INSOLVÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
REGIME APLICÁVEL
VALOR DA CAUSA
SUCUMBÊNCIA
ALÇADA
Sumário


O art. 14.º, nº1, do CIRE, restringindo a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro, não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa, a sucumbência e a alçada.

Texto Integral



ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – RELATÓRIO

1. AA, enquanto Administradora de Insolvência do processo de insolvência de O..... ......., Lda., veio interpor recurso de revista do Acórdão da Relação de Lisboa de 30.05.2023, que confirmou a Decisão de 9.01.2023, que fixou a remuneração variável devida à Recorrente em 3.978,97€, a que acrescia uma majoração, nos termos do n.º 7, do art.º 23 do Estatuto do Administrador Judicial, com as alterações introduzidas pela Lei 9/2022, de 11 de janeiro, no montante de 38,64€, considerando o grau 1,07% de satisfação dos créditos reconhecidos de 6.754.239,77€, perfazendo o montante global de 4.016,90€,

2. Apresentou nas suas alegações, as seguintes conclusões:(transcritas)


A) Surgem as presentes alegações no âmbito do recurso de Revista de prazo reduzido, e interposto, ao abrigo dos arts. 629º nº 2 alínea d) e 672º nº 1 alínea c) do CPC do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa com a referência ......75 datado de 30.05.2023, o qual confirmou a decisão recorrida da primeira instância que por sua vez efetuou a fixação da remuneração variável da administradora de insolvência sem clara aplicação de forma de cálculo estabelecida na Lei 9/2022 de 11 de janeiro, em claro prejuízo da recorrente e com o que a recorrente se continua a não poder conformar.


B) Nomeada a administradora judicial, nos termos do artigo 52º do CIRE, não só tem direito à remuneração fixa prevista no art. 23º nº 1 do Estatuto do Administrador Judicial, como igualmente à remuneração variável relativa ao resultado do produto da liquidação da Massa Insolvente paga a final – art. 29º n.º5 igualmente do EAJ.


C) Conforme dispõe o art. 62º do CIRE, o Administrador de Insolvência procede ao pagamento das custas, sendo a partir daí fixado o montante de retribuição variável, e esta fixação, ou cabe ao administrador de insolvência, quando notificado expressamente para o propor, ou oficiosamente ao Tribunal.


D) No caso concreto, a retribuição variável foi imposta pelo Tribunal pelo despacho de primeira instância confirmado pelo acórdão recorrido em que, determinava também a majoração da remuneração variável em função dos créditos reconhecidos e admitidos, majoração essa feita à revelia do n.º 7 do art. 23º do Estatuto dos Administradores Judiciais, pela aplicação da percentagem de 5% ao montante desses créditos, tal como não resulta da Lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro.


E) A proposta da recorrente foi desconsiderada pelo Tribunal de 1ª Instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa , tendo sido efetuada a sua fixação em função exclusiva do cálculo realizado pelo próprio tribunal, o qual porém, não foi efetuado no estrito cumprimento da Lei 9/2022 em vigor à data desse cálculo, porquanto o cálculo exposto no douto despacho recorrido e confirmado pelo douto acórdão da Relação em Recurso foi concretizado, começando por fazer uma operação não prevista na redação do art. 23º n.º 7 do estatuto do EAJ introduzida pela Lei 9/2022.


F) Especificando, o tribunal de 1ª instância e o acórdão recorrido determinaram o valor dos créditos satisfeitos e dividiram esse valor dos créditos satisfeitos pelos créditos reconhecidos, obtendo uma pretensa taxa de satisfação de 1,07%, não imputando, tal como define a Lei nova, a percentagem de 5% diretamente aos créditos satisfeitos, de acordo com o referido art. 23º nº 7 do EAJ, ou seja, fê-lo a partir do valor não previsto na lei que correspondia à aplicação da pretensa taxa de 1,07%, obtida da divisão dos créditos reconhecidos pelos créditos satisfeitos, só aplicando a taxa de 5% a esse valor final.


G) Esta forma de cálculo é artificiosa e não aquela que resulta diretamente do art. 23º nº 7 do EAJ, em que o valor da majoração é calculado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, nada mais a Lei acrescentando.


H) Neste enquadramento, sustenta sucessivamente a decisão e o acórdão recorridos que o cálculo da remuneração variável se mostra elaborado em conformidade com o estabelecido no artigo 23º, nºs 4, alínea b), 6 e 7, do EAJ, na redação dada pela Lei 9/22, de 11/01, tal não acontecendo pois o cálculo elaborado na decisão recorrida utiliza uma forma de cálculo que não se encontra prevista na Lei, ou seja, obtém a percentagem dos créditos satisfeitos sobre os créditos reconhecidos, que a Lei não prevê, e aplica esta percentagem à remuneração variável obtida antes da majoração.


I) A forma de cálculo expressa no processo e apresentada à recorrente não tem qualquer fundamento no decurso da plena vigência da Lei 9/2022 de 11 de janeiro, constituindo uma clara violação de lei, face ao que determina o art. 12º do CC, sendo certo que, na situação concreta, o acórdão recorrido foi mais longe, tentando sustentar-se em que a Lei nova manteve o critério estabelecido na Lei antiga quanto ao grau de satisfação dos créditos em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos entendendo que o cálculo da remuneração se mostrava elaborado de acordo com a lei nova, quando assim não acontece pois por isso nem se justificava a alteração legal.


J) É facto novo para aplicação da Lei nova o cálculo da remuneração variável dentro do que estabelece o art. 23º nº 7 do EAJ, o qual determina tão só e singelamente a majoração, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, pelo que o cálculo apresentado no despacho recorrido e confirmado pelo douto acórdão recorrido, deveria ter tido unicamente em conta a percentagem em função do valor dos créditos satisfeitos, tal como é previsto no atual art. 23º nº 7 do EAJ.


L) Visa a ratio legis do novo critério legal e a partir do resultado da liquidação incentivar a sua remuneração em função dos créditos satisfeitos, sendo a Lei 9/2022, claramente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, esse entendimento tem de ser abrangente para a majoração da remuneração variável estipulada em 5% por tal lei.


M) O acórdão recorrido, ao manter a efetivação de tal cálculo com a aplicação da percentagem de 5% incidente entre a diferença dos créditos satisfeitos sobre os créditos reconhecidos e não a aplicação direta de tal percentagem aos créditos satisfeitos, está, não só a fazer um despropositado juízo de valor, como a violar claramente o art. 12º do CC, o art. 10º da Lei 9/2022 de 11 de janeiro e ainda, e principalmente, a nova redação dos arts. 23º e 29º nº 8 do Estatuto dos Administradores Judiciais, o que motiva o presente recurso.


N) No douto acórdão recorrido e conforme já se alegou e consta no respetivo sumário, no sentido de alguma Jurisprudência quer enuncia, é decidido que terá sido mantido o critério estabelecido em relação ao grau de satisfação dos créditos, majorando a remuneração de 5% da percentagem de créditos satisfeitos aos que haviam sido reclamados e admitidos.


O) Em sentido contrário, milita o douto Acórdão, igualmente proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 20/09/2022, no processo nº 9849/14.6T8LSB – E.L1, proferido pela 1ª Secção de Comércio o qual, por unanimidade e como acórdão fundamento, acordou que “a redação dada pela Lei 9/22, de 11 de Janeiro, ao artigo 23º do Estatuto do Administrador Judicial, é de aplicação imediata nos processo pendentes; sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a entrada em vigor do diploma deve ser calculada nos termos da nova redação do mesmo”.


P) Acrescenta em consequência que não pode considerar-se a fixação da remuneração variável como um efeito de atos processuais anteriores, constituindo antes um ato processual necessário para chegar ao apuro do montante final a distribuir pelos credores e ao fim do processo como ato a praticar necessariamente antes do rateio final, pelo que a remuneração variável do Administrador da Insolvência deverá ser fixada à luz da redação dada pela Lei 9/2022 na versão alterada por aquela lei que determina o calculo de tal remuneração na percentagem sobre o grau de satisfação de créditos e não em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos.


Q) Verifica-se assim que, e para efeitos do art. 629º nº 2 alínea d) do CPC, existe uma clara contradição entre o Acórdão da Relação de Lisboa aqui recorrido e o anterior Acórdão também da Relação de Lisboa aqui citado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário do acórdão recorrido em função da alçada, sendo essa contradição patente quando o acórdão recorrido mantém o critério estabelecido em relação ao grau de satisfação dos créditos em função dos que haviam sido reclamados e admitidos e o acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa determina que o cálculo de tal remuneração é na percentagem sobre o grau de satisfação de créditos e não em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos, o que se subsume claramente à alínea d) do nº 2 do 629º e à alínea c) do nº 1 do art. 672º do CPC, para além da violação que se explanou na conclusão M) supra das presentes alegações.


3. A Recorrente foi notificada nos termos e para os efeitos do art.º 655, n.º1, do CPC, por se delinearem obstáculos à admissibilidade do presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça.


4. foi proferida Decisão singular que não conheceu do objeto do recurso, considerando-o findo.


5. A Recorrente veio apresentar reclamação para a Conferência, nos seguintes termos:


I – A QUESTÃO FORMAL DA PRESENTE RECLAMAÇÃO

1. Dispõe o art. 652º nº 3 do CPC que, quando a parte se considere prejudicada de qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que, sobre a matéria do despacho, recaia acórdão com submissão do caso à conferência.

2. No caso concreto, quer pelo valor do recurso, quer por se tratar de matéria de especial relevância, como é o caso em que se determina o valor da retribuição pelo trabalho dos Administradores de Insolvência, a douta decisão singular proferida pela Exma. Conselheira Relatora, ao acabar por decidir a não admissão do recurso, sustenta-se não só numa mal conseguida interpretação do art. 14º do CIRE em relação ao art. 629º nº 2 do CPC, como também em critério discricionário da fixação do valor da retribuição, quando facto gerador já ocorreu em plena vigência da Lei 9/92, conduz a que seja o presente processo passível de recurso para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, conforme claramente resulta das alegações de recurso com a referência ......09 datadas de 17.06.2023.

3. E isto à revelia de, para além de dispor o art. 629º nº 2 alínea d) que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso quando haja contradição de acórdãos da Relação com outro de qualquer Relação, olvidando que a estatuição normativa do art. 629º nº 2 alínea b) tem igual formulação ao art. 14º do CIRE.

4. E é isto que acontece entre o acórdão recorrido não admitido ela decisão singular e o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.09.2022, proferido no processo 9849/14.6T8LSB-E.L1 em que foi Relatora a Exma. Desembargadora Fátima Reis Silva.

5. Ou seja, estamos perante decisão singular que com base em puro critério literal de, no CIRE, não estar expressa na previsão a sucumbência e o valor, acaba por concluir que qualquer recurso de valor inferior à alçada da Relação, não permite, em insolvência, a dedução de recurso de uniformização para o Supremo Tribunal de Justiça, mantendo na ordem jurídica e nesses casos os acórdãos das Relações, proferidos ao abrigo da mesma lei e que estejam em contradição, o que é um contrassenso.

6. A interpretação teleológica do art. 14º do CIRE só terá consistência e relevância se a sua formulação, quanto à contradição de acórdãos, tiver em conta a previsão do art. 629º nº 2 do CPC, ou seja, a admissibilidade do recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência.

7. Daí que, é sempre a decisão coletiva tomada em acórdão que fixa, com rigor formal, a posição coletiva do Supremo Tribunal de Justiça e que permite a tramitação subsequente do processo, a partir da decisão final desse mesmo Supremo Tribunal.

8. É que, como já se viu, a questão não se reconduz às condições gerais de admissibilidade, mas sim às condições especiais que constam do art. 629º nº 2 alínea d) do CPC, que tem igual estatuição à do art. 14º do CIRE

9. É que a tramitação subsequente do presente processo obriga a decisão coletiva desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, porquanto é esse acórdão a proferir que define a douta posição desse colendo Tribunal, razão pela qual, sendo a decisão singular proferida contra a recorrente e sendo a mesma decisão com tal natureza suscetível de reclamação de submissão à conferencia e não de recurso, o facto de sobre a mesma recair acórdão tem como fundamento que a decisão singular prejudica e condena a posição da recorrente na ação.

10. Em função deste enquadramento, e pelas razões expostas, deduz a recorrente, desde já, a prolação de acórdão com submissão à conferência, em razão do art. 652º nº 3 do CPC aplicado nos termos do art. 17º do CIRE.


II – A REJEIÇÃO DO RECURSO

11. Com efeito, entendeu o Exma. Conselheira Relatora, desde logo, que o recurso não poderia ser admitido, face ao disposto no art. 14º do CIRE.

12. Todavia, não curou de analisar o disposto em tal disposição que diz que, no processo de insolvência, não são admitidos recursos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação, salvo se o recorrente demostrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro proferido por alguma das Relações no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito.

13. O que só faz sentido, para evitar a perene manutenção de acórdãos contraditórios na ordem jurídica, se a possibilidade deste recurso de revista não tiver as limitações da alçada e sucumbência.

14. Daí que, estando o acórdão recorrido em clara contradição com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que se juntou sob doc 1 com as alegações, é claro que o art. 14º nº 1 do CIRE não é óbice à interposição do presente recurso.


15.E tão pouco é óbice a questão da alçada, dado o que já se alegou sobre a admissibilidade e permissão legal do recurso de revista estabelecido no art. 629º nº 2 do CPC, que afasta a previsão do art. 671º nºs 1 e 2 do mesmo Código, permitindo o art. 672º nº 1 alinea c) a interposição de tal recurso como revista excecional, face à divergência e contradição dos acórdãos das Relações.


16. É por isso que com tal rejeição a recorrente não se conforma dado que, quer sob ponto de vista formal da questão da alçada, quer sob o ponto de vista substancial da admissão de revista como revista excecional, não tem a rejeição qualquer base de sustentação, nem aduz jurisprudência que trate, comente ou decida sobre o art. 629º nº 2 do CPC.


III - A SUCESSÃO DE FACTOS OCORRIDOS E QUE CONDUZIRAM ÀS DECISÕES DAS INSTÂNCIAS INTEGRANDO O CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL AO ABRIGO DA LEI ANTIGA


17. Em processo de insolvência, é a administradora judicial nomeada, nos termos do artigo 52º do CIRE.


18.E com a nomeação, não só tem direito à remuneração fixa prevista no art. 23º nº 1 do Estatuto do Administrador Judicial, como igualmente à remuneração variável relativa ao resultado do produto da liquidação da Massa Insolvente paga a final – art. 29º, nº 5, igualmente do EAJ.


19. Ora, conforme dispõe o art. 62º do CIRE, o Administrador de Insolvência procede ao pagamento das custas, sendo a partir daí fixado o montante de retribuição variável.


20. E esta fixação, ou cabe ao administrador de insolvência, quando notificado expressamente para o propor, ou oficiosamente ao Tribunal.


21. No caso concreto, a retribuição variável foi imposta pelo tribunal pelo despacho recorrido em que, para além do cálculo da remuneração variável, determinava também a majoração da remuneração variável em função dos créditos reconhecidos e admitidos.


22. E o certo é que a majoração da remuneração variável deveria ter sido feita nos termos do n.º 7 do art. 23º do Estatuto dos Administradores Judiciais, aplicando a percentagem de 5% ao montante dos créditos satisfeitos, tal como resulta da Lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro, a qual entrou em vigor 90 dias após a sua publicação.


23. Com efeito, o cálculo do tribunal exposto no douto acórdão recorrido foi concretizado, começando por ser feita uma operação não prevista na redação do art. 23º n.º 7 do estatuto do EAJ introduzida pela Lei 9/2022.


24. Especificando, o tribunal determinou o valor dos créditos satisfeitos e dividiu este valor pelos créditos reconhecidos, obtendo uma pretensa taxa de satisfação de 1,07%.


25. Deste modo, em vez de imputar, tal como define a Lei nova, a percentagem de 5% diretamente aos créditos satisfeitos, de acordo com o referido art. 23º nº 7 do EAJ, ou seja, fê-lo a partir do valor não previsto na lei, que correspondia à aplicação da taxa de 1.07% obtida da divisão dos créditos reconhecidos pelos créditos satisfeitos.


26. E só a esse valor é que, finalmente, aplicou a taxa de 5%, obtendo €38,64.


27.Todavia, esta forma de cálculo é artificiosa e não aquela que resulta diretamente do art. 23º nº 7 do EAJ, em que o valor da majoração é diretamente calculado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, ou seja, em 5% do montante dos créditos satisfeitos.


28. Porque a Lei nada mais acrescenta, não é real, nem legal, a obtenção pelo tribunal da majoração através da percentagem entre os créditos reconhecidos e os créditos satisfeitos e aplicar essa percentagem aos créditos satisfeitos e só desse resultado calcular os 5% desse valor, ou seja €1.908,90 como majoração.


29. Neste enquadramento, sustenta o douto acórdão recorrido que o cálculo da remuneração variável, efetuado pelo tribunal, se mostra elaborado em conformidade com o estabelecido no artigo 23º, nºs 4, alínea b), 6 e 7, do EAJ, na redação dada pela Lei 9/22, de 11/01, porquanto entende que terá sido mantido o critério estabelecido em relação ao grau de satisfação dos créditos, majorando a remuneração de 5% da percentagem de créditos satisfeitos aos que haviam sido reclamados e admitidos.


30. Só que assim não acontece, pois, o cálculo elaborado pelo tribunal e exposto no acórdão recorrido utiliza uma forma de cálculo que não se encontra prevista na Lei, ou seja, obtém a percentagem dos créditos satisfeitos sobre os créditos reconhecidos, que a Lei não prevê, e aplica esta percentagem aos créditos satisfeitos, só então, obtendo a majoração em 5% desse valor.


31.Aliás, não se descortina como é que a lei 9/2022, como lei nova, vem introduzir uma nova formula de cálculo quando a jurisprudência entende que afinal a base de calculo é a mesma, não justificando minimamente então porque foi produzida a lei nova.


32. Com efeito, a majoração é feita com base no resultado da liquidação, onde se verifica a diligência da administradora de insolvência, sendo o critério do grau de satisfação dos créditos, ou o critério dos créditos satisfeitos, irrelevante para justificar uma maior ou menor diligência na liquidação.


33. É precisamente esta diligência na liquidação que a Lei 9/22, de 11 de Janeiro, visou premiar, e que o acórdão recorrido voltou a negar, e que a não admissão do recurso de revista, escamoteando a divergência de acórdãos das Relações em prejuízo da administradora de insolvência acabou por manter.


34. Por seu turno, a recorrente continua a militar pelo reconhecimento do seu direito e pela admissão negada do recurso de revista.


IV - O DIREITO


35. A forma de cálculo notificada e apresentada à recorrente não tem qualquer fundamento no decurso da plena vigência da Lei 9/2022 de 11 de janeiro, constituindo uma clara violação de lei.


36. Com efeito, determina o art. 12º do CC que a lei dispõe para o futuro, entendendo-se como futuro os factos novos que se destina a regular e respetivos efeitos, sendo certo que, na situação concreta, o acórdão recorrido foi mais longe, efetuando o cálculo da remuneração alegadamente de acordo com a lei nova, quando assim não acontece.


37. Em consequência, é facto novo para aplicação da Lei nova o cálculo da remuneração variável dentro do que estabelece o art. 23º nº 7 do EAJ, o qual determina, tão só e singelamente, a majoração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos em 5% do montante dos créditos satisfeitos.


38. Assim, o cálculo do tribunal efetuado no despacho recorrido, confirmado pelo acórdão recorrido que, não fora a presente reclamação para a conferência se tornaria definitivo, deveria ter tido unicamente em conta a aplicação da percentagem de 5% ao valor dos créditos satisfeitos, tal como é previsto no atual art. 23º nº 7 do EAJ.


39. Analisando a Lei 9/2022, designadamente o seu art. 10º nº 1, é nele claramente expresso que a presente Lei é diretamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor. .


40. E essa entrada imediata nem está limitada com as especialidades dos nºs 2, 3 e 4 do referido art. 10º.


41. Deste modo, havendo alterações de aplicação imediata pelo início de vigência de lei nova, esse entendimento tem de ser abrangente para a majoração da remuneração variável estipulada em 5% por tal lei.


42. O acórdão recorrido, ao manter a efetivação de tal cálculo com a aplicação da percentagem de 5% incidente entre a diferença dos créditos satisfeitos sobre os créditos reconhecidos e não a aplicação direta de tal percentagem aos créditos satisfeitos, está não só a fazer um despropositado juízo de valor, como a violar claramente o art. 12º do CC, o art. 10º da Lei 9/2022 de 11 de janeiro, e ainda e principalmente a nova redação dos arts. 23º e 29º nº 8 do Estatuto dos Administradores Judiciais, o que a não admissão do recurso de revista, manteve na íntegra.


V – A CONTRADIÇÃO DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA SOB RECURSO COM O DOUTO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA DE 20.09.2022


43. E é aqui que surge a contradição ocorrida do douto acórdão recorrido com o mui douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, quando o primeiro decide, e conforme consta do respetivo sumário, que terá sido mantido o critério estabelecido em relação ao grau de satisfação dos créditos, majorando a remuneração de 5% da percentagem de créditos satisfeitos aos que haviam sido reclamados e admitidos.


44.Por seu turno, é em sentido contrário que milita o douto acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 20/09/2022 proferido no processo 9849/14.6T8LSB-E.L1 proferido pela 1ª Secção do Comércio o qual por unanimidade e como acórdão fundamento, sumaria a sua decisão no sentido que a redação dada pela Lei 9/2022 de 11 de janeiro, ao art. 23º do Estatuto do Administrador Judicial no tocante à formula de cálculo de remuneração variável, é de aplicação imediata aos processos pendentes, sempre que a fixação da remuneração variável ocorra após a data de entrada em vigor do diploma, devendo ser calculada nos termos da nova redação do mesmo.


45. E acrescenta o mesmo douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que não pode considerar-se a fixação da remuneração variável como um efeito de atos processuais anteriores, constituindo antes um ato processual necessário para chegar ao apuro do montante final a distribuir pelos credores e ao fim do processo, como ato a praticar necessariamente antes do rateio final, pelo que a remuneração variável do administrador de insolvência deverá ser fixada à luz da redação dada pela Lei 9/2022 na versão alterada por aquela lei, que determina que o cálculo de tal remuneração é feito na percentagem sobre o grau de satisfação de créditos e não em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos.


46. Verifica-se assim que, e para efeitos do art. 629º nº 2 alinea d) do CPC existe uma clara contradição entre o acórdão da Relação de Lisboa aqui recorrido e o anterior acórdão da mesma Relação de Lisboa aqui citado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, não cabendo recurso ordinário do acórdão recorrido em função da alçada, o que foi ignorado pelo despacho que não admitiu o recurso.


47. E essa contradição é patente quando o acórdão recorrido mantém o critério estabelecido em relação ao grau de satisfação dos créditos em função dos que haviam sido reclamados e admitidos e o acórdão fundamento do Tribunal da Relação de Lisboa determina que o cálculo de tal remuneração é em percentagem sobre o grau de satisfação de créditos e não em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos, o que se subsume claramente à alinea d) do nº 2 do 629º e à alinea c) do nº 1 do art. 672º do CPC.


VI – A CORREÇÃO E A ADEQUAÇÃO DO PRESENTE PEDIDO DE SUJEIÇÃO À CONFERÊNCIA MEDIANTE A PROLAÇÃO DE ACÓRDÃO


48. Nessa moldura confirma-se que não versa o presente requerimento de submissão à conferência unicamente sobre a mera rejeição do recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, mas antes dessa não admissão não ter fundamento, quer porque distingue o que o CPC e o art. 14º do CIRE, quer também não valoriza a divergência entre dois acórdãos proferidos pelas Relações ao abrigo da mesma legislação e em consequência, mantém tal contradição de acórdãos na ordem jurídica sobre o cálculo da remuneração variável à revelia do estabelecido na Lei 9/22 de 10.01.


49.È por isso a reclamação para a Conferência do art. 652º nº 3 do CPC, a sede jurídica própria para impugnar a improcedência da presente decisão singular de não admissão de recurso com fundamentos próprios e com decisão totalmente desfavorável à recorrente.


50. Aliás, e entretanto, já em processo de conteúdo idêntico – Processo 3364/12.0TJCBR-G.C1, o Tribunal da Relação de Coimbra da 1ª Secção, decidiu admitir o recurso como fixação e definição jurisprudencial pelo Supremo Tribunal de Justiça.


51 Por tudo quanto se alegou, a decisão singular em reclamação para submissão à conferência, ao negar a admissão do recurso de revista do acórdão da Relação de Lisboa, não teve em conta a verdadeira tramitação, aplicação e fixação da remuneração variável do Administrador de Insolvência ao abrigo da Lei nova, nem tão pouco o fim global do processo de insolvência e o teor das respetivas apreensão, liquidação e venda.


52. E muito menos teve em conta a salvaguarda do interesse dos credores, em consequência da atividade do Administrador de Insolvência e do que este obteve no produto da venda e na satisfação dos créditos.


53.Assim, a decisão singular aqui em reclamação, ao negar a admissão do recurso de revista, mantendo o acórdão recorrido, conduz a que, não sendo a questão julgada em conferência mediante a prolação de acórdão, seja causado prejuízo irreparável aos credores e à própria recorrida que ficará impossibilitada de obter uma decisão coletiva sobre as questões objeto de recurso e eventualmente deduzir o seu recurso de revista que lhe é conferido por lei, designadamente quando há contradição de acórdãos.


54. O que só através da prolação de douto acórdão poderá ser ultrapassado.


55.Por questões de economia processual, a reclamante e recorrente dá como reproduzidas as conclusões que deduziu no requerimento de recurso que deu origem à decisão singular sob reclamação.


Nestes termos e nos demais de direito, vem a recorrente aqui reclamante requerer a V. Exas. que a decisão singular confirmativa, pela negação da admissão do recurso das decisões das instâncias, seja submetida à conferência e a douto julgamento do Tribunal Coletivo, com prolação de acórdão que permita a admissão dos consequentes atos processuais.


II - APRECIAÇÃO


1. Conforme, em síntese, alega a Recorrente. sob a invocação do art.º 14, do CIRE, artigos 629, n.º 2, d), 671, n.º 1, n.º 2, b) e 672, n.º1, c), todos do CPC, que a admissibilidade do recurso de revista normal e excecional, decorre da contradição de julgados, caso do Acórdão do Tribunal de Lisboa, de 20.09.2022, processo n.º 9849/14.6T8LSB-E.L1.


Funda-se a pretensão que diversamente do entendido no Aresto em recurso, a majoração a realizar nos termos do aludido n.º 7, do art.º 23, do Estatuto dos Administradores Judiciais, em vez da aplicação da taxa de 1,07%, obtendo a quantia de 38,64€, devia antes ter sido considerada a percentagem de 5% ao montante dos créditos satisfeitos, assim orçando em 1.908,90€, como decorre do entendimento do Acórdão fundamento.

3. Na Decisão singular proferida consignou-se:


“O regime de recursos previsto no art.º 14, do CIRE, aplica-se ao processo de insolvência e aos embargos da respetiva sentença, no sentido que a limitação que tal regime importa a não admissibilidade de recurso dos acórdãos proferidos pela Relação, salvo o caso de oposição de acórdãos nos termos ali indicados.


Decorre do n.º1 de tal disposição que deve o Recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, devidamente individualizado, proferido por alguma das Relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, que no domínio da mesma legislação, decidiu de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência conforme o acórdão recorrido.


Contudo mais relevante e determinante, sem prejuízo de tal limitação, imposta pelo art.º 14, n.º1, do CIRE, sempre serão exigíveis os requisitos gerais de admissibilidade previstos no n.º 1, do art.º 629, do CPC, no concerne ao valor, sucumbência e à alçada do Tribunal de que se recorre1.


Assim, sempre se tem de atender ao disposto no n.º 1 do art.º 629, do CPC, em termos de sucumbência o que significa que esta tem de ser de montante superior a 15.000,00€, metade da alçada do Tribunal de que se decorre, isto é, alçada dos tribunais da Relação em matéria cível, fixada em 30.000,00€, nos termos do art.º 44, n.º1, da Lei 62/2013, necessariamente ficando afastado o teor do art.º 629, n.º 2, d) do CPC, pois tal normativo tem a sua aplicação aos casos de recursos ordinários o que exige a verificação dos requisitos gerais de admissibilidade, previstos no n.º1, do art.º 629, do CPC, em que o único obstáculo à admissão da revista resulta de motivo estranho à alçada do tribunal2, e como nos casos dos procedimentos cautelares, ou processos de jurisdição voluntária.


No caso sob análise, como decorre do invocado pela Recorrente, o montante em que a Decisão recorrida lhe foi desfavorável está muito longe do legalmente exigível para a admissibilidade do recurso, e não ocorrendo nenhuma das situações previstas no art.º 629, n.º 2, a), b), c) do CPC, em que o recurso será admissível independentemente da sucumbência no que concerne à revista “normal”.


Já quanto à revista excecional, previamente à apreciação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, objeto de conhecimento pela Formação prevista no art.º 672, n.º 3, do CPC, cabe à relatora a quem o processo foi distribuído apreciar se estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade do recurso, pois a admissibilidade da revista excecional para além da verificação das condições que lhe são próprias, constantes do n.º1, do art.º 672, do CPC, tem de obedecer a todos os demais requisitos da prévia admissão da revista normal que condicionam o direito de interposição do recurso, tempestividade, valor e sucumbência, e a revista ser admissível nos termos do art.º 671, n.º1 e 674, n.º1, senão se verificasse uma situação de dupla conforme , art.º 671, n.º 3, todos do CPC, realidade que não se verifica nos autos.


Em conformidade com o exposto, não se conhece do objeto do recurso, que assim se considera findo, nos termos do art.º 652, n.º1, b), por força do constante no art.º 679, ambos do CPC”.

4. A Recorrente tal como fizera na resposta ao abrigo do disposto no art.º 655, n.º1, do CPC, na reclamação reiterando o alegado em sede de alegações, invocou que o disposto no art.º 14, do CIRE, por ter formulação semelhante ao disposto no art.º 629, n.º 2, d), do CPC, não se compreende porque relativamente à primeira disposição legal seja formulada a exigência dos requisitos gerais de admissibilidade, até porque não está em causa um recurso de revista normal, nos termos do art.º 671, n.º3, e art.º 674, n.º1, ambos do CPC, a que se aplica as regras gerais, nem se verificando a limitação da dupla conforme, inexiste nenhum objeto à admissibilidade do recurso, numa configuração do carácter de revista excecional, e como tal admitido e decidido.

5. Compulsando a argumentação ora trazida pela Recorrente com o teor do constante no despacho singular, verifica-se que o questionado mostra-se já contemplado naquela decisão, à qual se adere, não se evidenciando existam quaisquer outros fundamentos que possam ser atendidos, e que importem em sentido diverso.

6. Apenas reforçando o entendimento seguido, aliás de forma firme nesta Secção do Tribunal, com competência para as questões relativas à insolvência, em termos breves, reafirma-se que o “ recurso de revista em processo de insolvência tem um regime específico, previsto no art.14º do CIRE, que o afasta das regras comuns da revista previstas no CPC (incluindo da revista excecional prevista no art.672º)3 ao âmbito de aplicação da disciplina restritiva nele contido em razão da matéria – logo, da amplitude da inibição de acesso de Acórdãos proferidos por Tribunal da Relação ao terceiro grau de jurisdição do STJ, no que toca à relação com o regime comum de recursos perante o STJ, a jurisprudência desta 6.ª Secção não deixa margem para dúvidas: “[o regime do art. 14º, 1, é] um regime especialíssimo o qual, a se, afasta o regime geral recursivo e ainda todas as impugnações gerais excecionais prevenidas no artigo 629º do CP Civil, assim como afasta o regime recursório atinente à Revista excecional (…) implica necessariamente a verificação dos pressupostos gerais de recorribilidade das decisões judiciais (arts. 629º, 1, relativo, em figurino cumulativo, à relação entre o valor da causa e da sucumbência e a alçada dos tribunais da Relação; 631º; 638º; 641º; CPC)4.

7. Configura-se assim, em termos lineares, que o art. 14.º, nº1, do CIRE, restringindo a admissibilidade do recurso de revista à hipótese de o acórdão recorrido estar em oposição com outro, não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade de recurso, entre as quais figura a relação entre o valor da causa, a sucumbência e a alçada. Não verificadas tais condições de admissibilidade, manifesto de se torna que não pode ser admitido o recurso de revista interposto pela Recorrente, e necessariamente inviabilizado o conhecimento das questões no mesmo colocadas.

8. Assim, na concordância com o decidido, indefere-se a reclamação formulada pelo Reclamante/Recorrente.

Custas pela Recorrente, com três UCs de taxa de justiça

Lisboa, 16 de janeiro de 2024

Ana Resende (Relator)


Maria Olinda Garcia


Luís Espírito Santo





Sumário, (art.º 663, n.º 7, do CPC)


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1. Como tem sido entendido neste Tribunal, e a mero título de exemplo, refere Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, fls. 671.↩︎

2. Cf. Abrantes Geraldes, obra mencionada, fls. 73, no sentido prosseguido por este Tribunal, mas também na Doutrina.↩︎

3. Cf. Acórdão do STJ de 09-11-2022, processo n.º 13509/20.0T8SNT-D.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt.↩︎

4. Cf., Acórdão do STJ de 10.12.2019, processo n.º 2386/17.9T8VFX-A.L1.S1, referindo no mesmo sentido, Ac. do STJ de 5.5.2015, processo n.º 2153/13.9TBGMR-C-G1.S1, de 24.10.2017, processo n.º 455/16.1T8SNT-A.L1.S1, de 27.02.2018 no processo 1747/17.8T8ACB-A.C1.S1, de 24.04.2018 no processo n.º 3429/16.9T8STS-B.P1.S1, de 17.07.2018 no processo n.º 608/17.5T8GMR-B.G1.S1 de 19.06.2018 no proc. n.º 4426/16.0T8OAZ.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt:

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