CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Sumário

I – A intervenção como assistente pode ser requerida no próprio acto cuja prática já pressupõe tal qualidade, incluindo na interposição de recurso do despacho que declara a ilegitimidade do Ministério Público para a acção penal.
II – Todavia, não pode considerar-se que esta decisão tenha sido proferida contra o assistente, (já que este, em inquérito, nem sequer se constituíra como assistente e, por isso, não deduzira acusação, nem aderira à acusação), mas contra o Ministério Público (o autor da acusação) que, porém, não recorreu do despacho de arquivamento.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:

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I- Relatório
No processo comum n.º 423/04.6GCGMR /1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido Domingos imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º1, do Código Penal.
Com o fundamento em que não existe manifestação ou declaração de vontade da ofendida Laura no sentido de que seja instaurado o correspondente procedimento criminal contra o autor da agressão, declarando a ilegitimidade do Ministério Público para a presente acção penal, o Ex.mo Juiz absolveu da instância o arguido Domingos, ordenou o oportuno arquivamento dos autos e, em consequência, não admitiu o pedido de indemnização civil deduzido pela ofendida Laura.
É o seguinte o teor de tal despacho proferido em 26 de Abril de 2005:

“Em processo comum, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido Domingos imputando-lhe a autoria de factos susceptíveis de integrarem a comissão de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punível pelo artigo 143°, n° 1 do Código Penal.
Esse ilícito criminal reveste natureza semipública (artigo 143°, nº 2 do Código Penal), sendo, portanto, condição de procedibilidade pelos factos correspondentes e de legitimidade do Ministério Público que o ofendido exerça o direito de queixa que lhe assiste (artigos 48° e 49°, n.º 1 do Código de Processo Penal).
Ora, compulsados os autos, verifica-se que a ofendida Laura em momento algum declarou desejar procedimento criminal contra o arguido.
É certo que os factos que a este são imputados no despacho de acusação foram objecto de participação ao agente da Guarda Nacional Republicana que tomou conta da ocorrência e elaborou o auto de notícia de fls. 3. Todavia, tal como se extrai desse auto de notícia, aquela ofendida não declarou nesse momento, ou em outro qualquer acto do processo, designadamente quando prestou declarações (Cfr. fls. 4 e 18), desejar procedimento criminal contra o arguido.
Como é sabido, o exercício do direito de queixa pressupõe mais que uma mera declaração de ciência, traduzida na transmissão do conhecimento de certos factos ao Ministério Público ou a outras entidades com competência para receber denúncias, acompanhadas ou não da indicação da identidade dos seus autores.
A queixa é mais do que isso. É a manifestação ou declaração de vontade de que seja instaurado o correspondente procedimento criminal contra os autores de certos factos passíveis de integrarem a autoria de um ou vários ilícitos criminais - Cfr. nesse sentido Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol.1, 3a ed., pág. 240 e Vol. III, págs. 51 e 52.
Veja-se também nesse sentido o Ac. da Rel. do Porto de 4/12/1984, onde se decidiu que "um auto de notícia lavrado por imposição legal não pode servir como exercício do direito de queixa" (citado por Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 12a ed., pág. 182)
No caso dos autos, como se disse já, essa manifestação de vontade, por parte de quem para o efeito tinha legitimidade não existiu - ao menos dentro do prazo previsto no artigo 115°, n.º 1 do Código Penal. Daí que o Ministério Público careça de legitimidade para o presente procedimento criminal, o que deve ser declarado com a consequente absolvição da instância.
Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no artigo 311°, n.º 1 do Código de Processo Penal, declarando a ilegitimidade do Ministério Público para a presente acção penal, decido absolver da instância o arguido Domingos, ordenando ainda o oportuno arquivamento dos autos.
Notifique.
Face ao decidido e em consonância com o princípio da adesão, resulta impossível conhecer nos pressentes autos do mérito do pedido cível deduzido a fls. 40 e seguintes.
Assim sendo, decide-se ainda não admitir o mesmo.
Notifique.”

2. Laura, notificada daquele despacho proferido a fls. 46 e 47, veio em 27 de Maio de 2005, por requerimento junto a fls. 52, requerer a sua constituição como assistente e, não se conformando com o despacho de arquivamento, interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I) O Ministério Publico deduziu acusação contra o arguido Domingos, imputando-lhe um crime de ofensa à integridade física simples, artigo 143, n.º.1 do Código Penal, sendo este um crime de natureza semi-pública.
II) No entanto, o Meritíssimo Juiz entendeu que a ofendida não declarou desejar procedimento criminal contra o arguido, decretando, por isso, a ilegitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal e mandou arquivar o processo.
III) O exercício do direito de queixa é condição para desencadear o procedimento criminal.
IV) Nos crimes de natureza semi-pública, a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal, necessita de ser integrada por uma queixa.
V) A queixa consiste em dar-se conhecimento do facto para que seja promovido o processo.
VI) No entanto, a queixa pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do respectivo titular de que haja procedimento criminal por determinado facto.
VII) A queixa não está sujeita a formalidades especiais, o que interessa é que haja uma intenção inequívoca do titular do direito de queixa de que tenha lugar procedimento criminal por certo facto.
VIII) Não é imprescindível que conste de forma sacramental a expressão ‘desejo procedimento criminal ‘contra o arguido’, bastando simples participação, acrescida de outros factos existentes nos autos que, de forma explicita, e ou implícita, mas de forma inequívoca e irrefragável, manifestam o desejo, por parte do titular do direito de queixa de responsabilizar o arguido pelos factos praticados.
IX) É suficiente a participação dos factos, acrescida da declaração da ofendida a confirmar o teor do auto de notícia, a indicação de testemunhas, a constituição de mandatário judicial, a submissão a exame médico-legal, a declaração ao médico de que tinha participado e, por último, a dedução de pedido de indemnização cível.
X) Assim, a decisão do Meritíssimo Juiz violou os artigos 143°, n.º 2, 48°, 49°, e 311° do Código de Processo Penal.
XI) Deve, pois, o despacho ser revogado e substituído por outro que receba a acusação deduzida contra o arguido.

3. Por despacho de 31-5-2005, o M.º Juiz não admitiu o recurso interposto por falta de legitimidade da ofendida
É o seguinte o teor daquele despacho proferido a fls. 72 e 73:
“Laura, ofendida nestes autos, tendo sido notificada do despacho proferido a fls. 46 e 47, que declarou a ilegitimidade do Ministério Público para a presente acção penal e, consequentemente, absolveu o arguido da instância e ordenou o arquivamento do processo, veio apresentar requerimento de interposição de recurso versando sobre essa mesma decisão, pretendendo vê--la revogada.
Preceitua o artigo 401°, n.° 1 do Código de Processo Penal nos seguintes termos:
"Têm legitimidade para recorrer:
O Ministério Público, de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido;
O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas;
As partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas;
Pois bem, tendo presente este normativo, afigura-se que a ofendida não tem legitimidade para recorrer da supra-citada decisão. Com efeito, muito embora tenha agora requerido a sua constituição como assistente, certo é que, neste momento processual - no momento em que cumpre apreciar dos pressupostos da admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 414°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal - a ofendida ainda não detém essa qualidade, razão pela qual, em nosso entender, não deve ser-lhe atribuída legitimidade à luz da al. b) do n° 1 do artigo 401° do Código de Processo Penal.
Por outro lado, muito embora a ofendida haja deduzido pedido cível e tal pedido seja reflexamente afectado pela decisão tomada relativamente à instância criminal, verifica-se que aquela apenas pretende colocar em crise esta mesma decisão relativa à acção criminal. Donde não possa também conferir-se legitimidade à recorrente à luz do preceituado no artigo 401°, n° 1, al. c) do Código de Processo Penal.
Nesse sentido se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto de 10/1/1990, cujo sumário é transcrito por Maia Gonçalves, no seu Código de Processo Penal Anotado, 12a ed., a págs. 761, onde pode ler-se que "não é admissível o recurso interposto pelo ofendido do despacho que não recebeu a acusação do MP, ainda que ele tenha formulado pedido de indemnização civil pelos danos que sofrera. O ofendido não é sujeito processual, mas um mero participante processual. Por outro lado, o pedido de indemnização, embora enxertado na acção penal, conserva as características de verdadeira acção cível e a causa de pedir não é o crime, mas o dano sofrido pelo lesado. Daí a falta de legitimidade do ofendido para recorrer.”
Pelo exposto, de harmonia com o preceituado no artigo 414°, n.º 2 do Código de Processo Penal, não admito o recurso que a ofendida Laura visava interpor.
Notifique.”

4. Em 20 de Junho de 2005 Laura reclamou do despacho de não admissão do recurso (fls. 135-140)

5. Por despacho de 24-11-2005 do Exmo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, foi decidido sobrestar na decisão da reclamação até que fosse decidida a almejada constituição de assistente (fls. 166-168).

6. Por despacho de 23-9-2005 Laura foi admitida a intervir nestes autos na qualidade de assistente (fls.79).

7. Com o fundamento de que com a prolação do despacho que não admitira o recurso se esgotara o poder jurisdicional do tribunal sobre a matéria, por despacho de 23-1-2006 foi determinado o desentranhamento dos autos de reclamação e o seu envio a esta Relação (fls. 176-178).

8. Por despacho de 30-1-2006 do Exmo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguimento da solução proposta e tendo em conta que nos termos da alínea b) do art. 401º do Código de Processo Penal o assistente tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas, atendendo-se à reclamação apresentada foi determinado que o Mº Juiz admitisse o recurso interposto pela assistente.

9. Por despacho de 2-3-2006 e em obediência ao superiormente decido foi, finalmente, admitido o recurso interposto a fls. 52 por Laura, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Não foi apresentada qualquer resposta pelo arguido, apesar de notificado nos termos do artigo 411º, n.º5, do CPP.
Na 1ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso interposto pela assistente, suscitando a questão prévia da ilegitimidade da recorrente e pronunciando-se pela rejeição do recurso, o qual, caso assim se não entenda, deve ser julgado improcedente
Neste Tribunal o Exmo Sr. Procurador Geral Adjunto pronunciou-se pela rejeição do recurso.
Na resposta a que alude o artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal a assistente reafirma a sua legitimidade.
No exame preliminar a que alude o citado artigo 417º, n.º1 o relator suscitou a questão prévia da ilegitimidade do assistente por a decisão recorrida não ter si proferida contra si.
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Colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência pelo que cumpre conhecer.
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II- Fundamentação
A questão da legitimidade da recorrente
1. Conforme decorre do precedente relatório cuja extensão se mostra necessária ao correcto enquadramento desta problemática, o Ministério Público, quer na 1º instância quer nesta Relação, suscitou a questão prévia da ilegitimidade do recorrente por o recurso em causa ter sido interposto pela assistente quando a mesma ainda não possuía tal estatuto.
Nos termos do artigo 410º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal têm legitimidade para recorrer “(…) o assistente, de decisões contra eles proferidas”
Face a este normativo é pacífico que o ofendido só poderá interpor recurso da decisão penal se se tiver constituído assistente; não detendo tal qualidade carece de legitimidade para recorrer (cfr. v.g. o ac. do S.T.J. de 20-10-1993, Col. de Jur.-Acs do STJ, ano I, tomo 3, pág. 218).
No caso em apreço, no momento em que interpôs o recurso a ofendida ainda não tinha sido admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente, qualidade que veio a requerer em simultâneo com a interposição do recurso e só lhe veio a ser reconhecida por despacho de 23-9-2005.
A questão a analisar consiste, por conseguinte, em saber se a intervenção do assistente pode ser requerida no próprio acto cuja prática já pressupõe a qualidade de assistente ou se está reservada àquelas pessoas que hajam já previamente obtido tal estatuto.
A este respeito confrontam-se nos autos duas posições antagónicas e bem definidas.
Por um lado, o Mº Juiz, no despacho recorrido, e o Ministério Público, quer no Tribunal recorrido quer nesta Relação, nas contramotivações e no parecer respectivamente, sustentam que o recurso apenas pode ser interposto por quem tiver a qualidade formal pré existente de assistente, por quem já gozasse do seu estatuto processual.
Assim, no despacho de 31-5-2005, que não admitiu o recurso interposto por falta de legitimidade da ofendida argumenta-se que:
“(…) muito embora tenha agora requerido a sua constituição como assistente, certo é que, neste momento processual - no momento em que cumpre apreciar dos pressupostos da admissibilidade do recurso, nos termos do artigo 414°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal - a ofendida ainda não detém essa qualidade, razão pela qual, em nosso entender, não deve ser-lhe atribuída legitimidade à luz da al. b) do n° 1 do artigo 401° do Código de Processo Penal” .

Por outro lado, quer o Exmo Vice-Presidente desta Relação no seu despacho que de 24-11-2005 em que decidiu sobrestar na decisão da reclamação até que fosse decidida a constituição de assistente, quer a recorrente na reclamação que oportunamente apresentou, sustentam a tese contrária qual seja a de que a intervenção do assistente pode ser requerida no próprio acto (interposição de recurso) cuja prática já pressupõe a qualidade de assistente.
Assim, lê-se naquele douto despacho:
“Cotejando a disciplina destes normativos podemos assentar em que a faculdade consignada pelo disposto na al. b) do n.º 1 do art. 401.º do C.P.Penal se mede mais pela possibilidade de o ofendido se poder constituir assistente para interpor recurso do que pela constatação desta sua efectiva e já definida qualidade jurídico processual.
Quer isto dizer que o momento que releva para o assistente passar a ter as prerrogativas que este estatuto processual lhe confere é aquele em que o requerente manifesta este propósito e faz o pedido nesse sentido, alheando-se e desinteressando-se a lei da altura em que é deferido aquele seu desejado objectivo, isto é, assinalando diminuta importância quanto a este circunstanciado aspecto.
Não impondo a lei que o ofendido se constitua assistente na fase do inquérito, neste contexto adjectivo assim apresentado hão-de igualar-se para este efeito as figuras do assistente e do ofendido que com o requerimento do recurso peça igualmente a sua admissão como assistente; ponto é que este atributo lhe seja posteriormente concedido, deste modo se podendo reconhecer como válida ab initio este seu intuito.
Se assim não fosse, ter-se-ia de admitir, contra todas as regras para o caso propostas, que para o ofendido poder recorrer teria de se constituir assistente sempre na fase de inquérito, circunstancialismo que a racionalidade do regime legal ora em exame não permite concluir.
Ao mandar cumprir o disposto n.º 4 do artigo 68.° do C.P.Penal, o EX.mo Juiz deferiu liminarmente o pedido de assistente formulado pela ofendida/requerente, diferindo para momento ulterior a decisão a proferir sobre esta pretensão.
Porém, a parte do despacho que rejeita o recurso interposto pela ofendida que simultaneamente requereu a sua constituição de assistente no processo, resulta de uma apreciação intempestiva da questão assim posta em juízo e, por isso, não poderá já ser resolvida fazendo apelo ao regime legal pontificado no art.º 405.° do C.P.Penal, pois que neste enquadramento legal só a pronúncia sobre a admissibilidade ou subida imediata do recurso cabe nas nossas atribuições.”

A questão que enunciámos, de saber se a intervenção do assistente pode ser requerida no próprio acto cuja prática já pressupõe a qualidade de assistente, ou se está reservada àquelas pessoas que hajam já previamente obtido tal estatuto, não é nova e foi intensamente debatida na doutrina e na jurisprudência a propósito de saber se o requerimento de abertura de instrução apenas podia ser formulado por quem já estivesse constituído como assistente (como pretendiam Isidoro Augusto, Momento da constituição de assistente no Inquérito, Revista do Ministério Público, n.º 47, pág. 99, José António Barreiros, Sistema e estrutura do Processo Penal Português, II, Lisboa, 1997, o ac. do S.T.J. de 25-10-1995, Col. de Jur., ano XX, tomo 3, pág. 214, ac. da Rel. do Porto de 11-7-1990, Col. de Jur. de 11-7-1990, Col. de Jur. ano XV, tomo 4, pág 247) ou se também podia ser formulado por quem, nesse mesmo acto solicitasse a sua constituição como assistente (como sustentava Borges de Pinho, Da Acção Penal, 1988, pág. 167, Souto Moura, Inquérito e Instrução, in Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra, 1989, págs. 116 e 117, Odete Maria de Oliveira, Problemática da Vítima de Crimes, Lisboa, 1994, págs.117-140 e, na jurisprudência, entre muitos outros, v.g., os acs. das Relações de Coimbra de 5-12-1990, Col. de Jur. ano XV, tomo 5, pág. 88, de Évora de 15-12-1992, Col. de Jur. ano XVII, tomo 5, pág. 281, do Porto de 6-12-1995, Col. de Jur. ano XX, tomo 5, pág. 259 e de 6-1-1999, B.M.J. n.º 274).
A questão foi tão largamente debatida que nos vamos limitar, muito sumariamente, a enunciar as razões porque sempre aderimos a esta última corrente, largamente maioritária:
- inexistência de obrigatoriedade legal de constituição de assistente no decurso do inquérito;
- a instrução, a acusação ou o recurso poderem ser respectivamente requerida, deduzida ou interposto durante certo prazo - dies ad quem- e assim durante esse prazo poder ser também requerida a constituição como assistente;
- a expressão “assistente” não foi empregue pelo legislador em termos próprios, abrangendo as pessoas titulares do direito a constituírem-se em tal estatuto;
- só assim ganha sentido a previsão do n.º3 do artigo 277º, quando manda notificar do arquivamento a pessoa com mera legitimidade para se constituir como assistente.
- sem pôr em causa os direitos do arguido, é esta a interpretação que melhor acautela os interesses e direitos da vítima.
A procedência destas razões e argumentos levou o legislador a consagrar em letra de lei esta interpretação que sempre se revelou claramente maioritária.
Com efeito, por via da revisão operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o legislador veio expressamente admitir a intervenção dos assistentes nos casos dos artigos 284º e 287, n.º1, alínea b), “no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos” [artigo 69º, n.º3 alínea b)].
Por outras palavras, o legislador, pondo cobro a algumas vozes isoladas e reconhecendo a correcção da tese maioritária, explicita agora, de forma inequívoca, que o denunciante com a faculdade de se constituir assistente, notificado da acusação do Ministério Público (cfr. artigo 277º, n.º5 ex vi do artigo 283º, n.º5, ambos do Código de Processo Penal), pode, no prazo do artigo 284º, requerer a constituição de assistente e deduzir acusação ou aderir à acusação pública, e ainda que o mesmo denunciante com a faculdade de se constituir assistente, notificado do arquivamento (artigo 277º, n.º5), pode, no prazo do artigo 287º requerer a sua constituição como assistente e a abertura de instrução (cfr. Lopes da Mota, A revisão do Código de Processo Penal, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, fasc.2º, Abril-Junho de 1998, pág. 185).
Ora, algumas daquelas razões ou argumentos que subjazem a esta solução legislativa são transponíveis, mutatis mutandis, para o caso em apreço como foi, de resto, exemplarmente demonstrado pela recorrente, no requerimento de reclamação que apresentou do despacho de não admissão do recurso e no despacho do Exmo Vice-Presidente desta Relação que a atendeu.
Com efeito, a tese subscrita no despacho recorrido tem ínsita a ideia de que o ofendido tem de constituir-se assistente na fase de inquérito, pois de outro modo estará impedido de interpor recurso do despacho que ordenou o arquivamento dos autos por ilegitimidade do Ministério Público.
Mas, salvo nos casos de crimes cujo procedimento criminal depende de acusação particular, em que é exigido que o particular esteja constituído assistente desde o início do inquérito (artigos 50º, n.º1 e 285º, ambos do Código de Processo Penal; cfr. v.g., Germano Marques da Silva, Do Processo Penal Preliminar, Lisboa, 1990, págs. 423-424) a lei não impõe ao ofendido com a faculdade de se constituir assistente a obrigatoriedade de se constituir assistente na fase de inquérito.
Pelo contrário, a mesma lei prevê expressamente que o assistente intervenha em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeira ao juiz até cinco dias antes do início do debate instrutório ou audiência (artigo 68º, n.º2 do Código de Processo Penal).
Por outro lado, a aceitação do processo "no estado em que se encontrar” apenas implica a aceitação dos actos processuais anteriormente praticados, não impedindo porém o exercício de direitos relativos a ulteriores actos e fases do processo e, no caso dos autos, à data do requerimento de constituição de assistente e de interposição de recurso, o despacho de arquivamento ainda se não tornara definitivo, uma vez que ainda não transitara em julgado.
A tese sustentada no despacho recorrido poderia facilmente conduzir a situações menos claras: bastaria pensar no caso de, por razões alheias ao requerente, o pedido de constituição de assistente feito no momento da queixa ainda não ter sido deferido após o decurso do prazo referido no artigo 284º, n.º1 do Código de Processo Penal. Nesta situação e perfilhando aquela posição, o ofendido ainda não investido formalmente do estatuto de assistente seria privado do recorrer do despacho proferido ao abrigo do artigo 311º do Código de Processo Penal, que se pronunciasse sobre nulidades, questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da casa ou que rejeitasse a acusação.
Conclui-se, deste modo, que o ofendido com a faculdade de se constituir assistente pode recorrer do despacho proferido nos termos do artigo 311º do Código de Processo Penal que, por falta de queixa, declara a ilegitimidade do Ministério Público e, em consequência, absolve o arguido da instância e ordena o oportuno arquivamento dos autos, desde que requeira simultaneamente a sua constituição como assistente.
Ponto é que, como ocorre no caso dos autos, aquele despacho ainda não tenha transitado em julgado e que aquela qualidade de assistente venha efectivamente a ser reconhecida.
Nesta medida improcede a questão prévia suscitada pelo Ministério Público.

2. Mas daquela improcedência não decorre, necessariamente e sem mais, a legitimidade do recorrente.
É que, contrariamente ao MP que pode recorrer “de quaisquer decisões, ainda que no exclusivo interesse do arguido”[(art. 401º, n.º1, al. a)], o que se explica “atenta a natureza de órgão de justiça do MP” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 314), quer o arguido quer o assistente, apenas podem recorrer “de decisões contra eles proferidas” [(art. 401º, n.º1, al. b)].
Também o artigo 69º, n.º2 alínea c) do CPP reconhece aos assistentes o direito de “Interpor recurso das decisões que o afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito.”
Como bem esclarece o Prof. Germano Marques da Silva na sua tese de doutoramento, “Deve entender-se a expressão ‘das decisões que os afectem’ como sendo aquelas que contrariem as posições processuais assumidas pelo assistente” (Do Processo Penal Preliminar, cit., pág. 427-428).
Ora, como o Ministério Público não recorreu da decisão que ordenou o arquivamento dos autos por ilegitimidade do mesmo Ministério Público, não pode considerar-se que esta decisão tenha sido proferida contra o assistente, já que este, em inquérito, nem sequer se constituíra como assistente e, por isso, não deduzira acusação, nem aderira à acusação.
Como nenhuma posição processual fora assumida pelo assistente, não se vê que a decisão o afecte.
Não lhe assiste, por conseguinte, legitimidade para recorrer daquele despacho pois o mesmo não o afectou (do ponto de vista processual) nem foi proferido contra si, mas contra o Ministério Público (o autor da acusação) que, porém, não recorreu do despacho de arquivamento.
Neste sentido e para casos semelhantes, podem citar-se na jurisprudência os seguintes arestos:
- ac. da Rel. de Lisboa de 16-3-1999, Proc.º n.º 0010695, rel. Carmona da Mota (in www.dgsi,pt/):
“O despacho que ordenou o arquivamento dos autos, por se considerar prescrito o procedimento criminal, não é decisão proferida contra o assistente que não deduzia acusação nem aderira à acusação do MP, pelo que não lhe assiste legitimidade para recorrer daquele despacho”

-ac. da Rel. de Lisboa de 17-06-1998, rec.º n.º 0032833, rel. Santos Carvalho(in www.dgsi,pt/):
“Tendo-se declarado, por despacho judicial, prescrito o procedimento criminal e extinta a instância relativa ao pedido cível, por inutilidade superveniente, a parte civil, ainda que se constitua assistente no momento em que interpõe recurso, não tem legitimidade para recorrer daquele despacho na parte em que versou sobre matéria penal. E isto porque não tinha, como assistente, deduzido acusação, nem acompanhado a do MP, tendo de aceitar o processo tal como se encontrava no momento, isto é, com despacho de arquivamento.

- ac. da Rel. de Lisboa de 3-3-1998, Col. de Jur. ano XXIII, tomo 2, págs. 140-142 (pág. 142):
“Acresce que à assistente – que não acusou pelo crime de dano (art285º do CPP) nem aderiu à correspondente acusação do MP(art. 284º,n1 e 2.a) nem sequer assitiria legitimidade para recorrer do despacho judicial que não pronunciou pelo crime de dano exclusivamente acusado pelo M.ºP.º”

- ac. da Rel. de Lisboa de 23-04-1997, rec.º n.º 0006443, rel. Santos Carvalho(in www.dgsi.pt/)
“Como o Ministério Público não recorreu da decisão de não recebimento da sua acusação, assistente, que não deduziu acusação e nem sequer acompanhou aquela outra, tem de acompanhar essa posição do Ministério Público e não pode recorrer desse despacho, pois o mesmo não o afecto (do ponto de vista processual), nem foi proferido contra si”
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Assim, embora por fundamentos diversos dos constantes do despacho recorrido, deve o presente recurso ser rejeitado por falta de legitimidade da assistente para recorrer (artigos 414º, n.º 2 e 420º, n.º2, ambos do Código de Processo Penal).
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III - Dispositivo
Em face do exposto, acorda-se em rejeitar o recurso por falta de legitimidade da assistente para recorrer
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC a que acresce o pagamento de igual importância, nos termos do artigo 420º, n.º4 do Código de Processo Penal.
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Guimarães, 2 de Outubro de 2006