INTERVENÇÃO PRINCIPAL
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Sumário

I - Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir, como parte principal, aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º do Código de Processo Civil.
II - O campo de aplicação da intervenção principal, com excepção da situação prevista no artigo 317.º do Código de Processo Civil, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio.
III - Pode ter lugar a chamamento de qualquer das partes, como seu associado ou como associado da parte contrária, consoante a natureza do interesse que lhe confira o direito a intervir, desde que o chamante alegue a causa do chamamento e justifique o interesse que, através dele, pretende acautelar.
IV - Pode o autor deduzir o incidente de intervenção principal provocada, por preterição de litisconsórcio necessário, mesmo após os articulados, antes de proferida decisão quanto à legitimidade das partes.

Texto Integral

Processo n.º 2003/22.5T8PRD-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paredes – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
Na presente acção declarativa de condenação com processo comum que AA, residente na Travessa ..., ... ..., Paredes, propôs contra BB, residente na Rua ..., ... Valongo, no decurso da audiência de julgamento de 22.03.2023, pela Autora foi formulado requerimento com o seguinte teor:
“A Autora constata que a contestação não identificou nem separou a defesa por exceção da defesa por impugnação. No entanto, resulta do teor da aludida peça processual que o Réu BB descarta os factos alegados pela Autora que violarão o direito de propriedade desta referindo que a autoria material dos mesmos será do seu irmão CC, pessoa que identifica no seu rol de testemunhas.
Resulta ainda dos autos, nomeadamente do art.º 12.º da contestação, que o prédio que o Réu identifica como comproprietários e, em parte, como a situação de comunhão hereditária pertence a pessoas identificadas naquele item 12.º
Ora, a descrita situação pode configurar uma exceção de ilegitimidade processual pelo lado passivo, porquanto não estarão na ação todas as pessoas para validar o caso julgado que vier a resultar da decisão dos presentes autos.
Entende a Autora que tem de lhe ser dado a possibilidade de se pronunciar expressamente sobre a aludida exceção, requerendo ao abrigo do princípio da adequação formal, que o Tribunal permita que a Autora se pronuncie e se entende conveniente requerer a intervenção de todas as aludidas pessoas ou parte das mesmas.
Pede deferimento.
Cumprido o contraditório, pronunciando-se o Réu no sentido de nada ter a opor ao pretendido pela Autora, foi proferido despacho que concedeu a esta prazo de 10 dias para poder requerer o que tivesse por conveniente, sendo concedido, oportunamente, ao Réu prazo para responder.
Na sequência do despacho em causa, veio a Autora responder à contestação oportunamente apresentada pelo Réu, e, simultaneamente, no mesmo articulado deduziu incidente de intervenção principal provocada contra as pessoas que nele identifica.
Com data de 7.05.2023 foi proferido despacho que não admitiu a intervenção principal provocada deduzida pela Autora, por extemporaneidade da dedução do incidente, condenando a mesma nas custas do incidente, com taxa de justiça fixada no mínimo legal.
Não se conformando a Autora com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I – A Recorrente não pode conformar-se com os fundamentos que estão na base do despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada por si deduzido.
II – A partir do momento em que foi concedido o prazo de 10 dias à autora para se pronunciar sobre as exceções constantes da contestação com fundamento no princípio da adequação formal previsto no artigo 547.º do C.P.C. permitiu-se-lhe indiretamente requerer o incidente de intervenção principal provocada de modo a estender aos intervenientes a autoridade do caso julgado da sentença a proferir nos autos.
III – Como resulta do sumário do acórdão da Veneranda Relação de Guimarães proferido em 27-04-2017 no processo n.º 1752/12.0TJVNF.G1 quando o tribunal se limita a uma mera enunciação dos pressupostos processuais não conhece de qualquer questão concreta e determinada, pelo que, portanto, não podem considerar-se resolvidas e arrumadas tais questões, sendo, assim, passíveis de serem conhecidas posteriormente. O novo princípio da adequação formal tendo vindo romper com o apertado regime da legalidade das formas, veio conferir ao juiz a possibilidade de adaptar a sequência processual às especificidades da causa, determinando a prática de ato não previsto.
IV – O Tribunal recorrido fez uma interpretação correta do princípio da adequação formal quando deu a possibilidade à autora de responder às exceções, e incorreta, quando, sustentando-se num formalismo apertado, julgou a requerida intervenção principal provocada extemporânea.
V – A posição do Tribunal a quo de não admitir o incidente de intervenção principal provocada deduzido pela autora na resposta às exceções e no prazo fixado, no despacho recorrido viola com toda a certeza, pelo menos, o princípio da adequação formal plasmado no artigo 547.º do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito deve revogar-se o despacho recorrido e substituir-se o mesmo por outro que admita o incidente de intervenção principal provocada com o que se fará justiça”.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- tempestividade do incidente de intervenção principal provocada.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
São os descritos no relatório introdutório os factos/incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Após citação do réu, deve a instância manter-se imutável quanto às pessoas, pedido e causa de pedir, ressalvadas as possibilidade de modificação consignadas na lei. Trata-se do princípio da estabilidade da instância, a que o artigo 260.º do Código de Processo Civil dá expressão.
Tal princípio é passível de ser afectado por via de uma modificação subjectiva, seja em consequência da substituição de alguma das partes primitivas, seja por via da intervenção de terceiros. Essa modificação adjectiva-se através de incidente processual – típico ou inominado – que pressupõe a pendência de uma causa.
Na intervenção de terceiros o conceito de terceiros contrapõe-se ao conceito de parte, traduzindo-se em alguém por quem ou contra quem é solicitada, em nome próprio, uma providência judicial tendente à tutela de um direito[1].
Os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesse na intervenção e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas.
A intervenção principal enquadra-se no quadro geral dos incidentes de intervenção de terceiros, integrando a mesma “…os casos em que o terceiro se associa, ou é chamado a associar-se, a uma das partes primitivas, com o estatuto de parte principal, cumulando-se no processo a apreciação de uma relação jurídica própria do interveniente conexa com a relação material controvertida entre as partes primitivas, em termos de tornar possível um hipotético litisconsórcio ou coligação iniciais”[2].
A intervenção de terceiros a título principal, ou seja, aquela em que o interveniente faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu[3], pode ocorrer por iniciativa espontânea daquele que, em relação ao objecto da causa, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, interesse este definido nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º.
O artigo 311º do Código de Processo Civil, que define o âmbito da intervenção principal espontânea e serve de referência à intervenção provocada, determina que, estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º (litisconsórcio voluntário), 33.º (litisconsórcio necessário) e 34.º (acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges).
De resto, como resulta da própria epígrafe do preceito, “intervenção de litisconsorte”, o campo de aplicação da intervenção principal, com excepção da situação prevista no artigo 317.º do Código de Processo Civil, passou a estar confinado às situações de litisconsórcio: só pode intervir na acção, assumindo a posição de parte principal, um terceiro que, por referência ao objecto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio: “Como decorre da previsão do art. 316º, a intervenção provocada restringe-se às situações de litisconsórcio, voluntário ou necessário, definidos respetivamente nos arts. 31º e 32º, do CPC.
Só a ilegitimidade plural (preterição de litisconsórcio) é suprível por via do incidente de intervenção”[4].
Pode ter lugar a chamamento de qualquer das partes, como seu associado ou como associado da parte contrária, consoante a natureza do interesse que lhe confira o direito a intervir, desde que o chamante alegue a causa do chamamento e justifique o interesse que, através dele, pretende acautelar.
Dispõe o artigo 316.º do Código de Processo Civil:
1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
[...]”.
Como dá conta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.05.2009[5], seguido de muito perto pelo acórdão da Relação de Lisboa de 21.10.2009[6], que, nos aspectos nucleares, o reproduz, “A intervenção principal, espontânea ou provocada, não é, naturalmente, admissível se forem contrapostos os interesses substantivos ou processuais do chamado e da parte ao lado de quem se pretende que intervenha”. E acrescenta o mesmo acórdão: “Como a intervenção principal provocada pressupõe que o chamado e a parte à qual pretende associar-se tenham interesse igual na causa, não é de admitir a intervenção apenas destinada a prevenir a hipótese de a parte primitiva não ser titular do interesse invocado.
Por outro lado, a intervenção na lide de alguma pessoa como associado do réu pressupõe um interesse litisconsorcial no âmbito da relação controvertida, cuja medida da sua viabilidade é limitada pela latitude do accionamento operado pelo autor, não podendo intervir quem lhe seja alheio (v. Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 5ª ed., págs. 113 a 118)”.
De acordo com o acórdão da Relação de Évora de 3.07.2008[7], “A intervenção principal pretende a participação de terceiros que sejam titulares de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor ou pelo réu e quer essa situação seja activa quer seja passiva”.
Tendo a Autora, já iniciada a audiência de julgamento, deduzido incidente de intervenção principal provocada para fazer intervir no processo, do lado passivo, quem o Réu indica como sendo comproprietários do imóvel que aquela reivindica como seu, viu tal pretensão ser-lhe negada pela decisão proferida a 7.05.2023, com fundamento na extemporaneidade do respectivo incidente, convocando, para o efeito, o disposto no artigo 318,º, n.º 1, a), in fine, e artigo 261.º, ambos do Código de Processo Civil.
De acordo com o primeiro dos dispositivos legais invocados, “O chamamento para intervenção só pode ser requerido:
a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.º;[...]”.
Segundo o acórdão da Relação de Guimarães de 15.12.2016[8], “Com a revisão de 1995-1996 o chamamento de terceiro para integração do litisconsórcio necessário passou a ser admitido em face de qualquer decisão que se pronuncie pela ilegitimidade de qualquer das partes por ele não estar em juízo.
Ora, se é possível deduzir o incidente de intervenção principal provocada por preterição de litisconsórcio necessário, mesmo depois de ter sido proferido despacho saneador que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa e mesmo depois do trânsito em julgado do despacho que julgue ilegítima alguma das partes e ponha termo ao processo (artº 325º nº 2 do CPC), este artigo tem de ser interpretado no sentido de possibilitar o chamamento após a fase dos articulados e antes ainda da decisão quanto à legitimidade, quando o incidente é deduzido pelo autor (como é o caso) ou pelo reconvinte. A ressalva, no artº 318º, nº 1º, a) do CPC permite esta interpretação que o princípio de economia processual pressupõe (conforme defendem José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil anotado, 1º volume, Coimbra Editora, 1999, anotação ao artº 269º do CPC, na redacção do DL 180/96, de 25/09, que mantém plena actualidade, pois que o actual artº 261º do CPC reproduz o texto anterior com a mera actualização da remissão).
Efectivamente, não faz qualquer sentido que, tendo terminado a fase dos articulados e não tendo ainda sido proferido despacho saneador, a A. tenha que ficar a aguardar que os RR. sejam declarados parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, para deduzir o incidente de intervenção principal provocada do actual dono do veículo (no mesmo sentido se entendeu no acórdão do STJ, de 05.12.2002, proferido no proc.02A2479, acessível em www.dgsi.pt, onde se discutia a possibilidade de dedução do incidente de intervenção principal provocada pela A., chamando à lide a mulher do R., já depois de ter sido proferido saneador, no qual o R. foi julgado parte legítima (desacompanhado da R. mulher) e onde se defendeu ser de admitir o incidente pois que “seria contraditório admitir-se a regularização mesmo depois de transitar em julgado a decisão e não se admitir a intervenção como modo de impedir a declaração de ilegitimidade” no caso, na sentença, por já ter sido proferido despacho saneador (entendeu-se que a declaração genérica de legitimidade no despacho saneador, não impedia que a legitimidade voltasse a ser apreciada)”.
Refere, por sua vez, o acórdão da Relação do Porto de 25.06.2019[9]: “Quando apenas na fase de julgamento o juiz se apercebe que deve ser provocada a intervenção de alguém que não foi demandado, deve ser reconhecida a possibilidade de mesmo nessa fase processual poder convidar o Autor a requerer essa intervenção. A não se entender assim, nos incidentes de intervenção de terceiros os deveres de gestão processual apenas operam até às fases processuais previstas no artigo 318º. Essa interpretação não cumpre o objectivo da lei que é permitir que o juiz use os poderes necessários para que seja proferida uma decisão de mérito”.
No âmbito da vigência da precedente lei processual civil, mas continuando válidos os argumentos então convocados, explica o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.12.2002[10]: “Tendo a intervenção provocada sido requerida após o saneador, tal chamamento não seria admissível, pelo que o réu permaneceria sozinho na lide, o que acarretaria a sua ilegitimidade, com a consequente absolvição da instância.
Pensamos que não é assim, uma vez que a referida regra geral comporta excepções.
O artigo 269º do CP Civil determina que até ao trânsito em julgado da decisão que julgou ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pode o autor ou reconvinte chamar essa pessoa a intervir nos termos dos artigos 325º e seguintes; quando essa decisão tiver posto termo ao processo, o chamamento pode ter lugar nos trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado, considerando-se renovada a instância extinta se esse chamamento for admitido.
Tratando-se de uma situação litisconsorcial, em que a intervenção provocada é necessária para assegurar a legitimidade das partes, como é o caso, a mesma é tempestiva.
Nem o contrário, afigura-se-nos, faria sentido.
Poder-se-ía recorrer ao mencionado artigo 269º para sanar a ilegitimidade no caso de litisconsórcio necessário e só seria admitida a intervenção provocada quando se destina a suprir essa mesma ilegitimidade, se requerida até ao saneador. Seria contraditório admitir-se a regularização mesmo depois de transitar em julgado a decisão e não se admitir a intervenção como modo de impedir a declaração de ilegitimidade.
Nem tal se compreenderia face aos princípios de economia processual, cooperação e prevalência da verdade material.
O conceito de direito justo impõe que, com respeito pelo direito das partes, se aproveitem os actos processuais que podem conduzir a uma decisão proferida em prazo razoável.
Poder-se-á objectar que no caso da intervenção provocada admitida depois do saneador (quando este existe) se limitam os direitos processuais do interveniente; já que o chamado não pode apresentar articulado próprio.
Tal argumento procede em parte e é um dos motivos para a diferença de regime entre a intervenção espontânea e provocada. Sendo aquela deduzida por iniciativa do interveniente aceita-se que seja admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa, não já assim na intervenção provocada, e por isso o regime diferente estipulado no artigo 326º do CPC:
Tratando-se, porém, de uma situação de litisconsórcio a necessidade de intervenção de um terceiro altera o princípio.
Diga-se, aliás, que os autores citados na bem estruturada decisão recorrida, bem como nas alegações, referem a excepção que constitui o artigo 269º - Cons. Lopes Cardoso - "Manual dos Incidentes da Instância", 2º ed., pág. 212; Lopes do Rego - "Revista do Ministério Público", Ano 5º, vol. 18, pág. 117.
O Prof. Miguel Teixeira de Sousa - "Estudos sobre o Novo Processo Civil", 2ª ed., pág. 185 escreve que a intervenção provocada só pode ser requerida até ao momento em que podia deduzir-se intervenção espontânea em articulado próprio, "salvo quando for necessária assegurar a legitimidade das partes (artigo 269º nº 1)...".
No caso em apreço, foi proferido despacho saneador que, entre o mais, declarou serem as partes legítimas.
Trata-se, porém, se despacho saneador tabelar, que não apreciou, em concreto, nenhum dos pressupostos processuais, designadamente, o da legitimidade das partes.
Constitui dado pacífico que actualmente o despacho saneador só forma caso julgado formal quanto às excepções e nulidade nele concretamente apreciadas, pelo que a declaração genérica sobre a legitimidade das partes não é abrangida pelo caso julgado.
A Autora propôs a acção apenas contra o Réu BB, reclamando deste a restituição, livre de pessoas e bens, do prédio que reivindica como seu, alegando ter sido o demandado a praticar os actos que a Autora considera lesivos do direito de propriedade de que se arroga titular.
Na contestação invoca, porém, o Réu que o anexo foi construído em prédio rústico que não é propriedade da Autora, antes pertencendo ao Réu e demais comproprietários, os quais identifica no artigo 12.º do seu articulado, referindo ainda não ter sido ele quem construiu o anexo, mas antes o seu irmão CC, também comproprietário do prédio rústico onde tal anexo foi edificado, com a anuência dos demais comproprietários.
Veio a Autora, face à aludida factualidade invocada pelo Réu BB, deduzir incidente de intervenção principal provocada contra as pessoas identificadas pelo Réu como comproprietárias do prédio onde foram realizadas as obras alegadamente ofensivas do direito de propriedade de que a demandante se arroga titular. No requerimento em que deduz o referido incidente, refere a Autora que “Importa chamar à lide todas as pessoas que o Réu identifica serem comproprietários do prédio identificado no artigo 6.º da contestação para acautelar o efeito útil da ação e da sentença que nela vier a ser proferida de modo a mesma poder constituir caso julgado relativamente a todos, e assim reconhecerem que o terreno onde foram realizadas os obras integra o prédio da A.”.
E adianta: “...a Autora pretende a intervenção dos chamados como associados do R. dirigindo contra os mesmos os pedidos das alíneas a) e b) do pedido formulado na P.I. a que acresce subsidiariamente os demais pedidos contra o chamado CC para a hipótese de vir a provar-se que foi o mesmo a executar ou mandante das obras realizadas no prédio da A.”.
O despacho recorrido admitindo embora acharem-se reunidos os necessários pressupostos do incidente deduzido, conclui pela intempestividade do mesmo, fundamento pelo qual não o admite.
A confirmar-se a versão apresentada pelo Réu BB, a acção findará com uma sentença que absolva da instância o Réu, por, desacompanhado dos demais comproprietários do prédio objecto da disputa judicial, ser considerado parte ilegítima, ou, não enveredando por tal solução e conhecendo-se de mérito da causa, a mesma não produzirá o seu efeito útil normal por não vincular quem não foi demandado na acção.
Nestas circunstâncias, considerando o dever de gestão processual expressamente consagrado no artigo 6.º do Código de Processo Civil, assim como o princípio da prevalência da verdade material incontestavelmente acolhido pelo referido diploma, e o da economia processual, que aconselha a promover a máxima rentabilização dos actos processuais que, sem desvirtuar o fim do processo, possam ser aproveitados, não se vê fundamento para não admitir, por extemporaneidade, o incidente de intervenção provocada deduzido pela Autora.
Como tal, procedendo o recurso, revoga-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que, admitindo o referido incidente, determine os termos subsequentes do mesmo.

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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na procedência da apelação, em revogar a decisão recorrida, devendo ser proferida outra que admita o incidente de intervenção provocada nos termos em que foi deduzido pela Autora, determinando-se, em conformidade, os subsequentes trâmites processuais.
As custas do recurso serão suportadas pela recorrente, por tirar proveito da decisão, não havendo lugar à sua condenação em custas de parte ou procuradoria por não ter sido apresentada resposta às suas alegações.
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.

Porto, 11.01.2024
Judite Pires
Paulo Dias da Silva
Carlos Portela
__________________
[1] Gama Prazeres, Dos Incidentes da Instância no Actual Código de Processo Civil, pág. 102.
[2] Lopes do Rego, Comentário ao Código do Processo Civil, pág. 242.
[3] Artigos 311.º e 312.º do Código de Processo Civil.
[4] Acórdão da Relação de Guimarães de 10.09.2020, processo 559/20.2T8GMR.G1, www.dgsi.pt.
[5] Processo 09B0563, www.dgsi.pt.
[6] Processo n.º 229-07.0TTCSC.L1-4, www.dgsi.pt.
[7] Processo 3084/07-3, www.dgsi.pt.
[8] Processo 21/13.3TBVPA.G1, www.dgsi.pt.
[9] Processo n.º 330/16.0T8PVZ-A.P1, www.dgsi.pt.
[10] Processo n.º 02A2479, www.dgsi.pt.