PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO
ADMINISTRADOR JUDICIAL PROVISÓRIO
REMUNERAÇÃO
Sumário

Num processo especial de revitalização (PER), a majoração prevista no nº 7 do art. 23º do EAJ só é devida se, no âmbito do plano de recuperação aprovado, tiver havido satisfação efectiva de créditos reconhecidos, designadamente por via da liquidação parcial do património do devedor.

Texto Integral

PROC. Nº 1142/23.0T8STS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 4

REL. N.º 832
Relator: Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira
Anabela Dias da Silva

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1 – RELATÓRIO
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Neste processo de revitalização requerido por “A..., S.A.”, veio o Dr. AA, Administrador Judicial Provisório aí nomeado para o exercício de tais funções interpor recurso da decisão que, decidindo diferentemente da pretensão que formulara, considerou que “… para efeitos de cálculo da remuneração variável prevista no artigo 23.º, n.º 4, da Lei n.º 22/2013, de 26/02, devida em sede de processo especial de revitalização, o montante do valor da recuperação corresponde ao valor do perdão dos créditos. A situação líquida do devedor terá por medida a diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultantes da execução do plano de recuperação, sem que a referência à situação líquida se reporte a qualquer conceito contabilístico ou se procure através dele refletir a diferença entre o ativo e o passivo.
E, também em sede de processo especial de revitalização, a majoração de 5% referida no citado artigo 23.º, no seu n.º 7, aplicar-se-á aos planos de recuperação aprovados e homologados, mas apenas se e quando o próprio plano preveja que parte dos créditos sejam satisfeitos por via de liquidação de bens rejeitou que lhe fosse devida uma componente de remuneração variável, com a majoração de 5% prevista no artigo 23.º, n.º 7 do Estatuto do Administrador Judicial, concluindo que, no caso, não tendo havido liquidação de bens…”.
Concluiu, por isso, que só lhe era devido o valor correspondente à componente fixa da remuneração.
O Sr. administrador terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Andou mal o tribunal a quo ao decidir que o Recorrente não teria direito a auferir quaisquer valores a título de majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ.
II. No artigo 23.º, n.º 7 do EAJ encontra-se consignado que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
III. Assim, o argumento de que a majoração prevista no n.º 7 apenas seria aplicável aos casos de liquidação do activo soçobra diante da simples constatação de que a lei determina que ela se aplique aos casos – a todos os casos! – quer do n.º 5, quer do n.º 6;
IV. Sendo que, precisamente, o n.º 5 se reporta às situações de recuperação do devedor (como é o caso vertente) e o n.º 6 se reporta aos casos de liquidação do activo.
V. Caso o legislador pretendesse, como propugna o tribunal a quo, que a majoração prevista no n.º 7 fosse aplicável apenas aos casos de liquidação do activo, teria referido que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas no n.º 6 é majorado (…)”, omitindo qualquer referência ao n.º 5.
VI. Pelo exposto, a decisão recorrida colide com a literalidade da norma do artigo 23.º, n.º 7 do EAJ, sustentando-se numa interpretação normativa sem qualquer correspondência na letra da lei.
Acresce que,
VII. Restringir a aplicação do n.º 7 do artigo 23.º aos casos de liquidação do activo implicaria, praticamente, excluir o Administrador Judicial Provisório da majoração, atento o facto de serem raríssimos os casos em que existe liquidação de bens em PER.
VIII. Nesse caso, seria manifesta a desigualdade entre o Administrador Judicial em processo de insolvência e o Administrador Judicial Provisório em PER, uma vez que o primeiro tem sempre praticamente garantida a majoração, enquanto o segundo só teria acesso à mesma nos esporádicos casos em que existe liquidação de bens em PER.
IX. Emerge evidente um vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade, que resulta do tratamento desigual entre profissionais da mesma categoria e sujeitos a nomeação aleatória e obrigatória, em função de circunstâncias externas à sua vontade e controlo (tais como a existência ou não de património do devedor suscetível de liquidação).
X. Em face do exposto, o artigo 23.º, n.º 7 do EAJ, quando mobilizado sob a interpretação que dele fez o tribunal a quo, no sentido de que a majoração aí prevista só se aplica nos casos em que exista liquidação do activo, é manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade – inconstitucionalidade que aqui se argui para os devidos efeitos legais, impondo ao tribunal que recuse a aplicação da citada disposição na interpretação vinda de censurar.
No mais,
XI. Salvo melhor opinião, ao contrário do que sugere o tribunal a quo, a majoração prevista no n.º 7 do artigo 23 do EAJ não depende nem está subordinada à remuneração consagrada na al. a) do n.º 4.
XII. Consabidamente, os critérios da remuneração variável prevista na al. a) do n.º 4, visando incentivar o Administrador Judicial Provisório a velar pela obtenção do maior perdão de créditos possível, encontram-se ao serviço dos interesses do devedor na recuperação (objectivo primordial do PER);
XIII. Já a majoração prevista no n.º 7, calculada em função do grau de satisfação dos créditos, encontra-se orientada para o estímulo à satisfação dos interesses dos credores.
XIV. Existe uma lógica de separação entre ambas as normas, que seria incoerente com qualquer solução que as colocasse numa relação de dependência.
XV. Não existe fundamento racional, nem legal, para, relativamente a um PER que não resulte em perdões de dívida (e em que, por isso, não haja lugar à remuneração prevista na al. a) do n.º 4 do artigo 23 do EAJ), o AJP deixar de ser premiado pela satisfação do interesse dos credores através da majoração prevista no n.º 7.
XVI. A decidir-se conforme propugnado pelo tribunal a quo, nos casos em que, como no presente, o AJP não tivesse direito à remuneração prevista na al. a) do n.º 4 (prejudicando, per se e a priori a possibilidade de obter quaisquer valores a título de majoração), a lei deixaria de lhe oferecer qualquer incentivo à prossecução eficaz da satisfação dos créditos, uma vez que estaria inelutavelmente votado a não auferir qualquer remuneração variável, independentemente da satisfação de créditos que conseguisse promover,
XVII. O que não é compaginável com as finalidades almejadas pela Directiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/06/2019 (que esteve na base das alterações ao regime da remuneração variável - designadamente, as normas aplicáveis ao caso sub judice - operadas pela Lei n.º 9/2022, de 11/01), orientada para o incentivo ao Administrador Judicial no sentido de, além de promover a recuperação do devedor, procurar alcançar, na maior medida possível, a satisfação dos credores.
XVIII. Em face do exposto, entende-se que o facto de não ter direito à remuneração prevista na al. a) do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ não obsta a que o Administrador Judicial Provisório possa, ainda assim, auferir os valores previstos no n.º 7 a título de majoração.
POR TODO O EXPOSTO;
XIX. Devia o tribunal a quo ter reconhecido ao Recorrente o direito a auferir os valores resultantes da aplicação dos critérios consagrados no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ.
XX. No caso vertente, conforme registado pelo Recorrente em primeira instância (requerimento datado de 17/10/2023, ref.ª 46824301), tendo sido admitidos créditos no valor total de 3.244.854,44€, cujo grau de satisfação é 100% (uma vez que o plano não prevê qualquer perdão de dívida), a majoração prevista no artigo 23.º, n.º 7 do EAJ deve ser calculada nos seguintes termos: 5% x 3.244.854,44€ = 162.242,72€.
XXI. Embora entenda ser este (162.242,72€) o valor a que tem direito por determinação legal, o Recorrente, conforme manifestou diante do tribunal a quo, consente na redução da sua remuneração variável para 50.000,00€ (ao qual acresce IVA), por aplicação analógica do artigo 23.º, n.º 8.
Nestes termos, e nos melhores de direitos, que V/Exas. Doutamente suprirão, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que fixe a remuneração variável do Recorrente em 50.000,00€ (cinquenta mil euros).
Assim se realizando JUSTIÇA!
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A A... ofereceu resposta ao recurso, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, como se referiu, cabe decidir se o regime legal de fixação da remuneração do administrador provisório, em processo de revitalização, proporciona a interpretação que dele é feita pelo apelante, em contraposição para com a sentença sob recurso, cabendo atribuir àquele uma remuneração complementar à remuneração fixa, a calcular à taxa de 5% sobre o valor dos créditos reconhecidos e a satisfazer, sob pena de se incorrer num resultado inconstitucional.
A questão prende-se, pois, com a interpretação e aplicação do regime estabelecido nos n.ºs 4, 5, 6 do art. 23.º EAJ, mas em especial com a regra do seu nº 7, que apresentam o seguinte teor:
“4 — Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10 % da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5 % do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 — Para efeitos do n.º 4, considera -se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 — O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 % do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.”
No caso, o ora apelante considera:
- uma vez que no plano de recuperação não prevê redução de créditos não se aplica a primeira competente relativa ao cálculo da remuneração variável com base na situação líquida (por exemplo redução dos créditos).
- o plano não prevê qualquer redução de créditos dos reconhecidos, pelo que, salvo melhor entendimento, considera-se que os créditos reclamados e reconhecidos estão totalmente satisfeitos, ou seja, o grau de satisfação será de 100%.
- 5% x o total dos créditos reconhecidos, de €3.244.854,44 = €162.242,72.
- redução a € 50.000,00 (acrescido de IVA), por analogia ao nº 8 do Artº 23º.
No tratamento da questão, o tribunal recorrido adoptou uma solução decretada pelo tribunal de comércio de Guimarães, a qual, além de acolhida no Ac. do TRG de 17/11/22 (proc. nº 3529/21.3T8GMR.G1) inspirou igualmente o acórdão do TRL de 24.01.2023 (processo n.º 26107/20.0T8LSB.L1-1). Tal solução consiste, sumariamente, no seguinte: “…para efeitos do cálculo da remuneração variável do administrador judicial provisório, nos termos do artigo 23.º, n.º 4, alínea a) do Estatuto do Administrador Judicial, o montante do valor da recuperação é o valor do perdão dos créditos. A majoração de 5%, prevista no artigo 23.º, n.º 7 do Estatuto do Administrador Judicial, será aplicável aos planos de recuperação aprovados e homologados, apenas se e quando o próprio plano preveja que parte dos créditos sejam satisfeitos por via de liquidação de bens.”
Esta solução foi também acolhida no acórdão de 11/5/2023, do TRE (proc. nº 49/22.2T8LGA.E1), mas no qual se insere uma declaração de voto de vencido, que defende diferente resultado: “Importa considerar aquilo que se entende por resultado da recuperação do devedor. Esta deve ser entendida como o valor que é determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
Refere expressamente o número 5, do mesmo artigo que em Processo Especial de Revitalização, em Processo Especial para Acordo de Pagamento ou em Processo de Insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
Tendo todos os créditos reclamados e reconhecidos sido integrados no plano, é sobre o valor da totalidade destes créditos que deve incidir o calculo da remuneração variável, como se diz nas alegações do Recorrente.
Não se pode dizer, salvo melhor opinião, que no caso em apreço, não se prevê qualquer valor de recuperação para a devedora.
O valor será a revitalização da empresa, a sua continuação.
Não se acolhe, por isso, o entendimento de que esta remuneração variável na recuperação deva ser calculada com base nos créditos sacrificados no plano. É verdade que é a recuperação da devedora que está em causa, mas não se pode esconder que existem credores e tanto melhor ficarão quanto mais dos seus créditos receberem. Se receberem a totalidade, não ficando em causa a sobrevivência económica da devedora, será o melhor dos caminhos.
O resultado da recuperação, atendendo à natureza do processo especial de revitalização, será em primeiro lugar a recuperação da empresa, mantendo a sua viabilidade económica e financeira. Não cremos que deva ser, obrigatoriamente, restringido os direitos dos credores, nomeadamente com o valor do perdão dos créditos.
Nestes autos não existe qualquer liquidação patrimonial, que se visa precisamente evitar, através da recuperação da devedora.
Neste processo o valor dos créditos reconhecidos foi de € 222.041,01 e todos os créditos foram integrados no plano.
É sobre este valor que deve ser encontrado o montante da prestação variável a que o Senhor Administrador tem direito, ou seja, 10% de € 222.041,01 (conforme expressamente a lei o consagra), acrescido do valor do IVA.
Não existindo qualquer liquidação, nada mais caberia a título de remuneração.”
Resulta do que se vem expondo, que, além da remuneração fixa, prevê o regime legal em análise a atribuição ao administrador judicial provisório de uma remuneração variável, que resultará da ponderação dos seguintes elementos:
- valor em função do resultado da recuperação do devedor equivalente a 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor (al.a) do nº 4 do art. 23º), onde o resultado da recuperação será um valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano (nº 5 do art. 23º)
- uma majoração de valor equivalente a 5% do montante dos créditos satisfeitos (nº 7 do art. 23º).
A dificuldade de aplicação do regime resulta da aparente incongruência entre a equivalência entre o parâmetro de 10% da situação liquida e o conceito de resultado da recuperação.
O conceito de situação líquida é um conceito típico da contabilidade, entretanto substituído pelo de capital próprio, equivalendo à diferença entre o activo e o passivo.
Para interpretar tal regra, os acórdãos antes citados entenderam +que o valor da recuperação é o valor do perdão dos créditos. Assenta esta interpretação na ponderação de que o mérito do trabalho do administrador se traduz no valor de perdão conseguido para os créditos, pois é por essa via que se tende a conseguir a recuperação da empresa.
Esta solução, todavia, ignora que, num processo de recuperação, é tão importante o interesse de revitalização da empresa devedora, como a da realização dos créditos dos credores. Com efeito, num processo de insolvência que evolua para liquidação do património do insolvente, só interessa a satisfação dos créditos e, por isso, a medido do êxito do trabalho do administrador passa pelo valor dos créditos que consegue satisfazer. Diferentemente, no processo de revitalização, também releva o interesse do devedor. Mas não é apenas este que releva. Ora, na solução aplicada na referida jurisprudência, esquecem-se por completo os interesses dos credores para se avaliar e retribuir o êxito do trabalho do devedor.
Acresce que, nessa solução, também se esquece a referência do legislador ao conceito de situação líquida do devedor em revitalização.
Parece, assim, que tal solução não satisfaz.
Mas idêntico obstáculo se encontra na tese alternativa descrita no voto d evencido do acórdão do TRE que acima se transcreveu. Aí se propõe que o valor da recuperação seja definido pelo valor dos créditos integrados no plano de pagamento. O valor da remuneração variável seria, assim, de 10% do total dos créditos reconhecidos. E isso, portanto, ainda no âmbito da 1ª parcela da remuneração variável, nos termos dos nºs 4, al. a) e 5 do art. 23º citado.
Em qualquer caso, em toda a jurisprudência referida, a majoração de 5% prevista no nº 7 do art. 23º será reservada às situações em que ocorre liquidação de bens do devedor.
A tese do apelante é distinta das anteriores.
Por um lado, tal como os acórdãos de Guimarães e de Lisboa, admite que o resultado da recuperação é a diferença entre os créditos reconhecidos e os créditos inseridos no plano de recuperação. No caso, com o todos os créditos reconhecidos obterão pagamento segundo o plano de recuperação homologado, a diferença é zero, pelo que admite que, à luz dos nºs 4, al. a) e 5 do art. 23º, nenhuma remuneração lhe cabe.
Por outro lado, defende que, no nº 7 do art. 23º, a referência a créditos satisfeitos não coincide com os créditos pagos por via da liquidação de bens do devedor (como acontece com toda a jurisprudência citada, incluindo o voto de vencido do acórdão do TRE), mas sim ao total dos créditos que, por via do plano de recuperação, haverão de ser pagos. A majoração da remuneração variável seria, assim, de 5% sobre o total dos créditos reconhecidos, o que, no caso dos autos em que esse valor é €3.244.854,44, ascenderia a €162.242,72.
Vê-se, assim, que também o apelante aliena a referência do legislador à situação liquida da empresa, após o plano de recuperação, definindo a remuneração reclamada – por no caso não ter havido perdão de créditos – pela aplicação da taxa de 5% ao total dos créditos reconhecidos.
Raul Gonzalez (aparentemente o próprio apelante), em A REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL – NOVAS QUESTÕES SUSCITADAS, texto apresentado no Seminário Sobre Insolvência 2023, (https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=VEfMoVZQqdc%3D&portalid=30), a pg.s 52 e 54, defendia outra solução
Assim, quanto à primeira parcela, resultante da aplicação dos critérios dos nºs 4 e 5 do art. 23º, refere ali que a partir do último balanço do devedor se deve encontrar o montante do seu capital próprio, correspondente à diferença entre o total do activo e o total do passivo.
No passivo, encontra-se o valor do total dos créditos reconhecidos e, se houver perdão de dívidas, ao capital próprio soma-se o resultado da redução de créditos (ex.30% do total dos créditos). A primeira parcela da remuneração variável corresponderá a 10% dessa soma.
Ou seja, o valor da situação líquida corresponde ao total do capital próprio incrementado com o montante da redução dos créditos, o mesmo é dizer-se, incrementado com o resultado da recuperação. E a esse valor aplica-se a taxa de 10%, para definir a primeira parcela da remuneração variável.
Já a 2ª parcela, resultante do nº7, corresponderia à aplicação da taxa de 5% sobre o total dos créditos a satisfazer, isto é, do total de créditos reconhecidos e já deduzido de qualquer perdão de dívidas aprovado.
Esta solução, que quanto à definição da parcela resultante do nº 7 do art. 23º é também aqui defendida pelo apelante, não se nos afigura porém ser a correcta.
Com efeito, o nº 7 determina que se decida em função do grau dos créditos reclamados e admitidos, em 5% dos créditos satisfeitos. Não sendo útil convocar a divergência de interpretações que esta regra de per si tem suscitado, uma coisa resulta ali inequívoca, em termos que são úteis para o caso em apreço: cumpre atentar nos créditos satisfeitos e não naqueles que, por via de um plano de recuperação a desenvolver futuramente e cujo sucesso antecipado não se pode ter por totalmente assegurado, possam vir a ser satisfeitos.
Mal se compreenderia que se definisse uma remuneração actual em atenção a um futuro e eventual grau de satisfação dos interesses dos credores. Nessa hipótese, qualquer processo de revitalização em que o valor das dívidas fosse superior a 1.000.000,00€ e em que pelo menos um tal montante fosse alvo de um plano de pagamento, ainda que por prazo muito alongado – como tantas vezes acontece, ampliando os riscos de incumprimento do plano ao longo do tempo – logo ficaria garantida uma remuneração variável de 50.000,00€ ao administrador provisório, além dos 2.000,00€ previstos como remuneração fixa, independentemente do mérito do trabalho produzido, independentemente do resultado final efectivo que o plano comportasse para o devedor e para os credores, e ainda a entender-se aplicável por analogia (como defende o apelante), a limitação admitida no nº 8 do art. 23º
É por isso que a jurisprudência, uniformemente, tem reservado a aplicação desta regra, ou seja, a atribuição de uma tal parcela da remuneração variável, apenas aos casos em que houve efectiva satisfação de créditos, designadamente por via da liquidação parcial do património do devedor. Interpretação esta, para além disso, bem mais concordante com a própria letra da lei.
É essa, também, a solução que entendemos por acertada: no caso de um PER, a majoração prevista no nº 7 do art. 23º do EAJ só é devida se, no âmbito do plano de recuperação aprovado, tiver havido satisfação efectiva de créditos reconhecidos, designadamente por via da liquidação parcial do património do devedor. Só esse trabalho e esse resultado justificam a atribuição dessa parcela de majoração da remuneração variável.
No caso, não estando em causa a fixação da remuneração à luz de qualquer outro argumento, cumpre simplesmente rejeitar a pretensão recursiva do apelante, por concordância para com a solução a este propósito decretada na decisão em crise.
Resta, todavia, aferir se uma tal solução consubstancia um resultado inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, designadamente – segundo alega o apelante - por dificilmente vir a ser proporcionado a um administrador provisório nomeado no âmbito de um PER a possibilidade de auferir uma remuneração variável majorada nos termos do nº 7 do art. 23º , por raramente ocorrer aí qualquer liquidação de património do devedor. Diferentemente, um administrador de insolvência terá sempre acesso a essa componente remuneratória.
É, no entanto, óbvio que inexiste qualquer violação do princípio da igualdade. As hipóteses em confronto são claramente diferentes, tal como o são as funções exercidas em cada um dos casos – as do administrador provisório e as do administrador da insolvência, com liquidação da massa insolvente e repartição do produto obtido - tal como os resultados dessas funções para os credores.
Perante tais diferenças, natural é que o legislador tenha previsto diferentes formas de remuneração de cada uma das tarefas, sendo certo que um administrador judicial pode ser nomeado tanto para a administração de uma insolvência, como para a orientação de um PER ou de um PEAP (art. 2º, nº 1, do EAJ), o que, por si só, também assegura a possibilidade de acesso aos diferentes tipos de remuneração, consoante as funções exercidas, em ordem a prevenir a desigualdade entre administradores.
Não assiste, pois, qualquer razão ao apelante, na invocação de um tal argumento.
Resta, em conclusão e pelas razões expostas, negar provimento ao presente recurso, na confirmação da decisão recorrida.

Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à apelação sob apreciação, na confirmação integral da decisão recorrida
Custas pelo apelante.
Registe e notifique.
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Porto, 20 de Fevereiro de 2024
Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira
Anabela Dias da Silva