LEGITIMIDADE PARA RECORRER
ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
REINSERÇÃO SOCIAL
Sumário

A assistente não possui legitimidade para recorrer do despacho judicial que homologa o plano de reinserção social do arguido (anteriormente condenado nos autos, por sentença transitada em julgado, em pena de prisão suspensa na sua execução - com sujeição a regime de prova -).

Texto Integral




Nos termos dos artigos 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.ºs 1 alínea a) e 2 do CPP, profere-se a seguinte

DECISÃO SUMÁRIA


I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Comum Coletivo n.º 194/20.9PAPTM da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão - Juiz 2, relativo ao arguido (A), após prolação de Acórdão condenatório transitado em julgado, foi proferido despacho com o seguinte teor:

“Por se mostrar adequado às finalidades a que se destina, homologo o P.R.S. do arguido (A) - art. 494º/3 do CPP.

A DGRS deverá acompanhar o cumprimento do mesmo e, comunicar ao Tribunal a falta de cumprimento dos deveres impostos, se for caso disso - art. 495º/1 do CPP.
Notifique, sendo o arguido com a expressa advertência de que deverá cumprir o plano de reinserção, sob pena de revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado - arts. 495º e 498º do CPP.”

O relatório homologado, elaborado em 11.10.2023, tinha o seguinte teor (transcrição parcial):

“IDENTIFICAÇÃO Nome: (A), Data de nascimento: (…..)
INTRODUÇÃO
(A) foi condenado pela prática de 3 crimes de abuso sexual de crianças, numa pena de 2 anos cada um. Foi igualmente condenado nas penas acessórias de proibição do exercício de funções e da proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidade parentais, pelo período 5 anos, por cada uma delas. Em cúmulo jurídico das penas parcelares (A) foi condenado na pena única de 4 anos e 6 meses, de prisão, suspensa na sua execução, por igual período com regime de prova. A sentença transitou em julgado em 9/6/23, encontrando-se o seu termo previsto para 9/12/27.
O presente Plano foi efetuado com base em:
- Entrevistas com (A), realizadas nas instalações desta Equipa;
- Entrevista com o primo do condenado, realizada nesta Equipa.
- Consulta do dossier individual de utente destes serviços;
O condenado evidenciou, durante as entrevistas realizadas, uma atitude colaborante, e empenhada.
1– ENQUADRAMENTO
(A) é natural de Angola, oriundo de uma família com bons recursos económicos, cujo progenitor era jogador de futebol e a progenitora médica. Veio para Portugal, com 19 anos, seguindo o exemplo do progenitor, ou seja, também como jogador de futebol. Passado pouco tempo, fixou residência no Algarve, passando a jogar no Clube de futebol da Guia.
Há cerca de um ano, (A) foi para Albânia, alegando ter informado esse Tribunal.
Em Portugal, (A) vivia em casa de familiares, na Albânia foi trabalhar como jogador de futebol e reside, alegadamente em (…..). Tem um contrato por 2 anos com um clube da 2ª Divisão -“K FILIRIA” auferindo um ordenado bastante satisfatório, cujo valor não mencionou.
Na DGRSP não há registo de outros processos crime de (A), nem consumo excessivo de álcool ou de estupefacientes.
(A) refere-se ao presente processo de forma a desvincular-se do mesmo e atribuindo-o a fatores externos.
Numa avaliação de risco e necessidades de reinserção, identificou-se como principal fator de risco, as dificuldades de (A) ao nível da capacidade critica e pensamento consequencial, que estarão na base da sua postura quanto ao presente processo. Como fator de proteção salienta-se o facto de se encontrar laboralmente ativo.
2- NECESSIDADES DE INTERVENÇÃO, OBJETIVOS E ACTIVIDADES A DESENVOLVER PELO CONDENADO
Para superar as necessidades de intervenção diagnosticada na avaliação, o condenado deverá realizar as seguintes atividades:
Necessidade de intervenção: minimização da ilicitude do crime
Objetivo: desenvolver a capacidade reflexiva que lhe permita a aquisição de competências pessoais e sociais com vista à integração dos direitos juridicamente defendidos e consciência face a eventuais danos ou vítimas, de forma a evitar a reincidência criminal;
Atividades: colaborar pró-ativamente com o técnico superior de reinserção social, em contexto de entrevista, na identificação de potenciais fatores do comportamento criminal, bem como na reflexão que permita o reforço do sentido crítico e o reconhecimento dos fatores individuais potencialmente desencadeadores de práticas criminais, designadamente a ausência de competências para resolução de problemas e as dificuldades ao nível do pensamento consequencial.
Calendarização: durante o período de execução da presente medida
O apoio e vigilância do cumprimento dos objetivos e das atividades contempladas no presente Plano, está condicionado com o facto do mesmo residir no estrangeiro. Nestes termos, a DGRSP manterá:
- Articulação com entidades policiais.
Para viabilizar as referidas medidas de apoio e vigilância, a DGRSP solicitará ao condenado:
- A comparência na DGRSP nestes serviços sempre que venha a Portugal, bem como contactar com os mesmos, por via eletrónica ou telefonicamente, viabilizando assim, o seu acompanhamento por parte destes serviços.
- Os contactos de pessoas do seu meio familiar, laboral ou outro, bem como informações e documentos comprovativos;
Os relatórios de execução do presente plano serão enviados com periodicidade semestral no primeiro ano de execução da medida e com periodicidade anual a partir de então. O Tribunal será ainda informado sempre que ocorram incumprimentos ou outras circunstâncias relevantes para a execução da medida. (…)”.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões da assistente (B)
Inconformada com a decisão a assistente interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“O arguido foi condenado pela prática de três crimes de abuso sexual de criança, agravados, nos termos do disposto pelos artigos 171.º, nº 1 e 177.º, nº 1, b), ambos do Código Penal, numa pena única de 4 (quatro anos) e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução, e em regime de prova.
2ª E, igualmente, nas penas acessórias previstas pelos artigos 69.º-b, nº 2, e 69.º-c, nº 2, ambos do Código Penal, ou seja, na proibição do exercício de funções e da proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais, pelo período de 5 (cinco) anos para cada uma delas.
3ª Após o trânsito em julgado da condenação foi proferido o Despacho ora recorrido, que homologou o plano de reinserção social (P.R.S.), (…)
Porém, (…) contrariamente a fundamentação acima referenciada, extrai-se do próprio Relatório elaborado pela DGRSP, bem como dos autos, insuficiência instrutória e ineficácia do P.R.S..
5ªO Relatório que contém o dito Plano, de lavra da Equipa Lisboa Penal, da DGRSP, afirmou que o mesmo foi realizado em entrevistas com o arguido e com um “primo do condenado”, não identificado.
6ªE, afirma que o arguido declarou ser atleta profissional de futebol e que, “há cerca de um ano”, foi trabalhar para a Albânia, onde possui contrato de dois anos com um Clube da 2ª Divisão, identificado como “K FILIARIA”.
7ª Ocorre que, não foi junto ao Relatório do P.R.S. em causa, qualquer cópia do Visto de Trabalho, autorização de residência e do aludido contrato de trabalho de dois anos, nomeadamente, quando é facto público e notório que a Albânia ainda não faz parte da União Europeia, ou seja,
8ª O arguido somente poderá trabalhar e fixar residência, como atleta profissional de futebol, mesmo possuindo a nacionalidade portuguesa, após obter visto adequado e subsequente concessão de autorização de residência, por alegadamente se encontrar num país extra-comunitário.
9ª Assim a mera afirmação, verbi gratia, sem a junção de qualquer suporte ou respaldo documental, traduzido, legalizado ou apostilado pelas competentes autoridades, não produz prova efetiva daquilo que o arguido afirmou, ou seja, que está residindo e trabalhando (legalmente) em Albânia, como atleta profissional de futebol.
10ª Tal circunstância impede a efetiva prova da anunciada e declarada ocupação laboral invocada pelo arguido, aquando de suas entrevistas.
11ª Lacuna e ausência probatória esta que não poderá ser suprimida pela mera referência a entrevista de um “primo”, ademais não identificado.
12ª Com efeito, ainda, não bastasse essa insuficiência instrutória, a nível substancial, o próprio Relatório elaborado ressalva e indica que, embora decorridos três anos a contar de sua condenação, o arguido:
«...refere-se ao presente processo de forma a desvincular-se do mesmo e atribuindo-o a fatores externos...»;
«... Numa avaliação de risco e necessidades de reinserção, identificou-se como principal fator de risco, as dificuldades de (A) ao nível da capacidade crítica e pensamento consequencial, que estarão na base da sua postura quanto ao presente processo....».
13ª Pelo que, o juízo técnico-científico expresso pelos Ilustres subscritores do Relatório do P.R.S., que, até hoje, o arguido nega a sua culpa, não assumindo a gravidade dos ilícitos cometidos, nem mesmo o esforço para reconhecer a “retirada” abrupta e inconsequente, da inocência de uma menor de seis anos de idade, aquando da prática de suas condutas antijurídicas.
14ª Tal constatação, ou seja, negar a culpa em conjugação com a ausência de juízo crítico, de per si, lança por terra a base e fundamentação do próprio Acórdão condenatório, quando agraciou, o arguido com a suspensão da pena, ex vi o disposto pelo artigo 50.º, do Código Penal, invocando a “existência” de um juízo de prognose favorável, considerada a juventude do arguido,
15ª Ou seja, a prognose favorável não se verificou, antes, pelo contrário, sequer existem os seus mínimos indícios.
16ª Além de registar a ausência deste “juízo de prognose favorável”, o Relatório do P.R.S., afirmou ainda que, quanto a necessidade de intervenção e objetivo, o arguido necessita combater a “minimização da ilicitude do crime”,
17ª E, ainda, desenvolver a capacidade reflexiva que lhe permita a aquisição de competências pessoais e sociais com vista à integração dos direitos juridicamente defendidos e consciência face a eventuais danos ou vítimas, de forma a evitar a reincidência criminal”.
18ª De forma objetiva e contundente, o Relatório atesta, com indubitável caráter científico tout-court, que o arguido, até hoje, não possui consciência do que fez e que possui um risco latente de reincidência.
19ª O que, igualmente, implica na ineficácia das medidas pretendidas e sugeridas pelo P.R.S., em causa.
20ª Ex positis, o Despacho de homologação, ora recorrido, ao adotar in totum, por remissão, o conteúdo do Relatório e do P.R.S., homologando-o, com o devido respeito, violou o disposto pelos artigos 494.º, nº 1, do Código de Processo Penal, bem como dos artigos 51.º, nº 1, al. b), 52.º, nº 1, 53.º, nº 2, 54.º , nºs 1, 3 e 4, todos do Código Penal.
21ª Pelo que, deverá ser dado provimento ao presente Recurso para, a título principal, ser revogado o Despacho homologatório recorrido e substituído por outra decisão que indeferira e considere insuficiente e ineficaz as medidas propostas pelo P.R.S.- em causa.
Em quanto que, a título subsidiário, deverá igualmente ser revogado o Despacho ora recorrido para, substituindo-se por outra decisão que, revogue o mesmo ordenando-se seja oficiado à Embaixada da Albânia em Lisboa, que transmita aos autos, cópia do pedido de Visto do arguido e documentos que o instruíram, cópia da autorização de residência do mesmo, em Albânia, bem como cópia do contrato de atleta de futebol, assinado com o Clube albanês denonimado “K FILIARIA”, elaborando-se, posteriormente, novo P.R.S., bem como a extração e remessa de Carta Rogatória para as Justiças da Albânia, caso seja necessário para a obtenção de tais elementos de instrução.
NESTES TERMOS, requer-se, seja dado provimento ao presente recurso, para que:
-A) De acordo com as respetivas conclusões, a título principal, ser revogado o Despacho recorrido e substituído por outra decisão que indeferira e considere insuficiente e ineficaz as medidas propostas pelo P.R.S.- em causa, com os efeitos legais;
-B) Caso assim não se entenda, em caráter subsidiário, de acordo com as respetivas conclusões, deverá igualmente ser revogado o Despacho ora recorrido para que, substituindo-se por outra decisão que, revogue o mesmo, seja determinado a expedição de Ofício à Embaixada da Albânia em Lisboa, para que transmita aos autos, cópia do pedido de Visto do arguido e documentos que o instruíram, cópia da autorização de residência do mesmo, em Albânia, bem como cópia do contrato de atleta profissional de futebol, alegadamente assinado com o Clube albanês denonimado “K FILIARIA”, elaborando-se, posteriormente, novo P.R.S., bem como a extração e remessa de Carta Rogatória para as Justiças da Albânia, caso seja necessário para a obtenção de tais elementos de instrução. (…)”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“1. Por acórdão proferido nos autos, transitado em julgado, (A) foi condenado pela prática de 3 (três) crimes de abuso sexual de crianças, agravados, dos arts. 171º nº 1 e 177 nº 1-b), (este, na versão aplicável da Lei 103/2015) do Código Penal, nas penas de 2 (dois) anos de prisão, por cada um deles, e nas penas acessórias previstas nos arts. 69º-B nº2 e 69º-C nº2 do Código Penal, respectivamente, de proibição do exercício de funções e da proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais, pelo período de 5 (cinco) anos, por cada uma delas.
2. Realizado o cúmulo jurídico das penas parcelares, (A) foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na execução, por igual período, e em regime de prova, em cúmulo material com ambas as penas acessórias.
3. Veio a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais remeter aos autos o Plano de Reinserção Social, que foi objecto de despacho homologatório.
4. Com esta decisão não se conformou a assistente que dela interpôs o recurso a que ora se responde.
5. Da leitura das conclusões da motivação, é entendimento da recorrente que o plano de reinserção enferma de insuficiência instrutória, sendo totalmente ineficaz face inexistência de juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do condenado, tendo ocorrido violação do preceituado nos arts.494º, nº 1 do Código de Processo Penal e arts. 51º, nº1 b), 52º, nº1, 53º, nº2 e 54º, nº 1, 3 e 4 do Código Penal.
6. Antes de mais coloca-se a questão de saber se a assistente possui legitimidade e interesse em agir para recorrer do despacho em análise.
7. Ora, no caso sub iudice, salvo o devido respeito por entendimento contrário, tal interesse não ficou demonstrado.
8. Com efeito, dos arts. 401º, nº 1 b) e 69º, nº2 al. c) do Código de Processo Penal, conjugados com a jurisprudência fixada no Assento nº8/99 e nos acórdãos de uniformização nºs 5/2011 e 2/2020 do Supremo Tribunal de Justiça, infere-se que a assistente não tem legitimidade, na medida em que não está demonstrado um concreto e próprio interesse em agir, conforme exigido pelo primeiro Assento.
9. Caso assim não se entenda, desde já avançamos que se afigura correcta a decisão de homologar o plano de reinserção social, não se vislumbrando a violação de qualquer norma penal ou processual penal.
10. Identificadas as necessidades de intervenção, a D.G.R.S.P. definiu as actividades a desenvolver, e respectiva calendarização, enunciando as medidas de apoio e vigilância a adoptar pelos serviços de reinserção social.
11. Deste modo, verifica-se que foi dado cumprimento ao preceituado no art. 53º, nº 2 e 54º, nº 1 e 4 do Código Penal.
12. Alega ainda a recorrente que não existe qualquer comprovação da situação laboral do arguido, o qual limitou-se a declarar aos técnicos que é atleta profissional de futebol, residente na Albânia, onde exerce a sua actividade, possuindo contrato de trabalho, que não juntou, desconhecendo-se por completo da regularidade da sua permanência naquele país.
13. Salvo o devido respeito por entendimento distinto, tal circunstância não confere menor valia ao documento elaborado pelos técnicos de reinserção.
14. Na verdade, o tribunal não fixou qualquer imposição ao condenado no que concerne ao local da sua residência, não estando obrigado a residir em território nacional, nada o impedindo de viajar ou residir no estrangeiro. (cf. artt. 52º, nº 1 al. a) do CP)
15. De igual modo, não cabe no âmbito das competências da D.G.R.S.P. fiscalizar a regularidade da permanência do condenado em país estrangeiro.
16. Como evola do Plano de Reinserção, no âmbito das suas competências, por forma a acompanhar a reinserção de (A), a DGRSP determinará a comparência do condenado, nas suas instalações, em futuras entrevistas, sem prejuízo dos contactos à distância (por via electrónica e por telefone) que repute necessários, com apresentação de documentação relevante, medidas que se mostram adequadas ao acompanhamento daquele, permitindo-lhe atingir os objectivos de ressocialização.
17. O condenado denota dificuldades na interiorização da gravidade da sua conduta.
18. Todavia, manifestou-se colaborante e empenhado aquando do contacto com os técnicos, indiciando, assim, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
19. Fica, por isso, arredado qualquer juízo de ineficácia do plano de reinserção, inexistindo motivo que demande a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, revogação essa que só deverá ter lugar quando seja a única e última forma de conseguir alcançar as finalidades da pena.
20. A suspensão da execução da pena não ficou subordinada ao cumprimento de deveres por banda do condenado, destinados a reparar o mal do crime e a dar satisfação moral ao lesado, não se detectando qualquer violação do preceituado no art. 52º, nº 1 b) do Código Penal.
Termos em que julgamos não merecer censura o despacho recorrido, por obedecer a todos os requisitos legais e não ter violado qualquer norma, ou princípio. (…)”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto aderiu à fundamentação do MP em 1.ª instância pugnando pela improcedência do recurso interposto pela assistente.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, cumprindo apreciar e decidir sumariamente o recurso interposto pela assistente.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95[1] o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Na situação em apreciação suscita-se precisamente uma questão prévia suscetível de conhecimento oficioso, embora no caso até tivesse sido convocada pelo MP, ou seja, saber se a assistente podia ter lançado mão do recurso para reagir contra o Despacho Judicial Homologatório do Plano de Reinserção Social remetido ao processo pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais[2].
Em matéria de recursos penais são dois os pressupostos exigidos ao assistente para impugnar uma decisão judicial: a legitimidade e o interesse em agir. Por outras palavras, os assistentes podem recorrer, mas apenas “das decisões contra eles proferidas” (artigo 401.º, n.º 1, alínea b)) e se revelarem interesse em agir (n.º 2).

Assim, o n.º 1, da alínea a) do preceito citado estabelece que a decisão para poder ser sindicada através do recurso, apresentado pelo assistente, tem de o afetar no sentido de ser contrária à posição processual assumida por ele, tem de lhe infligir uma desvantagem, frustrar uma sua expectativa concreta ou interesse legítimo, em suma, tem de ter sido proferida contra ele (alínea b) do n.º 1 do artigo 401.º do CPP).

Revertendo ao caso em análise não se pode afirmar ter a decisão homologatória do Plano de Reinserção Social do arguido sido proferida contra a assistente, pois aquela apenas surge na sequência da prolação de um Acórdão condenatório do arguido[3], transitado em julgado designadamente, quanto à suspensão da execução da pena, não se deslindando em que medida a decisão de homologação do PRS afete a assistente.

Não tendo o despacho homologatório infligido qualquer interesse legítimo da assistente sob o ponto de vista processual, pois aquele não foi proferido contra si não lhe assiste legitimidade para recorrer, quando, no caso, para além do mais, o Ministério Público com aquele se conformou.

Chegados a este ponto cumpre salientar resultar, precisamente do artigo 69.º, n.º 1 do CPP, que o assistente tem uma posição de colaborador do Ministério Púbico, a cuja atividade subordina a sua intervenção. No fundo o assistente, em processo penal, é um colaborador subordinado do Ministério Público.

É verdade estar essa subordinação ressalvada por exceções legais (cf. artigo 69.º, n.º 1 do CPP), designadamente no campo dos recursos, mas com se disse apenas quando a decisão afetar o assistente. É que o interesse do assistente em recorrer tem de ser concreto e só assume relevância (processual) se o prejudicar.

Sobre a temática do direito ao recurso do assistente já o STJ foi chamado a pronunciar-se por diversas vezes, tendo através do Assento n.º 8/99 [4], sido fixada jurisprudência no sentido de o assistente nem sequer ter legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada ao arguido, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.

Embora o assistente possa interpor recurso das decisões que o afetem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito (cf. alínea c) do n.º 2 do artigo 69.º do CPP), aquele não deixa de ser um colaborador do MP, no sentido de com a sua atuação, contribuir para uma melhor realização dos interesses confiados ao Ministério Público, a quem, em conformidade com o disposto no artigo 53.º, n.º 1 do CPP, compete, no processo penal, «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito».

O interesse corporizado pelo assistente tem de ser um interesse particular, autónomo, e ainda subordinado ao interesse público, só assumindo relevância (processual) se contribuir para uma melhor realização da administração da justiça (do exercício da ação penal)

A assistente teve oportunidade em momento próprio de interpor recurso do Acórdão condenatório cujo teor considerou desfavorável às suas expectativas.

Pretendendo a assistente, nesta fase processual, interpor recurso do despacho homologatório do PRS de forma autónoma, isto é, desacompanhada do Ministério Público, impendia sobre si um específico ónus de demonstrar um particular interesse, ou seja, estar o seu direito carecido de tutela, por a decisão ter sido proferida «contra si» sendo uma decisão «que a afetou», no sentido de ter sido proferida contra pretensões por si formuladas no processo.

Aliás a exigência imposta pelo Assento do STJ n.º 8/99 de o assistente ter de demonstrar um interesse concreto e próprio em agir não consubstancia nenhuma interpretação inconstitucional por limitadora do direito ao recurso pelo assistente, como é assinalado no Acórdão do TC n.º 205/01, no qual é expressamente afirmado que a exigência imposta pelo acórdão uniformizador apenas cominou “um específico ónus de demonstração de um particular interesse” “desde que mostre que da concreta escolha da medida da pena aplicada ao arguido lhe decorre específica e concreta lesão de interesses pessoais relevantes”.

Na situação em apreciação, tal interesse e lesão não é invocado nem demonstrado e daí no âmbito da jurisprudência obrigatória referida dever concluir-se não ter a assistente, no caso concreto, legitimidade para recorrer, porquanto não está demonstrado um concreto e próprio interesse em agir, como é exigido pelo Assento do STJ n.º 8/99.


III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Rejeita-se o recurso por falta de legitimidade da assistente para recorrer (artigos 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 2 do CPP).
2. Condena-se a recorrente/assistente no pagamento de 3 UC, nos termos constantes do n.º 3 do artigo 420.º do CPP.

Évora, 11 de março de 2024
Beatriz Marques Borges

__________________________________________________
[1] Ac. STJ de 19-10-95, publicado no DR I-A de 28-12-95.
[2] Cf. sobre a temática do interesse do assistente em recorrer o Ac. RG de 02-10-2006, prolatado no Processo n.º 834/06-2, relatado CRUZ BUCHO e disponível para consulta em https://jurisprudencia.pt/acordao/6145/.
[3] Na qual fora aplicada uma pena única de quatro anos e seis meses de prisão suspensa na execução, por igual período, e em regime de prova, e nas penas acessórias de proibição do exercício de funções e da proibição de confiança de menores e inibição de responsabilidades parentais, pelo período de cinco anos.
[4] Publicado no DR n.º 185/1999, Série I-A, de 10-8.; Cf. também Ac. do STJ n.º 5/2011 de 9-02-2011 (publicado no DR, 1.ª série, de 11-03-2011).