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PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARRESTO
PROCESSO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
DESPACHO
PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO
Sumário
I - Se na procedência de processo cautelar de arresto são apreendidos bens do devedor arrestado - uma sociedade - e esta, entretanto requer processo especial de recuperação de empresa visando a sua recuperação económica - o facto de ter sido proferido despacho de prosseguimento da acção não implica o levantamento dos bens arrestados, mas antes a suspensão do processo cautelar. II - Enquanto que o arresto visa acautelar o direito de crédito do credor/arrestante, o processo de recuperação de empresa destina-se não só à protecção/recuperação da empresa (objecto de tal processo) como à do universo dos seus credores.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I) “B…………, Ldª”.
Requereu, em 9.10.2003, pelas Varas Cíveis da Comarca do ........... – .. Vara – Providência Cautelar de Arresto, contra:
“C................, Ldª”
Pedindo que se que se decretasse o arresto sobre viaturas automóveis: ligeiro de mercadorias matrícula ..-..-GP; pesado de mercadorias matrícula ..-..-NG; reboque matrícula P-.....; ligeiro de mercadorias matrícula ..-..-OR; pesado de mercadorias, matrícula ..-..-LN; pesado de mercadorias matrícula ..-..-NG; máquinas para a construção civil, tais como gruas, betoneiras, martelos pneumáticos e todos os demais utensílios e ferramentas da construção civil que sejam encontrados na sua actual sede e armazém, e equipamento de escritório, computadores, impressoras, máquinas de fotocópia, telefax, secretárias cadeiras e armários.
Alegou, em resumo, ter por objecto a prestação de serviços, no âmbito da construção civil, designadamente, através do fornecimento de mão-de-obra.
A requerida, por sua vez, é uma sociedade comercial que labora na área da construção civil em obras públicas e privadas.
No desenvolvimento da respectiva actividade social, celebraram contratos de utilização de trabalho temporário em diversas obras que a requerida trouxe em construção.
A requerente é credora da requerida pelo montante de € 66.931,68.
Não obstante sempre reconhecer a dívida como o seu montante, a verdade é que a requerida cessou pagamentos, tendo, previamente, reunido com a requerente propondo regularização dos seus débitos, o que não cumpriu.
A requerida está em situação de colapso económico e financeiro, de tal forma que se indicia o propósito de se despojar dos seus activos.
A requerida não conseguirá continuar a actividade de forma a possibilitar-lhe rendimentos para pagar o crédito da requerente.
II) Por decisão de 21.10.2003 da .. Vara Cível da Comarca do .........., foi decretado o arresto nos termos requeridos.
III) Os bens foram apreendidos no dia 4.11.2003 – doc. de fls. 31 a 34.
IV) Com distribuição em 3.11.2003, ao .. Juízo do Tribunal de Comércio de ................, a “C................, Ldª”, requereu Processo Especial de Recuperação de Empresa, em virtude da sua situação económica “fazer perigar seriamente a sua actividade comercial”, narrando com pormenor os factos indiciadores da situação pré-falimentar.
Propôs como medidas para a sua recuperação: aumento do capital social; perdão total dos juros vencidos desde a entrada em juízo do processo; saneamento do passivo reduzido ao pagamento líquido da percentagem de 10% do valor do capital dos créditos.
V) Em 2004.01.05 foi proferido despacho de prosseguimento da acção, onde, além do mais, foi declarada, nos termos do art. 29° do CPEREF a suspensão de todas as execuções pendentes contra a requerente “C............., Ldª”, sem excepção das que tiverem por objecto a cobrança de créditos com preferência ou privilégio até ao trânsito em julgado da decisão homologatória do juiz da deliberação da assembleia de credores ou ao termo do prazo previsto no art.53º”.
VI) Não foi deduzida oposição ao pedido de recuperação, nem requerida a falência.
VIII) Em 13.1.2004 a “C.............., Ldª” requereu àquele Tribunal que ordenasse o levantamento dos bens arrestados, por tal diligência ser essencial à prossecução da sua actividade industrial.
VIII) Tendo sido considerado que tal pedido deveria ser formulado no processo onde o arresto foi decretado, a requerida “C............, Ldª” assim fez, vindo tal Tribunal a considerar, em despacho de 1.4.2004, que o disposto no art. 29º do CPEREF determina a suspensão da instância e não o levantamento das apreensões que hajam sido efectuadas pelo que indeferiu a pretensão em apreço.
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Inconformada recorreu a “C............, Ldª” que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
A) Do texto da lei resulta que com a prolação do despacho de prosseguimento da acção proferido no âmbito do processo de recuperação de empresa devem ser suspensas não apenas as diligências executivas em processos de execução, mas também as diligências de apreensão de bens em providências cautelares e processos especiais que atinjam o património do devedor, incluindo-se, nestes casos, a apreensão de bens arrestados.
B) Este regime de suspensão previsto para as acções executivas e diligências de apreensão de bens, a ser entendido “tout court” poderá dar origem a que durante um período de tempo bastante longo – dois ou mais anos – a requerente do processo de recuperação se veja totalmente desapossada do seu património, inviabilizando completamente a actividade da requerente da providência de recuperação e o exercício normal da sua actividade, o que se afigura não estar no espírito e letra da lei.
C) As razões que estão na origem da utilidade da manutenção da acção executiva e do regime de suspensão previsto na lei não tem a sua razão de ser no procedimento cautelar de arresto, porquanto neste processo não é possível promover a venda dos bens arrestados e obter pagamento com o produto dessa venda, não havendo cumprimento do acordo de pagamento homologado em assembleia definitiva de credores no âmbito do processo de recuperação.
D) Sendo esta a finalidade do processo de recuperação de empresa, afigura-se que não deverá manter-se a empresa destituída dos bens que a compõe em resultado de diligência de arresto, pois de outro modo comprometer-se-iam irremediavelmente os objectivos que o legislador se propôs alcançar com a consagração deste regime de protecção para as empresas em situação deficitária, bem como, ficariam desacautelados os interesses dos demais credores comuns face ao requerente do procedimento cautelar de arresto.
E) Só restituindo a posse dos bens essenciais ao exercício da actividade da recorrente se poderá ultrapassar a situação de risco de insolvência que atravessa e obter com sucesso a aprovação de uma medida tendente à sua recuperação, cumprindo a mesma e obtendo meios que lhe permitam proceder ao pagamento de todas as dívidas de que é detentora perante os seus credores, nos termos que vierem a ser aprovados em assembleia definitiva de credores.
F) A manutenção do arresto sobre os bens, além de pôr em causa a continuidade da laboração da recorrente, agravando sobremaneira os riscos da sua paralisação, põe em causa o princípio da igualdade de tratamento entre todos os credores comuns com expressa tutela e acolhimento legal.
Deverá, assim, revogar-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordenando a suspensão dos termos do procedimento cautelar de arresto, determine a restituição à recorrente dos bens que foram apreendidos e removidos no âmbito do presente procedimento cautelar de arresto.
Assim, decidindo, far-se-á, Justiça.
Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir tendo em conta que releva factualmente o que consta do relatório – itens I) a VIII) – que aqui se consideram transcritos.
Fundamentação:
A questão objecto do recurso – aferida pelo teor das conclusões do requerente – que, em regra, delimitam o âmbito do seu conhecimento – consiste em saber se, tendo sido alvo de arresto bens de certa empresa que depois lança mão do processo de recuperação de empresa, sendo nesse processo proferido despacho de viabilidade da pretensão (prosseguimento) os bens arrestados lhe devem ser restituídos.
Vejamos.
A “C............., Ldª” foi alvo de procedimento cautelar de arresto requerido por um seu credor e, tendo sido decretado tal procedimento, viu apreendidos bens que afectava ao exercício da sua actividade industrial; posteriormente, veio a requerer Processo de Recuperação de Empresa, visando a adopção de medida de recuperação da sua débil situação financeira, tendo tal processo prosseguido por se apresentar liminarmente viável a sua recuperação, como, desde logo, se tem de concluir pelo facto de ter sido prolatado o despacho a que alude o art. 28º do DL.132/93, de 23.4, alterado pelo DL.315/98, de 20.10, doravante, CPEREF.
Dispõe o art. 406º do Código de Processo Civil:
“1 - O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
2 - O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo quanto não contrariar o preceituado nesta subsecção”.
Da definição legal resulta que o arresto consiste numa apreensão judicial de bens e acarreta a imobilização dos bens arrestados, limitando o poder de disposição do arrestado mas não o suprimindo.
É um meio de conservação da garantia patrimonial dos credores destinada a assegurar o cumprimento da obrigação.
Ao arresto são aplicáveis as normas relativas à penhora, a menos que contrariem o regime dos procedimentos cautelares e a sua finalidade.
A “vocação” natural do arresto é a sua conversão em penhora.
Dispõe o art.622º do Código Civil.
“1. Os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora.
2. Ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais eleitos da penhora”.
No caso de apenas ter sido decretado o arresto tal implica para o arrestado a indisponibilidade desses bens, cautelarmente afectados como garantia, à satisfação dos direitos do credor/requerente – art. 619º, nº1, do Código Civil.
Portanto, importa indagar se, tendo o arrestado requerido “auto-protecção” para a sua empresa, pela via do processo de recuperação, e tendo sido proferido despacho de prosseguimento nesse processo, o que vale por dizer que num juízo prognóstico a empresa disporá de condições para superar a sua fase difícil e ser viabilizada, isso implica que os efeitos do arresto – indisponibilidade dos bens por parte do arrestado cesse – tudo se passando como se não tivesse existido a providência cautelar.
A contradição, na verdade, parece existir.
Se, por um lado, a recuperação da empresa é viável, ela deveria operar com todos os bens afectados ao seu escopo produtivo, com vista a superar a fase crítica que atravessa, em ordem à sua recuperação e, por isso, se continuar impossibilitada de usar os bens arrestados a sua recuperação tornar-se-á mais problemática, ou mesmo impossível, por não gerar riqueza capaz de poder cumprir as obrigações inerentes ao seu giro comercial.
Mas, com o devido respeito, a contradição é apenas aparente.
Enquanto o arresto é uma medida cautelar que visa a protecção dos créditos do requerente/credor, quando certa empresa lança mão do processo de recuperação de empresa o processo visa não só a sua protecção/recuperação, como agente económico, mas também a dos seus credores.
Assim é que o art. 5º do CPEREF consigna:
“A empresa insolvente ou em situação económica difícil que se considere economicamente viável e julgue superável a situação em que se encontra pode requerer em juízo a providência de recuperação adequada.”
De notar que, da conjugação do estatuído nos arts. 6º e 8º, nº 1, a) do citado Código, a empresa, logo que falte ao cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, deve requerer, no prazo de 60 dias, a sua falência “salvo se, tendo razões bastantes para o fazer, optar pelo requerimento da providência de recuperação adequada”.
Assim é inquestionável que o processo de recuperação visa, também, a protecção dos credores que são chamados a intervir, pela via da citação – art. 20º, nº 1, als. a) e b) e nº 2 – para não só deduzirem oposição, como também, para justificarem os seus créditos, ou proporem qualquer providência diferente da requerida.
Ordenado-se o prosseguimento da acção de recuperação – art. 28º do CPEREF – ficam imediatamente suspensas toas as acções instauradas contra o devedor e todas as diligências que afectem o seu património – art. 29º, nº 1, do diploma citado.
Ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência Anotado”, 3ª edição, pág.133:
“[…] Devem também ser suspensas as diligências executivas em providências cautelares e processos especiais, que atinjam o património do devedor.
A letra da lei dá cobertura a este entendimento…
O facto de a lei estatuir a suspensão como um efeito automático do despacho de prosseguimento faz com que ela não dependa de arguição, muito embora, naturalmente, só seja efectivamente concretizada quando o tribunal onde corre a acção ou diligência a suspender tenha conhecimento do facto suspensivo”.
A prolação do despacho a que alude o art. 28º do CPEREF implica a automática suspensão não só das execuções instauradas contra o devedor requerente da acção de recuperação com também das providência cautelares que atinjam o seu património.
A lei fala em suspensão que é temporária, tendo como limites os definidos no art. 29º, nº 2, ou seja;
“A suspensão mantém-se até ao termo do prazo máximo estabelecido para a deliberação da assembleia de credores, fixado no nº l do artigo 53°, ou, antes disso, até ao trânsito em julgado da decisão que homologue ou rejeite a providência de recuperação aprovada, declare findos os efeitos do despacho de prosseguimento ou determine a extinção da instância, não podendo, porém, a cessação da suspensão prejudicar o disposto nos artigos 95°, n° 2, e 103°, n° 4”.
Assim sendo e não visando o processo de recuperação de empresa apenas a sua continuação no circuito económico, mas também proteger a generalidade dos seus credores [Este objectivo de protecção dos credores é muito mais acentuado no novo “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas” – Dec-Lei 53/2004, de 18.3, com as alterações introduzidas pelo DL. 200/2004, de 18.8, em vigor em 15.9.2004, como, desde logo, se infere da redacção do seu art. 1º: “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.”
Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e da Recuperação de “Empresas Anotado”, em comentário àquele normativo, escreve: “A indicação da finalidade do processo de insolvência, referida neste artigo, representa uma grande alteração da filosofia do Código, na medida em que o processo deixa de ter como finalidade principal a recuperação da empresa, ao contrário do que se previa nos arts. 1°, n.°s l e 2, do CPEREF, para passar a ter como único fim a satisfação dos credores, de que a recuperação da empresa é um mero instrumento”], evitando a falência, devem manter-se suspensos quaisquer processos, inclusive de índole cautelar, que contendam com o património do devedor.
Logo, não pode, no circunstancialismo vindo de apreciar, ser ordenada a restituição à recorrente /arrestada, dos bens que foram aprendidos [“A suspensão de todas as execuções instauradas contra o devedor determinada pelo despacho que manda prosseguir a acção de recuperação de empresa não implica a revogação ou a alteração das diligências de penhora ou de arresto já realizadas, mas a sua simples suspensão, em termos idênticos ao da suspensão da instância”- Ac. desta Relação de 13.12.1999, in BMJ- 492-488].
A providência manter-se-á suspensa, o que não equivale a que perca os seus efeitos já consumados com a apreensão, que o processo cautelar em apreço postula.
De outro modo de nada valeria o arresto,
Não merece censura despacho recorrido.
Decisão:
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho sob censura.
Custas pela agravante.
Porto, 27 de Setembro de 2004
António José Pinto da Fonseca Ramos
José da Cunha Barbosa
José Augusto Fernandes do Vale