INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
BEM COMUM
BEM PRÓPRIO DE UM DOS CÔNJUGES
Sumário

I - A partilha dos bens do casal é uma consequência da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges.
II - Não se pode considerar bem comum, um Fundo de Pensões de Reforma, para o qual contribuiu um dos cônjuges, mesmo que constituído na pendência do casamento, uma vez que tal fundo constitui um património autónomo.
III - Já a indemnização recebida pelo ex-cônjuge, com origem no Fundo constituído na pendência do casamento, a título de pré-reforma, apenas constituirá bem comum do casal casado segundo o regime da comunhão, se for atribuída/recebida na pendência do casamento, por se destinar a compensar a perda das remunerações recebidas como contrapartida do trabalho, uma vez que o produto do trabalho dos cônjuges integra a comunhão de bens, nos termos da alínea a) do art. 1724º do C.C.
IV - Uma vez que o divórcio faz cessar a comunhão, não se pode entender constituir tal indemnização bem comum, se a indemnização foi atribuída e recebida pelo ex-cônjuge seis anos depois da data da propositura da ação de divórcio, data em que aqueles efeitos retroagem, nos termos do disposto no art.1789º nº 1 do Código Civil. Daí que tal bem não deva ser incluído em partilha adicional.

Texto Integral

Proc. n.º 1132/15.6T8MTS-D.P1

Juíza Desembargadora Relatora:
Alexandra Pelayo

Juízas Desembargadoras Adjuntas:
Márcia Portela
Anabela Andrade Miranda



Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 1

SUMÁRIO:
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Acordam as Juízas que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:

AA veio requerer inventário para partilha adicional de bens.

Foi nomeado cabeça de casal o requerido BB.

Notificado, veio o cabeça de casal BB deduzir oposição ao inventário, invocando em suma, os seguintes fundamentos:

- conforme resulta do alegado pela Requerente, correu termos no Cartório Notarial da Notária CC, sito em Vila do Conde, inventário com o n.º ...5, no qual foi partilhado todo o património do extinto casal, cujo divórcio ocorrera em  04/11/2015, com sentença transitada em julgado aos 04-12-2015, ainda que as relações patrimoniais entre os cônjuges, no que à partilha disse respeito, tivessem retroagido ao mês de Maio de 2015, data da separação do casal, o que foi devidamente aceite por Requerente e Requerido.

Ao contrário do alegado pela Requerente, todo o património do extinto casal foi devidamente partilhado. O valor que a Requerente agora enuncia como existente, atualmente no Banco 1... não constitui património comum do extinto casal, pois somente em 01-07-2021 lhe foi concedido e como seu fundo de pensão, da A..., no montante de 282.767,50 € francos suíços, aproximadamente 203.909,23 €.

Este montante inclui a indemnização auferida pela sua pré-reforma ocorrida na Transportadora Aérea A..., valores recebidos vários anos após o seu divórcio (6 anos), pelo que estes valores são pertença única e exclusiva do ora Requerido, pelo que, nada mais existe a partilhar de património comum do casal.

Para efeitos de partilha entre cônjuges, somente os créditos nascidos na pendência do casamento poderão ser alvo de partilha. valores auferidos a título de reforma pelo Requerido (auferidos aos 01-07-2021) sempre teriam que ser considerados créditos nascidos posteriormente ao divórcio, pelo que somente podem ser objeto do processo de prestação de contas, e nunca de inventário para partilha adicional.

Conclui pedindo que a oposição ao inventário seja considerada procedente e, em consequência, seja indeferido o pedido de partilha adicional; seja a Requerente condenada como litigante de má-fé em multa condigna, acrescida de indemnização aos ora Réus, indemnização que não deverá ser inferior ao valor de 5.000,00 euros, ao abrigo do disposto nos artigos 542º, n.º 1 e 543º, ambos do CPC; seja considerada inadequada a presente forma processual e ser decretada a nulidade de todo o processo, sendo o Requerido absolvido da instância.

Notificada, veio a requerente, AA responder, impugnando os documentos juntos ao requerimento e negando agir de má fé. Quanto à oposição propriamente dita pugna pela sua improcedência.

Veio a ser proferido despacho que decidiu a questão nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo improcedente a oposição ao inventário e, em consequência, julgo ser admissível o pedido de partilha adicional.

Custas do incidente pelo requerido.”

Inconformado, BB, veio interpor o presente recurso de apelação, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“3.1. O despacho recorrido negou provimento à oposição apresentada pelo Recorrente ao pedido de partilha adicional, decidindo nos presentes autos como bem comum os valores recebidos a título antecipado de pensão e indemnização pela extinção do contrato de trabalho, valor este que integrava somente os salários vincendos desde tal extinção.

3.2. Pelo que em consequência, deu provimento ao pedido da Recorrida, decisão que ora se sindica, por não se concordar com a mesma.

3.3. Tendo em atenção que a MMª. Julgadora deu como provado que “Foi decretado divórcio entre os interessados por decisão datada de 04/11/2015, transitada em julgado em 04/12/2015, tendo a acção sido proposta em 5/3/2015”, que “Correu termos no Cartório Notarial da Notária CC, nos autos de Proc. n.º ...5, inventário subsequente a divórcio da aqui interessada AA com o seu ex-marido BB”, que, “ Os interessados chegaram a acordo na conferência de interessados realizada em 29 de Junho de 2020, tendo sido homologado por sentença proferida nestes autos em 10 de Novembro de 2020”, que “A Requerente da presente partilha adicional do fundo de pensão, da A..., no montante de 282.767,50 € francos suíços, aproximadamente 203.909,23 €, que incluiu a indemnização auferida pela sua pré-reforma ocorrida na Transportadora Aérea A..., concedida em 01-07-20231, valor esse transferido pelo cabeça de casal para a sua conta do Banco 1... SA, com o IBAN  ...47, no valor de 203.909,23 €”, não poderia ter a Julgadora decidido nos termos em que o fez, conforme resulta do Despacho que ora se sindica.

3.4. MERITÍSSIMOS DESEMBARGADORES, o valor recebido pelo Recorrente em 01-07-2021, respeita ao montante provindo do levantamento antecipado do seu fundo de reforma/pensão da A..., direito que lhe assiste por não ser residente na Suíça, podendo assim, de uma só vez, levantar a maior parte dos direitos da sua pensão, que se venceria no ano em que atingisse os seus 66 anos (presumivelmente 2029), pelo que em contrapartida, quando atingir os 66 anos a sua reforma mensal será de valor residual, pois a este valor será reduzido os valores que entretanto aceitou resgatar.

3.5. MERITÍSSIMOS DESEMBARGADORES, mais, o valor recebido a título de indemnização, por rescisão contratual – acordo -, com a empresa A..., no âmbito da política de diminuição de funcionários, que na sua totalidade corresponde aos salários (valor menor por força do acordo) que o Recorrente iria auferir àqueles 66 anos, data da sua reforma (previsivelmente ano de 2029), salários desde 2021 até tal idade, ou seja, valores que o mesmo auferiria para após Julho de 2021.

3.6. Ora tais valores recebidos são indemnizações que substituem valores “cessantes”, que se venceriam, o primeiro após a sua reforma (após 2029), e o segundo após Julho de 2021, momentos muito para além da extinção das relações patrimoniais existentes entre Recorrente e Recorrido e muito para além do divórcio existente entre os mesmos, que já transitou em julgado no longínquo ano de 2015.

3.7. Pelo que, MERITÍSSIMOS DESEMBARGADOES, tais valores, para além de dizerem respeito a valores vencidos muito para além de 2015, também foram adquiridos pelo Recorrente muito para além da constância do matrimónio, pelo que são valores que antecipam o seu direito de reforma (a ocorrer presumivelmente no ano de 2029) e os salários vencidos desde Julho de 2021 até à sua reforma (a ocorrer presumivelmente no ano de 2029), não podem, de modo algum, serem considerados bens comuns, pois o seu divórcio encontra-se decretado desde Dezembro de 2015.

3.8. E nem se possa dizer que os valores “sub judice” resultam do trabalho ocorrido na constância do matrimónio, pois certamente que a Recorrida não irá contribuir para a pensão do Recorrente quando este atingir os seus 66 anos e começar a auferir valor diminuto de pensão, por ter procedido ao levantamento antecipado de parte da mesma, bem como, a Recorrida à presente data, e como o Recorrente ficou na situação de desemprego, participa nas despesas do Recorrente, pois caso se entendesse que a indemnização recebida pelo Recorrente em 02021 pela extinção do seu contrato/posto de trabalho, que inclui parte dos salários vincendos até á sua reforma, fosse comum, então a Recorrida liquidaria então parte das despesas que o Recorrente suporta à data, o que seria de todo incompreensível.

3.9. Assim, não podem, conforme sustenta a Juiz “ a quo” tais valores revestir a natureza de bem comum, outrossim, revestem a natureza de bens próprios do Recorrente e como tal ingressam diretamente no seu património próprio.

3.10. CONCLUINDO, o Recorrente ao receber antecipadamente parte das suas prestações de reforma (pagas pela A...), que implicará uma diminuição da sua reforma futura, na devida proporção do seu recebimento, após a extinção do seu casamento, tal qual ocorre com a indemnização recebida pela extinção do seu contrato de trabalho, pois tal valor corresponde às prestações vincendas (ainda que em menor valor) do seu salário, desde Julho de 2021 até á sua refirma, fê-lo por tal valor integrar o seu património próprio.

3.11. Assim, fez a MMª. Julgadora “a quo” errada interpretação das normas previstas nos artigos 1724º e 1725º do Código Civil, por não ter percebido que os valores “sub judice” dizem respeito a pensão de reforma e ao pagamento de salários (ainda que parte, pois inferior ao que o Recorrente deveria auferir), tudo respeitante a valores vencidos posteriores ao ano de 2021, data do acordo de cessão do contrato de trabalho.

3.12. Pelo que, alterando-se tal decisão, evitar-se-á o errado pedido da Recorrida, que embora divorciada do Recorrente desde o ano de 2015, pretende quinhoar indevidamente na sua reforma e nos salários que este tinha direito a auferir, desde Julho de 2021 até à sua reforma, reforma este que deverá presumivelmente ocorrer no ano de 2029, quando o Recorrente perfizer 66 anos de idade.

3.13. O Recorrente alegou e provou a proveniência dos valores em causa, e o direito a tais valores serem bens próprios, não fazendo qualquer sentido a Recorrida quinhoar em tais valores, sob pena até de enriquecimento ilegítimo e ilícito da mesma, tendo assim a Meritíssima Juiz “a quo” feito errada interpretação dos artigos 1724º e 1725º, ambos do Código Civil, que urge reparar.

3.14. Por fim requer que, nos termos e com os fundamentos supra alegados, seja fixado efeito suspensivo ao presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 647º, n.º 4 do CPC.

TERMOS EM QUE, dando provimento ao presente recurso de Apelação, revogando-se o despacho recorrido, e decidindo-se conforme o exposto nas presentes conclusões, ou seja, dando procedência à oposição da pretendida partilha adicional, por força dos bens (montante sub judice) que se pretendem partilhar serem bens próprios do Recorrente e não comuns do extinto casal, V. EX.AS farão como sempre, JUSTIÇA.”

Não houve contra-alegações de recurso.

Foi proferido despacho que admitiu o recurso interposto como Apelação, com subida de imediato em separado, tendo sido fixado efeito suspensivo nos termos previstos no art. 1123º, nº 2, al. b) e nº 3 do CPC.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - OBJETO DO RECURSO:

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, a questão a dirimir, delimitada pelas conclusões de recurso, é a de saber se a quantia recebida pelo ex-cônjuge a título de indemnização por pré-reforma, com origem num Fundo de Pensões, constitui ou não bem comum de casal para efeitos da requerida partilha adicional.

 

III - FUNDAMENTAÇÃO:

No despacho, foi julgada provada a seguinte factualidade, com base nos documentos juntos pelos interessados (não impugnados quanto ao seu teor) e ainda analisados os autos principais de divórcio e o apenso B:

1. Correu termos no Cartório Notarial da Notária CC, sito em Vila do Conde, inventário com o n.º ...5 para separação de meações;

2. Foi decretado divórcio entre os interessados por decisão datada de 04/11/2015, transitada em julgado em 04/12/2015, tendo a acção sido proposta em 5/03/2015;

3. Correu termos no Cartório Notarial da Notária CC, nos autos de Proc. n.º ...5 inventário subsequente a divórcio da aqui interessada AA com o seu ex-marido BB.

4. Os interessados chegaram a acordo na conferência de interessados realizada em 29 de Junho de 2020, tendo sido homologado por sentença proferida nestes autos em 10 de Novembro de 2020.

5. A Requerente da presente partilha adicional do fundo de pensão, da A..., no montante de 282.767,50 francos suíços, aproximadamente 203.909,23 €, que inclui indemnização auferida pela sua pré-reforma ocorrida na Transportadora Aérea A..., concedido em 01-07-2021, valor esse transferido pelo cabeça de casal para a sua conta do Banco 1... SA com o IBAN  ...47, no valor de 203.909,23 €.

6. A Requerente teve conhecimento do valor transferido para a conta do Banco 1... em 22 de Fevereiro de 2022, e na pendência do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais que corre por apenso aos presentes autos, como Apenso B.

IV - APLICAÇÃO DO DIREITO:

Na sentença recorrida, quanto à natureza do bem cuja partilha adicional foi requerida, foi considerado tratar-se de bem comum do casal e, como tal partilhável entre os ex-cônjuges, tendo sido usada a seguinte fundamentação:

“Em causa está um fundo que foi constituído durante a vigência do casamento pelo cabeça de casal e disso parece que ambos os interessados estão de acordo.

Nos termos do artigo 1724.º alínea b), do Código Civil, por se tratar de um bem adquirido pelo cônjuge na constância do matrimónio, e não é excetuado por lei, é considerado comum, seja porque é abrangido pela presunção de comunicabilidade constante do artigo 1725.º do Código Civil, seja porque é considerado comum face ao disposto no artigo 1724.º do C.C. Assim, por força da presunção de comunicabilidade estabelecida no artigo 1725.º do Código Civil, haverá de concluir-se que esse fundo/indemnização apesar de ter sido atribuído ao cabeça de casal em data posterior ao decretamento do divórcio é um bem comum e por isso deve ser objeto de partilha entre os (ex)cônjuges. Aqui chegados, nesta linha de raciocínio somos forçados a concluir que a indemnização/fundo a ser relacionado, terá como datas limite, o período compreendido entre Março de 2025 e 4 de Novembro de 2015, data em que se operou o divórcio entre os interessados e em que cessaram as relações pessoais e patrimoniais entre ambos.

Com efeito, dispõe o artigo 1789º , n.º 1 do Código Civil “os efeitos do  divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da propositura da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.”

A extinção do casamento importa a cessação da generalidade das relações patrimoniais entre os cônjuges, a extinção da comunhão entre eles e a sua substituição por uma situação de indivisão a que se põe fim com a liquidação do património conjugal comum e com a sua partilha. cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, processo nº3275/06.8TBPVZ.P1. disponível em www.dgsi.pt. e Ac. da mesma Relação, confirmado pelo STJ de 11/05/2023, proferido em processo deste J1 com o nº 656/20.8T8VCD-A. Deste modo, as contas bancárias e os Fundos de Pensão de reforma, devem considerar-se bem comum.”

Discorda o Apelante desta decisão, enfatizando que o  valor  por si recebido em 01-07-2021, respeita ao montante provindo do levantamento antecipado do seu fundo de reforma/pensão da A..., direito que lhe assiste por não ser residente na Suíça, podendo assim, de uma só vez, levantar a maior parte dos direitos da sua pensão, que se venceria no ano em que atingisse os seus 66 anos (presumivelmente 2029), pelo que em contrapartida, quando atingir os 66 anos a sua reforma mensal será de valor residual, pois a este valor será reduzido os valores que entretanto aceitou resgatar.

Na totalidade do valor recebido, encontra-se ainda  o valor recebido a título de indemnização, por rescisão contratual – acordo - com a empresa A..., no âmbito da política de diminuição de funcionários, que na sua totalidade corresponde aos salários (valor menor por força do acordo) que o Recorrente iria auferir àqueles 66 anos, data da sua reforma (previsivelmente ano de 2029), salários desde 2021 até tal idade, ou seja, valores que o mesmo auferiria para após Julho de 2021.

 Ora, conclui o Apelante, tais valores recebidos são indemnizações que substituem valores “cessantes”, que se venceriam, o primeiro após a sua reforma (após 2029), e o segundo após Julho de 2021, momentos muito para além da extinção das relações patrimoniais existentes entre Recorrente e Recorrido e muito para além do divórcio existente entre os mesmos, que já transitou em julgado no longínquo ano de 2015.

Vejamos se lhe assiste razão.

O tribunal julgou provado (facto que não se mostra impugnado no presente recurso) que foi requerida a Partilha Adicional do seguinte bem: “do fundo de pensão, da A..., no montante de 282.767,50 francos suíços, aproximadamente 203.909,23€, que inclui indemnização auferida pela sua pré-reforma ocorrida na Transportadora Aérea A..., concedido em 01-07-2021, valor esse transferido pelo cabeça de casal para a sua conta do Banco 1... SA com o IBAN  ...47, no valor de 203.909,23 €. (facto supra nº 5)

Na oposição, o requerido juntou a correspondência que lhe foi remetida por aquele Fundo.

Mostram-se juntos aos autos, na verdade, os documentos 7.1 e 7, constituídos por cartas que foram enviadas ao Requerido pelo aí identificado “FUNDO DE PENSÃO A...”, que  lhe remeteu uma carta datada de 25.6.2021, dizendo: “Estamos satisfeitos por lhe confirmar os seus benefícios de fundo de pensão a partir de 1 de Julho 2021.

Os ativos de aposentação existentes constituem-se em CH282676,50.Neste total estão incluídos juros de 1% para 2021.O Conselho da Fundação decidirá a taxa de juro definitiva no final de novembro de 2021.Na eventualidade de este valor ser superior a 1% , ser-lhe-á paga a diferença dos juros, para o período de 1.1.2021 30.6.2021previsibelmente no final de 2021 sob a forma de capital.

Relação de Capital

Capital CH282676,50

Retenção de Imposto na Fonte CH21852,00

Montante de transferência  CH 260915,50

Com o pagamento do capital supracitado, todos os direitos no âmbito da relação de capital face ao nosso fundo são liquidados.

A relação de capital será transferida até final de 1 de Julho para a sua conta no Banco 1..., SA IBAN  ...47.

Desejamos-lhe tudo de bom para a sua nova fase de vida.

Com os melhores cumprimentos,

Fundo de Pensão A...”

Por carta de  7.12.2021 aquele Fundo informou ainda o Requerido que “o Conselho da fundação decidiu na sua última reunião pagar juros de 5% sob a totalidade dos ativos da aposentação (a partir de 1.1.2021), em 2021 até á data da aposentação. (…)”

Tendo em consideração esta factualidade, entendemos  que na sentença não se atentou devidamente na natureza da indemnização referida supra no facto 5, relevante para a sua classificação como “ bem próprio” ou “bem comum”, do ex-cônjuge, para efeitos de partilha adicional, tão-pouco na data da aquisição do direito, necessária para se saber se deve tal indemnização integrar ou não a partilha adicional requerida pela ex-cônjuge mulher.

Senão vejamos.

A quantia recebida pelo Requerido, tal como resulta supra do facto 5  inclui indemnização auferida pela sua pré-reforma ocorrida na Transportadora Aérea A..., concedido em 01-07-2021.

Segundo o Requerido, nas alegações de recurso, a quantia recebida integra ainda indemnização pela cessação do contrato de trabalho. Tal situação não consta porém da sentença sob recurso, sendo que, relativamente à matéria de facto julgada provada, porque não impugnada, tem-se por transitada em julgado tal decisão. Não obstante, mesmo que parte da indemnização fosse devida pela cessação do contrato de trabalho nessa data, tal em nada alteraria a decisão a proferir.

A quantia indemnizatória entregue ao Requerido teve origem num Fundo de Pensões, denominado “A...”.

Na sentença recorrida o tribunal considerou aquele Fundo “um bem comum”, a nosso ver, mal.

É que, um fundo de pensões é um património autónomo que se destina (no caso) exclusivamente ao financiamento de um ou mais planos de pensões.[1]

Um fundo de pensões funciona como um mealheiro que é "alimentado" progressivamente ao longo da vida ativa, tendo em vista tornar-se num importante complemento da futura pensão pública, ou na existência desta, consistir ele próprio a futura pensão, no caso de reforma.

Os Fundos de Pensões gozam assim de autonomia patrimonial, no duplo sentido que as pensões previstas nos Planos de Pensões exclusivamente asseguradas por intermédio dos ativos do fundo e esses ativos respondem única e exclusivamente pela realização dos Planos de Pensões, não respondendo aqueles ativos por quaisquer outras obrigações, designadamente, das empresas que os promovem, dos trabalhadores abrangidos ou das entidades que os gerem.

A autonomia patrimonial dos Fundos de Pensões constitui um elemento basilar dos mesmos, uma vez se destinam exclusivamente ao cumprimento dos Planos de Pensões e seus encargos, não podendo ser usados para outros fins, nem responder por outras obrigações.

Normalmente integram os Planos de Pensões que são o conjunto de regras que definem as condições em que se constitui o direito ao recebimento de uma pensão a título de pré-reforma, reforma antecipada, reforma por velhice, reforma por invalidez ou ainda em caso de sobrevivência e/ou outra contingência equiparável, de acordo com as disposições legais.

Como qualquer património autónomo os Fundos de Pensões carecem de ser geridos por uma entidade, a quem compete praticar todos os atos e operações necessários ou convenientes à boa administração e gestão do Fundo de Pensões, que no caso é a A....[2]

Existe um Associado, que será a entidade que institui os Planos de Pensões financiados por um Fundo de Pensões fechado ou por uma adesão coletiva a um Fundo de Pensões aberto. Num Fundo de Pensões constituído por uma empresa, os Participantes são tradicionalmente os trabalhadores desta a quem a entidade patronal pretende vir a atribuir uma pensão de reforma.

E existe o contribuinte, pessoas singulares ou coletivas que efetuam contribuições para o Fundo de Pensões a favor do Participante e existe o beneficiário, que será a pessoa singular com direito a receber um benefício estabelecido no Plano de Pensões independentemente de ter ou não sido Participante. Um trabalhador de uma empresa que se reforme ou fique inválido e passe a reunir as condições tidas por necessárias para receber uma pensão a cargo do Fundo de Pensões, torna-se seu Beneficiário. Este é um caso típico em que um Participante passa a ser Beneficiário do Fundo de Pensões. [3]

Na dinâmica do funcionamento do Fundo existe ainda uma entidade supervisora,  que emite as normas regulamentares necessárias e procede à fiscalização do cumprimento das normas legais sobre a atividade de gestão de Fundos de Pensões e constituição e funcionamento das Sociedades Gestoras.

O Fundo A... foi constituído, tal como se afirma na sentença, durante a vigência do casamento pelo cabeça de casal.

Porém do que deixamos dito, mostra-se a nosso ver incorreta a afirmação feita na sentença que “haverá de concluir-se que esse fundo/indemnização apesar de ter sido atribuído ao cabeça de casal em data posterior ao decretamento do divórcio é um bem comum”.

Acontece que, constituindo um fundo um património autónomo, que foi sendo constituído na constância do matrimónio, é certo, mesmo que constituído com o rendimento do trabalho do ex-cônjuge (esse sim considerado bem comum do casal), o certo é que não se pode a nosso ver afirmar que o fundo constitui um bem comum do ex-casal.

É que as contribuições que foram feitas na constância do casamento foram feitas para um “património autónomo”, que não se confunde com património do beneficiário nem do participante.

Depois, as contribuições, uma vez efetuadas nesse património autónomo, visam assegurar, por intermédio dos ativos do Fundo o pagamento das pensões previstas no Plano das Pensões, não respondendo aqueles ativos por quaisquer outras obrigações, designadamente, das empresas que os promovem, dos trabalhadores abrangidos ou das entidades que os gerem.

Do exposto resulta que, constituindo o fundo um património autónomo não pode ser considerado bem comum.

Daí que a questão que urge solucionar, tenha de ser colocada de um outra forma, ou seja, a de saber se a indemnização de que foi beneficiário o Requerido, com origem no aludido fundo, constitui ou não bem comum, atento o regime de bens vigente durante o casamento entre os ex-cônjuges.

Temos assim que atender à natureza da indemnização recebida pelo Requerido, no caso a título de pré-reforma, (e pela cessação do contrato de trabalho), para perceber se ela constitui ou não um bem comum.

Como vimos, da matéria de facto provada resulta que o valor depositado na conta do Banco 1..., Sa inclui indemnização auferida pela sua pré-reforma ocorrida na Transportadora Aérea A..., concedido em 01-07-202.

Estamos assim, indubitavelmente perante uma indemnização atribuída no âmbito das relações laborais.

Está assim em causa saber se, diversamente do considerado pela sentença recorrida, a indemnização por pré-reforma tem a natureza de bem próprio e não de bem comum dos cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos.

Como ponto de partida, o art. 1724º do C.Civil dispõe que fazem parte da comunhão “o produto do trabalho dos cônjuges” e “os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimonio que não sejam excetuados por lei”.

Nesta matéria, afirmam Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[4] o seguinte: «Não é pacífico que mereça este regime as indemnizações que pretendam reparar uma incapacidade de ganho ou se meçam por uma perda de salários. Será o caso das indemnizações recebidas por acidentes de trabalho, doenças profissionais, reforma antecipada, despedimento, etc. Nestes casos, as somas recebidas vêm substituir os salários “cessantes”, que teriam a qualidade de bens comuns; as indemnizações deviam entrar para o património comum.».

No mesmo sentido, acompanhando esta posição pronuncia-se Hélder Roque[5], concluindo que fazem parte da comunhão conjugal «as indemnizações, por qualquer causa, que tenham na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho».

Ou seja, de acordo com o art. 1724º al a) do C.Civil,  o “produto do trabalho dos cônjuges” faz parte da comunhão, pelo que, partindo desse princípio, todos os proventos – prestações patrimoniais, periódicas ou não, em dinheiro ou em espécie – recebidos por um dos cônjuges, por força de um contrato de trabalho, de prestação de serviço ou de qualquer outro contrato que enquadre a prestação efetuada ao cônjuge, são bens comuns do casal.

O fundamento imediato do crédito indemnizatório por pré-reforma (com origem no Fundo criado com tal finalidade), não é já o contrato de trabalho, mas, para todos os efeitos, é a substituição da anterior obrigação decorrente do vínculo laboral, por uma nova obrigação que, tendo como fundamento imediato o acordo revogatório, não deixa de ter origem na anterior obrigação, decorrente da relação laboral.

Na mesma linha de raciocínio deve ser integrada a indemnização pela cessação do contrato de trabalho, que visa também ela compensar a perda da retribuição salarial.

Isto para concluir que, acompanhando o entendimento doutrinário a que fizemos referência que, constituindo a indemnização por pré-reforma, uma prestação patrimonial que pela própria natureza visa compensar a diminuição da capacidade de ganho deverá entender-se que a mesma faz parte da comunhão conjugal, devendo ser considerada “bem comum”.

Aqui chegados, porém, há que atender que Requerente e Requerido puseram termo à comunhão conjugal, por divórcio.

Desta forma, impõe-se atender à data em que a indemnização foi atribuída para saber se a mesma deve ou não ser considerada “bem comum”, pelas razões a que fizemos referência, para efeitos de partilha adicional.

Com relevância para a questão a decidir, encontram-se provados os seguintes factos:

O divórcio entre os interessados foi decretado por decisão datada de 04/11/2015, transitada em julgado em 04/12/2015, tendo a acção sido proposta em 5/03/2015.

Por força do disposto no art. 1788º do C.Civil o divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei, pelo que, como é consabido põe termo à comunhão conjugal.

Por sua vez, como vimos, o art. 1789º nº 1 do C.Civil estabelece que os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges.

No caso em apreço, os efeitos do divórcio produziram-se em 4.12.2015. Quanto aos efeitos patrimoniais, porém os mesmo retroagiram a 5.3.2015, data da propositura da ação.

Tendo a indemnização (de pré-reforma) sido atribuída ao requerido em 1 de Julho 2021, (cerca de seis anos depois) temos necessariamente que concluir que se trata de um bem próprio do Requerido, uma vez que nessa data, há muito se havia extinguido o casamento e os efeitos patrimoniais dele decorrentes, nomeadamente quanto á comunicabilidade dos bens.

Podemos assim concluir que, o beneficiário do Fundo é apenas o aqui Requerido, sendo apenas ele o titular das prestações de reforma ou do direito à indemnização por pré-reforma, ou da indemnização pela cessação do contrato de trabalho.

Porém, deve entender-se que, em virtude da indemnização se destinar a compensar a perda das remunerações recebidas como contrapartida do trabalho, os montantes recebidos pelo beneficiário a título indemnizatório revestem, a natureza de bens comuns do casal, se recebidos na constância do casamento.

Ou seja, para se considerar a indemnização correspondente ao valor da pré-reforma, (que visa substituir o rendimento do trabalho), ou da indemnização pela cessação do contrato de trabalho (que visa ressarcir a perda da remuneração salarial no futuro), bem comum, necessário se torna que os cônjuges ainda se encontrem casados, na  ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, referente a indemnização em substituição de créditos laborais, foi recebida por um deles.

Neste sentido se pronunciou já o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 2.11.2010,[6] ao apreciar uma questão coincidente, onde se pode ler no respetivo sumário (ponto V) o seguinte: «Encontrando-se os cônjuges ainda casados, por ocasião em que a compensação pecuniária, de natureza global, referente a indemnização em substituição de créditos laborais, foi recebida por um deles, o mesmo bem, ao entrar na esfera patrimonial deste, assumiu, imediatamente, a qualidade de bem comum do casal, passando a estar sujeito, desde a propositura da acção, ao regime da partilha dos bens comuns, em consequência de divórcio».(sublinhado nosso).

Desta forma, entende este Tribunal que, tendo a indemnização sido atribuída ao beneficiário do fundo, depois da data da cessação dos efeitos patrimoniais do casamento, tal indemnização constitui bem próprio do beneficiário, aliás como o mesmo defende, não se encontrando por isso abrangido pela partilha adicional.

E a nosso ver, a situação em apreço, não é sequer suscetível de poder “esconder”  uma eventual manobra ou atuação do ex-cônjuge (protelando por exemplo a exigência de créditos salariais, para momento posterior ao divórcio, subtraindo, deste modo, do património comum rendimentos que foram realizados na constância do casamento), que se poderia traduzir no enriquecimento do património próprio à custa do empobrecimento do património comum,[7] atendendo-se à circunstância do Fundo ter sido constituído na pendência do casamento, uma vez que, e desde logo, como o Requerido refere, se não tivesse pedido a antecipação da reforma, apenas a iria auferir aos  66 anos, data da sua reforma (previsivelmente ano de 2029) e, quanto à indemnização pela cessação do contrato de trabalho, tratam-se de valores que o mesmo iria auferir após Julho de 2021.

Do exposto conclui-se que, o valor indemnizatório recebido pelo Requerido, com origem no identificado Fundo da A..., não deve integrar os  bens comuns a partilhar em partilha adicional, impondo-se, por isso,  a revogação da sentença.

V - DECISÃO

Pelo exposto em conclusão, acordam as Juízas que compõem este Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que tenha em consideração que a indemnização recebida pelo requerido não é bem comum.

Custas pelo recorrente que teve vencimento.


Porto, 30 de janeiro de 2023.
Alexandra Pelayo
Márcia Portela
Anabela Andrade Miranda
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[1] Pode servir também para planos de benefícios de saúde, podendo ainda, simultaneamente, estar afeto ao financiamento de um mecanismo equivalente.
[2] Pode ser uma Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, ou pode ser uma empresa de seguros que em Portugal estão autorizadas a tal.
[3] Existirá ainda uma entidade Supervisora, que emite as normas regulamentares necessárias e procede à fiscalização do cumprimento das normas legais sobre a atividade de gestão de Fundos de Pensões e constituição e funcionamento das Sociedades Gestoras.
[4] In Curso de Direito da Família (e-book), Vol. I - Introdução ao Direito Matrimonial, 5.ª ed., Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016, págs. 631 e ss.
[5] In Da partilha parcial em divórcio por mútuo consentimento convolado, da parcela respeitante à indemnização por cessação do contrato de trabalho de um dos ex-cônjuges vencida na constância do matrimónio», in Revista Julgar, n.º 40, 2020, pág. 45.
[6] Proferido no P 726/08.0TBESP-D.P1.S1, sendo Relator o Exmº Juiz Conselheiro Hélder Roque, disponível in www.dgsi.pt
[7] Atuação que não poderia ser tolerada pela ordem jurídica.