RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INDEFERIMENTO LIMINAR DA PETIÇÃO
ABONO DE FAMÍLIA
Sumário

I - O indeferimento liminar de uma petição inicial, por manifesta improcedência (previsto em diferentes normas processuais), não constitui uma decisão-surpresa para efeito do art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (C.P.C.).
II – Nos termos do art.º 1878.º, n.º 1, do Código Civil (C.C.), “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde destes, prover ao seus sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens, prevendo o art.º 1897.º do mesmo Código que “os pais devem administrar os bens dos filhos com o mesmo cuidado com que administram os seus”.
III – Ainda que o abono de família para crianças e jovens, processado em Portugal ou no estrangeiro, não seja um qualquer provento do trabalho, mas sim uma prestação social, titulada pelas crianças, para proteção nos encargos familiares – como previsto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 02/08, qualquer um dos progenitores pode administrá-lo.
IV – Não coabitando os titulares com ambos os progenitores, tais prestações patrimoniais (abonos de família) devem ser administradas pelo progenitor com quem vivam, na proporção em que tal aconteça; assim, e por exemplo, num caso de fixação da residência da criança exclusivamente junto de um dos progenitores, deverá ser esse a receber e a administrar o abono de família, mas, novamente a título de exemplo, se a residência for fixada alternadamente (e com idênticos períodos de tempo) com cada um dos progenitores, então a quantia do abono de família deverá ser administrada em partes iguais por ambos (o que implicará acertos de contas entre eles, por o processamento da prestação ter de ser a favor de um só beneficiário).
V – Na sequência de um acordo de exercício das responsabilidades parentais, os progenitores têm a liberdade de decidir quem receberá, e administrará, o abono de família das crianças, até por tal poder ser determinante da medida em que será fixada a obrigação de alimentos, podendo, inclusive, fazer reportar o acordo que fizerem a uma data anterior, pois tal insere-se no âmbito da disponibilidade das partes.
VI – O Direito não é alheio à ética, pelo contrário: entre o mais, positiva-a.
VII – Volvidos menos de 7 meses após a sentença homologatória do acordo de exercício das responsabilidades parentais, detalhado (abrangendo, na vertente patrimonial, a especificação da quantia devida a título de alimentos, modo de pagamento e critério anual de atualização, comparticipação em despesas de saúde, de educação, extraordinárias, em atividades extracurriculares e pagamento dos abonos de família), sem que seja alegada falta ou vício de vontade ou o conhecimento superveniente de um facto, é contrário ao sentido positivo, da dimensão ética e objetiva, do princípio da boa fé, e manifestamente improcedente, vir pedir que sejam pagas outras quantias pagas a título de abono de família respeitantes a período anterior ao da data do acordo homologado e não nele estipulado.

Texto Integral

APELAÇÃO N.º 1334/22.9T8MCN-A.P1

SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do C.P.C.):

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Acordam os Juízes na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.ª Adjunta: Eugénia Cunha e

2.ª Adjunta: Fernanda Almeida.


ACÓRDÃO


      I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de ação tutelar comum, com processo especial, nos termos do art.º 67.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (R.G.P.T.C.) é autora (A.) e recorrente AA, portadora do C.C. n.º ... e titular do N.I.F. ...91, residente na Rua ..., ..., ... ... – Felgueiras, e é réu (R) BB, portador do C.C. ... e titular do N.I.F. ...94, residente em ... – Suíça, sendo progenitores das crianças CC, nascida aos 27/06/2016, e DD, nascido aos 23/10/2017.

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      Procedemos agora a uma síntese do processado, e factual, destinada a facilitar a compreensão do objeto do presente recurso([1]):

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      1) Na ação principal, de divórcio sem consentimento, aos 19/04/2023 foi proferida sentença homologatória dos acordos legalmente exigidos para a conversão em divórcio por mútuo consentimento, feitos constar da ata da legal tentativa de conciliação ocorrida nesse dia.

      2) Do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, na parte que aqui releva, consta a seguinte cláusula:

10.º (Pensão de alimentos e despesas)

10.1. O progenitor contribuirá, a título de alimentos devidos aos seus filhos menores, com a quantia mensal de €300,00 (trezentos euros), €150,00 (cento e cinquenta euros) para cada um dos seus filhos, destinada exclusivamente ao sustento dos mesmos, montante este a pagar até ao dia 8 (oito) de cada mês que respeitar, por transferência bancária para o IBAN que progenitora indicará nos autos, no prazo de 5 dias.

10.2. A prestação alimentícia será atualizada, anualmente, no mês de maio de 2024, no valor de €3,00 (três) euros, passando a mesma ao valor de €153,00, por cada menor, e assim sucessivamente nos anos subsequentes.

10.3. As despesas extraordinárias, considerando-se como tal as despesas escolares e de educação que vierem a ocorrer, nas respetivas idades (aquisição de livros, material escolar, explicações, ATL e centro de estudos, e ainda, uma atividade desportiva por cada menor, e as despesas de saúde, medicamentosas e terapêuticas, devidamente comprovadas, pela apresentação dos competentes recibos, serão suportados pelo pai na proporção de metade, com exceção de todas aquelas que estejam cobertas por qualquer seguradora ou outra entidade similar, ou subsídios escolares, a benefício de qualquer dos progenitores.

10.3.1. Qualquer outra despesa extracurricular, será repartida por ambos os progenitores, desde que tenha havido a anuência de ambos os progenitores.

10.3.2.([2]) O pagamento da comparticipação referida no número anterior será efetuado pelo pai, juntamente com a pensão de alimentos, no mês seguinte àquele em que foi apresentado o respetivo comprovativo pela mãe.

10.4. O abono de família atribuído às crianças deverá continuar a ser processado e atribuído à progenitora”.

      3) No dia 03/11/2023 a A. deu entrada à petição inicial que deu início a estes autos, formulando o seguinte pedido:

      “Termos em que, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e o R. condenado a entregar à Autora, na qualidade de legal representante dos menores, o valor do abono de família recebido das entidades Suíças, entre Outubro/2021 e Setembro/2022, acrescido de juros de mora até integral e efetivo pagamento([3]).

       3.1) Para tal, e em síntese (e no que para esta ação interessa), invocou a A. que, na sequência da crise conjugal, veio da Suíça para Portugal (..., Felgueiras) com os filhos, no dia 17/12/2021, tendo o R. recebido o abono de família dos filhos entre outubro de 2021 e setembro de 2022, que no tocante ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais o R. chegou a comprometer-se a entregar-lhe o abono de família dos filhos no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento (os acordos necessários deram entrada na Conservatória do Registo Civil de Felgueiras no dia 20/10/2021) mas que, como depois o R. não compareceu à conferência agendada, a A. desistiu desse processo, que durante aquele período sustentou em exclusivo todas as despesas dos filhos e que, por diversas vezes, solicitou ao A. que entregasse tais valores do abono de família mas que este nunca o fez.

      4) Não obstante a A. dizer que desistiu do processo de divórcio por mútuo consentimento na Conservatória do Registo Civil de Felgueiras por o R. não ter comparecido na conferência, resulta da decisão de 24/02/2024, proferida nessa Conservatória, que o R. se fez representar em tal conferência e que não houve acordo quanto à relação de bens, pois que a R. não concordou com as alterações que o A. pretendia, tendo aquela posteriormente juntado aos autos um requerimento a dizer que desistia do processo e do pedido de divórcio porque intentaria um processo de divórcio na Suíça([4]).

      5) Aos 09/11/2023 foi proferida a decisão de indeferimento liminar da petição, por ser manifestamente improcedente, que é objeto do presente recurso.

      A decisão é do seguinte teor:

Veio a requerente AA, progenitora das crianças CC e DD, respetivamente, nascidas em 27/06/2016 e 23/10/2017, intentar contra o requerido BB, a presente acção tutelar comum, requerendo a condenação deste a entregar-lhe o valor do abono de família recebido das entidades Suíças, entre Outubro de 2021 e Setembro de 2022, acrescido de juros de mora até integral e efetivo pagamento.

Alega para o efeito que, tal valor lhe é devido em virtude de um acordo extrajudicial que com o mesmo fez e, que chegou a dar entrada na Conservatória do Registo Civil em 20/10/2021, mas que não chegou a ser homologado, pois o aqui requerido não compareceu à conferência agendada.

Mais alega que, em 19/04/2023 o seu casamento foi dissolvido por divórcio neste Tribunal, tendo nessa mesma data também sido reguladas as responsabilidades parentais dos seus filhos menores.

Ora, a ser assim, a pretensão trazida a juízo agora pela requerente, ao solicitar a condenação do requerido a restituir uma quantia que foi apenas acordada extrajudicialmente, sem se encontrar devidamente homologada, salvo o devido respeito, é manifestamente improcedente.

Com efeito, só após a data de 19/04/2023, é que a requerente pode e, nesta jurisdição de família e menores, vir suscitar e, se for o caso, o respectivo processo de incumprimento, caso qualquer quantia acordada não tenha sido paga. O que não se verifica com o que foi peticionado e que justifica o indeferimento liminar do requerimento inicial, com amparo no artigo 590º, nº1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 33º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

As custas devem ser suportadas pelo requerente, que deu causa à acção - artigo 527º, nº 1 do Código de Processo Civil.

Em face do exposto e com os argumentos supra aduzidos, indefere-se liminarmente o requerimento apresentado pela requerente progenitora AA.

Custas pela requerente, cuja taxa de justiça se fixa no mínimo legal e, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Valor: €30.000,00.

Notifique e registe.

Dê baixa”.

6) Aos 05/12/2023 a A. interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões([5]):

1 - A decisão recorrida configura uma decisão surpresa, na medida em que, não foi dada à recorrente a possibilidade de se pronunciar, previamente à sentença, quanto à intenção de indeferir liminarmente a ação, em violação do art. 3º, nº 3 do CPC.

2 -Não alcança a recorrente os concretos fundamentos que sustentaram a decisão de julgar manifestamente improcedente a sua pretensão.
3 - Sem prescindir, salvo devido respeito e melhor opinião, o Tribunal levou a cabo uma errada interpretação dos factos e do direito, pois que, não se verificam os fundamentos de que depende o indeferimento liminar por manifesta improcedência do pedido, violando a decisão recorrida o art. 590º, nº 1 do CPC.

4 - Em face da factualidade alegada na p.i., o pedido formulado não é manifestamente improcedente.

5 - De facto, a A. não alegou – apenas, nem essencialmente – que é com base naquele «acordo extrajudicial» que o R. está obrigado a entregar-lhe o abono de família.

6 - O que a A. alegou foi que, o abono de família é um direito dos menores, reconhecido aos descendentes dos trabalhadores, que o abono deve ser entregue ao progenitor com o qual os filhos vivam a partir da data da separação dos progenitores e que, o R. até se obrigou e comprometeu a entregar esse valor à recorrente, mas não o fez”.

7) No dia 20/12/2023 o Ministério Público respondeu às alegações de recurso, defendendo a manutenção da decisão proferida, formulando as seguintes conclusões([6]):

1- A ora recorrente deu entrada da presente acção pretendendo que o requerido fosse condenado a lhe entregar o abono de família recebido das entidades Suíças entre outubro de 2021 a Setembro de 2022;

2- Neste período, a recorrente era ainda casada com o requerido, competindo o exercício das responsabilidades parentais no que respeita às questões da vida corrente e de particular importância a ambos os cônjuges;

 3- É certo que haviam dado entrada na Conservatória do Registo Civil de Felgueiras, de processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 1744/2021, sendo que a ora recorrente desistiu do aludido processo;

4- Os acordos elaborados no âmbito daquele processo não têm eficácia jurídica pois que não foram homologados face à desistência do processo formulado pela ora recorrente;

5- A mesma deu entrada neste Tribunal em 14.11.2022, acção de divórcio sem consentimento de outro cônjuge que aquando da diligência ocorrida em 19.04.2023 foi convertido em mútuo consentimento e homologado por sentença transitada em julgado;

6- Nos termos do artigo 1789.º, n.º1, do CC: «1. Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges»;

7- O pedido formulado pela ora recorrente, salvo o devido respeito, no âmbito dos presentes autos não tem fundamento, não podendo o Tribunal atribuir efeitos para além do que a lei dispõem;

8- Bem andou o Tribunal ao considerar o pedido manifestamente infundado, sendo que a referida decisão se encontra devidamente fundamentada de acordo com as normas legais, não configurando qualquer decisão surpresa pois que se pronunciou quanto ao pedido que a recorrente formulou nos autos”.

8) O recurso foi admitido (corretamente), por despacho de 08/01/2024, nos seguintes termos:

Por ser legalmente admissível, estar em tempo, e gozar de legitimidade processual, admite-se o presente recurso interposto da decisão proferida nos autos, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo – cfr. artigos 627º, 629º, nº3, al. c), 631º, nº1, 637º, números 1 e 2, 638º, nº1, 639º, 641º, nº1, 644º, nº1, al. a), 645º, nº1, al. d) e 647º, nº3, al. d), todos do Código de Processo Civil.

Notifique.

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Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto”.   

                                                        -

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, do C.P.C., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (como expresso nos artigos 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663, n.º 2, in fine, do C.P.C.).

      Também está vedado a este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, revogação ou anulação.

                                                         -

      II – FUNDAMENTAÇÃO

      De facto:

      Tendo em conta o disposto no art.º 663.º, n.º 6, do Código de Processo Civil (C.P.C.), os factos a considerar para a decisão do recurso são os constantes da sinopse, processual e factual, efetuada – que, nesta vertente adjetiva, têm força probatória plena.

O Direito aplicável aos factos:

A matéria do recurso é apenas de Direito.

Passemos então a apreciar as questões (e não razões ou argumentos) que se colocam, que é a de saber se a decisão de indeferimento liminar da petição inicial é uma decisão-surpresa, por violadora do princípio do contraditório, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do C.P.C., e se era, ou não, justificável o indeferimento liminar da petição, por manifesta improcedência, ao abrigo do disposto no art.º 590.º, n.º 1, do C.P.C.

Quanto à primeira questão.

O princípio do contraditório aplica-se a atos praticados por outra parte, não se concordando, por isso, com a linha argumentativa de que o tribunal a quo deveria ter dado “à recorrente a possibilidade de se pronunciar, previamente à sentença, quanto à intenção de indeferir liminarmente a ação, em violação do art. 3º, nº 3, do CPC”.

 O que referimos resulta, inequivocamente, da letra da lei – não sendo assim necessária qualquer operação hermenêutica –, pois o art.º 3.º, n.º 1, do C.P.C., dispõe o seguinte: “[o] tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, acrescentando o n.º 3 que “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”([7]).

Ora, como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “quanto ao princípio do contraditório subjaz a ideia de que repugnam ao nosso sistema processual civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados”([8]).

Citando Manuel de Andrade, “[o] processo reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes [(audiatur et altera pars)]. Cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões [(de facto e de direito)]. Esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste dos interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas [opiniões]. Está sancionado logo no artigo 3.º”([9]).

Tal como, evidente e simplesmente, observa José João Baptista, o princípio do contraditório “[a]cha-se ligado ao princípio da igualdade das partes e visa garantir que cada uma das partes tenha a possibilidade de contestar e controlar a actividade da outra [parte]([10]).

Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, por contraditório entende-se: “[1] que diz o contrário; que [contradiz]. Que se opõe a [outro]”([11]).

Evidenciada a base etimológica, assente numa alteridade, vejamos então o que diz a jurisprudência.

A propósito  do princípio do contraditório e do conceito de   decisão-

-surpresa, citamos um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “a decisão- -surpresa não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito ou com a expectativa que possam ter criado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, do Tribunal, a quem tais julgamentos continuam a pertencer em exclusividade. Não se podendo falar de surpresa quando os mesmos devam ser conhecidos como viáveis, como possíveis, neste sentido se tendo pronunciado o já vetusto mas ilustrativo Ac. do STJ de 29.09.98, BMJ-479-412. O que se pretende com a proibição da decisão-surpresa é que o juiz não enverede por uma solução que os sujeitos processuais não abordaram e não quiseram submeter a juízo, surgindo a decisão de forma absolutamente inopinada e distanciada do condicionalismo factual e jurídico vertido na acção pelas partes, neste sentido se pronunciando o Ac. do STJ de 04.06.09 e de [27.09.11]”([12]).

Assim, apresentando-se um requerimento, uma das soluções previsíveis é  o  seu  indeferimento, não se podendo assim falar em decisão-

-surpresa. A pretensão da recorrente, a nosso ver infundada, assenta numa conceção análoga à subjacente à audiência prévia num procedimento administrativo.

Tendo nós referido a previsibilidade da decisão (pois um requerimento ou é deferido ou é indeferido e uma petição inicial ou é liminarmente indeferida ou não), e sendo frequente que a esta questão surja associada a perspetiva do acesso ao Direito, por apelo aos princípios do Estado de Direito, art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), e ao disposto no art.º 20.º da C.R.P., atinente ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, cumpre agora aferir o conteúdo do princípio do contraditório à luz dos padrões jusconstitucionais, sendo que a vertente associada é a do disposto no art.º 20.º, n.º 4.º, da C.R.P, o direito a uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo – ou seja, uma vez mais, a questão é saber se a decisão recorrida violou, nesta dimensão, a legalidade, entendendo nós que não.

O próprio Tribunal Constitucional delimita os extremos da (im)previsibilidade de uma solução pela simples fórmula: “[c]oloca-se, neste ponto, a questão de saber quão previsível tem de ser a atuação do tribunal para a parte, num processo justo. Excluídos ficam os evidentes extremos: não pode ser absolutamente previsível, sob pena de se negar ao tribunal a tarefa de interpretação e aplicação do direito; não pode ser completamente imprevisível, porque se tornará arbitrária”([13]).

Assim, e como já dissemos, a solução em recurso era previsível para a recorrente, tanto mais que diferentes normas consagram o indeferimento liminar da petição, do que são exemplo as contidas no art.º 590.º, n.º 1, do C.P.C. e, em matéria de recursos, nos artigos 629.º, n.º 3, al. c) [“independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: c) Das decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar”([14])] e 645.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.

Pelo exposto, não houve omissão de qualquer ato por parte do tribunal a quo, não revestindo o indeferimento liminar de uma petição inicial (previsto em diferentes normas processuais), por manifesta improcedência, uma decisão-surpresa para efeito do art.º 3.º, n.º 3, do C.P.C.

Passemos então à segunda questão, que é a de saber se foi, ou não, acertado o indeferimento liminar da petição, por manifesta improcedência, ao abrigo do disposto no art.º 590.º, n.º 1, do C.P.C.

Relembremos, por facilidade de exposição, o que sobre tal conclui a recorrente:

5 - De facto, a A. não alegou – apenas, nem essencialmente – que é com base naquele «acordo extrajudicial» que o R. está obrigado a entregar-lhe o abono de família.

6 - O que a A. alegou foi que, o abono de família é um direito dos menores, reconhecido aos descendentes dos trabalhadores, que o abono deve ser entregue ao progenitor com o qual os filhos vivam a partir da data da separação dos progenitores e que, o R. até se obrigou e comprometeu a entregar esse valor à recorrente, mas não o fez”.

Desde logo, a agora conclusão n.º 5 (e parte final da n.º 6) não pode(m) ser interpretada(s) sem ser à luz do invocado na petição, que já sintetizámos em 3.1)([15]), sendo que há duas observações que se impõem: em primeiro lugar, a A. recorrente não desistiu do processo na Conservatória do Registo Civil por o R. não ter comparecido; como expusemos em 4) da sinopse processual, o que se passou é que, como não chegaram a acordo (a todos os acordos necessários, incluindo no tocante ao teor da relação dos bens comuns), a A. viria a desistir desse processo porque intentaria um processo de divórcio na Suíça. A segunda observação é que se o R. até poderá (admissão por hipótese de raciocínio) ter ponderado entregar à A. o abono de família do período em questão (apenas entre outubro de 2021 e setembro de 2022 – sendo que a data da sentença homologatória de conversão do divórcio em divórcio por mútuo consentimento é 19/04/2023), o certo é que não assumiu tal obrigação: na Conservatória do Registo Civil, já vimos que não e, relendo o exaustivo acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais homologado por sentença, também não.

Importa dizermos que, quanto a este último aspeto, o tribunal a quo até foi condescendente ao ter considerado que o acordo terá existido, ainda que extrajudicialmente, como resulta do antepenúltimo parágrafo([16]) , “[o]ra, a ser assim, a pretensão trazida a juízo agora pela requerente, ao solicitar a condenação do requerido a restituir uma quantia que foi apenas acordada extrajudicialmente, sem se encontrar devidamente homologada, salvo o devido respeito, é manifestamente improcedente” – pois, quando muito, o que terá havido poderá ter sido uma negociação que se gorou e, por isso, não transformada em qualquer declaração negocial unilateral.

Mas voltemos um pouco atrás, ao teor do ponto da cláusula atinente ao pagamento do abono de família([17]), homologado pela referida sentença de 19/04/2023 (havendo que concertar esta data com o último mês objeto do pedido, o de setembro de 2022): “4.4: [o] abono de família atribuído às crianças deverá continuar a ser processado e atribuído à progenitora([18]). Perante isto, a conclusão lógica a atingir é que o abono de família dos filhos passou a ser processado e a ser atribuído à A. a partir de outubro de 2022.

Apesar do teor exaustivo da cláusula (4.ª) atinente a “Pensão de alimentos e despesas”, as partes nada acordaram quanto ao pagamento do abono de família entre outubro de 2021 e setembro de 2022.

Aqui chegados, impõe-se que tenhamos em conta que estamos apenas no domínio de interesses patrimoniais, que estão na disponibilidade das partes, que as partes são livres, dentro dos limites da lei, de fazerem os acordos que tiverem por bem, havendo que manter presente também o instituto da boa fé, pois que, independentemente do mais, se afigura contrário ao último vir agora, passados 7 meses desde a sentença homologatória dos acordos, pedir o que antes não exigiu ou acautelou – aquando das negociações conducentes aos diferentes acordos (incluindo nas suas vertentes patrimoniais) necessários para que o divórcio fosse decretado.

Como resulta do que vimos expondo, relativamente aos abonos de família do período em questão, as partes não fizeram qualquer acordo nem o R. assumiu qualquer negócio jurídico unilateral([19]) – no âmbito do disposto nos artigos 457.º e 458.º, n.º 1 n.º 2, do C.C., respetivamente, “[a] promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei” e “1 [s]e alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. 2 A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental”.

Na sequência do que vimos dizendo, atente-se que estamos no âmbito de negócios jurídicos e de natureza estritamente patrimonial. Concretizemos tais conceitos. Segundo Mota Pinto, “[o]s negócios jurídicos são actos jurídicos constituídos por uma ou mais declarações de vontade, dirigidas à realização de certos efeitos práticos, com intenção de os alcançar sob tutela do direito, determinando o ordenamento jurídico a produção de efeitos jurídicos conformes à intenção manifestada pelo declarante ou declarantes. O que é verdadeiramente constitutivo do negócio é o comportamento declarativo – a existência de um comportamento que, exteriormente observado, apareça como manifestação de uma vontade de certos efeitos práticos sob a sanção do ordenamento jurídico”([20]). A importância do negócio jurídico é ser o “instrumento principal de realização do princípio da autonomia da vontade ou autonomia [privada], como meio de auto-governo pelos particulares da sua esfera jurídica própria”([21]).  

Quanto à natureza patrimonial vs. pessoal do negócio jurídico, e continuando com o mesmo autor, “[o] critério distintivo é, também, o da natureza da relação jurídica a que o negócio se refere. A importância da distinção revela-se, também, quanto à amplitude do princípio da liberdade contratual. [Os] negócios pessoais são negócios cuja disciplina, quanto a problemas como o da interpretação do negócio jurídico e o da falta ou dos vícios da vontade, não tem que atender às expectativas dos declaratários e aos interesses gerais da contratação, mas apenas à vontade, real, psicológica do declarante. [Na] disciplina dos negócios patrimoniais, por exigência de tutela da confiança do declaratário e dos interesses do tráfico, a vontade manifestada ou declarada triunfa sobre a vontade real”([22]).

Temos assim que as partes, mormente a A. recorrente, tiveram oportunidade de consensualizarem todos os termos dos acordos de divórcio que fizeram e que, nesta parte, se trata de negócios patrimoniais. De todo o modo, diga-se, a A. tão-pouco invocou qualquer vício de vontade no atinente aos acordos que fez, sendo os vícios de vontade “perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados pelo direito, como ilegítimos. A vontade não se formou de um «modo julgado normal e são»” ([23]).

Ainda que despiciendo, há que atentar no princípio geral de que os contratos, in casu, acordos, são para cumprir, pois, independentemente do que dissemos já, não houve qualquer alteração das circunstâncias contemporâneas à conclusão dos mesmos, trata-se – e no atinente aos abonos de família aqui em causa e no quanto, sobre os abonos, as partes chegaram a acordo([24]) – da vinculação à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, de acordo com ela, “nos contratos de longa duração, considera-se sempre subentendida a cláusula de que só valem mantendo-se o estado de coisas em que foram estipulados («contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur»). Logo, caso se produza uma mudança significativa das circunstâncias que existiam à data da celebração do contrato, a parte para quem o cumprimento resulte demasiado gravoso pode pedir a sua resolução”([25]).

Aqui chegados passamos a fazer referência ao conceito de boa fé, referido em diferentes normas. Segundo o art.º 227.º do C.C., “[q]uem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da [boa fé]([26])”. Falamos em boa fé, pois que, como vimos, não obstante as negociações entre as partes conducentes aos acordos necessários para o decretamento do divórcio por mútuo consentimento (em duas sedes distintas), esta questão (e não obstante o teor pormenorizado da referida cláusula 4.ª), levantada 7 meses após o divórcio, afigura-se-nos ser até contrária a ela, pelos motivos que veremos a seguir.

A expressão boa fé, com explicam Pires de Lima e Antunes Varela, “reveste desde há muitos séculos, nas leis e na literatura jurídica, um duplo significado. Umas vezes tem um sentido puramente psicológico: é a ignorância do vício, de que padece uma determinada situação. Outras vezes assume um sentido acentuadamente ético e objectivo: age de boa fé quem actua de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade [exigíveis]”([27]).

Sobre o mesmo conceito, Almeida Costa esclarece que “não se aponta aos contraentes uma simples atitude de correcção, traduzida em obrigações de escopo negativo – embora o conteúdo destas possa consistir num «non facere» ou num «facere» –, quer dizer, dirigidas apenas a impedir toda a lesão na esfera jurídica de outrem; determina-se, igualmente, uma colaboração activa, no sentido de satisfação das expectativas alheias, que exige o conhecimento real da situação que constitui objecto das negociações. Atende-se, em suma, aos dois aspectos, o negativo e positivo, que se costumam distinguir no âmbito da boa fé objectiva”([28]).

O Direito não é alheio à ética, pelo contrário: entre o mais, positiva-a.

Ou seja, do que até agora dissemos, resulta que a pretensão da A. recorrente é manifestamente improcedente.

Resta assim apreciar a questão de o abono de família ser uma prestação familiar destinada às crianças e se, neste caso, tal é relevante.

Como expresso no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 176/2003, de 02/08, “as prestações familiares deixam de integrar o elenco material da protecção conferida aos trabalhadores nos regimes de protecção social de natureza laborista, bem como o elenco material dos regimes de natureza não contributiva destinados a proteger cidadãos em situação de carência económica não cobertos pelos regimes [laboristas]. Assim, o abono de família para crianças e jovens constitui um direito próprio das crianças e jovens residentes em território nacional([29])”, sendo que de acordo com o art.º 3.º, n.º 1, al. a) “[a] protecção nos encargos familiares concretiza-se através de atribuição das seguintes prestações: a) Abono de família para crianças e jovens”.

O propósito material da atribuição desta prestação patrimonial é a proteção da infância e da juventude e a tendencial eliminação da desigualdade de oportunidades à partida, almejando-se, através da obrigação de diferenciação (integrante da dimensão jurídico-constitucional do princípio da igualdade) a igualdade (no seu sentido material) à chegada([30]) – não se afigurando que no sistema jurídico da Suíça (do qual emergem os abonos de família aqui em questão) o fundamento axiológico-normativo não seja exatamente o mesmo.

Assim, podemos ter por assente que efetivamente são as crianças as titulares destas prestações sociais.

Questão diferente é o da administração de tais prestações. Como expresso no art.º 1878.º, n.º 1, do C.C., “[c]ompete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”, não se verificando qualquer exclusão objetiva das previstas no art.º 1888.º do mesmo Código.

Ou seja, ambos os progenitores têm igual direito de administração de tais prestações patrimoniais.

No entanto, não coabitando os titulares com ambos os progenitores faz todo o sentido que tais prestações patrimoniais (abonos de família) sejam administradas pelo progenitor com quem vivam, na proporção em que tal aconteça; assim, e por exemplo, num caso de fixação da residência da criança exclusivamente junto de um dos progenitores, deverá ser esse a receber e a administrar o abono, mas, novamente a título de exemplo, se a residência for fixada alternadamente (e com idênticos períodos de tempo) com cada um dos progenitores, então a quantia do abono de família deverá ser administrada em partes iguais por ambos (o que implicará acertos de contas entre eles, por o processamento da prestação ter de ser por inteiro a favor de um só beneficiário).   

A recorrente invoca em defesa da sua pretensão o acórdão proferido no processo n.º JTRP00018661, por este Tribunal da Relação, aos 09/12/1983, nos termos do qual, e passamos a citar os pontos IV e V do sumário, “V - O abono de família é pago ao progenitor com o qual os filhos vivam em economia familiar e a partir da data em que ocorreu a separação dos progenitores. V - Por isso, todos os abonos de família recebidos pelo progenitor, que não vive em economia comum com os filhos, têm de ser restituídos àquele a cuja guarda estão confiados”([31]).

Tais asserções em nada contendem com o que vimos dizendo, excetuando que, sobremaneira importante, no caso destes autos, e nos termos que detalhadamente já expusemos, as partes, após se terem separado de facto, fizeram um acordo relativamente ao pagamento de pensões de alimentos, comparticipação em despesas e pagamento de abono de família sem que nele tenham, sequer, relegado para momento posterior tal questão, considerando por isso consumida a dos abonos de família anteriores e recebidos pelo progenitor entre outubro de 2021 e setembro de 2022.

Sendo o acordo homologado por sentença de abril de 2023, cremos que vir suscitar a questão em novembro do mesmo ano é manifestamente improcedente, pois que não há o conhecimento superveniente de qualquer facto nem foi invocado qualquer vício de vontade aquando da celebração de todos os acordos exigíveis para o divórcio por mútuo consentimento (que, notoriamente, envolvem diferentes componentes de natureza patrimonial e que são determinantes das declarações de vontade manifestadas por ambas as partes para atingirem o consenso).

Vir depois deduzir tal pretensão é até contrário ao sentido positivo, da dimensão ética e objetiva, do princípio da boa fé com que as partes devem agir nos preliminares e na execução dos acordos que façam, ou seja, com diligência, honestidade e lealdade, no sentido de satisfação das expectativas alheias, que exige o conhecimento real da situação que constitui objecto das negociações, como explicámos já.

Pelo exposto, improcedem as conclusões da recorrente.

III – DECISÃO

Pelos motivos expostos, e nos termos das normas invocadas, acordam os juízes destes autos no Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela recorrente e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, art.º 527.º, n.º 2, do C.P.C.

Porto, 19/02/2024.


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Este acórdão é assinado eletronicamente pelos respetivos:

Relator: Jorge Martins Ribeiro;

1.ª Adjunta: Eugénia Cunha e

2.ª Adjunta: Fernanda Almeida

___________________
[1] Mais detalhada do que, em rigor, seria indispensável…
[2] Lapso de numeração no original, acima corrigido.
[3] Ainda que a A. refira que é legal representante dos filhos, o que é verdade, importa manter presente que o pai também o é, tanto mais que da cláusula 5.ª 2 do referido acordo ficou a constar que o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância seriam exercidas pelos dois.
[4] Cf. as pp. 14 e 15 do documento junto como “acordo” com a petição incial.
[5] Aspas no original.
[6] Aspas no original.
[7] Interpolação e itálico nosso.
[8] Cf. António Santos Abrantes GERALDES, Paulo PIMENTA e Luís Filipe Pires de SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2023, p. 21.
[9] Cf. Manuel A. Domingues de ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 377 (interpolação nossa e itálico no original).
[10] Cf. José João BAPTISTA, Processo Civil I, Lisboa, Universidade Lusíada, 1993, p. 93 (interpolação e itálico nosso).
[11] Cf. Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, I Volume, Lisboa, Verbo, 2001, p. 952 (interpolação nossa).
[12] Datado de 19/01/2023, proferido no processo 15910/21.3T8PRT.P1.S1, estando acessível em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a9628473690dd9c580258940005a6fd0?OpenDocument [31/01/2024] (interpolação nossa; citação de bibliografia no original).
[13] Cf. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 766/22, datado de 15/11/2022, estando acessível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20220766.html [31/01/2024].
[14] Por este motivo, não abordaremos aqui, em detalhe, o acerto do tribunal a quo ao ter fixado na decisão recorrida o valor da ação como sendo o do processo principal, esse sim, relativo a direitos indisponíveis, aos quais se aplica o critério do art.º 303.º, n.º 1, do C.P.C., ex vi do art.º 44.º, n.º 1, da  L.O.S.J., ou seja, 30000,01 Euros.
Contudo, não podemos deixar de referir o seguinte: repare-se que em momento algum da petição é explicado o montante exato do invocado abono de família, mas constatámos na cláusula 2.ª, n.º 2, do doc. 1 junto com a petição inicial que o valor do abono de família mensal pelas duas crianças seria de 530 CHF, ou 566,70 Euros (conversão efetuada aos 31/01/2024, em Money Converter, acessível em https://www.google.com/search?q=moneuy+converter&rlz=1C1GCEJ_enPT1075PT1075&oq=moneuy+converter&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUyBggAEEUYOTIICAEQABgDGA0yCQgCEAAYDRiABDIJCAMQABgNGIAEMgkIBBAAGA0YgAQyCQgFEAAYDRiABDIJCAYQABgNGIAEMgkIBxAAGA0YgAQyCQgIEAAYDRiABDIJCAkQABgNGIAE0gEIMjk3OGowajeoAgCwAgA&sourceid=chrome&ie=UTF-8), pelo que estando em causa, nestes autos, apenas um pedido com utilidade económica, respeitante a interesses disponíveis, o critério para fixação do valor deve ser o do art.º 297.º, n.º 1, 1.ª parte, do C.P.C. [trate-se de uma ação com processo comum ou especial, como, por exemplo, ações de alteração de pensão de alimentos ou incidente de incumprimento de pagamento de pensão de alimentos ou de comparticipação em despesas, respetivamente nos termos dos artigos 42.º e 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível – sendo que no primeiro caso é aplicável também o disposto no art.º 298.º, n.º 3, do C.P.C.], “[s]e pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa”, em conformidade ao disposto (também) no art.º 304.º, n.º 1, do C.P.C., “[o] valor dos incidentes é o da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, porque neste caso o valor é determinado em conformidade aos artigos anteriores.
Observamos, no entanto, que este entendimento não é pacífico.
Assim, e exemplificativamente, no sentido do entendimento que referimos atrás (no caso, atinente a um incidente de incumprimento de pagamento de pensão de alimentos), cf. o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 1826/20.4T8VCT-A.G1, datado de 07/04/2022, cujo sumário citamos aqui [“I - No incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, estando em causa apenas a pensão de alimentos, o valor do incidente é o valor total que resulta da soma das prestações concretamente incumpridas, já que não estão em causa direitos indisponíveis. II - Para efeitos de admissibilidade de recurso, dever-se-á atender não apenas ao valor da acção (superior à alçada da Relação), mas também ao da sucumbência aferido em função do montante em dívida”], acessível em https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/fec25a75f9ca172a8025883300331505?OpenDocument  [31/01/2024], bem como o acórdão do Tribunal da Relação de Évora (ainda que neste não propriamente quanto ao valor da ação mas sim da sucumbência), proferido no processo n.º 2165/07.1TBPTM-K.E1, datado de 23/01/2012, cujo sumário transcrevemos aqui [“No incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, estando em causa apenas a pensão de alimentos, dever-se-á atender, para efeitos de admissibilidade de recurso, não apenas ao valor da acção (superior à alçada da Relação), mas também ao da sucumbência aferido em função do montante em dívida, já que não estão em causa direitos indisponíveis”], estando o acórdão acessível em   http://www.gde.mj.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/eee74bbcbe23011880257de10056f81f?OpenDocument [31/01/2024].
Em sentido diferente, porém, e novamente a título exemplificativo, veja-se o acórdão proferido nesta Secção, no processo n.º 2601/19.4T8AVR-A.P1, datado de 12/10/2020, [cujo sumário também transcrevemos aqui: “No incidente de incumprimento da prestação alimentícia o valor do incidente não é o total que resulta da soma das prestações concretamente incumpridas, correspondendo, pelo contrário, ao valor da própria causa principal que versa sobre o estado das pessoas (€30.000,00, mais €00,1)”], estando o acórdão acessível em https://jurisprudencia.pt/acordao/196605/ [31/01/2024]. No sentido deste último, veja-se também o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo n.º 1790/20.0T8STR-D.E1, datado de 13/01/2022, cujo sumário transcrevemos [“A posição dominante na jurisprudência vai no sentido de considerar que o valor do incidente de incumprimento da prestação alimentícia é o valor da própria causa principal que versa sobre o estado das pessoas, pelo que o valor do incidente deverá ser de € 30.000,01 (independentemente do valor pecuniário da soma das prestações em dívida)”], estando acessível em https://jurisprudencia.pt/acordao/204748/ [31/01/2024]”.   
[15] Por conveniência de exposição, repetimos em nota: “Para tal, e em síntese (e no que para esta ação interessa), invocou a A. que, na sequência da crise conjugal, veio da Suíça para Portugal (..., Felgueiras) com os filhos, no dia 17/12/2021, tendo o R. recebido o abono de família dos filhos entre 01/02/2021 e 30/09/202l, que no tocante ao acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais o R. chegou a comprometer-se a entregar-lhe o abono de família dos filhos, que no âmbito de processo de divórcio por mútuo consentimento os acordos necessários deram entrada na Conservatória do Registo Civil de Felgueiras no dia 20/10/2021 mas que, como depois o R. não compareceu à conferência agendada, a A. desistiu desse processo, que durante esse período sustentou em exclusivo todas as despesas dos filhos e que, por diversas vezes, solicitou ao A. que entregasse tais valores do abono de família mas que este nunca o fez”.
[16] Antes da decisão quanto a custas.
[17] Por facilidade de exposição, deixamo-la novamente em nota: ““10.º (Pensão de alimentos e despesas)
10.1. O progenitor contribuirá, a título de alimentos devidos aos seus filhos menores, com a quantia mensal de €300,00 (trezentos euros), €150,00 (cento e cinquenta euros) para cada um dos seus filhos, destinada exclusivamente ao sustento dos mesmos, montante este a pagar até ao dia 8 (oito) de cada mês que respeitar, por transferência bancária para o IBAN que progenitora indicará nos autos, no prazo de 5 dias.
10.2. A prestação alimentícia será atualizada, anualmente, no mês de maio de 2024, no valor de €3,00 (três) euros, passando a mesma ao valor de €153,00, por cada menor, e assim sucessivamente nos anos subsequentes.
10.3. As despesas extraordinárias, considerando-se como tal as despesas escolares e de educação que vierem a ocorrer, nas respetivas idades (aquisição de livros, material escolar, explicações, ATL e centro de estudos, e ainda, uma atividade desportiva por cada menor, e as despesas de saúde, medicamentosas e terapêuticas, devidamente comprovadas, pela apresentação dos competentes recibos, serão suportados pelo pai na proporção de metade, com exceção de todas aquelas que estejam cobertas por qualquer seguradora ou outra entidade similar, ou subsídios escolares, a benefício de qualquer dos progenitores.
10.3.1. Qualquer outra despesa extracurricular, será repartida por ambos os progenitores, desde que tenha havido a anuência de ambos os progenitores.
10.3.2. O pagamento da comparticipação referida no número anterior será efetuado pelo pai, juntamente com a pensão de alimentos, no mês seguinte àquele em que foi apresentado o respetivo comprovativo pela mãe.
10.4. O abono de família atribuído às crianças deverá continuar a ser processado e atribuído à progenitora”.
[18] Itálico nosso.
[19] Deixando-se aqui, desde já, a distinção entre os unilaterais e os bilaterais (contratos): “Nos negócios unilaterais há uma só declaração de vontade ou várias declarações, mas paralelas, formando um só grupo. [Nos] contratos ou negócios bilaterais há duas ou mais declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte. Há assim uma oferta ou proposta e a aceitação, que se conciliam num consenso”. Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pp. 387-388 (interpolação nossa e itálico no original).
[20] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pp. 379-380 (aspas no original e itálico nosso).
[21] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, p.380 (interpolação nossa).
[22] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pp. 400-401 (interpolação nossa)
[23] Cf. Carlos Alberto da Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1989, pp. 500-501 (aspas no original).
[24] Pois seria uma situação diferente se o conhecimento do recebimento de uma certa quantia a título de abonos de família, referentes a um determinado período de tempo, ocorresse posteriormente ao acordo feito.
[25] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, p. 255 (parênteses e aspas no original).
[26] Interpolação nossa.
[27] Cf. Pires de LIMA e Antunes VARELA, Código Civil Anotado, vol. IV, 2.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, p. 206 (interpolação nossa e itálico no original).
[28] Cf. Mário Júlio de Almeida COSTA, Direito das Obrigações, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 1991, pp. 241-242 (aspas no original e itálico nosso).
[29] Acessível em: https://apoiosocial.exercito.pt/wp-content/uploads/2019/10/Decreto-lei-176_2003.pdf [31/01/2024 (interpolação nossa)].
[30] Sobre o princípio da igualdade em sentido formal e material, bem como sobre a dimensão jurídico-constitucional do princípio da igualdade, cf., entre outros, Jorge Martins RIBEIRO, Da Lei Do Desejo Ao Desejo Pela Lei: Discussão Da Legalização Da Prostituição Enquanto Prestação De Serviço Na Ordem Jurídica Portuguesa, Lisboa, A.A.F.D.L., 2021, pp. 862, 863 e 866-868.
[31] O acórdão está acessível em:
https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/431C548F06E5C9CC8025686B0066D338 [31/01/2024].