ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
Sumário


I - O que releva, seja qual for o enquadramento jurídico do dano biológico, é que a perda genérica de capacidade, seja laboral seja funcional, constitui sempre um dano ressarcível.
II - Não obstante a falta de consenso quanto ao seu enquadramento, o chamado dano biológico vem sendo considerado como abrangendo não só um núcleo alargado de prejuízos incidentes na esfera profissional do lesado, seja a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da atividade profissional habitual ou a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de outras atividades ou tarefas de cariz económico, o esforço acrescido ou maior onerosidade no exercício da atividade profissional, com a consequente repercussão do acréscimo de despesas daí decorrentes ou a diminuição do nível de rendimentos expectáveis, seja ainda a repercussão na própria carreira profissional e na sua previsível progressão, mas também em todas as situações em que a lesão não tem repercussão direta ou indireta no salário e na profissão do lesado que não exerce qualquer atividade profissional.
III - “A ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua atividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras”.
IV - Tendo o Autor, à data do acidente, 52 anos de idade e tendo ficado afetado por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 11 pontos, compatível embora com a atividade profissional habitual, mas implicando marcados esforços suplementares, apresentando claudicação na marcha e dores ao nível do joelho e perna esquerdos que se agravam com a carga e a marcha, e as condições ambientais frias e húmidas, bem como dificuldade em caminhar, traduzindo-se tais limitações em maior onerosidade no desempenho de tarefas pessoais e profissionais, e repercutindo-se negativamente na capacidade de trabalho do Autor, designadamente no exercício da sua profissão habitual, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável, resultando ainda provado que o défice funcional virá agravar-se no futuro, o que tornará ainda mais penosa a atividade profissional do Autor, e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se justa e adequada a indemnização de €47.500,00 arbitrada pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial, reduzida para €42.750,00, em função da contribuição do Autor para a verificação do sinistro na proporção de 10%.
V - Tendo em atenção as lesões sofridas e os tratamentos a que o Autor foi sujeito, com particular destaque para a realização de três cirurgias e para o período temporal em que esteve afetado (um défice funcional temporário total de 31 dias e parcial de 848), bem como o quantum doloris de grau 5 (numa escala de 0 a 7) e as sequelas de que ficou a padecer, tendo ainda em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11, um prejuízo de afirmação pessoal de pelo menos 4 numa escala até 7 graus de gravidade crescente, um prejuízo na atividade sexual correspondente a 4 pontos (numa escala até 7 pontos de gravidade) e um prejuízo estético de grau 5 (também numa até 7 pontos de gravidade), formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, julgamos adequado para compensar os danos não patrimoniais o valor de €45.000,00 arbitrado pelo Tribunal a quo, já ponderando a contribuição do Autor para a verificação do evento lesivo na proporção de 10%.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA, residente na rua ..., ..., ..., ... intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra AUTORIDADE DE SUPERVISÃO DE SEGUROS E FUNDOS DE PENSÕES -FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (FGA), com sede em Avenida ..., Lisboa, peticionando a condenação do Réu:
a) A pagar ao Autor €128.700,00 (cento e vinte e oito mil e setecentos euros), a título de danos patrimoniais, nos termos alegados sob os artigos 113.º a 121.º, da petição inicial;
b) A quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, nos termos alegados nos artigos 122.º a 129.º, da petição inicial;
ambas com juros à taxa legal de 4% ao ano desde a data de citação e até efetivo pagamento;
c) O valor que vier a ser fixado posteriormente em liquidação ou execução de sentença, nos termos do disposto nos artigos 130.º a 133.º, da petição inicial.
Para tanto, alegou em síntese que no dia 03/07/2015, pelas 20h15, ocorreu um acidente, na rua ... ..., junto ao n.º de polícia ...19, na freguesia ..., em ..., em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-..-JL (doravante JL), conduzido por BB, e o Autor, enquanto peão; nessas circunstâncias de tempo e lugar, o Autor, depois de ter verificado que o podia fazer em segurança, iniciou a travessia da faixa de rodagem, altura em que, depois de ter sido alertado por gritos provindos de pessoas que se encontravam num café próximo e de, por isso, ter dado um passo atrás, foi colhido pelo JL, cujo condutor circulava distraído; em consequência desse embate, o Autor necessitou de receber assistência hospitalar de urgência, tendo ficado internado, a fim de ser submetido a cirurgia corretora; após a alta hospitalar, o Autor esteve em reabilitação do seu domicílio, onde teve apoio de enfermagem, tendo sido sujeito, por intercorrências verificadas no processo de recuperação, a duas outras cirurgias e necessitou de efetuar tratamentos de fisioterapia; não obstante as cirurgias e a assistência recebida, o Autor ficou com sequelas que são causa de um défice funcional na sua integridade física e psíquica correspondente a 30 pontos, sendo provável que se venha a agravar no futuro; fruto das sequelas com que restou, o Autor deixou de poder a exercer a atividade profissional nos termos em que o desempenhava, assim como de praticar caça, ao que se dedicava semanalmente nas respetivas épocas; o Autor teve perdas salariais, no montante de €60.850,30, das quais foi compensado pela Segurança Social na quantia de €40.647,25; para além disso, teve prejuízos patrimoniais com a assistência médica e medicamentosa de que careceu, assim como com a aquisição de uma cama adaptada e ainda precisará, no futuro, de efetuar obras no WC, de modo a adequá-lo à sua condição física; por força das sequelas, tem a sua capacidade de ganho comprometida; por fim, sofreu danos de natureza não patrimonial, em virtude das lesões, das dores, dos incómodos e das implicações nos atos da sua vida diária, social e familiar que as limitações de que ficou portador importam.
Mais sustentou que o FGA é parte legítima nos presentes autos, nos termos do artigo 47.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, tendo já assumido a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo Autor, mantendo-se apenas a divergência no que toca à sua quantificação.
Regularmente citado, o Réu FGA apresentou contestação na qual, em resumo, invocou a exceção de ilegitimidade passiva, por a ação não ter sido também intentada contra os responsáveis civis (proprietário e condutor do veículo); sustentou que, apesar de ter aceitado a responsabilidade pela liquidação do sinistro, nos temos do artigo 50.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, tendo havido recurso à via judicial, assiste-lhe a faculdade de discutir a validade do contrato de seguro quanto à circulação do veículo JL e que, caso se venha a provar a existência de falsas declarações determinantes da anulabilidade daquele contrato, o vício respetivo é a si inoponível; a título subsidiário, quanto ao mais, embora reconhecendo que o acidente foi provocado pelo condutor do JL, arguiu a excessividade dos danos reclamados.
O CENTRO DISTRITAL DE ... DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP (ISS, IP), com sede na praça ..., ..., deduziu pedido de reembolso quanto à quantia de €41.658,70, paga ao Autor a título de subsídio de doença e de prestações compensatórias do subsídio de Natal e de subsídio de férias.
O Autor respondeu às exceções invocadas pelo FGA sustentando a improcedência das mesmas, mas, em simultâneo, deduziu o incidente de intervenção principal provocada, respetivamente, do condutor e do proprietário do veículo JL, CC, residente na rua ..., ..., ... e BB, residente no lugar ..., s/n, ..., ....
Mais pediu a intervenção de EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (doravante EMP01...), com sede em rua ..., Lisboa, para quem, à data do sinistro, a responsabilidade emergente da circulação do veículo JL se encontrava transferida.
Por despacho de 14/10/2019, foi admitida a intervenção principal provocada de CC e BB e indeferida a intervenção de EMP01... COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., uma vez que o Autor estruturou a ação com base na ausência de seguro válido e eficaz (e não tinha formulado, a essa data, qualquer pedido subsidiário, nomeadamente, nos termos do artigo 39.º, do Código do Processo Civil), contra a seguradora.
Os chamados ofereceram a sua contestação, na qual, por um lado, invocaram, a título de exceção, a prescrição e a validade do contrato de seguro à data do embate; e, a título de impugnação, imputaram a verificação do acidente à conduta do Autor, que atravessou a faixa de rodagem com desrespeito das regras de cuidado exigíveis, e sustentaram de exagerada a indemnização peticionada.
Realizou-se a audiência prévia, na qual as partes requereram a suspensão da instância, após o que o Autor veio requerer a intervenção principal da companhia seguradora EMP01..., contra quem peticionou, subsidiariamente ao Réu FGA, os pedidos de condenação formulados na petição inicial, no caso de se apurar que o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel com o n.º de apólice ...33, era válido e eficaz à data do sinistro em causa nos autos, e, consequentemente garante dos danos sofridos pelo Autor.
Por despacho de 05/02/2020, tendo-se entendido que, ao contrário do incidente deduzido a fls. 82 a 83, o Autor, assumindo a dúvida quanto à existência de seguro e articulando uma causa de pedir subsidiária, dirigiu à Interveniente um pedido subsidiário, admitiu-se, ao abrigo do preceituado nos artigos 39.º e 316.º/2, do Código de Processo Civil, a intervenção principal provocada da identificada companhia de seguros.
A Interveniente EMP01... apresentou contestação ao pedido principal formulado pelo Autor e ao pedido de reembolso formulado pelo Interveniente ISS, IP.
Nas respetivas contestações, em súmula, a Interveniente seguradora sustentou a invalidade do contrato de seguro e, a título subsidiário, impugnou a dinâmica do acidente tal como alegada na petição inicial (aderindo à narração efetuada, quanto a essa matéria, pelos responsáveis civis), assim como as lesões, sequelas e os danos invocados pelo Autor.
O Autor e os responsáveis civis exerceram o contraditório quanto à matéria de exceção de que a Interveniente seguradora se prevaleceu pugnando pela respetiva improcedência.
Foi proferido despacho saneador que julgou prejudicado o conhecimento da exceção de ilegitimidade passiva arguida pelo FGA (em virtude da intervenção dos responsáveis civis), tendo sido admitido o pedido de reembolso formulado pelo ISS, IP e relegado para final o conhecimento das exceções de prescrição e de ilegitimidade substantiva (com base na existência de seguro válido e eficaz).
Foi proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
No decurso da audiência, na sessão realizada no dia 31/05/2023, o Interveniente ISS, IP, reduziu o pedido para a quantia de €33.068,50 (cfr. fls. 474/verso) e na sessão realizada no dia 22/06/2023, por força da admissão (por parte da Interveniente seguradora EMP01... da existência de seguro válido e eficaz na data do embate), julgou-se improcedente o pedido formulado pelo Autor e pelo Interveniente ISS, IP, no que se reporta ao Réu FGA e aos responsáveis civis CC e BB (cfr. fls. 481/verso e 482).
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Em face do exposto:

1.º- Julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Interveniente companhia seguradora EMP01... no pagamento:
- Ao Autor AA:

a. Da quantia de € 42.750,00 (quarenta e dois mil setecentos e cinquenta euros), para compensação do dano biológico, à qual acrescem juros de mora à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros), desde a presente data até integral pagamento;
b. Da quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a presente data, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros);
c. Da quantia de € 6.673,10 (seis mil seiscentos e setenta e três euros e dez cêntimos), para indemnização das perdas salariais, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros);
d. Da quantia de € 4.060,35 (quatro mil e sessenta euros e trinta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos demais prejuízos patrimoniais sofridos, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto á taxa de juros);
e. De uma quantia indemnizatória cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609.º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente à compensação dos prejuízos aludidos em 130.º a 133.º, da petição inicial, em virtude do agravamento do défice funcional por via de vir a padecer do aludido em n), dos factos provados;
- Ao Interveniente ISS, IP:

f. Do montante de € 29.761,65 (vinte e nove mil setecentos e sessenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos);
2.º- Absolve-se a Ré do restante

*
A custas da presente ação são, na sua totalidade, da responsabilidade do Autor e da Interveniente seguradora EMP01... na proporção do seu decaimento (cfr. artigo 527.º/1/2, do CPCiv).
As custas, quanto ao pedido de reembolso (nos termos inicialmente formulados), são da responsabilidade do ISS, IP, e da Interveniente seguradora EMP01..., na proporção do decaimento (cfr. artigo 527.º/1/2, do CPCiv).
*

Valor da causa: o fixado pelo despacho saneador.

pagamento às faturas do GML que, eventualmente, ainda se encontrem por liquidar, entrando todas, oportunamente, em regra de custas (cfr. artigo 17.º/2, do Regulamento das Custas Processuais).
Registe, notifique e baixa.”
Inconformada, a Interveniente EMP01... Companhia de Seguros S.A apelou da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1- A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve uma apreciação correta dos pressupostos de direito, e de facto, constantes dos presentes autos.
2- Insurge-se a Recorrente quanto á fixação autónoma de uma indemnização a título de Dano Biológico, uma vez que, no presente caso, o mesmo deve ser relevado como dano não patrimonial.
3- Verifica-se na sentença uma dupla valoração do mesmo dano, porque o juiz a quo, na sentença, valorou as limitações do Recorrido, nas tarefas habituais, tanto no Dano Biológico como também no Dano não Patrimonial, verificando-se assim um locupletamento injusto, pelo que o valor da indemnização a título de dano Biológico, ou dano não patrimonial, deve ser reduzida.
4- Não pode a Recorrente concordar, em todo o caso, com os valores arbitrados pelo tribunal a quo, a título de Dano Biológico e de Dano Não Patrimonial, valores esses que, claramente, são atentadores das regras da equidade.
5- O juiz a quo não ponderou, adequadamente, na atribuição dos valores indemnizatórios a titulo de dano Biológico e Dano Não Patrimonial, acerca da conduta do Recorrido no momento do acidente, a qual, de acordo com o teor do Acórdão da Relação de Guimarães de 24.02.2022, relativo ao processo 882/19.2T8FAF, cuja decisão sobre a responsabilidade pelo acidente o Recorrido e a Recorrente aceitaram, “não está isenta de reparos (….) ele também contribuiu para a produção do acidente, já que: O Recorrido conhecia a perigosidade da estrada, mesmo assim tentou atravessá-la; A estrada, para um peão colocado na posição do recorrido, tinha reduzida visibilidade; O Recorrido não se socorreu dos espelhos parabólicos instalados na rua que lhe permitiam uma visão completa da estrada; O Recorrido atravessou a faixa de rodagem numa curva de muito reduzida visibilidade, sem se assegurar que dispunha de tempo para o fazer e; O Recorrido hesitou quando se apercebeu da aproximação do veículo seguro.
6- Os factos referidos em 4, dados como provados, deveriam ter sido melhor ajuizados pelo tribunal a quo aquando da atribuição dos montantes indemnizatórios, a título de Dano Biológico e Dano Moral, os quais são exagerados.
7- O valor arbitrado a título de Dano Biológico, é manifestamente exagerado e desproporcional, de acordo com decisões semelhantes dos tribunais superiores, as quais se encontram indicadas nas alegações
8- Considera a Recorrente que o valor justo a título de dano biológico, tendo em conta a situação dos autos, as regras de equidade e a concorrência de culpa do recorrido, seria de €20.000,00.
9- O valor arbitrado título de danos não patrimoniais viola o disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, sendo desproporcional tendo em conta decisões análogas dos tribunais superiores, as quais constam das alegações.
10- Não segue a Recorrente o entendimento do tribunal a quo que considerou o grau de repercussão nas atividades de lazer de 4/7 em vez 2/7.
11- Não pode o tribunal a quo aceitar o teor da segunda perícia, já que da mesma foi precedida da obtenção de documentação que não foi presente á primeira perícia, mas na parte da repercussão das atividades de lazer divergir do entendimento daquela perícia.
12- Da prova testemunhal transparece que o Recorrido continua a deslocar-se a eventos de caça, até mesmo este participa naquela atividade, ainda que de forma residual, sendo que o grau 4/7 ou 5/7, de acordo com a perícia de 2021, implicava que o Recorrido tivesse abandonado, por completo, aquela modalidade, o que não é verdade, pelo que andou mal o tribunal a quo em considerar o grau de repercussão de 4/7 (até porque nem tem conhecimentos médicos para, sem mais, aplicar tal grau) no âmbito da repercussão das atividades desportivas e de lazer.
13- Entende a Recorrente que o grau de 2/7, tal como é referido na perícia de 2022, reflete mais a realidade dos factos, quanto á repercussão das lesões nas atividades desportivas e de lazer.
14- Entende a R. que seria justo o valor de €20.000,00 a título de danos não patrimoniais.
15- Não pode a Recorrente concordar com a sua condenação a título de perdas salariais do Recorrido, porque não existiu, no processo, qualquer prova do lucro cessante para o Recorrido, prova essa que competia este fazer.
16- Se de acordo com a motivação da sentença, o Recorrido assumia mais uma posição de liderança e direção, e que dispõe de uma equipa de trabalho, não sendo o próprio a executar os serviços contratados, sendo ele próprio gerente de uma empresa de dimensão significativa, não é crível que o mesmo deixasse de receber a sua remuneração mensal, pelo que, entende a Recorrente que a condenação no montante de €6.673,10 a título de perdas salariais deve ser revogada.
17- Não concorda, ainda, a Recorrente com o juízo do tribunal á quo em condenar a Recorrente em despesas médicas, porque, não existe no processo qualquer informação clínica de que o Recorrido, em virtude do acidente, necessitava de adquirir uma cama nova, e da adaptação da casa de banho.
18- Não pode o tribunal a quo deduzir, que o Recorrido necessita, ou necessitou, daquelas ajudas, sem o apoio de documentação médica a suportar tal necessidade, até para mais, quando dos relatórios perícias nada se refere quanto á necessidade de ajudas técnicas, pelo que entende a Recorrente que a condenação no montante de €3.700,00 deve ser indeferida.
19- Não existe no processo qualquer prova segundo o qual o valor do vestuário do Recorrido, ao tempo do acidente, seria de €400,00, nem que devido ao acidente a sua roupa ficou completamente inutilizada.
20- Não concorda a Recorrente com o raciocínio do tribunal a quo que presumiu que o valor da roupa do Recorrido seria de €400,00 somente pelo facto do mesmo ser um empresário de sucesso, assim considera a R. que a condenação naquele valor deverá ser revertida.
21- Perante todo o supra exposto, pugna a ora Recorrente pela revogação da Sentença proferida pelo douto tribunal “a quo”.
Pugna a Recorrente pela revogação da decisão recorrida.
O Autor apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:
“1- O Recurso Subordinado apresentado pelo Autor / Recorrente, nos termos do disposto nos números 1 e 2 do Art.º 633º do CPC, cinge-se à matéria de Direito, concretamente à determinação do valor indemnizatório dos danos sofridos;
2- O Autor peticionou a condenação da Ré / Recorrida nos seguintes termos:
a)- Ser a Ré condenada a pagar ao Autor € 128 700,00 (cento e vinte e oito mil e setecentos euros), a título de danos patrimoniais, nos termos supra alegados sob os artºs 113 a 121;
b) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 150 000,00 (cento e cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, nos termos supra alegados nos artsº 122 a 129, ambas as indemnizações (a e b) com juros à taxa legal de 4% ao ano desde a data de citação e até efetivo pagamento;
c)-Ser a Ré condenada a pagar ao A. o valor que vier a ser fixado posteriormente em liquidação ou execução de sentença, nos termos do disposto nos artigos 130 a 133 desta p.i.; e
d)-Ser a Ré condenada no pagamento das custas processuais.
3- O Tribunal a quo condenou nos seguintes:
1.º- Julga-se a ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Interveniente companhia seguradora EMP01... no pagamento:
- Ao Autor AA:
a. Da quantia de € 42.750,00 (quarenta e dois mil setecentos e cinquenta euros), para compensação do dano biológico, à qual acrescem juros de mora à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros), desde a presente data até integral pagamento;
b. Da quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a presente data, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros);
c. Da quantia de € 6.673,10 (seis mil seiscentos e setenta e três euros e dez cêntimos), para indemnização das perdas salariais, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto à taxa de juros);
d. Da quantia de € 4.060,35 (quatro mil e sessenta euros e trinta e cinco cêntimos), a título de indemnização pelos demais prejuízos patrimoniais sofridos, sobre a qual incidem juros de mora devidos desde a citação, à taxa legal aplicável aos juros civis de 4%, até integral pagamento (sem prejuízo de ulterior alteração legislativa quanto á taxa de juros);
e. De uma quantia indemnizatória cuja fixação se relega, nos termos do artigo 609.º/2, do CPCiv, para ulterior incidente de liquidação, correspondente à compensação dos prejuízos aludidos em 130.º a
133.º, da petição inicial, em virtude do agravamento do défice funcional por via de vir a padecer do aludido em n), dos factos provados;
- Ao Interveniente ISS, IP:
f. Do montante de € 29.761,65 (vinte e nove mil setecentos e sessenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos);
2.º- Absolve-se a Ré do restante peticionado.
4- Ao decidir nos termos em que consta da conclusão anterior o Tribunal a quo não avaliou toda a extensão do dano sofrido pelo Autor / Recorrente;
5- O Tribunal a quo não avaliou o dano patrimonial futuro sofrido pelo Autor/Recorrente, que quantificamos, face aos factos provados, em € 50 000,00;
6- Também não avaliou de forma autónoma e em toda a sua extensão o dano biológico – que designamos de dano social futuro – que de forma autónoma aos danos estéticos e relativos ao quantum doloris, devem ser compensados com o montante nunca inferior a € 50 000,00;
7- O Tribunal a quo não avaliou autonomamente e em toda a sua extenção os danos não patrimoniais decorrentes do quantum doloris e do dano estético, que reputamos como necessário para a sua compensação o montante de € 30 000,00;
8- Ao aplicar o direito aos factos provados o Tribunal a quo não avaliou parte dos danos e a parte que avaliou, ficou aquém do efetivo dano sofrido pelo Autor / Recorrente.
9- Ao decidir nos termos em que decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 562º e 566º ambos do Código Civil.
10-Deve ser admitido o Recurso Subordinado ora interposto, pronunciando-se este Tribunal da Relação quanto à não avaliação e indemnização de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor / Recorrente e, considerando tais questões, procedentes, determine a condenação da Ré nos termos peticionados, sem prejuízo da parte da decisão não impugnada”.
Pugna o Autor pela improcedência do recurso interposto pela Interveniente e pela procedência do recurso subordinado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:
A) Do recurso interposto pela Interveniente EMP01... Companhia de Seguros S.A
1 - Saber se o dano biológico deve ser relevado como dano não patrimonial;
2 – Saber se foi efetuada uma dupla valoração do mesmo dano;
3 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano biológico e de danos não patrimoniais;
4 - Saber se deve ser arbitrada indemnização a título de perdas salariais, despesas médicas e vestuário.
B) Do recurso subordinado interposto pelo Autor
1 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório fixado em 1ª Instância a título de dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro e se deve ainda ser valorado de forma autónoma o que o Autor designa por dano social futuro;
2 - Saber se devem ser valorados autonomamente danos não patrimoniais decorrentes do quantum doloris e do dano estético.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância (transcrição):
Admitidos por acordo (na sessão da audiência de julgamento realizada no dia
22.06.2023):

1. No dia 03.07.2015, pelas 20h20m, ocorreu um acidente de viação na rua ..., sensivelmente em frente ao n.º de polícia ...19, freguesia ..., concelho ....
2. No referido acidente, intervieram o veículo ligeiro de mercadorias, de marca ..., modelo ..., de cor ... e matrícula ..-..-JL (doravante JL), conduzido por BB e propriedade de CC, e o peão AA (aqui Autor).
3. O local onde ocorreu o acidente configura uma curva, com inclinação ascendente, com duas vias de trânsito, uma destinada ao sentido ... e a outra destinada ao sentido inverso.
4. Separadas por numa linha longitudinal descontínua.
5. A faixa de rodagem tem 6,20 metros de largura, dividida em duas hemifaixas de 3,10 metros de largura para cada um dos dois sentidos de trânsito (... e ...).
6. O pavimento era de asfalto betuminoso e encontrava-se, à data, em bom estado de conservação.
7. O local do acidente é ladeado por edifícios de habitação e comércio, consistindo numa localidade, sendo a velocidade máxima permitida de 50 km/hora.
8. Em tal local, existem dois espelhos parabólicos instalados num poste do lado da hemifaixa destinada à circulação no sentido ....
9. A estrada, no lado direito, atento o sentido de marcha ..., apresenta uma berma, com cerca de um metro de largura, onde existe passeio para os peões.
10. No lado esquerdo, atento o mesmo sentido de marcha, existe uma berma de dimensões variáveis onde não existe passeio para peões.
11. À hora do sinistro, o estado do tempo era bom e a via era iluminada pela luz do dia
12. Atento o sentido de marcha do JL (...), no local do acidente, a estrada configura um cruzamento da rua do ... com a rua ... e do largo de ... com a rua ....
13. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, o peão AA (aqui Autor) encontrava-se a pé, no limite da hemifaixa destinada ao trânsito no sentido ..., em local onde a mesma configura uma curva, mais próximo da entrada da Quinta ..., em frente ao café EMP02....
14. E porque pretendia atravessar a estrada, olhou para ambos os lados, mas sem olhar para os espelhos referidos em 8..
15. E iniciou a travessia da faixa de rodagem, da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha ....
16. No decurso de tal travessia, quando se encontrava próximo do eixo da via, surgiu o veículo JL circulando na hemifaixa destinada à circulação no sentido ....
17. A uma velocidade superior a 80 km/hora.
18. Ao aperceber-se da aproximação do veículo JL e que não chegaria ao outro lado da via antes da passagem do mesmo, o peão AA hesitou e começou a recuar na hemifaixa de rodagem afeta ao sentido de trânsito ....
18.A O peão AA apercebeu-se da aproximação do veículo JL antes de transpor a linha longitudinal descontínua que dividia as duas hemifaixas.
19. Ao deparar-se com o peão próximo do eixo da via, o BB acionou o travão e perdeu o controlo do veículo.
20. Tendo invadido a hemifaixa de rodagem afeta ao sentido de trânsito contrário, ou seja, a hemifaixa de rodagem da esquerda, na direção ....
21. Onde veio a embater com o lado esquerdo do seu veículo no peão AA.
22. Tendo o peão sido projetado, ficando após imobilizado no solo.
23. Após o embate com o peão, o condutor do JL entrou em despiste.
24. Indo embater na entrada do portão da garagem da habitação que se situa do lado direito, atento o seu sentido de marcha, uns metros à frente do local do atropelamento, com o n.º de polícia ...08 da rua de .... 25. Mantendo-se em despiste até se imobilizar por completo contra a berma da estrada, do lado direito, atento o seu sentido de marcha.
26. Deixando para trás, desde o local do atropelamento, um rasto de travagem de 37,40 metros (roda dianteira esquerda) e de 27,45 metros (roda dianteira direita).
27. No local do embate não existe passadeira, ficando a mais próxima a uma distância superior a 100 metros.
28. Tendo em conta o sentido de circulação seguido do BB, a travessia do peão era visível, no início da travessia, junto à extremidade da hemifaixa no sentido de circulação inverso, a 33 metros de distância, a meio da travessia de tal hemifaixa a 71 metros de distância, e no eixo da via a 191 metros de distância.
29. Do local onde o peão iniciou a travessia, a estrada é visível à sua direita numa distância de cerca de 70,05 metros.
Oriundos da petição inicial (que integravam os temas da prova):
a) O Autor, como consequência do embate, além de sofrer o impacto do embate, sofreu fratura exposta dos ossos da perna esquerda e ferida contusa do interparietal.
b) Foi socorrido no local pelos Bombeiros Voluntários ... e transportado para o Serviço de urgências do Hospital ....
c) O Autor ficou internado, tendo sido sujeito, no dia 04.07.2015, a cirurgia de redução fechada e encavilhamento anterógrado com Versanail.
d) O Autor esteve internado até ao dia 20.07.2015, data em que teve alta para o domicílio, com o membro inferior esquerdo em descarga, fazendo marcha com apoio de duas canadianas, tendo sido orientado para consulta externa de ortopedia.
e) O Autor teve apoio domiciliário de enfermagem para tratamento das feridas da perna que para além de infeção local se revelaram de difícil cicatrização.
f) Em 14.12.2015, por atraso na consolidação óssea, foi, de novo, internado, tendo sido operado em 18.12.2015, para retirada do material, redução aberta e nova osteossíntese com ajuda de enxerto ósseo.
g) Em 21.12.2015, teve de novo alta para o domicílio, mantendo aí cuidados de enfermagem e voltando a frequentar a consulta externa.
h) Em 18.12.2016, por se ter constatado manutenção da pseudartrose da tíbia, foi de novo internado e foi sujeito a operação cirúrgica, tendo realizado osteossíntese com placa e com excerto do ilíaco.
i) Em 22.10.2016, o Autor teve alta para o domicílio e foi encaminhado para consulta externa de ortopedia.
j) No dia 21.05.2018, foi-lhe atribuída alta (da consulta de ortopedia), por se ter verificado consolidação óssea.
k) Simultaneamente com todos os tratamentos, o Autor realizou fisioterapia.
l) Não obstante os tratamentos a que o Autor se sujeitou, em consequência do acidente o Autor ficou com as seguintes sequelas:
- Claudicação na marcha;
- Dores ao nível do joelho e perna esquerdos, que se agravam com a carga e a marcha e com as condições ambientais frias e húmidas;
- Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 9 cm de comprimento, localizada a nível da crista ilíaca direita, em relação com colheita de enxerto ósseo do ilíaco, não dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes. Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 10 cm de comprimento, localizada a nível da crista ilíaca esquerda, em relação com colheita de enxerto ósseo do ilíaco, não dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes;
- Cinco cicatrizes grosseiramente lineares, não recentes e de tipo cirúrgico, com alguns segmentos apresentando reação queloide, dispersas por toda a face anterior e lateral do joelho e da perna, a maior das quais com 19 cm e a menor com 6 cm de comprimento, com hipoestesia associada, não aderentes aos planos subjacentes. Amiotrofia da coxa de 1,5 cm, comparativamente à coxa contralateral; sem amiotrofia da perna. Dismetria/encurtamento do membro comparativamente ao contralateral (Comp. Aparente - Esq: 93cm, Dto: 93cm. Comp. Real - Esq: 90cm, Dto: 91cm). Ligeiro desvío em varo do joelho, com ligeira limitação dolorosa da mobilidade articular do joelho para o movimento de flexão (Esq: 110º, Dto: 135º), com crepitação. Força muscular testada na flexão e extensão contra resistência, diminuída comparativamente à do membro homólogo contralateral (3-4/5). Sem outras alterações aparentes ao exame físico realizado. Mobilidades do tornozelo mantidas.
m) Como défice funcional permanente da integridade física e psíquica, o Autor ficou a padecer de uma desvalorização de 11 (onze) pontos, considerando a tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil.
n) Não obstante a consolidação das lesões sofridas, o Autor virá a necessitar de cirurgia para remover o material de osteossíntese, caso se verifique intolerância ao mesmo, e é provável que venha a desenvolver osteoartrose pós-traumática do joelho esquerdo com necessidade de artroplastia precocemente, o que provocará o aumento do défice funcional aludido em m).
o) O Autor necessitará da realização de exames e de tratamentos relacionados com o mencionado na al. anterior.
p) O Autor era ágil, forte e robusto, padecendo de diabetes mellitus, não apresentando qualquer aleijão, deformidade ou defeito físico.
q) Os factos descritos causaram-lhe e continuaram a causar desgosto.
r) O défice funcional temporário total que o Autor suportou foi de 31 dias (entre 03/07/2015 e 20/07/2015, entre 14/12/2015 e 21/12/2015, entre 18/10/2016 e 22/10/2016).
s) O défice funcional temporário parcial do Autor foi de 848 dias (entre 21/07/2015 e 13/12/2015, entre 22/12/2015 e 17/10/2016, entre 23/10/2016 e 27/11/2017).
t) O período de repercussão temporária na atividade profissional total correspondeu a 879 dias (entre 03.07.2015 e 27.11.2017).
u) O Autor, no momento do embate, temeu pela sua vida, cuidando que ia morrer naquele momento, tendo vivido momentos de horror e de dor, não só pelo embate, mas também pelos tratamentos.
v) Pelo menos durante parte do período em que não esteve internado, o Autor para se deslocar necessitou do auxílio de duas canadianas.
w) O Autor sujeitou-se a tratamentos diversos, incluindo sessões de curativos,
consultas e tratamentos de fisioterapia, intercalada com três cirurgias.
x) Todas as limitações, dores, sessões de fisioterapia e tratamentos provocaram ao Autor aborrecimentos.
y) O Autor sofreu dores, com as lesões e os tratamentos a que foi submetido, fixáveis no grau 5 (cinco) numa escala de 7 graus de gravidade crescente.
z) O Autor é empresário e gere duas empresas que explora um horto e serviços de jardinagem e uma empresa de atividades desportivas.
aa) Não obstante as suas funções de gestão na empresa, sempre o Autor exerceu a administração da empresa pelo exemplo.
bb) O Autor, em todas as empreitadas, que contratava para a construção de jardins e espaços exteriores, era quem dirigia os trabalhos.
cc) O Autor dirigia os seus colaboradores realizando, por vezes, os trabalhos juntamente com eles.
dd) As sequelas com que o Autor são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam marcados esforços suplementares.
ee) O dano estético permanente do Autor, consubstanciado na claudicação, nas cicatrizes e diferença de dimensões dos membros inferiores, determinam que este dano seja fixado no grau 5 (cinco) numa escala até 7 graus de gravidade crescente.
ff) O Autor é caçador, atividade que praticava semanalmente, nas respetivas épocas, todos os anos.
gg) Fazia-se acompanhar por amigos e percorriam o território ibérico na prática da referida atividade desportiva, realizando convívios.
hh) O Autor sempre foi um dos pioneiros do grupo.
ii) Na prática da caça, o Autor percorria quilómetros em floresta, apeado, a fim de se posicionar o melhor possível, evidenciando sempre motivação pela atividade que realizava.
jj) Após o sinistro dos autos, o Autor deixou de poder praticar a caça.
kk) Além das dificuldades em caminhar, as distâncias percorridas impedem o Autor de poder caçar, como até então fazia, tendo sido obrigado a abandonar uma prática desportiva que era uma das suas paixões.
ll) O prejuízo da afirmação pessoal do Autor assume a gravidade de, pelo menos, o grau 4 (quatro) numa escala até 7 graus de gravidade crescente.
mm) O Autor, como à data do embate, era o administrador remunerado da sociedade EMP03..., Lda.ª, no que Autor auferia de vencimento base ilíquido de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), e o subsídio de alimentação de 85,40, por mês.
nn) Durante o período mencionado em t), o Autor viu-se impedido de desempenhar as suas tarefas profissionais, vendo-se privado dos rendimentos que auferia.
oo) Por conta da incapacidade para a atividade profissional, no período mencionado em t) o Autor recebeu da Segurança Social o valor total de € 33.068,50.
pp) As sequelas com que ficou causam transtorno e perturbação, porque afetam o ritmo de vida e hábitos adotados pelo Autor.
qq) As dores causam desconforto ao Autor para vestir as meias quando está tempo frio e nos relacionamentos pessoais (sendo causa de um prejuízo na atividade sexual correspondente a 4 – quatro – pontos numa escala até 7 pontos de gravidade).
rr) O Autor ficou triste, nervoso e ansioso.
ss) O Autor ficou amargurado, angustiado e abatido pelas consequências do embate, sendo que antes era pessoa alegre e divertida.
tt) Que adorava conviver com amigos e familiares, nomeadamente em convívios e na atividade de caça desportiva, o que deixou de poder fazer.
uu) Em exames, medicamentos e tratamentos das lesões sofridas com o sinistro dos autos, o Autor gastou € 246,50.
vv) O Autor viu ainda danificada a roupa e calçado que trajava no dia do sinistro, tudo no valor de € 400,00.
ww) O Autor teve de custear o valor de € 2.120,00 para adaptação da sua cama.
xx) À data da propositura da ação, as obras de adaptação do WC estavam orçamentadas em € 1.745,00.
yy) O Autor à data do acidente tinha 52 anos de idade, já que nasceu em .../.../1963.
zz) CC celebrou com a Interveniente seguradora EMP01... o acordo de seguro titulado pela apólice n.º ...33 para garantia da responsabilidade emergente da circulação do veículo JL, válido para o período 16.03.2015 a 15.03.2016.
Considerados nos termos do artigo 5.º/2,a), do CPCiv:
aaa) A remuneração líquida, à data do embate, era de € 1.124,40 (ao mês) [sendo 85,40 relativo a subsídio de alimentação].
bbb) As obras do WC já foram executadas pelo Autor.
Considerados nos termos do artigo 607.º/4, do CPCiv:
ccc) No âmbito da ação intentada pelo FGA contra a seguradora EMP01..., que correu termos no Juízo Local Cível ..., sob o n.º 882/19.2T8FAF, foi proferido douto Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no dia 24.02.2022, com o conteúdo que consta da certidão remetida com o ofício com a Referência: ...58 (de 24.02.2023)3, transitado em julgado em 30.03.2022, com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor Fundo de Garantia Automóvel e, em consequência: (…)
a) Fixam a responsabilidade de cada um dos intervenientes na proporção de 10% para o peão AA e 90% para o Réu DD condutor do veículo ..-..-JL;
b) Condenam a Ré EMP01... – Companhia de Seguros, SA, no pagamento da quantia de € 18.411,61 ao Autor, correspondente a 90% do valor por ele peticionado, acrescidos de juros à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, incrementados em 25%, e das despesas extrajudiciais com a cobrança do reembolso que o Autor vier a liquidar. (…).”
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:
ddd) Após a consolidação, o Autor usa, por vezes, uma bengala para auxiliar a marcha, nomeadamente quanto sente dor no membro inferior esquerdo.
eee) Por força do embate, o Autor apresentou lesões ou ficou a padecer de um défice funcional na integridade físico-psíquica superior ao mencionado nos factos provados.
fff) Os períodos de incapacidade profissional (total, parcial e temporária) foram superiores aos referidos nos factos provados [als. r) a t)].
ggg) O Autor, na sua atividade profissional, executava, em regra, diretamente, os atos de construção, realizava medições, terraplanagens e obras de construção civil (guias, lagos, anexos, churrasqueiras entre outros), assim como plantações e podas.
hhh) O Autor está impedido de exercer a atividade profissional que desempenhava à data do embate por força das sequelas decorrentes das lesões.
iii) Cerca de 90 % dos trabalhos executados pelas empresas que o Autor administra exigiam que este executasse trabalhos de natureza física.
jjj) O Autor suportou, em despesas médicas, um montante superior ao indicado nos factos provados [al. uu)].
kkk) O embate do JL teve lugar de forma diversa daquela se enuncia em 1. a 30., dos factos provados.
lll) CC, quando celebrou o acordo de seguro com a Interveniente EMP01..., sabia que o irmão BB era o condutor habitual do JL e que o havia adquirido para seu uso pessoal em 2013.
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3.2. Reapreciação da decisão de mérito da acção
Começamos por referir, antes de apreciar as questões suscitadas pelos Recorrentes, que tal como interpreta o Recorrido entendemos que a Interveniente EMP01... não impugna a decisão sobre a matéria de facto; de facto, lidas as suas alegações e as conclusões que formula, delas não consta expressa essa intenção.
De qualquer modo, tivesse a Interveniente tal pretensão, ainda assim não teria cumprido os ónus previstos no artigo 640º do CPC, pelo que sempre seria rejeitado o recurso nessa parte.
Como previsto no artigo 640º, n.º 1 do CPC, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto impõe ao recorrente que obrigatoriamente especifique, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Devendo ainda, quando a impugnação dos pontos da decisão da matéria de facto se baseie em provas gravadas, indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder se o entender à transcrição dos excertos que considere oportunos.
Temos entendido como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem efetivamente os pontos da matéria de facto que impugna, pois são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar (v. a este propósito, entre vários outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019, Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt, bem como todos os demais acórdãos que se irão citar).
Cumpre ainda salientar que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem ainda distinguindo, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) considerando que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/03/2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do n.º 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
De qualquer forma, o recurso genérico da decisão da matéria de facto deve sempre ser rejeitado, importando delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar e os concretos meios probatórios convocados, deixando ainda expressa a decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre cada um dos pontos da matéria de facto impugnado.
Ora, lidas as alegações da Recorrente e as suas conclusões, constatamos que não têm uma indicação expressa dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e nem dos concretos meios de prova que impunham decisão contrária, limitando-se a Recorrente a alegar de forma genérica, a propósito das indemnizações arbitradas, que “não segue a Recorrente o entendimento do tribunal a quo”, que “da prova testemunhal transparece”, que “não pode a Recorrente concordar”, que “não existe no processo qualquer prova”.
As alegações e conclusões apresentadas não demonstram preocupação de precisão na delimitação, nesta parte, do objeto do recurso, esgrimindo argumentos e considerações de índole geral sobre a não concordância da Recorrente, a propósito dos montantes fixados em 1ª Instância, não cumprindo no ónus impugnatório nos termos já referidos.
Não se mostraria, por isso, devidamente cumprido pela Recorrente o ónus de delimitação do objeto do recurso sobre a impugnação da matéria de facto, o que sempre determinaria a rejeição do recurso, nessa parte; contudo, reiteramos, não entendemos sequer que a Recorrente expresse nas suas alegações a intenção de impugnar a matéria de facto.
Assim, não tendo os Recorrentes (a Interveniente a título principal e o Autor a título subsidiário) reagido contra a matéria de facto fixada em 1ª Instância mostra-se a mesma definitivamente assente.
De salientar também que não vem questionado nos recursos que a responsabilidade da Interveniente EMP01... pela obrigação de indemnizar o Autor, e nem a concorrência de culpas para a produção do sinistro nas proporções fixadas (90% para o condutor do JL e 10% para o Autor).
Quanto à obrigação de indemnização, o artigo 562º do Código Civil (de ora em diante designado apenas por CC) consagra, como princípio geral, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, apenas existindo tal obrigação em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigo 563º do CC).
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, e julgando o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos (cfr. artigo 566º n,º 1, 2 e 3 do CC).
Relativamente ao quantum, estabelece o artigo 564º do CC que a da indemnização compreenderá não só o prejuízo causado ao lesado mas também os benefícios que deixou de auferir em consequência da lesão, isto é o que correntemente se designa por danos emergentes e lucros cessantes, correspondendo os primeiros aos “prejuízos sofridos, ou seja à diminuição do património (já existente) do lesado” e o segundos “aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património” (v. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, Coimbra Editora, p. 579).
De forma singela podemos dizer que os danos emergentes se traduzirão numa desvalorização do património e os lucros cessantes na sua não valorização; assim, enquanto o dano emergente inclui o prejuízo causado nos bens, ou direitos existentes aquando da lesão, os lucros cessantes compreendem a perda de benefícios que a lesão impediu de auferir e que ainda não tinham existência à data do facto lesivo.
Na sentença recorrida, e na parte que aqui releva considerando o objeto dos recursos, o Tribunal a quo arbitrou a seguinte indemnização:
- €42.750,00 pelo dano biológico;
- €45.000,00 danos não patrimoniais;
- €3.700,35 a título de despesas médicas e de deslocação;
- €360,00 por perda de vestuário.
A Interveniente EMP01... sustenta no presente recurso que o dano biológico deve ser relevado como dano não patrimonial, que foi feita uma dupla valoração do mesmo dano e questiona ainda o quantum da indemnização fixado pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, bem como a fixação de indemnização a título de perdas salariais, despesas médicas e vestuário.
O Autor, questiona também o quantum da indemnização fixado pelo dano biológico, na vertente de dano patrimonial futuro, e ainda se deve ser valorado de forma autónoma o dano biológico, na vertente que designa por “dano social futuro”, e os danos não patrimoniais decorrentes do quantum doloris e do dano estético.
Considerando que em ambos os recursos se mostra questionada a valoração e o quantum indemnizatório relativamente ao dano biológico e aos danos não patrimoniais, por razões de economia processual e de coerência, e de forma a evitar repetições desnecessárias, iremos conhecer conjuntamente dos mesmos e das questões a esse propósito suscitadas.
Vejamos então se assiste razão aos Recorrentes.
*
1. Da indemnização devida ao Autor a título de dano biológico
Conforme já referimos decorre do preceituado no artigo 564º n.º 2 do CC que na fixação da indemnização o tribunal pode efetivamente atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Ao referir-se a danos futuros previsíveis tem a lei em vista aqueles que não estando verificados no momento em que se opera o cálculo da indemnização podem vir a verificar-se depois (ou seja, aqueles que devem ser havidos como certos ou suficientemente prováveis, dentro do mecanismo do nexo causal; v. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª Edição, p. 393 e 394).
Os danos futuros previsíveis são aqueles que são certos ou altamente prováveis; isto é, a previsibilidade dos danos futuros corresponde a uma probabilidade elevada da sua produção: segundo as regras da experiência, os danos verificar-se-ão.
Ora, vem sendo decidido pela jurisprudência que o dano biológico derivado de incapacidade geral e permanente é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, ainda que o mesmo possa não se repercutir na vertente do respetivo rendimento salarial, não sendo necessário que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida, para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial, bastando que tal incapacidade constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de futuros lucros cessantes (neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/12/2017, relatado pela Conselheira Ana Paula Boularot, Processo n.º 505/15.9T8AVR.P1.S1).
Mesmo nos casos em que não ocorre verdadeiramente uma diminuição do rendimento profissional, há que avaliar ainda assim no caso concreto, a previsibilidade de se verificar uma perda patrimonial futura, desde logo por força da perda de capacidade competitiva num mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente, mas também pela própria repercussão que poderá ter na vida profissional.
Como se afirma no sumário do recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2023 (Processo n.º 766/19.4T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Manuel Capelo) “I - A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete mas,  inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. II - A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não ou não totalmente refletida no valor dos rendimentos obtidos pelos lesado nomeadamente por este se encontrar já reformado - constitui uma redução no trem de vida quotidiano com reflexos de indemnização em termos patrimoniais uma vez que a esperança de vida não confina à denominação de vida ativa com rebate exclusivo no exercício de uma profissão”.
Pelo Tribunal a quo foi efetivamente considerado, e bem em nosso entender, que o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos, de que o Autor ficou a padecer em consequência do acidente, se traduz num dano biológico, tendo atribuído uma indemnização pelo dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, com recurso à equidade.
Em sentido contrário sustenta a Recorrente que o dano biológico deve ser valorado como dano não patrimonial e que, de todo o modo, se verifica uma dupla valoração do mesmo dano pois a limitação do Autor nas tarefas habituais foi valorada quer no dano biológico, quer no dano não patrimonial.
Já o Autor entende que inexiste qualquer dupla valoração uma vez que o dano biológico encerra uma dupla natureza e que, ao lado da indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro, deve acrescer uma indemnização pelo que denomina o “dano social futuro”.
Vejamos então.
A primeira questão a dilucidar é que não entendemos que a indemnização respeitante ao dano patrimonial futuro decorrente da incapacidade de 11 pontos de que ficou a padecer deva ser cindida num montante a título de dano patrimonial futuro (perda de capacidade de ganho), e num outro montante a título de “dano social futuro”, conforme pretende o Autor.
O dano biológico, em nosso entender, não deve ser configurado como uma terceira categoria de dano, um tertium genus, ao lado dos danos patrimoniais e não patrimoniais, antes a sua valoração deverá fazer-se por recurso às categorias tradicionais de dano patrimonial e dano não patrimonial.
Como é sabido o aparecimento do dano biológico vem sendo atribuído ao labor da doutrina e, principalmente, da jurisprudência italiana que, no contexto do regime jurídico aplicável ao ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais,  sentiu a necessidade de recorrer a tal categoria de dano, que designaram por “danno alla salute” ou “danno biológico”, e que entenderam autonomizar como um tertium genus, distinto do dano patrimonial e do dano não patrimonial.
Tendo origem num conceito eminentemente médico-legal, a figura do dano biológico na sua moderna formulação teve como “pai” Cesare Gerin, em 1952, e pretende significar a diminuição somático-psíquica do individuo, tendo presente os aspetos anatómicos e fisiológicos, ou seja, a lesão à integridade física e psíquica da pessoa, decorrente de um facto gerador de responsabilidade (v. João António Álvaro Dias, Dano Corporal — Quadro Epistemilógico e Aspectos Ressarcitórios, Reimpressão da 1ª edição de 2001, Coleção Teses, Almedina, Coimbra, 2004, p. 99).
 A jurisprudência portuguesa, principalmente a partir de 2005, passou a aplicar com muita frequência o dano biológico, sendo vasta a jurisprudência onde este tema é abordado, sobretudo no âmbito dos acidentes de viação; contudo, não é uniforme o entendimento sobre a categoria de danos em que deve ser enquadrado, ainda que os que defendem o dano biológico como um tertium  genus, se apresentem como uma orientação manifestamente minoritária (v. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03 de novembro de 2011 e de 06 de novembro de 2013 que consideraram expressamente que o dano biológico é um tertium genus).
Em face do regime jurídico português em matéria de ressarcibilidade de danos patrimoniais e não patrimoniais entendemos não existir a necessidade de considerar o dano biológico como um tertium genus pois o regime previsto para a obrigação de indemnizar, com base naquelas categorias tradicionais, permite abarcar todos os efeitos decorrentes da lesão corporal.
De facto, ainda que o dano biológico venha sendo comummente valorado nas decisões jurisprudenciais de forma autónoma, tal não significa necessariamente a sua autonomização no verdadeiro sentido de categoria autónoma relativamente aos danos patrimoniais e não patrimoniais, ou uma terceira categoria relativamente a estes.
Assim, e quanto ao cálculo da indemnização o referido artigo 564º do CC estabelece no seu n.º 1, quanto aos danos patrimoniais, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes) e no n.º 2 manda atender aos danos futuros; e quanto aos danos não patrimoniais, e cálculo do seu montante, rege o artigo 496º do CC, não estipulando qualquer limitação, apenas exigindo apenas que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Como já referimos, mesmo sendo de afastar a autonomização do dano biológico, perfilham-se ainda na jurisprudência nacional diferentes posições, de um lado, os que sustentam que mesmo não estando perante uma incapacidade para a concreta atividade profissional do lesado, inexistindo uma repercussão negativa no salário ou na atividade profissional, sempre existirá uma perda de capacidades, uma limitação funcional geral que, por isso, integra um dano futuro previsível, o qual, afetando ou não a atividade laboral do lesado, representa em si mesmo um dano patrimonial futuro; do outro lado, os que defendem que o ressarcimento do dano biológico deve integrar o dano não patrimonial entendem que, se o dano não se repercute, direta ou indiretamente, no salário ou na atividade profissional do lesado, ou na carreira em si mesma considerada, o mesmo traduzir-se-á num sofrimento psico-somático, e, por isso, num dano não patrimonial.
De qualquer modo, o que releva, seja qual for o enquadramento jurídico, é que a perda genérica de capacidade, seja laboral seja funcional, constitui sempre um dano ressarcível; não obstante a falta de consenso quanto ao seu enquadramento, o chamado dano biológico vem sendo considerado como abrangendo não só um núcleo alargado de prejuízos incidentes na esfera profissional do lesado, seja a perda do rendimento total ou parcial auferido no exercício da atividade profissional habitual ou a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de outras atividades ou tarefas de cariz económico, o esforço acrescido ou maior onerosidade no exercício da atividade profissional, com a consequente repercussão do acréscimo de despesas daí decorrentes ou a diminuição do nível de rendimentos expectáveis, seja ainda a repercussão na própria carreira profissional e na sua previsível progressão, mas também em todas as situações em que a lesão não tem repercussão direta ou indireta no salário e na profissão do lesado que não exerce qualquer atividade profissional.
Como se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2018 (Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo): “a afetação da integridade físico-psíquica (que tem vindo a ser denominada “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial, compreendendo-se na primeira categoria a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais”.
Também neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/04/2020 (Relatora Conselheira Catarina Serra) em cujo sumário consta que “(…) II. O dano biológico é concebido como um dano com duas dimensões ou vertentes: patrimonial ou não patrimonial, consoante se materialize ou não em perdas de natureza económica. III. A ressarcibilidade do dano biológico na sua vertente patrimonial (também designado “dano patrimonial futuro”) não depende da comprovada perda de rendimentos do lesado, podendo e devendo o julgador ponderar, designadamente, os constrangimentos a que o lesado fica sujeito no exercício da sua atividade profissional corrente e na consideração de oportunidades profissionais futuras”.
Assim, e em sentido contrário ao defendido pela Recorrente EMP01..., entendemos que a incapacidade parcial permanente, ainda que não acarrete uma diminuição dos concretos rendimentos do lesado, mas implique um esforço acrescido/suplementar para a realização das atividades profissionais e pessoais, constitui um dano futuro indemnizável autonomamente (enquanto dano patrimonial), pelo que o facto de não se ter provado que o Autor teve uma efetiva perda de rendimentos, que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam marcados esforços suplementares [ponto dd) dos factos provados], não exclui a fixação de uma indemnização a titulo de dano biológico, na vertente patrimonial.
Por outro lado, como também já referimos a afetação da integridade físico-psíquica pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial; trata-se de um dano corporal que perdura no tempo como resultado das lesões sofridas, cujas consequências afetam toda a condição psico-somática e funcional do lesado e permanecem para lá da consolidação, importando consequências na sua vida em diferentes dimensões.
Não verificamos, por isso, e analisada a fundamentação da decisão recorrida, que exista qualquer duplicação de indemnizações, ou dupla valoração do mesmo dano. E inexiste também omissão de pronúncia uma vez que o Tribunal a quo conheceu expressamente da questão da indemnização pelo dano patrimonial futuro; ainda que não conste das conclusões apresentadas, o Autor nas suas alegações invocou a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC. No entanto, não lhe assiste razão pois a sentença recorrida conheceu do pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro (dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro).
Do exposto decorre ainda que, inexistindo in casu dupla valoração e mostrando-se correto arbitrar uma indemnização a título de dano patrimonial futuro, não entendemos que deva ainda acrescer uma outra indemnização autónoma pelo dano biológico, a que o Autor/Recorrente denomina de “dano social futuro”, sob pena de estarmos efetivamente a duplicar indemnizações.
Importa por último decidir a questão do quantum indemnizatório a fixar a título de dano biológico (na vertente de dano patrimonial futuro).
O Tribunal a quo fixou em €47.500,00 o valor da indemnização devida pelo dano biológico, que reduziu na proporção de 10%, em função da contribuição do Autor para a verificação do sinistro, condenando a Recorrente a pagar ao Autor uma indemnização no montante de €42.750,00.
A Interveniente EMP01... considera que o valor justo a título de dano biológico seria de €20.000,00; o Autor entende que a indemnização deve ser fixada em quantia não inferior a €50.000,00.
Vejamos.
A indemnização a fixar, tal como bem consta da sentença recorrida, será sempre calculada com recurso à equidade: o que está efetivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, a qual se deverá enquadrar dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
Importa precisar que, independentemente da utilização como ponto de partida de uma qualquer fórmula matemática, o que está efetivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, uma vez que a indemnização, não sendo, em regra, passível de ser calculada através da aplicação da fórmula da diferença consagrada no n.º 2 do artigo 566º do CC, deve ser calculada com recurso à equidade nos termos do n.º 3 do mesmo preceito.
Não deve, por isso, recorrer-se simplesmente a uma qualquer fórmula ou cálculo matemático, antes deve fazer-se um juízo de equidade (neste sentido, entre vários, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/05/2018, relatado pelo Conselheiro Olindo Geraldes, Processo n.º 7952/09.3TBVNG.P1.S1, de 24/02/2022 e de 30/03/2023, ambos relatados pela Conselheira Maria da Graça Trigo, Processos n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1 e 4160/20.6T8GMR.G1.S1, respetivamente, de  09/05/2023, Relator Jorge Arcanjo, Processo n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1 e de 12/10/2023, Processo n.º 1969/19.7T8PTM.E1.S1, Relator Nuno Ataíde das Neves).
Podemos, então, sintetizar dizendo que a indemnização pela afetação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade, ponderando todas as circunstâncias do caso, em função designadamente dos seguintes fatores (v. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022, que aqui acompanhamos):
(i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente);
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).
Importa, dessa forma, em cada caso concreto, considerar casuisticamente todos os elementos objetivos que decorrem da matéria de facto apurada, analisados sob o prisma da equidade e à luz das regras da experiência, e tendo ainda em consideração os valores que vêm sendo atribuídos em casos similares pelos Tribunais Superiores.
E tendo em vista aferir dos padrões definidos pela jurisprudência podemos desde já citar aqui, a título exemplificativo os seguintes acórdãos (com sublinhados da nossa autoria):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/06/2016 (relatado pelo Conselheiro Tomé Gomes 1364/06.8TBBCL.G1.S2, Processo n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2), onde se decidiu que tendo a Autora 40 anos à data da consolidação das sequelas, “e permanecendo com uma incapacidade genérica de 6%, em termos de rebate profissional, compatível embora com a sua atividade profissional, mas não conseguindo realizar ou só executando com grande dificuldade tarefas que exigem maior esforço físico ou que requerem a sua posição de sentada por períodos mais ou menos prolongados, o que é de molde a influir negativamente e sobremaneira na sua produtividade como costureira, sendo ainda tais limitações suscetíveis de reduzir o leque de possibilidades de exercer outra atividade económica similar, alternativa ou complementar, e de se traduzir em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mormente das lides domésticas, o que se prevê que perdure e até se agrave ao longo do período de vida expetável, mostra-se ajustada a indemnização de €25.000,00 para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (relatado pela Conselheira Graça Trigo, Processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1) em que a uma lesada com um défice funcional de 2 pontos e 31 anos de idade, operária fabril que apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flete para a esquerda e para a direita, sempre que a flete no sentido ante-posterior, que com toda a probabilidade terá, a médio e longo prazo, repercussões negativas na sua capacidade de trabalho, com diminuição dos seus rendimentos, tanto no exercício da profissão habitual (operária fabril) como no exercício de atividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências, foi atribuída pela perda da capacidade de ganho o montante de €20.000,00;
- Acórdão da Relação de Coimbra de 22/01/2019 (relatado pelo Desembargador Moreira do Carmo) em que se considerou que “no que respeita ao dano biológico, provado que a A. ficou com sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual, que implicam esforços suplementares, e tendo-se em conta a idade da mesma, de 33 anos, a incapacidade geral permanente de 7 pontos, a mediana gravidade das lesões e sequelas físicas (com perspetiva de agravamento futuro) e psíquicas do acidente, a longevidade de vida previsível, estimada em 83 anos para as mulheres, é adequado e ajustado a indemnização de 30.000 €”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021 (relatado pela Conselheira Rosa Tching, Processo n.º 2545/18.7T8VNG.P1.S1) em que a um lesado, à data do acidente com 32 anos de idade, que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando ligeiros esforços suplementares nomeadamente nas tarefas que obriguem à permanência em pé durante períodos prolongados, quer parado quer em marcha ou a subir e descer muitas escadas, se considerou “justa e equitativa a quantia de €20.000,00 fixada no acórdão recorrido como valor indemnizatório pela perda da capacidade geral do lesado”;
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2021 (Processo n.º 2787/15.7T8BRG.G1.S1, Relatora Conselheira Maria João Vaz Tomé) onde se considerou relevar “a idade do lesado ao tempo do acidente (25 anos), a esperança média de vida (que, para os indivíduos de sexo masculino nascidos em 1987, segundo dados disponibilizados pelo INE, se situará em 70,30 anos), o índice de incapacidade geral permanente (3 pontos), assim como a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional (maquinista de máquinas de perfuração) exercida pelo Autor lesado. Não pode deixar de se reconhecer o “ombro doloroso” de que ficou a padecer terá, muito provavelmente, repercussões negativas na capacidade de trabalho do Autor, tanto no exercício da profissão habitual como no exercício da atividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências” e ser "justo e adequado atribuir ao Autor CC a quantia de € 40.0000,00 a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico na sua dimensão patrimonial)”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2021 (Relator Conselheiro Abrantes Geraldes, Processo n.º 730/17.8T8PVZ.P1.S1) que considerou que “II. Num caso em que a lesada, engenheira civil, com 38 anos de idade, sofreu lesões na cervical de que ficaram sequelas que importaram num déficit psicofísico de 4 pontos, com interferência na atividade profissional e na vida pessoal, em lugar da indemnização de € 15.000,00 fixada pela Relação, é ajustada a indemnização de € 58.000,00 que foi atribuída pela 1ª instância”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022 (já citado) em que se decidiu que “No caso dos autos: (i) tendo o lesado 34 anos à data do sinistro; (ii) tendo-lhe sido fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos; (iii) tendo apenas sido feita prova do seu rendimento anual ao tempo do acidente (€ 7.798,00); (iv) e resultando da factualidade dada como provada que, com elevada probabilidade, as lesões por ele sofridas terão significativa repercussão negativa sobre o desempenho da profissão de serralheiro cujo exercício exige um elevado nível de força e de destreza físicas ao nível dos membros superiores (atingidos pelas lesões); conclui-se ser mais justo e adequado o quantum indemnizatório de €50.000,00 atribuído pela 1.ª instância do que o montante de €30.000,00 atribuído pelo acórdão recorrido”;
- Acórdão desta Relação de 28/04/2022 (Processo n.º 330/17.2T8BRG.G1, relatado pela Desembargadora Maria Cristina Cerdeira) em que se considerou que “Tendo o lesado, à data do acidente, 34 anos de idade, ficado a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na atividade profissional compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicando esforços suplementares e que, no futuro, necessitará de medicação analgésica a prescrever por médico assistente e de sessões de fisioterapia a prescrever por médico fisiatra, em duas consultas anuais, considera-se justa e equitativa a quantia de € 38.000,00 a título de dano biológico”;
- Acórdão de 29/09/2022, por nós relatado no Processo n.º 935/20.4T8VRL.G1 (confirmado por Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 12/04/2023, Relator Conselheiro Fernando Jorge Dias), num caso em que a lesada, “à data do acidente 36 anos de idade, e tendo ficado afetada por Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 13 pontos, compatível embora com a atividade profissional habitual de caixa de supermercado, mas implicando esforços suplementares, sentindo também dificuldade em exercer tarefas do quotidiano, não conseguindo estender roupa numa corda mais alta e carregar/levantar compras mais pesadas com o braço esquerdo, conseguindo conduzir em circuitos pequenos mas com agravamento álgico quando tem de conduzir maiores distancias, traduzindo-se tais limitações em maior onerosidade no desempenho das tarefas pessoais, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável, e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entende-se como justo e adequado atribuir à Autora, a título de indemnização pelo dano biológico, na sua dimensão patrimonial, a quantia de €50.0000,00”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 26/01/2023 (Processo n.º 9934/17.2T8SNT.L1-6, Relatora desembargadora Ana de Azeredo Coelho) que considerou “adequada a indemnização de €60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira, tendo tirado o respetivo curso e trabalhando antes disso a dias em limpezas”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/06/2023 (Processo n.º 781/22.0T8LRA.C1, Relator Emídio Francisco Santos), onde consta que “tendo em conta um défice funcional permanente da integridade física e psíquica de 12 pontos, a idade do lesado à data da consolidação das lesões e a esperança média de vida (cerca de 78 anos para os homens), é equitativo fixar uma indemnização de € 40.000,00”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, já citado, onde se considerou que “(…) tratando-se de uma mulher ainda relativamente jovem, com 47 anos de idade à data do acidente, a sua esperança de vida laboral e biológica, bem como o nível de limitação de que passou a ser portadora, que, de forma indelével, a marcou na sua personalidade e na sua capacidade para o desenvolvimento da sua atividade laboral, sendo certo que deixou de trabalhar em 2020 (sendo que à data do acidente, em 2017, auferia o salário mensal de € 1330€, acrescido de subsídio de alimentação de €6.60 diários, tendo no ano de 2018 passado a auferir o salário mensal de € 1360 e o subsídio de alimentação de €6.80), e o défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 15 pontos de que ficou portadora, ainda a circunstância de a Autora ter perdido a sua natural alegria de viver, mercê das sequelas no corpo e no espírito para o resto da vida, o dito “pretium juventutis, deixando de poder fazer as viagens de lazer que fazia mensalmente, também as deixando de fazer como guia turística, devido às lesões sofridas e incapacidade provocada por elas, tornando-se uma mulher angustiada, amargurada, instável e frustrada, mercê da incapacidade de que se viu definitivamente vitimada, pois as lesões serão permanentes, sob o ponto de vista da plena realização das suas tarefas, deixando de ter a vida ativa e plena que gozava antes do acidente, revela-se adequado o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal recorrido em 65.000,00 €, correspondente aos danos biológico e futuros sofridos pela Autora”.
In casu, o Autor, à data do acidente com 52 anos de idade, ficou afetado por um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 11 pontos, compatível embora com a atividade profissional habitual, mas implicando marcados esforços suplementares, apresentando claudicação na marcha e dores ao nível do joelho e perna esquerdos que se agravam com a carga e a marcha, e as condições ambientais frias e húmidas, bem como dificuldade em caminhar.
 Tais limitações traduzem-se em maior onerosidade no desempenho de tarefas pessoais e profissionais, sendo patente que as lesões de que o Autor ficou a padecer se repercutem negativamente na capacidade de trabalho do Autor, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável, sendo que, segundo os dados disponibilizados pelo INE, a esperança média de vida para os indivíduos de sexo masculino nascidos no ano de 1960 (na tabela constante do sitio www.pordata.pt não consta a esperança média de vida para os nascidos em 1963 como o Autor, sendo de considerar o ano de 1960 por ser a data mais próxima) situa-se em 60,7 anos (https://www.pordata.pt/portugal/esperanca+de+vida+a+nascenca+total+e+por+sexo+(base+trienio+a+partir+de+2001)-418).
Tal como se refere na sentença recorrida “o Autor tem as funções de administrador, não executando, em regra, diretamente os trabalhos que a sua empresa presta; no entanto, da produção de prova decorreu que aquele, não obstante as suas competências de gestão na empresa, em todas as empreitadas para a construção de jardins e espaços exteriores, era ele quem dirigia os trabalhos, chegando, por vezes, a realizá-los juntamente com os seus trabalhadores, do que ficou marcadamente limitado (como se anotou nos relatórios periciais) de o fazer por força das sequelas com que restou. Por outro lado, resultou ainda provado que o défice funcional virá agravar-se no futuro, o que tornará ainda mais penosa a atividade profissional do Autor”.
Acresce ainda dizer que, estando em causa um critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser alteradas pelo tribunal de recurso quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos.
No caso dos autos, considerando a factualidade provada, o juízo de equidade e não divergindo a mesma dos valores jurisprudenciais aplicados em casos simulares, afigura-se-nos adequada a indemnização arbitrada pelo Tribunal a quo no montante de €47.500,00, reduzida na proporção de 10%, para €42.750,00, em função da contribuição do Autor para a verificação do sinistro.
Não procede também aqui a alegação da Recorrente EMP01... de que os montantes arbitrados devem ser reduzidos em face da contribuição do Autor, uma vez que tal redução foi já considerada pelo Tribunal a quo.
Improcede, por isso, nesta parte, o recurso da Interveniente que pretendia ver reduzido o montante indemnizatório fixado a título de dano biológico.
Da mesma forma, considerando as circunstâncias do caso concreto e os argumentos já aduzidos, que aqui reiteramos e nos abstemos de reproduzir por manifestamente desnecessário, tem também necessariamente de improceder nesta parte o recurso subordinado do Autor que pretendia ver aumentada a indemnização para quantia não inferior a €50.000,00.
*
3.2.2. Do montante da indemnização devida ao Autor a título de danos não patrimoniais
O Tribunal a quo fixou em €45.000,00 a indemnização a atribuir ao Autor pelos danos não patrimoniais, ponderando a proporção de 10% da contribuição do Autor para a verificação do sinistro.
A Interveniente EMP01... sustenta que o valor justo seria de €20.000,00.
O Autor entende que devem ser autonomizados dos demais danos, e compensados em montante nunca inferior a €30.000,00 (já considerando a redução na proporção de 10%), o dano estático e o quantum doloris.
Vejamos se lhes assiste razão.
No que toca aos danos não patrimoniais, dispõe o n.º 4 do artigo 496º do CC que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Relativamente a tais danos, o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (v. Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, p. 20).
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2022 (Relator Conselheiro Fernando Baptista, Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1) “os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente.  Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização.  Não se trata, portanto (como já ensinava o saudoso professor Mota Pinto), de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal”.
Quanto à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, relevam no caso concreto, e no essencial, os seguintes factos provados, que foram tidos em consideração na sentença recorrida:
- Não obstante os tratamentos a que o Autor se sujeitou, em consequência do acidente o Autor ficou com as seguintes sequelas:
- Claudicação na marcha;
- Dores ao nível do joelho e perna esquerdos, que se agravam com a carga e a marcha;
- Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 9 cm de comprimento, localizada a nível da crista ilíaca direita, em relação com colheita de enxerto ósseo do ilíaco, não dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes. Cicatriz linear de tipo cirúrgico, não recente, com 10 cm de comprimento, localizada a nível da crista ilíaca esquerda, em relação com colheita de enxerto ósseo do ilíaco, não dolorosa à palpação e não aderente aos planos subjacentes;
- Cinco cicatrizes grosseiramente lineares, não recentes e de tipo cirúrgico, com alguns segmentos apresentando reação queloide, dispersas por toda a face anterior e lateral do joelho e da perna, a maior das quais com 19 cm e a menor com 6 cm de comprimento, com hipoestesia associada, não aderentes aos planos subjacentes. Amiotrofia da coxa de 1,5 cm, comparativamente à coxa contralateral; sem amiotrofia da perna. Dismetria/encurtamento do membro comparativamente ao contralateral (Comp. Aparente - Esq: 93cm, Dto: 93cm. Comp. Real - Esq: 90cm, Dto: 91cm). Ligeiro desvio em varo do joelho, com ligeira limitação dolorosa da mobilidade articular do joelho para o movimento de flexão (Esq: 110º, Dto: 135º), com crepitação. Força muscular testada na flexão e extensão contra resistência, diminuída comparativamente à do membro homólogo contralateral (3-4/5). Sem outras alterações aparentes ao exame físico realizado. Mobilidades do tornozelo mantidas;
- Como défice funcional permanente da integridade física e psíquica, o Autor ficou a padecer de uma desvalorização de 11 (onze) pontos, considerando a tabela de avaliação de incapacidades permanentes em direito civil;
- O Autor, à data do embate, era ágil, forte e robusto, padecendo de diabetes mellitus, não apresentando qualquer aleijão, deformidade ou defeito físico;
- O défice funcional temporário total que o Autor suportou foi de 31 dias; - O défice funcional temporário parcial do Autor foi de 848 dias;
- O período de repercussão temporária na atividade profissional total correspondeu a 879 dias (entre 03.07.2015 e 27.11.2017);
- O Autor, no momento do embate, temeu pela sua vida, cuidando que ia morrer
naquele momento, tendo vivido momentos de horror e de dor, não só pelo embate, mas também pelos tratamentos;
- Durante parte do período em que não esteve internado, o Autor para se deslocar necessitou do auxílio de duas canadianas;
- O Autor sujeitou-se a tratamentos diversos, incluindo sessões de curativos, consultas e tratamentos de fisioterapia, intercalada com três cirurgias;
- Todas as limitações, dores, sessões de fisioterapia e tratamentos provocaram ao Autor aborrecimentos;
- O Autor sofreu dores, com as lesões e os tratamentos a que foi submetido, fixáveis no grau 5 (cinco) numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
- As sequelas com que o Autor são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam marcados esforços suplementares;
- O dano estético permanente do Autor, consubstanciado na claudicação, nas cicatrizes e diferença de dimensões dos membros inferiores, determinam que este dano seja fixado no grau 5 (cinco) numa escala até 7 graus de gravidade crescente;
- O Autor é caçador, atividade que praticava semanalmente, nas respetivas épocas, todos os anos, e na qual percorria quilómetros em floresta, apeado, a fim de se posicionar o melhor possível, evidenciando sempre motivação pela atividade que realizava;
- Após o sinistro dos autos, além das dificuldades em caminhar, as distâncias percorridas impedem o Autor de poder caçar, como até então fazia, tendo sido obrigado a abandonar uma prática desportiva que era uma das suas paixões;
- O prejuízo da afirmação pessoal do Autor assume a gravidade de, pelo menos, o grau 4 (quatro) numa escala até 7 graus de gravidade crescente;
- As sequelas com que ficou causam transtorno e perturbação, porque afetam o ritmo de vida e hábitos adotados pelo Autor;
- As dores causam desconforto ao Autor para vestir as meias quando está tempo frio e nos relacionamentos pessoais (sendo causa de um prejuízo na atividade sexual correspondente a 4 – quatro – pontos numa escala até 7 pontos de gravidade);
- O Autor ficou triste, nervoso e ansioso;
- O Autor ficou amargurado, angustiado e abatido pelas consequências do embate, sendo que antes era pessoa alegre e divertida, que adorava conviver com amigos e familiares, nomeadamente em convívios e na atividade de caça desportiva, o que deixou de poder fazer.
Tendo em conta esta factualidade, considerando as lesões sofridas e os tratamentos a que o Autor foi sujeito, com particular destaque para a realização de três cirurgias e para o período temporal em que esteve afetado (um défice funcional temporário total de 31 dias e parcial de 848), bem como o quantum doloris de grau 5 (numa escala de 0 a 7) e as sequelas de que ficou a padecer, tendo ainda em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 11, um prejuízo de afirmação pessoal de pelo menos 4 numa escala até 7 graus de gravidade crescente, um prejuízo na atividade sexual correspondente a 4 pontos (numa escala até 7 pontos de gravidade) e um prejuízo estético de grau 5 (também numa até 7 pontos de gravidade), formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, julgamos adequado para compensar os danos não patrimoniais o valor arbitrado pelo Tribunal a quo, valor já reportado à presente data e que se mostra enquadrado nos valores indemnizatórios fixados a título de danos não patrimoniais pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Como supra referimos também aqui foi ponderado pelo Tribunal a quo que o Autor contribuiu para a verificação do evento lesivo na proporção de 10%, o que foi considerado relevante por força do disposto  artigo 494º, do CC (ex vi artigo 496º n.º 4, do CC) que manda atender ao grau de culpa do lesante.
Não podemos deixar de mencionar que o valor proposto pela Interveniente EMP01... de €20.000,00 é que se mostra desadequado e desproporcional perante a factualidade provada nos autos e aos valores indemnizatórios fixados pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
A este propósito podemos aqui citar os seguintes Acórdãos (com sublinhados nossos):
- do Supremo Tribunal de Justiça de 06/12/2017 (Relatora Maria da Graça Trigo, Processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1), onde, num caso em que a Autora tinha 31 anos de idade à data do sinistro, atentas “as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer”, ficando a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos, se considerou “ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de € 15 000”;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/2022 (Processo n.º 33/14.0T8MCN.P1.S1, Relatora Conselheira Maria Clara Sottomayor) onde se julgou adequada uma indemnização de €60.000,00 para compensar os danos não patrimoniais sofridos por um jovem de 17 anos, que esteve 48 dias internado, sofreu quatro cirurgias, das quais três na zona da cabeça, padeceu de um quantum doloris de 6/7, um dano estético de 4/7, um índice de repercussão permanente nas atividades desportivas de 4/7 e DFTP (Défice Funcional Temporário Parcial) de 1984 dias;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 26/05/2021 (Processo n.º 763/17.4T8GRD.C1.S1, Relator Conselheiro Pinto de Almeida) onde se decidiu que “I - Ponderando que a autora: na sequência desse acidente, para o qual não contribuiu, foi submetida a internamento hospitalar (12 dias); foi longo o período com tratamentos e deles continua a necessitar (fisioterapia); teve de usar, durante 6 meses, colete dorso lombar e vai ter necessidade de o continuar a utilizar (nos períodos de trabalho, de esforços físicos e na condução); as sequelas permanentes que apresenta são graves, com os inerentes e graves reflexos físicos e psíquicos (a carecer de acompanhamento psiquiátrico) e afetam não só a sua capacidade funcional, mas também a sua qualidade de vida, dificultando-lhe a realização atividades comuns da sua vida diária, com relevante prejuízo de afirmação pessoal sofreu dores muito intensas e irá sofrer dores (grau 4/7), só atenuadas com medicação, de que depende permanentemente, é ajustado, para compensar o da não patrimonial sofrido, o montante de € 35.000,00”.
- do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2021 (Processo n.º 2601/19.4T8BRG.G1.S1, Relator Conselheiro Manuel Capelo) que considerou respeitar “os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de €45 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atendeu à circunstância de o autor, de 44 anos de idade, pessoa saudável, que por força do acidente esteve dois anos de baixa médica dos quais 22 dias em internamento hospitalar contínuo, sofreu dores quantificáveis no grau 5, que ao nível do pé/tornozelo direito se manterão para o resto da vida , um dano estético quantificado no grau 3, e ficou com um défice funcional permanente de 15 pontos não mais deixando de claudicar”;
- do Tribunal da Relação de Lisboa Emissor de 26/01/2023 (Processo n.º 9934/17.2T8SNT.L1-6, Relatora Desembargadora Ana de Azeredo Coelho) que jugou adequada a “indemnização de €50.00,00 por danos não patrimoniais a lesada atropelada em plena passadeira de peões, cujas lesões se consolidaram ao fim de um ano, ficando com quatro cicatrizes hipocrómicas e amiotrofia de 1,5 cms da perna direita;  cinésia articular do tornozelo, deitado, com movimentos ativos e  passivos limitados, referidos como dolorosos, e movimentos de eversão e inversão marcadamente diminuídos, que padeceu de sofrimento físico e psíquico entre o acidente e a consolidação mensurado como de grau 5 numa escala de 7, cujo défice funcional permanente físico foi fixado em 12 pontos, repercutindo-se as sequelas nas atividades de lazer e convívio social que exercia de forma regular (caminhadas, bicicleta, dança e caminhadas na praia) em grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente, com dano estético permanente de grau 3 numa escala de 7, sendo previsível o agravamento das sequelas tendo em atenção o envolvimento intra-articular da fratura, com agravamento da artrose pós-traumática do tornozelo”.
- do Supremo Tribunal de Justiça de 04/07/2023 (processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Jorge Leal) onde se considerou “equitativa a atribuição da quantia de € 20 000,00 para compensar um quadro de sofrimento físico e psicológico caraterizado por um quantum doloris de 3/7, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 1/7, perturbações significativas no sono e na vida sexual, perda de autonomia na realização de tarefas domésticas e na movimentação de objetos pesados, irritabilidade, desconforto constante, insegurança, baixa capacidade de atenção e concentração, baixa tolerância à frustração” (neste acórdão consta ainda menção às seguintes decisões do Supremo Tribunal de Justiça: “no valor de € 75 000,00 (acórdão de 29.10.2020, lesado com 48 anos de idade, quantum doloris 6/7, dano estético 5/7), € 17 500,00 (acórdão de 11.11.2020, lesado com 19 anos de idade, 3/7 quantum doloris, 3/7 dano estético), € 22 500,00 (acórdão de 12.11.2020, peão com 45 anos de idade, 3/7 dano estético, 6/7 quantum doloris), € 50 000,00 (acórdão de 12.11.2020, lesado com 51 anos de idade, 4/7 quantum doloris, 3/7 dano estético), € 85 000,00 (acórdão de 12.11.2020, lesada com 45 anos de idade, dano estético de 1/5, quantum doloris de 5/7), € 55 000,00 (acórdão de 10.02.2020, lesado com 33 anos de idade, quantum doloris de 6/7, dano estético de 5/7), € 25 000,00 (acórdão de 16.12.2020, lesado de 43 anos de idade, 5/7 quantum doloris e 4/7 dano estético), € 60 000,00 (acórdão de 10.02.2022, lesado de 21 anos, dano estético 5/7, repercussão em atividades de desporto e de lazer 5/7, quantum doloris 7/7), € 25 000,00 (acórdão de 30.5.2019, vítima com 17 anos de idade, quantum doloris 5/7, dano estético 3/7, repercussão em atividades desportivas e de lazer 1/7), € 30 000,00 (acórdão de 29.10.2019, vítima com 34 anos de idade, quantum doloris 4/7, dano estético 3/7, efeito permanente em atividades desportivas e de lazer 3/7), € 30 000,00 (acórdão de 14.12.2017, vítima com 34 anos, quantum doloris 5/7, dano estético 3/7, repercussão em atividades desportivas e de lazer 3/7) e € 35 000,00 (acórdão de 02.6.2016, vítima com 47 anos, quantum doloris 5/7, dano estético 2/7”).
Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso da Interveniente.
Quanto ao recurso do Autor terá também de improceder a sua pretensão; ao contrário do por si alegado o Tribunal a quo, embora não tenha autonomizado o dano estético e o quantum doloris de entre os danos não patrimoniais, valorou-os e compensou-os no âmbito da indemnização fixada. Na verdade, não vemos fundamento, e o Autor também o não indica, para atribuir uma indemnização autónoma a estes danos, sendo certo que o Autor pretendendo a sua autonomização acaba também por propor uma indemnização conjunta de €30.000,00.
Improcede também nesta parte o recurso subordinado do Autor.
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Por último importa apreciar, relativamente ao recurso da Interveniente EMP01..., se deve ser arbitrada ao autor uma indemnização por perdas salariais, despesas médicas e perda de vestuário.
Analisada a matéria de facto provada, adiantamos desde já que a resposta terá de ser afirmativa, mantendo-se também aqui o decidido na sentença recorrida.
Quanto às perdas salariais o Autor peticionou a diferença entre o montante que lhe foi pago pelo ISS, IP, e aquilo que receberia caso estivesse a realizar a sua prestação de trabalho.
Conforme resulta dos factos provados (ponto aaa) o rendimento líquido do Autor, à data do embate, era de €1.039,00, a que acrescia o montante de €85,40 a título de subsídio de alimentação.
A sentença recorrida considerou que as perdas salariais devem ser calculadas até à data da consolidação médico-legal das lesões (27/11/2017), e com base no referido rendimento mensal, concluiu que o Autor deixou de receber o montante global de €40.483,06 (valor que concretamente a Recorrente não questiona), resultante da soma das remunerações que deixou de receber no período de incapacidade para o trabalho situado entre 03/07/2015 e 27/11/2018; pelo que descontando o recebido através do ISS, IP (€33.068,50), decidiu que o Autor teve, a título de perdas salariais, a importância de €7.414,56, montante que tem a receber da Interveniente seguradora na proporção de 90% (€6.673,10).
Estando em causa um lucro cessante que o Autor deixou de auferiu em consequência do acidente, deve a Interveniente ser efetivamente condenada no seu pagamento.
Quanto às despesas médicas, despesas com aquisição de cama e de execução de obras no WC, ambas para adaptação à situação de doença causada pelo acidente, no montante total de €4.111,50 (€246,50 + €1.745,00 + €2.120,00, conforme resulta dos autos, reconduzem-se também, tal como decidido pelo Tribunal a quo, a prejuízos emergentes do acidente, devendo ser indemnizadas pela Interveniente por fazerem também parte dos danos pelos quais o lesante responde (cfr. artigo 564º do CC).
Relativamente à perda de vestuário decore do ponto vv) que o Autor viu danificada a roupa e calçado que trajava no dia do acidente, tudo no valor de €400,00; estão aqui também em causa prejuízos emergentes do acidente, devendo, da mesma forma a Recorrente EMP01... responder pelo seu pagamento, na proporção de 90% do custo do mesmo, ou seja, pela quantia de €360,00 fixada na sentença recorrida.
Improcede novamente a pretensão da Recorrente.
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Em face de todo o exposto, não se mostrando violadas as normas invocadas, improcedem integralmente os recursos interpostos, a título principal pela Interveniente EMP01... - Companhia de Seguros, SA e a título subordinado pelo Autor AA, sendo de confirmar a sentença recorrida, aliás muito bem fundamentada, e que não merece censura.
As custas de cada um dos recursos são da responsabilidade dos respetivos Recorrentes, atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).    
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos, a título principal pela Interveniente EMP01... – Companhia de Seguros, SA e a título subordinado pelo Autor AA, e confirmam a sentença recorrida.
As custas de cada um dos recursos são da responsabilidade dos respetivos Recorrentes.
Guimarães, 25 de janeiro de 2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
José Cravo (1º Adjunto)
Ana Cristina Duarte (2ª Adjunta)