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FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
CUSTAS
Sumário
O FGA (Fundo de Garantia Automóvel) não está isento de custas desde o Decreto-Lei n.324/2003 de 27 de Dezembro.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
No Tribunal da Comarca de......, distribuída ao -º Juízo Cível, o Fundo de Garantia Automóvel, com sede em Lisboa e delegação na Rua....., no...., intentou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, para efectivação de responsabilidade emergente de acidente de viação, contra B....., residente na..... – ....., dessa comarca, pedindo a condenação dele a pagar-lhe a quantia de € 5.487,84, com juros, como reembolso das indemnizações por ele pagas aos lesados no acidente de viação, que descreve, por sua culpa exclusiva, e não beneficiar, no momento, de seguro de responsabilidade civil para com terceiros, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 25º do Dec. Lei n.º 522/85, de 31/12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 122-A/86, de 31/5.
Logo na sua identificação na petição se declarou integrado no Instituto de Seguros de Portugal e isento de custas nos termos do n.º 11 do art. 29º do citado Dec. Lei n. 522/85.
Porém, o Mer.mo Juiz no seu despacho inicial, por o Autor não ter junto o comprovativo de ter pago a taxa de justiça pela interposição da acção, embora tenha sido remetido à distribuição sem que a secretaria tenha recusado a petição inicial, como ordena o art. 474º, n.º 1, al. f) do CPC, por aplicação analógica do art. 150º-A, n.º 3 do mesmo Código, determinou o desentranhamento do requerimento inicial e sua devolução ao apresentante, indo os autos à conta com custas por ele.
Deste despacho interpôs recurso o Autor que foi recebido como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, com a nota de no art. 4º do Dec. Lei n.º 324/03, de 27/9, que alterou o CCJ e que entrou em vigor no dia primeiro do corrente ano, ter revogado as normas de legislação avulsa que consagram isenção de custas a favor do Estado e demais entidades públicas - v: fls. 38.
Nas alegações de recurso o Agravante formulou as seguintes conclusões:
1º - A norma contida no n.º 11 do art. 29º do D.L. 522/85 de 31/12, não foi revogado pelo D.L. 324/2003 de 27/12.
2º - O Decreto Lei n.º 324/2003 de 27/12, que veio introduzir alterações ao Código das Custas Judiciais, continua a prever isenções objectivas e subjectivas, relativamente ao pagamento de custas (art. 1º e 2º).
3º - O n.º 1 do art. 2º do Código das Custas Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. 324/2003 de 27/12, refere que “Sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas;”.
4º - Continuam, pois a existir entidades isentas do pagamento de custas, desde que tal isenção esteja prevista em legislação especial.
5º - Com efeito, o n. 11 do art. 29º do D.L. 522/85 de 31/12, que consagra a isenção de custas do recorrente, tem a natureza de legislação especial, porquanto está inserido na norma que regula a legitimidade do Fundo de Garantia Automóvel e demais regras do seu funcionamento.
6º - Nos termos do n.º 7 do art. 4º do D.L. 324/2003 de 27/12 “São revogadas todas as normas contidas em legislação avulsa que consagram isenções a favor do Estado e demais entidades públicas”.
7º - O n.º 11 do art. 29 do D.L. 522/85 de 31/12, que consagra a isenção de custas do Fundo de Garantia Automóvel, não tem natureza de legislação avulsa, sendo antes um preceito de natureza especial.
8º - Esse preceito legal está inserido no regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, no qual também está regulamentado todo o enquadramento jurídico do Fundo de Garantia Automóvel.
9º - O n.º 11 do art. 29º do D.L. 522/85 de 31/12 não faz parte dum diploma que tivesse sido publicado exclusivamente para isentar o recorrente do pagamento de custas.
10º - Essa norma que consagra a isenção do pagamento de custas está integrada no enquadramento jurídico do Fundo de Garantia Automóvel, mais precisamente na disposição que prevê a legitimidade das partes e outras regras.
11º - Uma vez que o n.º 11 do art. 29º do D.L. 522/85 de 31/123, não tem natureza de legislação avulsa, não foi tal disposição revogada pelo n.º 7 do art. 4º do D.L. 324/03 de 27/12.
12º - O Fundo de Garantia Automóvel continua a estar legalmente isento do pagamento de custas, não tendo, por isso, que juntar com sua petição inicial o comprovativo do pagamento da respectiva taxa de justiça.
13º - O douto despacho violou, pois o n.º 11 do art. 29º do D.L. 522/85 de 31/12.
Finaliza no sentido de que o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que receba a petição inicial sem o documento comprovativo de ter sido paga a taxa de justiça inicial.
Não houve contra-alegações e o Mer.mo Juiz sustentou o seu despacho.
Nesta Relação foi mantida a espécie e efeito do recurso e colhidos os vistos legais dos Ex.mos Colegas Adjuntos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
* * *
A questão deste agravo resume-se se a isenção de custas que usufruía o Fundo de Garantia Automóvel, estabelecida no n.º 11 do art. 29º do D.L. 522/85, de 31/12, que instituiu o seu regime processual no domínio do seguro obrigatório, foi revogado pelo n.º 7 do art. 4º na revisão do Código das Custas Judiciais pelo D.L. 324/2003, de 27/12.
Pelo 1º preceito “O Fundo de Garantia Automóvel está isento de custas nos processos em que for interessado” e pelo segundo “São revogadas todas as normas contidas em legislação avulsa que consagram isenções de custas a favor do Estado e demais entidades públicas”.
As alterações introduzidas ao Código das Custas Judiciais pelo citado D.L. entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 – art. 16º, n.º 1 do mesmo – e a presente acção deu entrada no tribunal no dia 9 de Março de 2004.
Entende o Mer.mo Juiz que o Fundo de Garantia Automóvel deixou de gozar da isenção de custas nos seus processos a partir do 1º dia do corrente ano, por revogação do n.º 11 do art. 29º citado.
E defende o Recorrente que tal revogação apenas tem aplicação em legislação avulsa e não em legislação especial, como será do D.L 324/2003, que disciplina o regime jurídico do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
Define a Doutrina como normas especiais “as que, regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, que não está em directa oposição com a disciplina geral” e normas excepcionais as “que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram para o efeito uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundadas em razões especiais, privativas daquele sector de relações” – P. Lima e A. Varela, Noç. Fund. D. Civil, 4ª ed., 1º vol., pág 72 e 69.
É sabido que com a introdução do seguro obrigatório de modo a acautelar as vítimas de acidentes de viação contra os proprietários de veículos que não tivessem transferido a sua responsabilidade civil para companhias seguradoras e sem capacidade económica para responderem pelas indemnizações em que fossem condenados, determinou a criação de entidade que respondesse por tais indemnizações e contra quem devia ser interposta a acção para sua efectivação emergente de acidente de viação, como está expressamente previsto nos números 6 e 8 do art. 29º do D.L. 522/2003 (já anteriormente regulada pelo D. L. 408/79, de 25 de Setembro), sendo tal entidade o Fundo de Garantia Automóvel com a competência expressa no art. 21º e segs. do mesmo diploma.
E, nos termos de tal legislação, além do pagamento das indemnizações devidas, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado – art. 21º, n.º 2, al. a) – o que vem a exercer mediante a acção dos autos.
Tudo, porém, fundado na responsabilidade por factos ilícitos, por violação dolosa ou culposa de direitos alheios, do regime geral do art. 483º e segs. do Cód. Civil e da obrigação e transmissibilidade obrigatória dessa responsabilidade para companhia de seguros – art. 1º n.º 1 do citado D.L. 522/2003.
Daqui termos de considerar o regime do seguro obrigatório como de especial em relação à responsabilidade civil resultante das normas do Código Civil, conforme conceito atrás referido.
E preceitua o art. 7º deste Código Civil:
...
A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior.
A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.
...
Do relatório do D.L. 324/2003, justificativo das alterações introduzidas ao
Código das Custas Judiciais, no início do seu item 6, reproduz-se os seus dois primeiros parágrafos:
“Procede-se, igualmente a uma profunda alteração do regime de isenção de custas, consagrando-se o princípio geral de que, salvo ponderosas excepções, todos os sujeitos processuais estão sujeitos ao pagamento de custas, independentemente da sua natureza ou qualificação jurídicas e desde que possuam capacidade económica e financeira para tal, sendo as excepções a esta regra equacionadas, sem prejuízo para os interessados, em sede de apoio judiciário.
Neste particular, estende-se aos processos de natureza cível o princípio geral de sujeição do Estado e das demais entidades públicas ao pagamento de custas judiciais, consagrado, por unanimidade dos partidos com assento na Assembleia da República, do Novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro. Com efeito, e por maioria de razão, não faria sentido que, sendo essa a regra na jurisdição administrativa, a mesma não fosse também aplicável na jurisdição comum.
Ora, no seguimento deste entendimento do legislador resultou o citado art. 4º deste D.L.: São revogadas todas as normas contidas em legislação avulsa que consagrem isenções de custas a favor do Estado e demais entidades públicas.”
Vem sendo entendida como entidade pública o Fundo de Garantia Automóvel dada a especial especificidade das suas atribuições, como garante da indemnização aos lesados dos danos sofridos nos acidentes de viação.
Legislação avulsa ou especial para efeito de revogação da isenção de custas, atenta a vontade do legislador expressa no que reproduzimos do relatório de D.L. 324/2003, é idêntica para a aplicação do preceito. São abolidas.
E, assim, vem sendo o entendimento desta Relação como se decidiu no acórdão de 17/05/04, no processo n.º 4137/04, 3ª S.
Temos, pois por certo, que o Mer.mo Juiz fez correcta interpretação e aplicação da lei no despacho recorrido. Em consequência, improcedem as conclusões das doutas alegações do Recorrente
* * *
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao agravo e confirmar o douto despacho recorrido.
Custas pelo Agravante.
Porto, 28 de Setembro de 2004
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves
Manuel António Gonçalves Rapazote Fernandes
António Luís Caldas Antas de Barros