa idêntica quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a vertente positiva de autoridade de caso julgado, impondo a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
V - O efeito positivo da autoridade de caso julgado assenta numa relação de prejudicialidade em que o objeto processual decidido na primeira ação surge como condição para apreciação do objeto processual da segunda ação.
Por força da autoridade de caso julgado, as questões comuns não podem ser decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível, não se exigindo a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

EMP01..., S.A. intentou a presente ação declarativa com processo comum contra EMP02..., LDA. pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 207.210,65, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de juros comerciais de 7%, desde a citação até integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido alega, em síntese, que a sua segurada EMP03..., S.A. lhe moveu a si e à aqui ré EMP02..., Lda. uma ação, que correu termos com o nº 822/21...., com vista a obter indemnização pelos danos provocados pela aqui ré e segurados pela aqui autora.
A autora, como consequência da condenação de que foi alvo na aludida ação, pagou à EMP03... a quantia de € 207.210,65.
Na sequência desse pagamento, nos termos do art. 136º, nº 1, do Regime do Contrato de Seguro, a autora ficou sub-rogada nos direitos nos direitos da sua segurada contra o terceiro causador do acidente, no caso a ré, pelo que pretende obter desta o valor que pagou.
Defende que os factos dados como assentes na ação nº 822/21.... devem considerar-se assentes nestes autos, pois a decisão transitou em julgado.

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Juntou cópia da sentença e acórdão proferidos no processo nº 822/21...., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
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Regularmente citada, a ré apresentou contestação na qual alega que não se lhe aplica o invocado efeito do caso julgado, pois foi absolvida do pedido subsidiário contra si deduzido na ação nº 822/21...., não tendo sido admitido o recurso que interpôs dessa decisão.
Impugnou também a factualidade relativa à sua responsabilidade e aos danos ocorridos.
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A ré deduziu ainda pedido de intervenção acessória provocada da sua seguradora EMP04..., S.A., o qual foi admitido, tendo a chamada apresentado articulado próprio no qual concluiu como a ré e acrescentou que a apólice contratada não incluía o veículo interveniente no sinistro.
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Realizou-se a audiência prévia e, após, foi proferido saneador-sentença com o seguinte teor decisório:

Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a Ré EMP02..., LDA. a pagar à Autora EMP01..., S.A., EMP05..., LDA., a quantia de € 201.090,65 (duzentos e um mil e noventa euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora supletivos comerciais desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Custas pela Ré, na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Fixo à presente ação o valor de € 207.210,65.
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A ré não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. A Autora, ora Recorrente, não se conforma com a decisão que antecede, por entender, em suma e em primeira linha, que esta viola o disposto nos artigos 619.º, 620.º e 621.º do CPC.
II. Com efeito, verifica-se que na sentença proferida o Tribunal a quo não analisou a tríplice identidade entre a ação que correu termos sob o processo n.º 822/21.... e a presente ação, em manifesta violação do disposto nos artigos 580.º e 581.º, ex vi artigo 619.º, n.º 1 do CPC.
III. Mas ainda que se entenda que essa análise consta da sentença em sindicância – o que não se admite, nem concede –, ter-se-á por não verificada a aludida tríplice identidade, porquanto, na primeira ação, foi Autora a EMP03... e foram Rés a EMP01... (aqui Autora) e a ora Recorrente, ou seja, não há identidade de sujeitos, porquanto numa ação e noutra, as partes não assumiram a mesma qualidade jurídica.
IV. Por outro lado, não existe identidade de causas de pedir, porquanto no âmbito da outra ação, a aqui Autora foi demandada com fundamento na existência de danos cobertos por um contrato de seguro, enquanto, na presente ação, o fundamento baseia-se, exclusivamente, na responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito.
V. E, por último, quanto aos pedidos, também não há qualquer coincidência entre ambas as ações, uma vez que numa ação está em causa o pedido de condenação para reparação de danos patrimoniais sofridos, ao abrigo de um contrato de seguro, e nos presentes autos, o pedido respeita ao pagamento de um sinistro e custas de parte.
VI. Assim, a eficácia da autoridade do caso julgado formado na ação acima referenciada sempre dependeria da existência da tríplice identidade, sendo que, não se mostrando a sua verificação, o Tribunal recorrido incorreu em violação do disposto no artigo 619.º do CPC.
VII. Sem conceder, mesmo que se entendesse que não seria necessária a verificação da tríplice identidade, jamais poderia o Tribunal a quo ter reproduzido, sem mais, a matéria de facto dada como provada naquela ação no âmbito dos presentes autos, sob pena de violar o disposto nos artigos 619.º e 621.º do CPC.
VIII. Com efeito, o caso julgado formado pelo processo 822/21.... abrange apenas e tão só a decisão ali proferida, atento o pedido formulado e a causa de pedir invocada, ou seja, reporta-se à condenação da EMP01... (ali Ré, aqui Autora) no pagamento à EMP03... da quantia relativa à reparação dos danos patrimoniais por esta sofridos, face à decisão de condenação que contra a Autora foi proferida naquele processo.
IX. Conforme vem sendo entendido pela jurisprudência e doutrina, o caso julgado material não abrange nem o raciocínio lógico da sentença, isto é, os argumentos e motivos jurídicos, ainda que relevantes, para alcançar a decisão, nem as questões invocadas como meio de defesa que não tenham tido qualquer influência na definição da pretensão do autor, nem os factos materiais dados como provados com base nos quais se aplicou o Direito.
X. Assim, andou mal o douto Tribunal a quo ao dar como provados nos presentes autos os factos provados na ação pretérita, violando o disposto nos artigos 619.º e 621.º do CPC, porquanto apenas a decisão de mérito proferida num processo pode fazer caso julgado material noutro processo.
XI. Ainda e sem prescindir, importa ainda ter presente a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães proferida no processo 822/21...., na sequência do recurso ali interposto por esta Ré, que considerou, para todos os efeitos, que, tendo sido absolvida, a Ré era havida como terceiro, alheio à ação e que “a decisão sobre a efectiva titularidade do direito de regresso não cabe no âmbito da relação jurídica controvertida nesta causa e antes diz respeito a outra relação jurídica conexa com ela, cuja apreciação exige a instauração de uma ulterior acção de regresso contra o terceiro chamado, onde se decidirá sobre a existência ou inexistência desse direito.”
XII. Considerou, assim, o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que teria de ser no âmbito de outra ação (diga-se, nos presentes autos), que teria de ser produzida a prova quanto à existência ou inexistência do direito de regresso, o que o douto Tribunal a quo vedou às partes, em particular à Recorrente, de fazer.
XIII. E, nesta senda, a decisão recorrida viola não só o disposto no artigo 619.º do CPC, porquanto contraria a decisão do douto Tribunal da Relação de Guimarães, proferida no âmbito do processo n.º 822/21.... e que entendeu que não havia quanto à Ré, caso julgado, como viola também o elementar princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC.
XIV. Por último e sem conceder, a sentença proferida é nula, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), por omissão de pronúncia quanto à relação jurídica estabelecida entre a Ré, ora Recorrente, e a chamada EMP04..., nomeadamente, quanto à existência de apólice de seguro válida quanto ao veículo em discussão nestes autos.”
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A autora contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:....
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O recurso foi admitido na 1ª instância como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo, não tendo sido objeto de alteração neste Tribunal da Relação.
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Pese embora na 1ª instância não tenha sido proferido o despacho referido no art. 617º, nº 1, não se determinou a baixa dos autos para pronúncia sobre a nulidade invocada, por não se verificar a situação de indispensabilidade referida no nº 5 do art. 617º, ambos do CPC.
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Foram colhidos os vistos legais.

OBJETO DO RECURSO

Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações do recorrente, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.

Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:

I - saber se a decisão padece de nulidade, por omissão de pronúncia;
II - saber se a decisão proferida no processo nº 822/21.... tem autoridade de caso julgado nestes autos, impondo que aqui se acate a decisão de facto e de direito aí proferida;
III - saber se a decisão recorrida violou o caso julgado decorrente da decisão proferida no processo nº 822/21.....

FUNDAMENTAÇÃO

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na 1ª instância foi considerado que “os factos ali provados” – referindo-se à ação nº 822/21.... – “têm que se dar como provados neste caso, relativamente aos factos relativos ao contrato, à descarga, e aos danos, resultando assim assentes os seguintes factos”:

1. A Autora, no âmbito da sua atividade, celebrou com a sociedade “EMP03..., SA”, NIPC ...34, um contrato de seguro de transporte terreste de mercadorias titulado pela Apólice nº ...59.
2. Este seguro foi celebrado para dar cobertura aos riscos decorrentes da transferência de equipamentos (máquinas) da sua unidade industrial sita no Lugar ..., ..., para a nova unidade industrial sita no Lugar ..., freguesia ..., ambas no concelho ....
3. No dia 25.01.2019, pelas 20 h, a EMP03... procedeu ao transporte, entre as duas unidades industriais, de uma máquina designada por “...”.
4. Para o efeito, acordou com a empresa “EMP06..., Lda” que esta, contra o pagamento de um preço, efetuaria esse transporte, o que efetivamente fez.
5. A EMP03... acordou com a ora Ré, contra o pagamento de um preço, que esta empresa efetuasse o serviço de remoção do referido equipamento com vista ao seu transporte para o camião que iria efetuar o transporte.
6. Para efetuar esse serviço, a Ré providenciou um camião grua e um manobrador.
7. A Ré, no âmbito do acordo celebrado com a EMP03..., retirou a máquina em causa do local onde se encontrava e colocou-a no solo.
8. Efetuado o transporte até à nova unidade industrial da EMP03..., a máquina aguardou ainda uns dias para ser novamente montada.
9. Porém, ao iniciar a sua atividade, os funcionários da EMP03... que a operavam, notaram que a mesma não estava a funcionar corretamente.
10. A EMP03... solicitou o apoio do fabricante da máquina, que constatou que o equipamento estava “empenado” e que tinha sofrido uma vibração que fez com que o sistema de leitura ótica no seu interior tivesse sido danificado.
11. No dia e hora supra referidos, o manobrador da Ré, ao efetuar as operações necessárias para levantar a máquina da sua estrutura metálica, verificou que esta estava a oferecer resistência do lado da saída do material e, como tal, forçou o seu desencaixe.
12. Com o referido desencaixe, a máquina deu um solavanco, o que provocou um embate entre os cadeados (correntes) e a caixa dos scanners que a compõem, o que resultou no estrago que o fabricante constatou.
13. Feito o diagnóstico do estrago, a EMP03... recebeu um orçamento para a reparação da máquina que se fixou no valor de € 178.000,52 (cento e setenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), montante que teria de despender para proceder à reparação.
14. A máquina apresenta sensibilidade ao nível dos scanners de leitura ótica.
15. Na operação de remoção realizada pela Ré foi usada uma grua PM ...26 ....
16. Na operação de remoção da máquina em causa foram utilizadas correntes.
17. O processo de remoção da referida máquina foi acompanhado por funcionários da EMP03....
18. Os colaboradores da EMP03... prepararam a máquina para a sua movimentação pela grua, desaparafusando-a da sua estrutura metálica.
19. O funcionário da Ré, manobrador da grua, tinha completado com aproveitamento curso de formação profissional de manobradores de máquinas em obras.
20. Por sentença de 22 de dezembro de 2021 foi a Autora condenada a pagar à EMP03... a referida quantia de € 177.650,52 acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, tendo, em consequência da procedência deste pedido principal, sido a Ré absolvida do pedido subsidiário contra si formulado.
21. No 12 de Janeiro de 2023 a Autora pagou, através de transferência bancária, à EMP03... a quantia total de € 204.762,65 (onde se incluía o montante de € 3.672,00 de custas de parte).
22. A Autora pagou ainda à Ré, através de transferência realizada no dia 18.01.2023, a quantia de € 2.448,00 referente a custas de parte.
23. A Ré, à data dos factos, havia transferido a responsabilidade civil emergente de eventuais danos provocados no exercício da sua atividade para a EMP04..., S.A., através do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...01, nos termos das condições particulares e gerais que se encontram junto aos autos.
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Acrescem os seguintes factos, que se encontram provados com base nos atos praticados no processo nº 822/21...., a cuja consulta eletrónica se procedeu, e que aqui se aditam nos termos das disposições conjugadas dos arts. 607º, nº 4 e 663º, nº 2, do CPC:

24. Na ação que correu termos sob o nº 822/21.... foram partes EMP03..., S.A., na qualidade de autora, e EMP01..., S.A. e EMP02..., Lda., ambas na qualidade de rés.
25. Nessa ação foi formulado:
a) a título principal, pedido de condenação de EMP01..., S.A. a indemnizar a autora no pagamento da quantia de € 177 650,52 para reparação dos danos patrimoniais, acrescida de juros desde a citação;
b) a título subsidiário, pedido de condenação de EMP02..., Lda. a indemnizar a autora no pagamento da quantia de € 178 000,00 para reparação dos danos patrimoniais, acrescida de juros desde a citação;
26. Na ação nº 822/21...., a autora EMP03..., S.A. alegou que contratou a ré EMP02..., Lda. para efetuar a carga de equipamento que ia ser transportado, a qual, na execução deste serviço, provocou danos a esse equipamento, cuja reparação custa a quantia de € 178 000,00.
Pretende ser indemnizada dos danos sofridos, a título principal, pela ré EMP01..., S.A., com quem celebrou um contrato de seguro de transporte terrestre de mercadorias, ou, a título subsidiário, pela ré EMP02..., Lda., a qual foi a causadora dos danos no equipamento.
27. A ré EMP02..., Lda. interpôs recurso da sentença referida em 20, proferida no âmbito do processo nº 822/21.....
28. Em 23.5.2022, foi proferida decisão singular no processo nº 822/21.... (cujo teor integral se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais) no sentido de que “não pode ser admitido o recurso da EMP02..., Ldª, dado que foi absolvida do pedido contra si formulado e a invocação da eventual existência de caso julgado numa hipotética futura acção de regresso, não integra a previsão do nº 2 do art. 631º do CPC”.
29. A ré EMP02..., Lda. apresentou reclamação para a conferência da referida decisão singular e, em 22.9.2022, foi proferido acórdão no processo nº 822/21.... (cujo teor integral se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais), o qual decidiu “considerar que a reclamante carece de legitimidade para recorrer da sentença proferida pela 1ª instância e, assim, desatender a reclamação apresentada”.

FUNDAMENTOS DE DIREITO

I – Nulidade da decisão

Dispõe o art. 615º, nº 1, do CPC, (diploma ao qual se referem todas as normas subsequentemente citadas sem menção de diferente origem) que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da decisão são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da decisão.
As nulidades da decisão, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt).

O vício de nulidade da decisão decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º, designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.

Como supra já se referiu, a ré deduziu pedido de intervenção acessória provocada da sua seguradora EMP04..., S.A., o qual foi admitido, tendo a chamada, além do mais, invocado que a apólice contratada não incluía o veículo interveniente no sinistro.

A recorrente alega que “incorreu o Tribunal em omissão de pronúncia, por não se pronunciar quanto à existência de apólice de seguro válida quanto ao veículo em discussão nestes autos, o que determina a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.”

Porém, contrariamente ao invocado pela recorrente, o tribunal a quo na decisão proferida pronunciou-se sobre esta questão dizendo que “a questão da abrangência do contrato de seguro terá de ser discutida em sede de ação própria entre Ré e interveniente acessória”.
O que significa que entendeu que a questão suscitada pela interveniente, de saber se a apólice contratada incluía, ou não, o veículo interveniente no sinistro, não devia ser tratada nestes autos, mas antes numa ação autónoma entre a ré e a interveniente acessória.

Não cumprindo, para efeitos de apreciação da existência de nulidade, aferir do acerto ou desacerto da decisão do ponto de vista substancial, e concluindo-se que o saneador-sentença se pronunciou sobre a questão suscitada, referindo que ela deveria ser tratada numa outra ação, não se verifica o vício de nulidade que a recorrente assaca à decisão recorrida.

Improcede, assim, esta primeira questão recursória.
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II – (In)existência de autoridade de caso julgado da decisão proferida no processo nº 822/21.... relativamente aos presentes autos

A decisão recorrida considerou que a decisão proferida no processo nº 822/21.... se impõe nos presentes autos, por via da autoridade do caso julgado, e, em consequência, considerou provada a factualidade que foi dada como provada nessa ação tendo, de seguida, proferido decisão de mérito, aplicando o direito a tal factualidade.

A recorrente discorda deste entendimento e defende que o decidido na ação nº 822/21.... não se impõe nos presentes autos, por via da autoridade do caso julgado, porque não existe tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Porém, ainda que tal autoridade existisse, defende que a mesma apenas abrangeria a decisão proferida naquela ação, e já não a factualidade que aí foi dada como provada.

Analisemos, então, se a decisão proferida no processo nº 822/21.... tem, ou não, autoridade de caso julgado nestes autos, e se se impõe, ou não, que aqui se acate a decisão de facto e de direito aí proferida.

O caso julgado é uma exceção dilatória (art 577º, al. i), que pressupõe a repetição de uma causa depois de a causa anterior ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580º).
Repete-se uma ação quando se propõe ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, considerando-se que: há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade de pedido quando nas ações se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art. 581º).
Assim, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (art. 619º).
Trata-se do efeito de caso julgado material: a definição dada à relação controvertida não pode ser alterada em qualquer nova ação pois o caso fica julgado e torna-se incontestável.
Esse efeito é ditado por razões de certeza ou segurança jurídica e de prestígio dos tribunais; a instabilidade jurídica seria verdadeiramente intolerável se não pudesse sequer confiar-se nos direitos que uma sentença reconheceu (Acórdão do STJ, de 26.2.2019 in www.dgsi.pt).
O caso julgado tem a vertente negativa de exceção e a vertente positiva de autoridade de caso julgado.
Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 26.2.2019 (in www.dgsi.pt)a exceção implica sempre a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr. art. 581º, nºs 1 a 4, do CPC). A autoridade do caso julgado não: exigir essa tríplice identidade equivaleria, como já se afirmou, a "matar" esta figura; “a autoridade existe onde a exceção não chega, exatamente nos casos em que não há identidade objetiva”.
A exceção de caso julgado tem um efeito negativo de inadmissibilidade da segunda ação, impedindo qualquer decisão futura de mérito; na segunda ação, o juiz deve abster-se de conhecer do mérito da causa, absolvendo o réu da instância (art. 576º nº 2).
A autoridade de caso julgado "tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. (...)
Na autoridade de caso julgado, existe uma diversidade entre os objetos dos dois processos e na exceção uma identidade entre esses objetos. Naquele caso, o objeto processual decidido na primeira ação surge como condição para apreciação do objeto processual da segunda ação; neste caso, o objeto processual da primeira ação é repetido na segunda.
Na exceção, a repetição deve ser impedida, uma vez que só iria reproduzir inutilmente a decisão anterior ou decidir diversamente, contradizendo-a.
Na autoridade, há uma conexão ou dependência entre o objeto da segunda ação e o objeto definido na primeira ação, sem que aquele se esgote neste. Aqui, impõe-se que essas questões comuns não sejam decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível”.

Dito de outro modo, “o caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na primeira decisão não coincide com o objeto da segunda ação mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o Tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objeto da ação, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objeto da primeira decisão)” (Acórdão da Relação de Coimbra, de 11.6.2019 in www.dgsi.pt).

Sobre a distinção das duas figuras, refere ainda o Prof. Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Almedina pág. 59) que “a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida…”.

Já Rui Pinto sintetiza desta forma a noção de caso julgado, nas suas vertentes negativa e positiva:
O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem.
O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior.
Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur.
Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão.
(…) Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior” (Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, pp. 6-7).

Feita esta distinção há ainda que definir qual a extensão do caso julgado, nas suas duas vertentes.
Como entendido no Acórdão do STJ, de 20.6.2012 (in www.dgsi.pt)quanto ao âmbito objetivo do caso julgado – seus limites objetivos – e que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal, tem vindo a ser sustentado maioritariamente, na esteira da doutrina defendida por Vaz Serra (R.L.J. 110º/232), que a força do caso julgado não incide apenas sobre a parte decisória propriamente dita, antes se estende à decisão das questões preliminares que foram antecedente lógico, indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, tudo isto ‘ (...) em nome da economia processual, do prestígio das instituições judiciárias e da estabilidade e certeza das relações jurídicas’ (Acórdão do S.T.J. de 10/7/97 in C.J. S.T.J., V, II, 165).”

No que concerne à extensão do caso julgado aos fundamentos, sublinha ainda Teixeira de Sousa (in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 578-579) que “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.

Por assim ser, entende-se que a autoridade do caso julgado abrange os fundamentos de facto em que se alicerça a decisão proferida sobre a questão de natureza prejudicial.

Revertendo agora ao caso em apreço, começaremos por dizer, com o devido respeito, que a recorrente, na sua alegação, confunde o caso julgado, na vertente negativa de exceção, com a autoridade do caso julgado.

É incontroverso que, no caso, não existe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir que a verificação da exceção de caso julgado exige. Se existisse, a consequência seria a absolvição da ré da instância, por a causa não poder ser repetida, e não a consideração da matéria factual dada como provada na ação nº 822/21...., com a posterior subsunção jurídica.
A decisão recorrida não afirma que se verifica a exceção de caso julgado e a recorrida nas suas contra-alegações também aceita pacificamente que não se verifica a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, pelo que não se justificam considerações mais aprofundadas sobre esta matéria.

O que importa dilucidar é se a matéria apreciada na ação nº 822/21.... constitui, ou não, um pressuposto necessário da decisão a proferir nos presentes autos, por constituir uma questão prejudicial desta, e se, por isso, se encontra, ou não, abrangida pela autoridade de caso julgado, tendo de ser acatada nos presentes autos, nomeadamente no que concerne à matéria factual aí dada como provada.

Vejamos, de forma detalhada, o que foi objeto dessa ação.

Na ação que correu termos sob o nº 822/21.... foram partes EMP03..., S.A., na qualidade de autora, e EMP01..., S.A. e EMP02..., Lda., ambas na qualidade de rés.

Nessa ação foi formulado:
a) a título principal, pedido de condenação de EMP01..., S.A. a indemnizar a autora no pagamento da quantia de € 177 650,52 para reparação dos danos patrimoniais, acrescida de juros desde a citação;
b) a título subsidiário, pedido de condenação de EMP02..., Lda. a indemnizar a autora no pagamento da quantia de € 178 000,00 para reparação dos danos patrimoniais, acrescida de juros desde a citação.

Nessa ação, a aí autora EMP03..., S.A. alegou que contratou a aí ré EMP02..., Lda. para efetuar a carga de equipamento que ia ser transportado, a qual, na execução deste serviço, provocou danos a esse equipamento, cuja reparação custa a quantia de € 178 000,00.
Pretende ser indemnizada dos danos sofridos, a título principal, pela aí ré EMP01..., S.A., com quem celebrou um contrato de seguro de transporte terrestre de mercadorias, ou, a título subsidiário, pela aí ré EMP02..., Lda., a qual foi a causadora dos danos no equipamento.

Na ação nº 822/21.... foi proferida sentença, já transitada em julgado, que condenou a aí ré EMP01..., S.A. a pagar à aí autora EMP03... a quantia de € 177.650,52 acrescida de juros desde a citação até integral pagamento, tendo, em consequência da procedência deste pedido principal, absolvido a aí ré EMP02..., Lda. do pedido subsidiário contra si formulado.
Refere a sentença, como fundamento desta última decisão, que “procedendo a ação contra a 1ª Ré, resulta prejudicada a apreciação da causa no que se reporta à 2ª Ré, contra quem o pedido foi formulado a título subsidiário”.

Quer a dinâmica do sinistro, quer os danos causados à máquina foram já objeto de decisão na ação nº 822/21.....
A ré EMP02..., Lda. interveio nessa ação na mesma qualidade jurídica em que intervém nestes autos, ou seja, na qualidade de entidade que ao efetuar a carga do equipamento lhe causou os danos cujo ressarcimento foi peticionado.
A EMP01..., S.A. interveio na ação nº 822/21.... na qualidade de seguradora da EMP03... e intervém nestes autos como seguradora sub-rogada nos direitos da sua segurada EMP03..., a quem pagou o valor indemnizatório em que foi condenada.

Como já acima se referiu, a autoridade de caso julgado não exige a verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, pois esta só é exigida quando o caso julgado opera, na sua vertente negativa, como exceção.

A dinâmica do sinistro e os danos causados que foram objeto de decisão na ação nº 822/21.... constituem questão prejudicial desta ação, visto que são pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
Com efeito, o pedido formulado pela autora EMP01..., S.A. no sentido de ser reembolsada pelos valores que pagou à sua segurada é exercido por via da faculdade conferida no art. 136º, nº 1, do RJCS, que prevê que o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro.

Ora, tendo já sido apreciada e decidida a dinâmica do sinistro e os danos existentes na ação nº 822/21...., em que foram intervenientes a segurada EMP03..., nos direitos da qual a EMP01..., S.A. se encontra legalmente sub-rogada, e a ré EMP02..., Lda., enquanto terceira responsável pelo sinistro, esta questão prejudicial não pode ser novamente discutida numa outra ação, sob pena de violação da autoridade do caso julgado. De outro modo, estariam irremediavelmente comprometidas as razões de certeza, segurança jurídica e prestígio dos tribunais que justificam a existência do caso julgado, na sua vertente positiva, de autoridade de caso julgado.

Por outro lado, e como já acima referimos, a autoridade do caso julgado não se limita à decisão, antes abrangendo a matéria de natureza prejudicial que foi apreciada e decidida na ação nº 822/21...., pelo que abarca a factualidade relativa à dinâmica do acidente e danos sofridos.
Com efeito, não se compreenderia que na presente ação em que as partes intervêm na mesma qualidade jurídica, sendo a aqui autora por via de sub-rogação legal da sua segurada, se pudesse decidir que o sinistro ocorreu de maneira diferente daquela que foi considerada como provada na ação nº 822/21.....

Resulta do antedito que a decisão proferida na ação nº 822/21.... tem autoridade de caso julgado relativamente aos presentes autos, o que impõe que a factualidade relativa à dinâmica do sinistro e danos causados que aí foi considerada como provada se tenha que dar como provada, nos mesmos termos, nos presentes autos.

Por conseguinte, improcede esta questão recursória.

III – Violação do caso julgado decorrente da decisão proferida no processo nº822/21....

A recorrente considera que “a decisão recorrida viola não só o disposto no artigo 619.º do CPC, porquanto contraria a decisão do douto Tribunal da Relação de Guimarães, proferida no âmbito do processo n.º 822/21.... e que entendeu que não havia quanto à Ré, caso julgado, como viola também o elementar princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC.”
Argumenta que “não foi admitido o recurso interposto naqueles autos, por ser o entendimento da 2.ª Instância que da decisão proferida naqueles autos não resultava qualquer prejuízo para a Ré, porquanto “A decisão sobre a efectiva titularidade do direito de regresso não cabe no âmbito da relação jurídica controvertida nesta causa e antes diz respeito a outra relação jurídica conexa com ela, cuja apreciação exige a instauração de uma ulterior acção de regresso contra o terceiro chamado, onde se decidirá sobre a existência ou inexistência desse direito.”
E conclui que “de acordo com o ali decidido, teria de ser no âmbito dos presentes autos, que teria de ser produzida a prova quanto à existência ou inexistência do direito de regresso, o que o douto Tribunal a quo vedou à Recorrente de fazer.”

Com o respeito que nos merece opinião contrária, não se pode sufragar tal entendimento.

Lendo quer a decisão singular, quer o acórdão que a confirmou verifica-se que ambos se pronunciaram sobre a questão de saber se a ré EMP02..., Lda. tinha legitimidade para interpor recurso da sentença, tendo concluído em sentido negativo, razão pela qual o recurso não foi admitido.
O caso julgado formado pelo acórdão abrange unicamente a questão apreciada (da legitimidade) e a decisão proferida (de não admissão de recurso). O caso julgado não abrange a concreta argumentação jurídica expendida para alcançar a decisão.
Ainda que assim não fosse, a decisão recorrida não violou sequer o referido no acórdão no sentido de ser necessária a instauração de uma ulterior ação de regresso contra o terceiro chamado, onde se decidirá sobre a existência ou inexistência desse direito.
Pelo contrário, na sequência da instauração da ação para a autora exercer o direito de sub-rogação legal, a decisão recorrida apreciou a existência desse direito, concluindo pela sua verificação.
Fê-lo aplicando o direito à factualidade que considerou assente por ter sido dada como provada no processo n.º 822/21...., e, como já acima concluímos, a autoridade do caso julgado exige que essa factualidade tenha que ser considerada assente nestes autos.
Ora, o acórdão não afirma que não existe caso julgado quanto à ré, antes aprecia a questão na ótica da inexistência da legitimidade recursória e conclui que “a invocação da eventual existência de caso julgado numa hipotética futura ação de regresso, não integra a previsão do nº 2 do art.º 631º do CPC”.
Para além disso, e mesmo que se entendesse de forma contrária, ou seja, que o caso julgado formado pelo acórdão abrange a respetiva argumentação jurídica e que o acórdão se pronuncia no sentido da decisão proferida no processo n.º 822/21.... não formar caso julgado quanto à ré EMP02..., Lda. – o que estamos a admitir unicamente para efeitos de raciocínio – o certo é que existe uma anterior decisão proferida nesse mesmo processo que refere que “é claro que a 2ª Ré ficará abrangida pelo caso julgado que se vier a formar na ação, nos termos definidos pelos artigos 619º/1 e 621º/1, do CPCiv.” (despacho de 19.5.2021 proferido no processo n.º 822/21.... onde figura como 2ª ré EMP02..., Lda.).
O que significa que, admitindo que a argumentação jurídica ficaria abrangida pelo caso julgado, o que não sufragamos e só estamos a pressupor para efeitos de raciocínio, então teríamos uma situação de casos julgados contraditórios e, recorrendo ao disposto no art. 625º do CPC, perante duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão haveria que cumprir a que passou em julgado em primeiro lugar a qual, no caso, seria a decisão proferida em 19.5.2021 que considerou que a ré EMP02..., Lda. fica abrangida pelo caso julgado que se formar na ação 822/21.....

No que toca à invocação de violação do princípio do contraditório não se pode considerar que o mesmo ocorra, pois EMP02..., Lda. interveio como ré na ação 822/21...., apresentou contestação e teve a possibilidade de apresentar todos os meios de prova com vista à defesa da posição que aí defendeu.
A consideração na decisão da factualidade que foi dada como provada na ação 822/21...., onde foi respeitado o princípio do contraditório, ocorre por via da autoridade do caso julgado, nos moldes já acima analisados, não tendo nos presentes autos sido cometida qualquer violação do contraditório, pois as partes tiveram sempre a possibilidade de se pronunciar sobre a matéria em discussão.

Na verdade, o que a ré EMP02..., Lda. pretende é que se ignore em absoluto tudo o que foi decidido na ação nº 822/21.... e que lhe seja permitido na presente ação produzir nova prova. Mas tal pretensão encontra-se vedada, por força da autoridade do caso julgado, o qual impõe que se respeite e observe a decisão proferida, baseada na factualidade dada como provada sobre a dinâmica e danos resultantes do sinistro, que se encontra definitivamente adquirida uma vez que as partes intervêm na mesma qualidade jurídica.

Conclui-se que a decisão recorrida não violou o caso julgado decorrente do acórdão de 22.9.2022, proferido no processo nº822/21...., nem violou o princípio do contraditório, pelo que improcede esta questão recursória.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito.
Tendo o recurso sido julgado improcedente na totalidade, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a disposição legal citada.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Notifique.
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Sumário (da responsabilidade da relatora, conforme art. 663º, nº 7, do CPC):

I - O vício de nulidade da decisão decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º, designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
II - A nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
III - Não cumprindo, para efeitos de apreciação da existência de nulidade, aferir do acerto ou desacerto da decisão do ponto de vista substancial, e concluindo-se que o saneador-sentença se pronunciou sobre a questão suscitada, referindo que ela deveria ser tratada numa outra ação, não se verifica o vício de nulidade assacado à decisão recorrida.
IV - O caso julgado tem a vertente negativa de exceção, impedindo a repetição de uma causa idêntica quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a vertente positiva de autoridade de caso julgado, impondo a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
V - O efeito positivo da autoridade de caso julgado assenta numa relação de prejudicialidade em que o objeto processual decidido na primeira ação surge como condição para apreciação do objeto processual da segunda ação.
Por força da autoridade de caso julgado, as questões comuns não podem ser decididas de forma diferente, devendo a decisão da segunda ação acatar o que foi decidido na primeira, como pressuposto indiscutível, não se exigindo a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
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Guimarães, 14 de março de 2024

(Relatora) Rosália Cunha
(1º/ª Adjunto/a) Fernando Manuel Barroso Cabanelas
(2º/ª Adjunto/a) Alexandra Maria Viana Parente Lopes