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PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
PRESCRIÇÃO
TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
Sumário
I O princípio do contraditório não se mostra violado se os R.R. são ouvidos sobre a ampliação do pedido apresentada pela A. na réplica, antes da apresentação da p.i. aperfeiçoada, se nesta se altera quanto à causa de pedir, e nenhum argumento novo poderia resultar se tal pronúncia ocorresse após conhecerem a mesma peça. II O art.º 265º, n.º 2, do C.P.C., permite a ampliação do pedido, na falta de acordo, até ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo, o que sucede quando a parte “corrige” o mesmo, contabilizando o prejuízo mensal em valor superior e acrescentando uma penalização pela mora ao abrigo do art.º 1045º, n.º 2, C.C.), sem alteração da causa de pedir, e tratando-se de pedido que já podia ter feito aquando da apresentação da p.i.. III O prazo de prescrição do valor peticionado ao abrigo do art.º 1045º do C.C. é de vinte anos, previsto no art.º 309º do C.C..
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I RELATÓRIO.
EMP01..., LDA., pessoa coletiva n.º ...90, com sede na Travessa ..., freguesia ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... ...; veio propor contra
EMP02... - ALOJAMENTO E RESTAURAÇÃO, LDA., pessoa coletiva n.º ...60, com sede na Avenida ..., freguesia ..., ... e ..., ... ...;
AA, contribuinte n.º ...44,; e
BB, contribuinte n.º ...10,;
a presente ação, formulando os seguintes pedidos:
I. Serem os Réus solidariamente condenados a pagar à Autora a quantia de € 272 863,56 (duzentos e setenta e dois mil oitocentos e sessenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos), assim discriminada:
a. € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), referentes às prestações fixas mensais vencidas entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015;
b. € 32 863,56, referentes juros de mora vencidos, à taxa comercial, contabilizados entre o período de 10-12-2018 e a entrada da presente em 25.09.2020;
II. Serem os Réus solidariamente condenados no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal para transações comerciais, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto alega que correu termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ..., ação declarativa de condenação sob o processo n.º 1559/13.8TBBRG, o qual transitou em julgado em 10-12-2018 (após Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), onde se fixou a factualidade atinente ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial sito na Travessa ..., ..., celebrado entre a Autora e a Sociedade Ré (ambas com outras denominações anteriores) e que os Réus pessoas singulares são fiadores. No âmbito desse processo, o segmento decisório constante na alínea a), acerca da condenação dos RR. no pagamento da contrapartida financeira mensal fixa devida pela cedência do estabelecimento veio a ser declarado nulo por excesso de pronúncia pelo Tribunal da Relação de Guimarães, porquanto não constavam na causa de pedir as rendas vincendas após a propositura daquela ação. Assim, vem a Autora através da presente demanda, requerer a condenação dos RR., atenta a factualidade já assente, no pagamento das contrapartidas financeiras fixas mensais devidas pela cedência do estabelecimento comercial e em dívida até à data de 05-11-2015 – momento de entrega do estabelecimento. Mais diz que “Os factos e motivação da sentença e acórdãos proferidos e que constam no doc.1 junto, dão-se aqui por integralmente reproduzidos, vinculando as partes por força do caso julgado.”
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Os Réus (R.R.) vieram apresentar contestação, invocando:
“I – POR EXCEPÇÃO:
a) Da Prescrição
1.º A Autora vem peticionar o pagamento de prestações pecuniárias mensais devidas pela cessão de exploração do estabelecimento comercial de hotelaria sito na Travessa ..., no ..., celebrado entre a Autora, como Cedente, e a Primeira Ré, como Cessionária.
2.º As referidas prestações pecuniárias mensais dizem respeito aos meses decorridos entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015, inclusive.
3.º As prestações mensais venciam-se no 8.º dia do mês anterior a que dissessem respeito.
4.º O que equivale a dizer que a última prestação mensal, referente ao mês de Novembro de 2015, se venceu no dia 08 de Outubro de 2015.
5.º Nos termos do disposto no artigo 1109.º n.º 2 do Código Civil, à cessão de exploração do estabelecimento comercial aplicam-se as regras do arrendamento, com as necessárias adaptações.
6.º Dispõe o artigo 310.º alínea b) do Código Civil que prescrevem no prazo de cinco anos as rendas e alugueres devidas pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez.
7.º Estatuindo ainda a alínea g) do referido artigo 310.º que prescrevem também no prazo de cinco anos quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
8.º Pelo que o direito a receber as prestações peticionadas na presente acção se encontra prescrito, nos termos supra expostos, o que deve ser declarado.
Sem prescindir:
b) Do Caso Julgado
9.º Vem a Autora alegar que existe caso julgado relativamente ao valor da renda devida.
10.º Porém, com o devido respeito, não assiste razão à Autora.
11.º Na acção identificada no artigo 3.º da Petição Inicial, estavam em causa as rendas entre o período de Novembro de 2012 até Outubro de 2013 (ver artigo 9.º da Petição Inicial, doc. n.º ... que se junta e docs. ..., ... e ... juntos com a PI).
12.º Naquela acção, ficou decidido que o valor ajustado das rendas a pagar neste período era de € 10.000,00 (dez mil euros).
13.º Já, nos presentes autos, a Autora peticiona o valor da renda dos mês entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015, inclusive.
14.º Pelo que, respeitando as acções a períodos diferentes, não se poderá afirmar existir caso julgado quanto ao valor ajustado da renda.
15.º Assim, se é verdade que, no período posterior, o valor ajustado da renda nunca poderá ser superior, atento a que a Autora nunca procedeu à eliminação ou reparação de qualquer defeito, nada obsta a que não seja inferior.
16.º Na verdade, com o passar do tempo, a deterioração do imóvel e do estabelecimento foi-se acentuando.
17.º Pelo que, como se passará a demonstrar, não é devida qualquer renda à Autora.
De seguida invoca a exceção de não cumprimento do contrato.
Defende-se por impugnação. Alega factos tendentes ao seu pedido reconvencional, e termina pedindo que a contestação seja julgada procedente, por provada, absolvendo-se as Rés do pedido, ou, caso, assim não se entenda, serem as Rés condenadas ao pagamento das quantias peticionadas, excetuando a referentes ao mês de Novembro de 2013 e respetivos juros de mora, considerando-se, no que concerne ao mês de Novembro de 2105, que a quantia devida ascende apenas a € 666,67; e que a reconvenção seja julgada procedente, por provada, condenando-se a Reconvinda a pagar à Reconvinte a quantia de € 605.070,00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
*
A Autora (A.) apresentou réplica, para resposta às exceções, e com ampliação do pedido.
Quanto à prescrição, referiu a errada aplicação, pelos R.R., na norma citada, já que a indemnização devida não respeita a rendas mas antes a uma indemnização pelo atraso na entrega do imóvel, pelo que não está sujeita ao prazo prescricional. De todo o modo, ainda que assim não fosse, o prazo foi interrompido com a citação para a outra ação e até ao trânsito da decisão aí proferida.
Invocou por sua vez caso julgado no que concerne ao pedido reconvencional dos R.R., já apresentado e apreciado (julgado improcedente) na primitiva ação que correu. Igualmente invocou a prescrição da indemnização peticionada.
Mais apresentou ampliação do pedido nos seguintes termos:
“47. Ora, como atrás se referiu, a causa de pedir da presente demanda é o pagamento pelos RR. das contrapartidas financeiras fixas mensais devidas pela cedência do estabelecimento comercial e em dívida até à data de 05-11-2015.
48. Veio a Ré referir que quanto ao valor das contrapartidas mensais, o caso julgado apenas se refere ao período de e Novembro de 2012 até Outubro de 2013.
49. Ora, da douta contestação C/reconvenção, apenas nesta parte parece assistir razão à Ré.
50. Assim, não se encontra a Autora limitada à contrapartida mensal de 10.000 euros para o período de Novembro de 2013 e até Novembro de 2015.
51. Assim, considerando a inexistência de caso julgado para este período.
52. Considerando que em janeiro de 2013 a Autora resolveu o contrato e, desde aí, a Ré manteve a posse do mesmo de forma ilegal,
53. Deve a Ré ser condenada ao pagamento da contrapartida mensal para esse período correspondente ao valor locativo do imóvel elevado ao dobro, em consonância com o disposto no n.º2 do art.º 1045.º do C.Civ.
54. Ora, sem considerar na presente demanda a remuneração variável que a Autora também tem direito e que será objeto de ação autónoma,
55. A verdade é que as partes atribuíram aquele imóvel o valor locativo mensal de 30.750,00 € (25.000 euros + iva),
56. Assim, o valor mensal da indemnização a que a Autora tem direito, elevado ao dobro, ascende ao quantitativo mensal de € 61.500,00.
57. Assim, de Novembro de 2013 a Novembro de 2014 decorreram 24 meses, pelo que o valor da indemnização que os RR. devem pagar à Autora é de € 1.476.000,00 (um milhão e quatrocentos e setenta e seis mil euros).
58. Assim, como desenvolvimento da petição inicial e consequência da contestação dos RR., vem a Autora ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 265.º do C.P.Civ., proceder à ampliação do pedido nos moldes atrás descritos.
59. De igual modo, deve o cálculo de juros ser atualizado de acordo com este valor,
60. Ao momento, já se venceram juros no valor de € 185 409,87, correspondente entre o período de 10-12-2018 e a entrada da presente em 25.09.2020.
61. Ora, ascende assim a dívida a 1 661 409,87 € (um milhão, seiscentos e sessenta e um mil quatrocentos e nove euros e oitenta e sete cêntimos).
62. valor ao qual acrescem os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.”
Concluiu em conformidade.
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Os R.R. opuseram-se à ampliação do pedido por não se tratar de desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
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Foi designada data para realização de audiência prévia. A tentativa de conciliação frustrou-se.
Ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.os 2, alínea b) e 4, do Código de Processo Civil, a A. foi convidada a completar o seu articulado, suprindo insuficiências, enunciando os factos em que baseia a sua pretensão e a que se reporta no seu artigo 6.º da
petição inicial. Foi igualmente dado prazo aos R.R. para se pronunciarem quanto à ampliação do pedido realizada na réplica, ao que os mesmos responderam dizendo que mantinham o já alegado quanto a tal mediante requerimento que então apresentaram.
A A. apresentou nova peça, em que acrescentou os factos relativos ao contrato que invocou, sua resolução, e respetivos efeitos que daí retira, e os R.R. exerceram o contraditório; depois exerceu novamente o contraditório a A., face às exceções invocadas, mantendo o já inicialmente alegado. Foi ainda dado aos R.R. contraditório relativamente à exceção de caso julgado apontado pela A. à reconvenção, o que esta exerceu, pugnando pela improcedência.
Da p.i. aperfeiçoada passou a constar:
“6.1 A Autora é dona e legítima proprietária do edifício composto por duas caves, ... e 4 pisos, destinado a serviços (Unidade Hoteleira), sito na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na C.R.P. ...97, ...98, ...48 e ...18 e inscrito na respectiva matriz sob os artigos ...63, ...14, ...15 e ...18, a que foi concedido o alvará de utilização nº ...18 no processo nº 33.../10....
6.2 Em 1 de Setembro de 2010 a Autora celebrou com a 1ª Ré um acordo que denominaram de Contrato de Arrendamento Comercial e Pacto de Preferência incidente sobre o referido edifício (com exceção de 3 lojas nele edificadas).
6.3. Os 2ºs Réus, sócios gerentes da 1ª Ré, intervieram no mesmo como fiadores da 1ª Ré (Cláusula Décima Segunda do contrato).
6.4 A Fazenda Nacional veio a considerar o aludido contrato, para efeitos fiscais, não como um “Contrato de Arrendamento Comercial” mas um “Contrato de Cessão de Exploração de Estabelecimento Comercial”.
6.5 Em 01/10/2011, a Autora e a 1ª Ré celebraram o acordo que denominaram de Contrato de Exploração e Pacto de Preferência, incidente sobre o estabelecimento comercial (Unidade Hoteleira) sito na Travessa ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na C.R.P. ...97, ...98, ...48 e ...18 e inscrito na respetiva matriz sob os artigos ...63, ...14, ...15 e ...18. - cfr. documento n.º ... junto.
6.6 Nesse acordo os 2ºs Réus intervieram como fiadores da 1ª Ré (Cláusula Décima Primeira).
6.7 Acordaram as partes, nos termos da cláusula quarta, que a 1ª Ré pagaria à Autora, pela exploração do estabelecimento uma prestação mensal composta por uma parte fixa e por uma parte variável, nos termos a seguir descriminados (cfr. doc. ... junto):
“a) De 1 de Outubro de 2011 a 30 de Setembro de 2012 será de 20.000,00 € (vinte mil euros), que deverá ser paga até ao 8º dia do mês anterior aquele que disser respeito, na sede da Primeira Outorgante ou onde esta vier a indicar.
b) A partir de 1 de Outubro de 2012, a parte fixa da renda mensal será de 25.000,00 € (vinte e cinco mil euros) paga até ao dia 8 do mês anterior aquele a que disser respeito, na sede da Primeira Outorgante ou onde esta vier a indicar.
c) A partir de 01 de outubro de 2013, a parte fixa da prestação mensal, será anualmente actualizada de acordo com os índices que vierem a ser fixados por Portaria Governamental para as rendas comerciais.
d) A partir de 1 de Outubro de 2011, ao montante da prestação fixa, deve acrescer mensalmente o valor que resultar da diferença entre a prestação fixa e o montante correspondente a vinte e cinco por cento da faturação mensal bruta da exploração que a Segunda Outorgante vier a fazer no estabelecimento comercial identificado, constituindo este acréscimo mensal de prestação, condição essencial e indispensável à celebração do presente contrato.
2. A prestação mensal paga pela segunda outorgante à primeira outorgante pela cessão de exploração, acresce o IVA à taxa legal em vigor no momento do respectivo vencimento.
3. A Segunda Outorgante declara e reconhece à primeira outorgante, EMP03..., Lda, e/ou empresa de auditoria por esta contratada, o direito de fiscalizar como entender a contabilidade ou facturação mensal para se apurar o montante variável da prestação que a Segunda Outorgante tem a pagar à Primeira Outorgante, o qual será pago até ao dia 30 do mês seguinte a que disser respeito.”
6.8 Em 11/1/2013, a Autora remeteu à 1ª Ré, datadas de 10/1/2013, quer para a sua sede, em ..., quer para a Unidade Hoteleira, no ..., as cartas registadas com aviso de recepção, de teor igual, a dar-lhe 15 dias, a contar do recebimento dessas cartas, para pagar: a) os montantes correspondentes às prestações fixas vencidas em 8 de Novembro/2012 e 8 de Dezembro/2012 respeitantes aos meses de Dezembro/2012 e Janeiro/2013, a primeira (30.750,00 €) só paga em parte (20.000,00 €) e a segunda inteiramente por pagar; b) a importância de 18.400,00 € respeitante ao IVA das facturas emitidas de Outubro/2011 a Janeiro/2012 e c) a importância de 30.649,20 € (5.108,20 e x 6) respeitante às prestações do IVA vencidas de 31/7/2012 a 31/12/2012, sem o que considerava o Contrato de Cessão de Exploração em apreço, resolvido por incumprimento definitivo e culposo das mencionadas obrigações por parte da 1ª Ré.
6.9 Nessas missivas comunica-se ainda que a Autora, no decurso dos próximos dias, faria deslocar à unidade hoteleira um técnico de contas para fiscalizar a contabilidade e faturação mensal entre 1/10/2011 e até 11/1/2013.
6.10 Na mesma data (11/1/2013) foram remetidas cartas registadas com aviso de recepção para os 2ºs Réus, datadas, igualmente, de 10/1/2012, quer para a sede da 1ª Ré em ... (que é também a residência dos 2ºs Réus), quer para a Unidade Hoteleira, no ..., nas quais se dava conhecimento das cartas enviadas à 1ª R.
6.11 As citadas cartas foram recebidas pelos Réus, no ..., em 14/1/2013.
6.12 A Autora resolveu o contrato de locação do estabelecimento instalado nesse prédio, por carta datada de 11-01-2013 (cfr. página 105 do doc.1 junto).
6.13 A partir de então, a 1.º ré deixou de ter causa legitima para a ocupação do prédio.”
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De seguida foi proferido despacho que aqui reproduzimos limitando ao que interessa ao presente recurso:
“DA AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Veio a autora requerer a ampliação do valor do pedido.
Para tanto, alega que, peticionando na presente acção o pagamento pelos réus das contrapartidas financeiras mensais devidas pela cedência do estabelecimento comercial e em dívida até à data de 05.11.2015, e tendo a ré, em sede de contestação, pugnado que o caso julgado invocado na petição inicial – por via da sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito da acção que correu termos sob o n.º 1559/13.8TBBRG, no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ... - apenas se refere ao período de Novembro de 2012 até Outubro de 2013, não se encontra a autora limitada à contrapartida mensal de € 10.000,00, fixada naquela sentença para o período de Novembro de 2013 e até Novembro de 2015.
Assim, invoca a autora que, considerando que em Janeiro de 2013 resolveu o contrato e, desde aí, a 1.ª ré manteve a posse do mesmo de forma ilegal, deve a mesma ser condenada no pagamento da contrapartida mensal para esse período correspondente ao valor locativo do imóvel elevado ao dobro, assim resultando num valor mensal, a título de indemnização, de € 61.500,00, num total de € 1.476.000,00 (um milhão e quatrocentos e setenta e seis mil euros).
Mais invoca a consequente actualização de juros em correspondência com tal valor, peticionando a título de juros o montante de € 185.409,87, referente ao período entre 10.12.2018 e 25.09.2020, valor ao qual acrescem os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.
Notificados, os réus pugnaram pela inadmissibilidade da requerida ampliação do pedido.
Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade da requerida ampliação.
Ora, a admissibilidade da ampliação do pedido e da causa de pedir encontra-se dependente do preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 264.º e 265.º do CPC, sendo que o primeiro se aplica às situações em que há acordo das partes, e o segundo às situações em que tal acordo não se verifica.
Conforme resulta do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, ao autor é conferida a possibilidade de, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ampliar o pedido, desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
No caso presente, consideremos a causa de pedir que suporta o pedido condenatório formulado em sede de petição inicial: a autora invoca o contrato de cedência de exploração de estabelecimento comercial celebrado com a 1.ª ré, o qual veio a ser resolvido em Janeiro de 2013. Porém, o estabelecimento comercial apenas lhe veio a ser entregue em Novembro de 2015, sendo certo que a 1.ª ré nada pagou pela ocupação do imóvel/utilização do estabelecimento comercial ocorrida entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015.
Invoca a autora que, por sentença transitada em julgado, foi já apreciada a relação contratual em causa, tendo sido fixada, a título de prestação mensal fixa a pagar pela 1.ª ré, o montante de € 10.000,00 (resultante da redução equitativa da prestação contratualmente fixada, considerando prejuízos invocados e provados pela ré).
Neste contexto, a autora peticionou, a título de indemnização, a quantia mensal de € 10.000,00, fixada por sentença transitada em julgado, a que, como tal – ou seja, como caso julgado, na sua vertente positiva, por via da autoridade de caso julgado -, entendeu estar vinculado o Tribunal e as partes (devendo aqui ressalvar-se que não cabe ainda, nesta sede, apreciar do acerto ou não de tal entendimento).
Tal o motivo de a autora ter formulado o seu pedido de acordo com tal quantia, contendo o seu pedido dentro dos limites fixados na mencionada sentença.
Ora, na sequência da contestação, na qual é pugnada a inexistência de caso julgado quanto a tal quantia, veio a autora, anuindo a tal inexistência, requerer a ampliação do pedido, defendendo então outros critérios para a determinação do valor mensal devido a título de indemnização pela ocupação do imóvel no período compreendido entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015.
Considerando que foi por se entender vinculada ao valor fixado por sentença que a autora não aduziu, em sede de petição inicial, a factualidade atinente a um diverso montante, e que esta factualidade se insere ainda no quadro da causa de pedir inicialmente invocada – ocupação do imóvel/utilização do estabelecimento comercial ocorrida entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015 -, este Tribunal entende que nenhum obstáculo se perfila para a requerida ampliação, consubstanciando esta um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, ancorando-se em factos que constituem, tão-só, complemento dos alegados em sede de petição inicial.
Ora, a doutrina e a jurisprudência têm sustentado que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando esse novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos (cfr. entre outros, Lebre de Freitas, em “Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo Código”, pág. 29, Alberto dos Reis, em “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 93, acórdãos da Relação de Évora de 10.10.2019, e da Relação de Guimarães de 6.02.2020, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ou seja, a ampliação do pedido constituirá o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, isto é, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais (cfr. acórdão da Relação do Porto de 19.05.2022, disponível em www.dgsi.pt).
A este propósito, a doutrina vem defendendo um conceito amplo de causa de pedir, nos termos do qual somente haverá alteração desta se os novos factos alegados não coincidirem com os factos essenciais constitutivos da pretensão material originariamente alegada (neste sentido, Mariana França Gouveia, em “A causa de pedir na acção declarativa”, págs. 308-311).
Tendo presente tal entendimento, “desde que se mantenha esse núcleo essencial não pode deixar de se entender que a causa de pedir não é alterada por uma alegação de factos que apenas complementem ou constituam desenvolvimento dos factos (essenciais) já anteriormente articulados” (cfr. o já citado acórdão da Relação do Porto de 20.09.2021, disponível em www.dgsi.pt).
Por tudo quanto vem exposto, encontram-se, pois, verificados os pressupostos de que o artigo 265.º, n.º 2, do CPC faz depender a admissibilidade de ampliação do pedido, ainda que na falta de acordo das partes.
Pelo que se admite a requerida ampliação.
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Resta determinar a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais.
Não estamos aqui perante um incidente anómalo, entendendo-se como tais aqueles que se opõem àqueles que são usuais na marcha processual, dando causa a um acréscimo anormal da actividade processual, constituindo, por isso, em última análise, ocorrências estranhas ao desenvolvimento da lide, conforme refere o artigo 7.º, n.º 8, do RCP.
Como decorrência do entendimento exposto, sendo a ampliação requerida um mero desenvolvimento do pedido primitivo, e sendo deduzida em requerimento simples, sem que a presente análise implique um acréscimo relevante em termos de complexidade processual, entende-se que o presente incidente não carece de tributação autónoma.
O valor do incidente é o valor da ampliação requerida, ou seja, € 1.388.546,31 (um milhão, trezentos e oitenta e oito mil quinhentos e quarenta e seis euros e trinta e um cêntimos) - correspondente à diferença entre € 272.863,56 (duzentos e setenta e dois mil oitocentos e sessenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos), quantia inicialmente peticionada, e € 1.661.409,87 (um milhão, seiscentos e sessenta e um mil quatrocentos e nove euros e oitenta e sete cêntimos) - na medida em que é esse o valor da ampliação requerida, logo, da utilidade económica do incidente, conforme decorre das normas conjugadas dos artigos 304.º, n.º 1, 296.º e 297.º, todos do CPC.
Pelo exposto, decide-se:
a) admitir a ampliação do pedido requerida;
b) fixar o valor do incidente em € 1.388.546,31 (um milhão, trezentos e oitenta e oito mil quinhentos e quarenta e seis euros e trinta e um cêntimos).
Sem custas.
Notifique.
*
DO VALOR DA CAUSA
(…) In casu, em sede de petição inicial, a autora peticionou a condenação dos réus no pagamento da quantia total de € 272.863,56 (duzentos e setenta e dois mil e oitocentos e sessenta e três euros e cinquenta e seis cêntimos).
Em sede de contestação, veio a 1.ª ré deduzir contra a autora pedido reconvencional, concretizado na condenação desta no pagamento da quantia de € 605.070,00 (seiscentos e cinco mil e setenta euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação e até integral efectivo pagamento.
Assim, fixa-se à presente acção o valor de € 877.933,56 (oitocentos e setenta e sete mil e novecentos e trinta e três euros e cinquenta e seis cêntimos) correspondente ao valor do pedido formulado pela autora, ao qual se somou, por consubstanciar um pedido distinto, o valor peticionado pela ré em sede de reconvenção - cfr. artigos 296.º, 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.ºs 1 e 2, 530.º, n.º 2, e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC.
Notifique.
(…)
DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE PRESCRIÇÃO
Vieram os réus, arguir, em sede de contestação, a excepção peremptória de prescrição, pedindo, por isso, a sua absolvição do pedido.
Alegaram para o efeito, em síntese, ter já decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, aplicável, entre o mais, a rendas e alugueres devidos pelo locatário e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Em resposta, veio a autora pugnar pela improcedência da excepção, defendendo que as disposições invocadas pelos réus não se aplicam ao crédito reclamado nos autos, porquanto o mesmo não é referente a rendas ou a prestações periódicas, considerando que se reporta a um período no qual o contrato que havia vigorado entre as partes já não se encontrava em vigor, pois que tinha sido validamente resolvido.
Conclui, assim, que o peticionado se traduz numa indemnização pelo atraso na entrega do imóvel, pelo que não está sujeita ao prazo prescricional invocado pelos réus.
Acrescentam, ademais, que ocorrem causas de interrupção da prescrição, concretamente, a manifestação de vontade da autora em receber da ré as quantias em dívida, nos termos do artigo 323.º, n.º 1, do CC, designadamente com a citação no âmbito do processo n.º 1559/13.8TBBRG, interrupção que durou até ao trânsito em julgado da sentença aí proferida, ocorrido em 10.12.2018.
Entende o Tribunal que dispõe já dos elementos necessários para apreciar a referida excepção de prescrição, o que passa então a fazer-se.
Ora, a ordem jurídica fixa prazos que julga razoáveis, dentro dos quais o titular de um direito o deve exercer, sob pena de, não o exercendo, ficar impedido de fazê-lo, possibilitando-se ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito, desse modo, extinguindo a pretensão do credor, consubstanciando, portanto, do ponto de vista processual, uma excepção peremptória (cfr. artigo 576.º, n.º 3, do CPC).
O fundamento específico de uma tal solução legal reside na negligência do titular do direito em exercê-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual se entende ser legítimo prever o seu exercício, negligência essa que se entende conduzir à presunção de renúncia ao direito ou, então, à conclusão de que o titular se tornou indigno de protecção jurídica.
Assim, assente no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas, e visando tutelar o interesse do devedor, a segurança do tráfico jurídico e a certeza nas relações jurídicas, surge-nos a prescrição, a que se encontram sujeitos, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo certo que não pode o tribunal supri-la oficiosamente, carecendo, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (cfr. artigos 298.º , 303.º e 304.º, todos do CC).
Uma vez que a prescrição pressupõe a inércia do titular do direito, à luz do artigo 306.º do CC, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, logo, a partir da exigibilidade da obrigação, o que, no caso de obrigações puras, ocorre a todo tempo.
In casu, a quantia peticionada pela autora respeita a período temporal posterior à resolução do contrato que vigorava entre as partes.
Assim, não respeitará, em bom rigor, a contraprestações ou rendas enquanto contrapartida contratual – pois que o contrato já não se encontrava a vigorar no período invocado -, mas antes a uma indemnização pelo atraso na entrega do estabelecimento.
Ora, o contrato celebrado entre as partes é um contrato de locação de estabelecimento, previsto no artigo 1109.º do Código Civil.
Embora não qualifique a locação de estabelecimento como arrendamento, a lei sujeita-a ao mesmo regime, com as necessárias adaptações (cfr. artigo 1109.º, n.º 1, do CC).
Assim, na falta de norma especial, deve, por isso, aplicar-se o regime da locação.
A propósito da locação, o artigo 1045.º do CC prevê a indemnização devida pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento. É uma indemnização cujo valor se encontra legalmente fixado, correspondendo ao valor das rendas, em singelo, no caso de não ocorrer mora (n.º 1), e em dobro, no caso de mora do arrendatário (n.º 2).
Conforme vem sendo entendido, “o atraso na entrega da coisa locada constitui manifestação de incumprimento do contrato de arrendamento, nos termos dos artigos 762.º e 798.º e ss. do CC, revestindo a indemnização prevista no artº 1045º do CC natureza contratual, pelo que a prescrição está sujeita ao prazo ordinário, de 20 anos (artº 309º do CC)” (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 07.10.2021, disponível em www.dgsi.pt).
Donde, não tem aplicação ao caso vertente o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, aplicável, entre o mais, a rendas e alugueres devidos pelo locatário e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Sendo o prazo aplicável o ordinário, de vinte anos, afigura-se evidente que o mesmo ainda não decorreu.
Ainda que assim não fosse, importa ter presente que, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respectiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer causa de suspensão ou interrupção (cfr. artigos 318.º e seguintes do CC).
Dispõe o artigo 323.º, n.º 1, do CC, que a prescrição se interrompe “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.
Ora, independentemente do que se viesse a decidir quanto à natureza dos montantes concretamente devidos no período posterior à cessação do contrato, a verdade é que os mesmos foram vencidos durante a pendência de uma acção na qual se encontrava a ser discutida a natureza da relação negocial estabelecida entre as partes aqui envolvidas, bem assim como o montante da contrapartida a cargo da 1.ª ré.
Assim sendo, não nos parece, à luz de elementares critérios de razoabilidade e justiça, e até de coerência entre decisões judiciais, que, não se encontrando ainda definida aquela relação jurídica e a validade da resolução do negócio - e pendente um pedido que envolvia a desocupação do imóvel onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial em causa nos autos -, a autora diligenciasse pela cobrança de quaisquer outras quantias, designadamente, devidas pelo atraso na entrega do imóvel.
Pelo que sempre seria de julgar interrompida a prescrição.
Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerandos, julga-se totalmente improcedente a excepção peremptória extintiva de prescrição invocada pelos réus.”
*
Inconformados, os R.R. apresentaram recurso com alegações que terminam com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)
“1.ª- A Meritíssima Juiz a Quo proferiu despacho saneador, onde conheceu de várias questões, incluindo do mérito da causa, sem ter finalizado o processo.
2.ª- Das várias questões aí decididas, o presente recurso de apelação versa sobre a admissão da ampliação do pedido formulada pela Recorrida na Réplica, bem como sobre a improcedência da excepção de prescrição invocada pelos aqui Recorrentes.
3.ª- A aqui Recorrida, na réplica que apresentou, requerer a ampliação do pedido formulado na Petição Inicial, tendo alegado que, fruto da invocação por parte dos aqui Recorrentes em sede de contestação/reconvenção, da não existência de caso julgado no período posterior a Outubro de 2013, não se encontra limitada à contrapartida mensal de € 10.000,00, para esse período.
4.ª- Tendo, em consequência, requerido a ampliação do pedido para o valor global de € 1.661.409,87, correspondente ao valor locativo do imóvel em dobro, acrescido dos juros.
5.ª- O despacho saneador admitiu a requerida ampliação do pedido, por se verificarem os pressupostos de que o artigo 265.º n.º 2 do Código de Processo Civil faz depender a ampliação do pedido, na falta de acordo das partes.
6.ª- Os aqui recorrentes não se conformam com a sobredita admissão da ampliação do pedido.
7.ª- Como muito bem se refere no despacho saneador recorrido, «a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando esse novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos».
8.ª- O pedido formulado pela Autora, na sua Petição Inicial, diz respeito às prestações fixas mensais vencidas entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015, devidas pela cedência da coisa.
9.ª- Já a ampliação do pedido funda-se, não nas contrapartidas financeiras devidas pela cedência da coisa, mas antes na indemnização devida pelo atraso na coisa locada, nos termos do disposto no artigo 1045.º do Código Civil, como alega a Recorrida no artigo 53 da Réplica.
10.ª- Não poderá, pois, deixar de se concluir que a ampliação do pedido não se encontra contida no pedido primitivo formulado, e isto por duas razões:
- o pedido primitivo assentava no caso julgado do valor locativo do imóvel, o que a ampliação do pedido vem contrariar;
- por outro lado, na Petição Inicial a Autora peticiona as contrapartidas financeiras mensais devidas pela cedência do imóvel, enquanto a ampliação do pedido diz respeito à indemnização devida pelo atraso na entrega do imóvel, o que na Petição Inicial não é referido.
11.ª- Isto posto, a ampliação do pedido não é um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, razão pela qual não deveria ter sido admitido, o que V. Exas., Venerandos Desembargadores deverão decretar.
12.ª- Acresce a isto que não poderá deixar de considerar que os montantes peticionados se encontram prescritos.
13.ª- O pedido formulado pela ora Recorrida, quer primitivamente quer, depois, na ampliação, diz respeito às prestações fixas mensais vencidas entre Novembro de 2013 e Novembro de 2015 - cf. Petição Inicial e Réplica.
14.ª- O que equivale a dizer que, quer se entenda que estas prestações dizem respeito à cedência da coisa, como a Recorrida alega na Petição Inicial, quer se entenda que concernem à indemnização pelo atraso na entrega da coisa locada, como é alegado na Réplica, tais prestações renovam-se todos os meses, ou seja renovam-se periodicamente, como a própria Recorrida afirma nos seus articulados.
15.ª- Caso se entenda que as prestações mensais peticionadas dizem respeito à cedência da coisa, então o prazo de prescrição será de 5 anos, nos termos do disposto no artigo 310.º b) do Código Civil.
16.ª- No caso de se considerar que os valores peticionados pela aqui Recorrida concernem à indemnização devida pelo atraso na restituição da coisa locada, a obrigação prescreve também no prazo de cinco anos, agora nos termos do disposto no artigo 310.º g) do Código Civil, uma vez que a indemnização equivale à renda e a renda é mensal, ou seja, renova-se periodicamente.
17.ª- A renda respeitante a cada um dos meses deveria ser paga até ao oitavo dia do mês anterior a que respeitar, sendo que a indemnização pelo atraso na entrega da coisa locada equivale à renda também no seu prazo de pagamento.
18.º- Atendendo ao facto aludido na conclusão imediatamente precedente, ao prazo de prescrição de cinco anos, às datas de entrada em juízo da petição inicial e da citação dos ora Recorrentes, forçosamente, terá de se concluir que, atento o tempo decorrido, seja por força do disposto no artigo 310.º b) do Código Civil, seja pela aplicação da alínea g) do mesmo artigo, a obrigação se encontra prescrita.
19.ª- Não é de aplicar ao presente caso o vertido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07 de Outubro de 2021, em que a decisão recorrida se fundamenta.
20.ª- Na verdade, tal aresto decide que não é de aplicar a alínea b) do artigo 310.º b) do Código Civil à indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, não se debruçando sobre a aplicabilidade a tal indemnização da alínea g) do referido artigo 310.º do Código Civil, que é aquele que é invocado pelos aqui Recorrentes para fundamentar a excepção de prescrição.
21.ª- O facto de tal obrigação resultar de um contrato, e, consequentemente, revestir natureza contratual não significa que não seja de aplicar o prazo de prescrição previsto na alínea g) do artigo 310.º do Código Civil, mas tão só que não tem natureza extracontratual e que não lhe é aplicável o disposto na alínea b) do artigo 310.º do Código Civil, que é, no fundo, o que o Acórdão a que se refere o despacho saneador recorrido dita.
22.ª- Acresce que, sempre com o devido respeito, não pode pugnar a tese vertida no despacho recorrido de que a aqui Recorrida não poderia ter exercido esse direito, enquanto se encontrasse pendente uma acção onde se peticionava a desocupação do imóvel onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial em causa nos autos.
23.ª- Nada impedia a aqui Recorrida de, naquela acção, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível ..., Juiz ..., sob o n.º 1559/13.8TBBRG, peticionar os valores cujo pagamento pede nos presentes autos.
24.ª- Tendo optado por não o fazer, demonstrando um desinteresse e uma inércia relativamente ao exercício deste seu direito, que se foram prolongando no tempo, atitude negligente que a lei, com o instituto da prescrição, pune, como não poderia deixar de punir.
25.ª- Pelo que deverão V. Exas. declarar que a obrigação se encontra prescrita, seja nos termos do disposto na alínea b) do artigo 310.º do Código Civil, se se entender que os montantes peticionados o são a título da cedência da coisa, seja nos termos do disposto na alínea g) do mesmo artigo, no caso de se entender que o são a título de indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada.
26.ª- Mesmo que V. Exas., Venerandos Desembargadores, entendam que os vícios apontados à decisão recorrida não se verificam, sendo de manter a mesma, deverá ser decretada a nulidade do despacho saneador, na parte em que admite a ampliação do pedido, por violação do Princípio do Contraditório.
27.ª- No dia 05 de Novembro de 2020, a ora Recorrida apresenta a sua Petição Inicial; no dia 15 de Abril de 2021, os aqui Recorrentes apresentam a sua contestação; no dia 31 de Maio de 2021 a Recorrida apresenta a sua Réplica, onde requer a ampliação do pedido; em 14 de Junho de 2021 os Recorrentes respondem à requerida ampliação do pedido na Réplica.
28.ª- Como não podia deixar de ser, a resposta à ampliação do pedido teve por base todos os factos alegados até então, mormente os alegados na Petição Inicial e na Réplica.
29.ª- Posteriormente, por despacho proferido em 27 de Setembro de 2022, a Meritíssima Juíza a Quo, entendeu que a Petição Inicial não continha a alegação dos factos essenciais que constituíam a causa de pedir, tendo convidado a ora Recorrida a apresentar nova petição inicial aperfeiçoada, de forma a suprir as insuficiências de que entendeu padecer a Petição Inicial, tendo concedido aos ora Recorrentes o prazo de dez dias para se pronunciarem sobre os novos factos articulados.
30.ª- No dia 10 de Outubro de 2022, a aqui Recorrida apresentou nova Petição Inicial, tendo os Recorrentes apresentado a sua pronúncia sobre este novo articulado no dia 24 de Outubro de 2022.
31.º- Tudo isto significa que, quando os aqui recorrentes se pronunciaram sobre a ampliação do pedido formulada pela Recorrida, os factos que constavam do processo eram os alegados na primitiva Petição Inicial.
32.º- Acontece que a decisão sobre a admissão da ampliação do pedido foi tomada tendo em conta os factos alegados na Petição Inicial aperfeiçoada, para além, obviamente, dos alegados na Réplica a este respeito, que não são os mesmos em que os aqui Recorrentes basearam a sua resposta ao requerimento de ampliação do pedido, por inexistência de outros naquele momento.
33.ª- Ora, como sempre, com o devido respeito, deveria ter sido dada oportunidade aos aqui Recorrentes para se pronunciarem sobre a ampliação do pedido após a apresentação do articulado aperfeiçoador, até porque, como reconhece a Meritíssima Juíza do Tribunal de Primeira Instância, na Petição Inicial não estavam alegados os factos essenciais que fundamentam a causa de pedir.
34.º- O que não aconteceu, sendo que a decisão proferida teve em atenção tais factos, o que equivale a dizer que a alegação dos novos factos no articulado aperfeiçoador teve influência na decisão proferida quanto à ampliação do pedido, sem que fosse dada aos Recorrentes a oportunidade de se pronunciarem quanto a essa ampliação, tendo em conta os factos alegados no articulado aperfeiçoador, o que é diferente da pronúncia quanto ao
articulado aperfeiçoador em si.
35.ª- Estamos, pois, perante uma nulidade processual, que se arguiu e deve ser declarada por esse Venerando Tribunal da Relação.
36.ª- Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 260.º, 265.º n.º 2 e 310.º g) do Código Civil, bem como, subsidiariamente, o artigo 3.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser
revogada a decisão proferida, em conformidade com as conclusões formuladas.”
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A A. apresentou contra-alegações em que suscita a questão da inadmissibilidade parcial da apelação, matéria já apreciada.
Para o caso de assim não se entender, pronunciam-se quanto à manutenção da decisão proferida.
Pronunciam-se também quanto ao julgamento da prescrição, considerado tal exceção estar aqui afastada.
Por último, quanto ao direito ao contraditório, entendem que não foi violado.
Concluem pela manutenção do decidido.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, nos termos dos artigos 627.º, 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 644.º, n.º 1, 645.º, n.º 2, e 647.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, tendo a relatora proferido despacho relativo à admissibilidade da apelação no que concerne à admissão da ampliação do pedido, ao abrigo do art.º 644º, n.º 2, d), do C.P.C..
*
Após os vistos legais, cumpre decidir.
***
II QUESTÕES A DECIDIR.
Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos.
Impõe-se, por isso, no caso concreto e face às elencadas conclusões, e por ordem lógica, decidir:
- se a decisão sobre a ampliação do pedido foi proferida em violação do princípio do contraditório, importando a sua nulidade, e na negativa, se a mesma ampliação é admissível;
-se a prescrição foi bem julgada.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Atenta-se ao que fica exarado no relatório supra.
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IV MÉRITO DO RECURSO.
Os recorrentes apontam à decisão recorrida a violação do princípio do contraditório porque quando lhes foi dada a palavra para se pronunciarem sobre a ampliação do pedido apresentada pela A., ainda não constava dos autos a petição inicial corrigida, pelo que não tomaram em conta os factos considerados pelo Tribunal essenciais e apresentados na peça aperfeiçoada. Invocam por isso nulidade processual.
Salvo o devido respeito, não lhes assiste razão.
O princípio do contraditório é matéria amplamente tratada, destacando-se aqui o Ac. desta Relação de 19/04/2018, bem como o de 2/12/2019 da Relação do Porto da mesma relatora -Srª Desembargadora Drª Eugénia Cunha (ambos publicados em www.dgsi.pt, como todos os que se mencionarão sem indicação de outra fonte), pelo que recorremos às considerações aí feitas.
O princípio do contraditório, previsto no art.º 3º, do C.P.C., a par de outros que constituem pilares do nosso ordenamento processual, tem duas vertentes:
-“inter partes”, e decorrência do princípio da igualdade previsto no art.º 4º do C.P.C., garantindo a possibilidade de cada parte se pronunciar sempre sobre os elementos trazidos ao Tribunal pela outra parte, ou condutas processuais, em cada momento e que podem fundamentar a decisão; esta é a vertente tradicional do direito ao contraditório, traduzida nos n.ºs 1, 2 e 4, do art.º 3º, sendo o juiz fiscal do seu cumprimento (n.º 3);
-entre as partes e o Tribunal, sendo de observar pelo juiz ao longo de todo o processo, conforme dispõe o art.º 3º no n.º 3, e correspondendo a uma conceção ampla do princípio, e que no fundo emana do direito constitucional de direito de acesso à justiça num sistema equitativo e participado –art.º 20º, n.º 4, Constituição da República Portuguesa; deve ser cumprido como ato prévio de qualquer decisão a tomar no processo, seja de direito (mesmo de conhecimento oficioso), seja de facto, salvo casos de manifesta desnecessidade; é o seu cumprimento que evita a “decisão surpresa” na medida em que, além do mais, permite à parte que antevê vai ser proferida uma decisão que lhe é desfavorável, argumentar, tentando convencer o Tribunal da bondade da sua posição.
“As decisões surpresa”, proibidas como decorre do exposto, têm o seu maior campo de expressão nas questões de conhecimento oficioso, designadamente quando não foram suscitadas pela parte contrária.
Cabe ao intérprete e ao aplicador da lei definir caso a caso se pode dispensar a observância desse princípio, face à cláusula de “manifesta desnecessidade”.
Em suma, podemos dizer que decorre dos n.ºs 3 e 4 do art.º 3º do C.P.C., o princípio do contraditório no sentido de que a parte tem o direito de conhecer a pretensão contra si formulada e o direito de pronúncia prévia à decisão, de modo que ambas as partes têm o direito de intervir para influenciar a decisão da causa evitando decisões-surpresa. Consagrou-se pois uma conceção ampla do referido princípio, decorrente do princípio da igualdade das partes.
Conforme dizem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol 1º, 4ª ed., pág. 29) “Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.”
Façamos então a sua aplicação à situação dos autos.
Ao contrário do sustentado pelos recorrentes, a A., na peça aperfeiçoada, não introduziu novos factos essenciais; apenas passou a reproduzir os factos para os quais remetia em sede de sentença e acórdão proferidos no processo n.º 1559/13.8TBBRG.
Foi ponderando essa alegação (que, repete-se, nada alterou relativamente à causa de pedir que constava da p.i. primitiva), com a alegação feita pelos próprios R.R. na sua contestação e na réplica da A., que a decisão recorrida decidiu pela aceitação da ampliação do pedido.
Assim, é indiferente para os R.R. terem-se pronunciado sobre a pretendida ampliação do pedido antes ou depois do aperfeiçoamento da p.i., pois nenhum argumento novo poderia resultar se tal pronúncia ocorresse após conhecerem a p.i. aperfeiçoada.
Não tendo essa situação qualquer influência, seria desnecessário novo contraditório (ou que o contrário tivesse ocorrido em momento posterior), pelo que não ocorre qualquer vício processual.
Entendemos pelo exposto que não houve preterição do cumprimento do princípio do contraditório, não se verificando a respetiva nulidade processual (cfr. art.ºs 195º e segs. do C.P.C. e decisão sumária da presente relatora, proferida no processo n.º 5329/19.1T8VNF-B.G1 nesta mesma Relação, relativamente ao vício que está em causa e modo de o suscitar).
Improcede por isso o vício invocado.
*
Nesta sequência cabe desfazer um equívoco em que, a nosso ver, os recorrentes incorrem ao longo do seu recurso: na verdade a A., na p.i. inicial, e apesar de não primar pela clareza, não está a pedir o pagamento de rendas vencidas no âmbito da vigência do contrato. A resolução do contrato já tinha operado, situação que foi pressuposto da primitiva ação que correu entre as partes (em que se pedia o reconhecimento da mesma), que aí foi tida por assente, e que os R.R. não podiam ignorar (nem na realidade o ignoraram na sua contestação, já que nela se referem a isso mesmo). Portanto, a menção a “contrapartidas financeiras fixas mensais devidas pela cedência do estabelecimento comercial e em divida até à data de 05-11-2015 – momento de entrega do estabelecimento” não tem subjacente a vigência do contrato. Na p.i. aperfeiçoada isso ficou claro, ao serem reproduzidos os factos de que a A. pretendia alegar e que resultavam da primitiva ação. Mas já na réplica, com ampliação do pedido, isso ficou claro, nomeadamente na resposta à prescrição.
*
Cabe, então, e feito o esclarecimento, apreciar se foi correta a decisão de admissão da ampliação do pedido.
O art.º 260º do C.P.C., estabelece o princípio da estabilidade da instância dizendo que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”. Com ele deve ser conjugado o art.º 564º, b), do C.P.C., que estatui que a citação do réu produz, além do mais, o efeito de tornar estáveis os elementos essenciais da causa, nos termos do artigo 260.º
Do exposto decorre que após a citação do réu a modificação dos elementos subjetivos –partes da ação- e objetivos –a causa de pedir e o pedido- só pode ter ocorrer nos casos em que a lei a consente e o seu exercício depende da verificação dos requisitos que a lei impõe, ainda que, uma vez preenchidos os requisitos dos casos legais de modificação, o direito processual de operar essas modificações se assuma como um direito potestativo cujo exercício depende somente da vontade do interessado –cfr. Ac. da Rel. do Porto de 5/5/2016 (www.dgsi.pt).
A modificação da causa de pedir e pedido pode ter lugar por acordo das partes ou sem acordo, conforme previsto nos art.ºs 264º e 265º do C.P.C..
Restringindo ao que interessa ao caso, segundo o art.º 265º, n.º 2, o pedido pode ser reduzido em qualquer altura e pode ainda ser ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Voltando ao caso, na p.i. a A. pedia que os Réus fossem solidariamente condenados no pagamento das prestações fixas mensais vencidas entre novembro de 2013 e novembro de 2015, à razão mensal de € 10.000,00 (dez mil euros), no total de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros); na réplica, onde requer a ampliação, pede € 1.476.000,00 (um milhão e quatrocentos e setenta e seis mil euros), relativo a esse período de novembro de 2013 a novembro de 2015 (e não 2014 como por lapso aí referem), agora pelo valor mensal de 30.750,00 € (25.000 euros + iva), elevado ao dobro, e que por isso ascende ao quantitativo mensal de € 61.500,00.
Esta suposta ampliação baseia-se no facto de os R.R. na sua contestação não aceitarem que se formou caso julgado no que respeita ao valor ajustado da “renda” no que a esse período se refere.
Ora, o facto dos R.R. aceitarem ou não a figura do caso julgado não tem qualquer efeito sobre os factos alegados –causa de pedir-, nem sobre o pedido formulado.
O que a A. fez foi deduzir pedido de valor superior. O que fez na réplica podia e devia ter feito, se assim entendesse, na p.i..
Porém, na p.i. entendeu que estava vinculada (ou limitada) ao valor de € 10.000,00 mensais; “aproveitou” o facto de os R.R. entenderem que não era assim (pretendendo que tal valor fosse considerado inferior) para alterar aquele seu primeiro entendimento (agora para dizer que, não estando vinculada, poderia pedir mais) e corrigir a sua peça em conformidade.
A causa de pedir é o ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um ato ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir – o ato ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar –cfr., entre muitos outros, José Alberto dos Reis, “Comentário ao CPC”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 369 e 374 e seg.; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 110 e seg.; Antunes Varela, e Outros, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, págs. 232 e segs. e J. Lebre de Freitas, “CPC Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 321 e seg..
Como se sumariou no Ac. da Rel. do Porto de 9/7/2014 (dgsi.pt) , “A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, mas só alguns destes factos –os essenciais- é que servem a função de individualização da causa de pedir, sendo esta que interessa à verificação da exceção de caso julgado.” , ou seja, os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido, ou factos principais: art.ºs 552º, n.º 1, d), 5º, n.º 1, 574º, n.º 1, e 581º, n.º 4, todos do C.P.C.).
Diz-se então que a nossa lei processual civil consagrou a teoria da substanciação.
Esta teoria tem vindo a ser objeto de reflexão face á reforma do nosso Código de Processo Civil operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, e numa leitura conforme aos art.ºs 552º, n.º 1, d), 572º, c), 584º, n.º 1, 587º, n.º 1 e 5, n.ºs 1 e 2 do CPC, defende-se agora a chamada teoria da individualização aperfeiçoada, segundo a qual a causa de pedir é constituída apenas pelos factos necessários à individualização do pedido do autor –cfr. para maiores desenvolvimentos os Acs. desta Relação de 19/12/2023 relatado pelo aqui 2º adjunto (onde se cita, além de outros o Ac. da Rel. do Porto de 8/3/2022, relator João Ramos Lopes), e de 9/11/2023, concretamente a declaração de voto apresentada por José Alberto Moreira Dias.
A A. não fez qualquer alteração à causa de pedir, vista em qualquer das perspetivas: a resolução do contrato (não mencionada expressamente na p.i. antes de corrigida, mas dela constante por remissão para os factos e motivação da sentença e acórdãos proferidos na primitiva ação, como já dissemos); a A. não introduziu novos factos essenciais donde retirasse a nova formulação que fez do pedido.
O entendimento perfilhado no Ac. da Rel. do Porto de 19/5/2022 (relatora Judite Pires) é aquele que permite conjugar princípios, nomeadamente o “princípio da economia que, ante a instrumentalidade do processo relativamente ao direito material, converge no sentido de que o resultado seja atingido com a maior economia de meios, dirimindo no processo o maior número de litígios” (cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, “Elementos de Direito Processual Civil. Teoria Geral, Princípios e Pressupostos”, 2ª edição, pág. 160).
E assim, citando o mesmo (destacado, para melhor alcance), diríamos também que (introduzindo as notas relevantes no local próprio): “Embora a lei não defina o que deve entender-se por “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a interpretação de tais conceitos deve orientar-se no sentido de a ampliação radicar numa origem comum. Esse é o entendimento que vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência [Cfr., LEBRE DE FREITAS, Introdução ao Processo Civil-Conceito e princípios gerais à luz do novo Código, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 29, ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, pág. 93 e CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, vol. II, AAFDL, 1987, pág. 347; acórdãos da Relação de Évora de 10.10.2019, processo nº 38/18.1T8VRL-A.E1 e de 23.03.2017, processo nº 108/16.0T8FAR-A.E1, acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009, processo nº 427/07.7TCSNT.L1-1) e acórdão da Relação de Guimarães de 6.02.2020, processo nº 992/18.3T8GMR.G1), todos em www.dgsi.pt.], ao defenderem que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando o novo pedido (objecto de ampliação) esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicial, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, ou da reconvenção, sem recurso a invocação de novos factos[6]. Ou seja: a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da acção, pressupondo-se, para tanto, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais. Como Alberto dos Reis [Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, pág. 93-94.] explicava, o “limite de qualidade de nexo a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quer dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial. Exemplo característico: pediu-se em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal. (…) Em vez de ser uma consequência, pode ser um desenvolvimento. Pediu-se o pagamento de uma dívida; pode depois alegar-se que a dívida vencia juros e pedir-se o pagamento destes (…). A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso”. No mesmo sentido, referia Castro Mendes [Direito Processual Civil, Vol. II, p. 347-348.]: “Exemplo de ampliação, no sentido rigoroso do termo, haverá “verbi gratia” se se pedir 100 contos de indemnização por certo acto danoso, que posteriormente é causa de novo prejuízo no valor de 20: o pedido de indemnização pode ser ampliado para 120 contos. O que é necessário é que a ampliação ou o pedido cumulado seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, e que por conseguinte tenham essencialmente origem comum – causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.” O acórdão da Relação de Lisboa de 18.02.2018, depois de referência a jurisprudência vária a admitir a ampliação do pedido, sustenta: “Em todos estes exemplos estamos perante situações em que, na verdade, o A. poderia ter formulado a sua pretensão ampliada logo na petição inicial. Pelo que, o que relevou foi fundamentalmente o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se pusesse em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional. Esse limite mínimo de estabilidade era tradicionalmente reportado pela doutrina à distinção entre “ampliação” e “cumulação” de pretensões. A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos»”. E, mais adiante, acrescenta o mesmo acórdão: “...como já tivemos oportunidade de realçar, todos os exemplos de ampliação do pedido, que não se sustentem na superveniência objectiva de factos novos em que assentam, traduzem-se em pretensões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da ação. Ora, nunca semelhante dúvida sobre a interpretação do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. assolou o espírito de ninguém, quando se admitia sem pestanejo a ampliação do pedido de pagamento em quantia certa, numa acção de dívida, por forma a passar a compreender também a condenação em juros de mora. É que, neste caso, como é evidente, o novo pedido só não foi formulado logo na petição inicial por “mero esquecimento” da parte peticionante. Salvaguardadas eventuais situações manifestamente dolosas ou de negligência grave, não se justifica uma interpretação restritiva do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C. apenas para sancionar uma parte, dado não existir nenhum princípio geral que justifique semelhante penalização em face do facto de o mencionado preceito fixar a preclusão do direito de ampliação do pedido no momento do «encerramento da discussão em 1.ª instância». Como já referimos atrás, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir”.
Igual posição seguiu o Ac. da Rel. do Porto de 20/9/2021 (relator Miguel Baldaia Morais).
No Ac. da Rel. de Lisboa de 24/11/2022 (relator Adeodato Brotas), explica-se: “Em termos simples, a alteração do objecto do processo pode consistir na ampliação ou na redução. A ampliação do objecto do processo pode ocorrer em duas situações distintas, a sequencial e a cumulativa. A cumulação sequencial verifica-se dentro do mesmo objecto: o autor pediu 100 e passa a pedir 150. A cumulação cumulativa verifica-se quando ao objecto inicial se cumula um novo objecto; por exemplo, inicialmente o autor deduziu reivindicação de imóvel, posteriormente cumula pedido de indemnização pela ocupação do imóvel. A alteração do pedido verifica-se quando o pedido passa a ser outro, por exemplo, o autor pediu inicialmente anulação do contrato de compra e venda de bem onerado e pede depois redução do preço. A alteração da causa de pedir ocorre quando a causa de pedir passa a ser outra. Na ampliação o pedido passa a ter outra dimensão seja quantitativa seja qualitativa. A ampliação da causa de pedir só pode ser cumulativa e só se verifica quando é acrescentada uma nova causa de pedir. De acordo com o nº 1 do art.º 265º do CPC, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada na sequência de uma confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. O pedido pode ser ampliado como desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. A ampliação pode ser quantitativa ou qualitativa. A ampliação cumulativa é válida quando o pedido é desenvolvimento do pedido inicial. A ampliação cumulativa também é válida quando é uma consequência do pedido inicial. Finalmente, a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir está submetida a um critério de conexão: a modificação é admitida se o novo objecto for conexo com o anterior. (para outros desenvolvimentos, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, Livro II, blog do ippc, págs. 6 e segs, que aqui seguimos de perto).”.
Idêntica posição seguiu o Ac. da Rel. de Lisboa de 4/7/2023 (relatora Ana Rodrigues da Silva). E outros poderiam ser mencionados.
Cremos que este entendimento tem total pertinência no caso. A A. podia ter apresentado o seu pedido tal como fez na réplica, logo na p.i.. Nada parece impedi-la, nomeadamente atentos os princípios invocados, de “corrigir” o mesmo, respeitando o momento processual fixado no artigo aqui em causa. No fundo não difere dos casos que serviram como exemplo daqueles autores: contabiliza o prejuízo mensal em valor superior e acrescenta o que acaba por ser uma penalização pela mora (art.º 1045º, n.º 2, C.C.).
Nesta medida, deve improceder este fundamento de recurso, mantendo-se o decidido quanto à admissão da ampliação do pedido.
*
Resta apreciar se foi bem julgada a exceção de prescrição.
Dispõe o art.º 298º, n.º 1 do C.C. que estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo de ordem pública o regime de prescrição.
A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo fixado na lei.
O fundamento específico da prescrição, como referiu o Prof. Manuel de Andrade (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, págs. 445-446), “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. Obstando a que o titular do direito possa vir a exercê-lo sem limite de tempo, o instituto visa ainda a segurança do tráfego jurídico.
Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito –art.º 304º, n.º 1, C.C.. Trata-se de um meio de defesa do devedor que só este tem legitimidade para invocar, não sendo do conhecimento oficioso –cfr. art.ºs 301º e 303º, do C.C..
O prazo geral ou ordinário da prescrição é de 20 anos, conforme o art.º 309º do C.C.. Porém a lei estabelece prazos mais curtos. É o caso das situações mencionadas no art.º 310º, em que é de 5 anos; é o caso das prescrições presuntivas de 6 meses e de 2 anos, previsto respetivamente nos art.ºs 316º e 317º, sendo neste último de destacar os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.
Quanto ao seu início, o prazo de prescrição começa a contar-se quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição –art.º 306º, n.º 1. E interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente n.º 1 do art.º 323º; e, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias –art.º 323º, nº, 2, sempre do C.C..
Esta norma tem de ser compatibilizada com o disposto no art.º 561º do C.P.C. relativamente ao pedido de citação urgente, que no caso foi deferido. A citação prévia ou urgente é algo distinto da citação ficta prevista no art.º 323º, n.º 2, do C.C., sendo uma forma que o A. (titular do direito) tem para acautelar a prescrição, quando entre a propositura da ação e o termo do prazo de prescrição medeiam menos de 5 dias, o que não permite operar a citação ficta.
A nosso ver a apreciação feita pelo Tribunal recorrido mostra-se inteiramente correta, ou seja (com negrito nosso): “In casu, a quantia peticionada pela autora respeita a período temporal posterior à resolução do contrato que vigorava entre as partes.
Assim, não respeitará, em bom rigor, a contraprestações ou rendas enquanto contrapartida contratual – pois que o contrato já não se encontrava a vigorar no período invocado -, mas antes a uma indemnização pelo atraso na entrega do estabelecimento.
Ora, o contrato celebrado entre as partes é um contrato de locação de estabelecimento, previsto no artigo 1109.º do Código Civil.
Embora não qualifique a locação de estabelecimento como arrendamento, a lei sujeita-a ao mesmo regime, com as necessárias adaptações (cfr. artigo 1109.º, n.º 1, do CC).
Assim, na falta de norma especial, deve, por isso, aplicar-se o regime da locação.
A propósito da locação, o artigo 1045.º do CC prevê a indemnização devida pela não entrega do locado aquando da cessação do contrato de arrendamento. É uma indemnização cujo valor se encontra legalmente fixado, correspondendo ao valor das rendas, em singelo, no caso de não ocorrer mora (n.º 1), e em dobro, no caso de mora do arrendatário (n.º 2).
Conforme vem sendo entendido, “o atraso na entrega da coisa locada constitui manifestação de incumprimento do contrato de arrendamento, nos termos dos artigos 762.º e 798.º e ss. do CC, revestindo a indemnização prevista no artº 1045º do CC natureza contratual, pelo que a prescrição está sujeita ao prazo ordinário, de 20 anos (artº 309º do CC)” (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 07.10.2021, disponível em www.dgsi.pt).
Donde, não tem aplicação ao caso vertente o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, aplicável, entre o mais, a rendas e alugueres devidos pelo locatário e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Sendo o prazo aplicável o ordinário, de vinte anos, afigura-se evidente que o mesmo ainda não decorreu.”
Perfilhando a mesma posição podemos ver o Ac. da Rel. de Évora de 16/6/2016 (relatora Albertina Pedroso). É verdade que no Ac. da mesma Rel. de 12/5/2005 se defende tese diferente, aqui propugnada pelos recorrentes que o citam.
Referem os recorrentes que o Ac. que o Tribunal recorrido cita (da Rel. de Lisboa, que citamos supra, não se debruça sobre a aplicação da alínea g) do art.º 310º, mas sim sobre o confronto entre a natureza contratual (e aplicação do art.º 309º do C.C.), natureza essa também afirmada por Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil Anotado”, II Volume, pág. 406) ou extracontratual do crédito (e aplicação antes do prazo previsto no art.º 498º do C.C.). É verdade, tal como sucede no Ac. da Rel. de Évora que perfilha a mesma posição e que também mencionamos. Porém, caso fosse de aplicar a alínea g), tais arestos não deixariam de o ponderar, não estando vinculados à argumentação jurídica aludida pelas partes.
Temos também para nós que não se aplica a dita alínea g), a qual está pensada para outras situações, sendo caso típico atual o das prestações de condomínio.
De facto, conforme se diz (e decidiu) no Ac. da Rel. do Porto de 8/9/2020 (relator Jorge Seabra), “…as despesas comuns ou ordinárias do condomínio fixadas por referência a um valor anual orçamentado devem, de facto, considerar-se como prestações periodicamente renováveis, pois que, sendo despesas relacionadas com a limpeza e segurança do prédio, com a aquisição de água e electricidade para as necessidades e zonas comuns, com a manutenção dos serviços comuns, designadamente elevadores e equipamentos energéticos, essas despesas têm como causa bens e serviços utilizados ou produzidos quotidianamente, de forma paulatina mas constante, pelo que não apenas o respectivo custo está associado ao decurso de tempo e dele depende essencialmente, como a obrigação de as suportar se renova no fim de períodos temporais consecutivos, em regra a anuidade, sendo então cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos (e ainda que o regulamento do condomínio possa estabelecer que esse pagamento seja feito, por exemplo, em duas prestações semestrais ou em quatro prestações trimestrais). Neste sentido se pronunciaram, além do mais, os Acórdãos da RL de 22.04.2010, relatado por Márcia Portela, de 21.06.2011, relatado por Amélia Ribeiro, da RC de 14.11.2016, relatado por Artur Dias, da RP de 6.04.2017, relatado por Vieira e Cunha e, ainda, desta RP de 4.02.2016, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, todos disponíveis no sítio oficial e, ainda, na doutrina, no mesmo sentido também se pronunciam J. Aragão Seia, “ Propriedade Horizontal “, 2ª edição, pág. 131, Abílio Neto, ” Propriedade Horizontal ”, 3ª edição, pág. 267 e Júlio Gomes, op. cit., pág. 756. Em suma e como se sintetiza no citado AC RL de 22.04.2010, “ as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do artigo 1424º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio – artigos 1424º e 1431º. Assim sendo, prescrevem no prazo de 5 anos – alínea g) do artigo 310º - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida – n.º 1 do artigo 306º.””
Pires de Lima e Antunes Varela (“Código Civil Anotado”, I volume, pág. 280, citando M. de Andrade, “Teoria Geral”, II, 1966, pág. 452) dizem a propósito da prescrição consagrada no art.º 310º que “…não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial dos artigos 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor.” Mas dizem que na alínea g) estão compreendidos, entre outros, os créditos por fornecimento de energia elétrica, água ou aquecimento, por utilização de aparelhos de rádio, televisão ou telefones, ou relativos a prémios de seguros.
Mais explica Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral”, I volume, 6ª edição, págs. 93 a 97), que as prestações, quanto ao tempo da sua realização, distinguem-se em prestações instantâneas e prestações duradouras: “Dizem-se instantâneas as prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento ou um período de tempo de duração praticamente irrelevante (quae unico actu perficiuntur) – entrega da certa coisa; pagamento do preço numa só prestação, etc.
Não sucede assim com as obrigações fundamentais ou típicas do senhorio e do arrendatário, do depositário, do depositante bancário a prazo, do segurador, do sócio, da entidade patronal e do trabalhador, do fornecedor de água, gás ou electricidade e do respectivo consumidor. Nestas relações, a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória influência decisiva na conformação global da prestação.
Chama-se-lhes, por isso, obrigações duradouras, distinguindo os autores duas modalidades dentro delas: umas, as prestações de execução continuada, são aquelas cujo cumprimento se prolonga ininterruptamente no tempo (…); outras, as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, são as que se renovam, em prestações singulares sucessivas, por via de regra ao fim de períodos consecutivos.
(…) Não se confundem com as obrigações duradouras as obrigações (instantâneas) fraccionadas ou repartidas. Dizem-se fraccionadas ou repartidas as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual (preço pago a prestações; fornecimento de certa quantidade de mercadorias ou géneros a efectuar em várias partidas).
Nas obrigações duradouras, a prestação devida depende o factor tempo, que tem influência decisiva na fixação do seu objecto; nas prestações fraccionadas, o tempo não influi na determinação do seu objecto, apenas se relacionando com o modo da sua execução.”.
Defendem também esta classificação Menezes Leitão (“Direito das Obrigações”, I volume, 7ª edição, pág. 137-140) e Almeida Costa, (“Direito das Obrigações”, 11ª edição, pág. 699-700).
No caso em apreço, não se verifica nem uma situação, nem outra. O crédito devido não é fixado por referência a um período temporal, nem a sua execução é fracionada de modo –normalmente assim é- a facilitar o cumprimento pelo devedor. O que releva para a sua duração é o comportamento incumpridor do devedor; trata-se aqui de sancionar uma conduta.
Mantemos por isso que o prazo de prescrição é de vinte anos. Nessa medida, fica prejudicado a restante argumentação recursiva a propósito desta questão.
Improcede por isso na íntegra a apelação.
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Dispõe o art.º 527º do C.P.C. a regra geral em matéria de custas segunda a qual a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, o que significa que as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo; acrescenta e esclarece o n.º 2 que entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
Já o art.º 1º do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-lei n.º 34/2008 de 26/2 (R.C.P.) dispõe que “1 - Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento. 2 - Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.”
Os art.ºs 529º, n.ºs 1 e 4, e 533º, C.P.C., tratam da responsabilidade pelas custas de parte, definindo-as, e a sua distribuição assenta no critério da repartição de custas e nos conceitos de parte vencida e vencedora, e decaimento.
Por sua vez o art.º 3º do RCP dispõe no seu n.º 1 que as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte.
O art.º 6º do R.C.P., conjugado com o C.P.C. (art.ºs 529º, n.º 2, e 530º) dão-nos a noção de taxa de justiça, obrigando ao seu pagamento (e restringindo à parte que nos interessa tratar) à parte que demande na qualidade de A./requerente ou R./requerido, recorrente ou recorrido; está portanto o seu pagamento ligado diretamente à atividade processual que a parte pretende desenvolver no processo, como contrapartida relativa ao serviço “justiça”. Portanto, o seu pagamento ao longo do processo e de acordo com a respetiva etapa nada tem que ver com os conceitos de vencimento ou decaimento.
Nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 6º, n.º 1, do R.C.P. e 529º, n.º 2, do C.P.C., como critérios de ponderação na fixação do montante da taxa de justiça atende-se ao valor e à complexidade da causa.
No seu n.º 7 o art.º 6º do R.C.P. dispõe que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final (conforme se prevê na tabela I, parte final, para além dos € 275.000,00 do valor da ação, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fracção, 3 UC, no caso da col. A, 1,5 UC, no caso da col. B, e 4,5 UC, no caso da col. C), salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A regra é pois o seu pagamento, a exceção a dispensa de pagamento devidamente fundamentada.
Com a publicação do Ac. do STJ de fixação de jurisprudência n.º 1/2022, de 03-01, ficou dirimida a questão relativa ao momento até ao qual podia ser pedida a sua dispensa de pagamento (ou redução), quando oficiosamente ela não tem lugar; diz-se no Ac. que “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo.”
Realce então para a atividade oficiosa do Tribunal que se trata de um poder dever.
A propósito do momento e competência do tribunal superior para decidir da dispensa ou redução relativamente a toda a tramitação que antecede a decisão aí proferida, ou só no que respeita ao processado no respetivo grau de jurisdição, e nomeadamente se numa apelação autónoma tal pode ser desde logo apreciado e decidido, mantém-se divergência jurisprudencial de que dão nota os Ac. do STJ de 29/3/2022 (relator Jorge Arcanjo, com duas declarações de voto), na decisão singular de 20/12/2021 (relator Cons. Abrantes Geraldes), e no Ac. da Rel. de Évora de 29/9/2020 (relator Tomé de Carvalho), este com voto de vencido cuja posição aqui partilhamos, todos em www.dgs.pt.
De facto, visa-se “estabelecer mecanismos de correção de eventuais efeitos decorrentes da aplicação da regra da proporcionalidade entre o valor da causa e o valor da taxa de justiça, tendo em consideração os princípios da proporcionalidade, da igualdade e o direito ao acesso aos tribunais (artigos 18º, nº2, 13º e 20º, todos da Constituição da República Portuguesa), porquanto, em algumas das situações, não havia qualquer correspondência ou justificação entre a utilização da máquina judiciária e os valores finais que as partes tinham de suportar” Ac. STJ, de 24/10/2019 (relator Pedro Lima Gonçalves, www.dgsi.pt). De facto, vários Acs. do Tribunal Constitucional vinham-se debruçando sobre a matéria.
Desenvolvendo os critérios legais relativos à determinação do seu montante e também válidos para a dispensa de pagamento ou redução do remanescente, e mais uma vez com apelo à jurisprudência, convoca-se outro importante fator: a conduta processual das partes.
O art.º 530º, n.º 7, do C.P.C., caracteriza a especial complexidade: “7 - Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.”
Aplicando o conceito, veja-se o Ac. da Rel. de Évora de 21/11/2019 (relator Tomé de Carvalho), e o Ac. da Rel. de Lisboa de 7/6/2018 (relatora Teresa Prazeres Pais, que pode ser consultado na anotação ao artigo em causa publicado na página da PGDL), entre outros.
No primeiro sintetiza-se:” 4 – Sem ignorar o valor da causa, o factor decisivo no preenchimento do conceito de complexidade deve estar indexado aos meios humanos, técnicos, logísticos e temporais disponibilizados pelos Tribunais que se pronunciaram sobre o objecto da causa, em associação com a substância qualitativa das diferentes peças processuais presentes nos autos e com a natureza das diligências de prova produzidas em sede de julgamento 5 – Ainda assim, quando por via dessa normação abstracta o custo do acesso ao direito for notoriamente exagerado, cumpre aos Tribunais corrigir as eventuais distorções e reduzir o montante em causa à sua justa medida, promovendo uma interpretação conforme à Constituição no sentido do redimensionamento da proporcionalidade entre o serviço prestado pelo Estado e as utilidades que os utentes da Justiça retiram da actividade jurisdicional exercida pelos Tribunais.”
Quanto à conduta processual, apela-se ao cumprimento dos deveres de cooperação, de boa fé processual e de recíproca correção, impostos pelos arts. 7º a 9º, do C.P.C..
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No caso foi fixado o valor de € 1.388.546,31 ao incidente de ampliação do pedido.
À causa foi fixado o valor de € 877.933,56.
O recurso em apreço não revelou especial complexidade: foram apresentadas as duas peças relativas a alegação e contra-alegações, apenas se debateram as matérias do incidente de ampliação do pedido e da prescrição, matérias essas que não são objeto de grande divergência.
De tudo o exposto decorre a forma escorreita como todo o processado recursivo se desenrolou, com todo o respeito pelos princípios supra elencados.
Relativamente à complexidade, também resulta do exposto que os articulados e requerimentos foram elaborados com obediências às regras processuais, de forma inteligível, com o desenvolvimento que se mostrava pertinente, com referências fatuais e jurídicas definidas.
Conclui-se por isso que efetivamente, o presente recurso não justifica o pagamento do valor total em que redundaria o remanescente da taxa, por desproporcional à tramitação/atividade processual.
Dispensa-se assim o pagamento da taxa de justiça remanescente.
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V DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso dos R.R. totalmente improcedente, e em consequência, negam provimento à apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas do recurso a cargo dos recorrentes (art.º 527º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.), sendo que nos termos do art.º 6º, n.º 7, do RCP, dispensa-se do pagamento da taxa de justiça remanescente relativamente ao recurso por si interposto.
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Guimarães, 18 de janeiro de 2024.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Alexandra Viana Lopes
2º Adjunto: Gonçalo Oliveira Magalhães
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)