O artigo 629.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil assegura o recurso para o Tribunal da Relação, e só o recurso para o Tribunal da Relação.
Recorridos: BB e CC, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD
I. — RELATÓRIO
1. BB e CC, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, propuseram a presente acção declarativa de condenação contra AA, pedindo:
I. — que seja reconhecida e declarada a cessação do contrato de arrendamento urbano celebrado entre as partes, com produção de efeitos a 30/06/2021, concretizada através de oposição à renovação do contrato pelos senhorios
e, consequentemente,
II. — que a Ré seja condenada na entrega do imóvel, livre de pessoas e bens no estado de conservação em que o recebeu;
III. — que a Ré seja condenada a pagar aos Autores
a. — a indemnização pelo atraso na restituição do locado prevista no artigo 1045º do Código Civil elevada ao dobro devido à mora no pagamento, e que à data da instauração da ação ascende a 5.158,65 euros, acrescida das indemnizações correspondentes até efectiva restituição do locado;
b. — juros de mora à taxa legal, sobre cada um dos valores em dívida, contados da citação até efectivo e integral pagamento.
2. A Ré AA contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.
3. O Tribunal de 1.ª instância decidiu:
I. — declarar cessado o contrato de arrendamento celebrado entre as partes, por oposição à renovação pelos senhorios, com efeitos a partir de 30 de Junho de 2021;
II. — condenar a Ré AA a desocupar imediatamente o locado e a proceder à sua entrega às Autoras, devoluto de pessoas e bens,
III. — condenar a Ré AA a pagar às Autoras BB e CC uma indemnização no valor mensal equivalente ao da renda, desde o dia 30 de Junho de 2021, elevada ao dobro a partir de 27 de Julho de 2021, até à efectiva entrega do locado, acrescida dos juros legais à taxa civil, a contar da citação, até efectivo e integral pagamento.
4. Inconformada, a Ré AA interpôs recurso de apelação.
5. As Autoras contra-alegaram, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.
6. O Tribunal da Relação julgou totalmente improcedente o recurso.
7. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
8. Inconformada, a Ré AA interpôs recurso de revista.
9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
1- O presente Recurso justifica-se, nos termos do disposto no art.° 672, n.° 1 alínea a) e art. 674 n.° 1 ai. a) do CPC, porquanto está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, necessita de uma melhor, e mais justa, aplicação do direito, estando, igualmente, em causa interesses de particular relevância, mormente o direito à habitação da Recorrente, que ficará sem lugar para morar, pois é pessoa que vive numa situação de insuficiência económica e devido a doença aguda de que padece, tem uma incapacidade com carácter permanente de72% diagnosticada, não tendo meios nem recursos para arrendar outra casa.
2-As Recorridas intentaram a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra a Ré ora Recorrente, peticionando que seja reconhecida e declarada a cessação do contrato de arrendamento com efeitos a partir de 30.06.2021, pela oposição à renovação do referido contrato pelas Autoras aqui Recorridas, e pedem a condenação da Recorrente na entrega do locado livre de bem e serviços e a condenação da Recorrente numa indemnização pelo atraso na entrega do locado, tudo acrescido dos juros de mora.
3-0 Tribunal a quo decidiu julgar a acção totalmente procedente a favor das Recorridas e em detrimento da Recorrente e o Venerando Tribunal de Évora veio sufragar o mesmo entendimento do Tribunal de l.a Instância, e é contra estas decisões que a Recorrente se insurge.
4-0 presente recurso tem como objecto principal o acervo interpretativo do artigo 1096.° do Código Civil, n.° 3 do art. 1097.° e art. 12.° todos do Código Civil, o qual tem suscitado dúvidas quanto à sua natureza suplectiva ou imperativa e ao tempo de renovação mínimo previsto para a renovação dos contratos de arrendamento, e no caso em apreço se se deverá aplicar a este contrato as alterações introduzidas, nestes normativos, pela Lei 13/2019 de 13 de Fevereiro, ou seja, o que está em causa é saber se os senhorios podiam se opor à renovação do contrato, na data em que o fizeram.
5-0 douto Acórdão recorrido considerou que antes de mais é de fulcral importância o problema de interpretação da lei no tempo, e decidiu: " Deste modo, parece ser assim de sufragar a posição de Ana Isabel Afonso, quando avança que "quer a regra sobre o prazo mínimo de renovação dos contratos de arrendamento (art. 1096° do CC) quer a regra da dilação da eficácia da primeira oposição à renovação (art. 1097 n.° 3 do CC), só deverão ser aplicadas a contratos novos visto que não se pode considerar que abstraem do facto jurídico contratual que lhes deu origem, do qual o senhorio poderia ter feito constar a extinção do contrato por caducidade no fim do respectivo prazo de duração, conforme então era, e continua a ser, permitido pelo sistema legal.”
6 - Salvo o devido respeito pelo Acórdão recorrido, a Recorrente vem ao abrigo da alínea a) do n.° 1 do art. 674.° do C.C. entender que há uma incorrecta interpretação e aplicação destes normativos legais, e pretende que se reponha a Justiça quanto à aplicação dos mesmos.
7. - É sabido que o contrato de arrendamento institui uma relação jurídica duradoura, que dá origem a situação jurídica de igual cariz, o que significa que, apesar da situação jurídica relevante (celebração do contrato de arrendamento) ter origem no passado, tende a prolongar-se no futuro, ficando a coberto de sucessivas leis que estabelecem uma disciplina própria, que podem ou não ser-lhe aplicável, tudo dependendo das regras de direito transitório (formal ou material) que o legislador decidir aplicar a essas situações jurídicas passadas ou, no silêncio do mesmo (como é o caso), de acordo com o resultar da regra geral enunciada no artigo 12.° do Código Civil e não havendo norma de direito transitório, regem os princípios gerais previstos no artigo 12.° do Código Civil.
8. - O n.° 2 do artigo 12.° do Código Civil dá resposta a esta questão ao estipular: «Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.» POIS, respeita a relações jurídicas, sobretudo as relações jurídicas duradouras, que brotam daqueles factos. Nessa situação, a lei nova aplica-se não só às relações jurídicas constituídas na sua vigência, mas também às relações que, constituídas antes, protelam a sua vida além do momento da entrada em vigor da nova regra.
9- No âmbito dos contratos de arrendamento, o legislador apesar de prever normas transitórias para algumas situações, tem adotado a aplicação da lei nova aos contratos celebrados apôs a entrada em vigor da nova lei, bem como às relações contratuais constituídas que subsistissem nessa data, como sucedeu aquando da entrada em vigor do NRAU (cfr. artigo 59.° do RNAU e normas transitórias contidas nos artigos 26.° a 58.°).
10 - Em relação à Lei n.° 13/2019, apenas o artigo 14.° regula a aplicação da lei no tempo quanto ao disposto nos artigos 1041.°, n.° 7 e 1069, n.° 2 do Código Civil, e artigos 26.° e 36.°, n.° 10 do NRAU, pelo que, quanto ao mais, o problema da sucessão das leis no tempo deve ser resolvido com recurso às normas gerais de direito e a doutrina tem consistentemente enveredado pela aplicação da lei nova aos arrendamentos anteriormente constituídos e que perduram à data de entrada em vigor deste diploma.
11 - Também em sede de jurisprudência se encontra essa aplicação da Lei n.° 13/2019, de 12-02, aos contratos de arrendamento celebrados antes da sua entrada em vigor, vejam-se, assim, seguintes arestos: Ac. do STJ, de 24-05-2022); Ac. RG, de 11-02-2021; Ac. RG, 08-04-2021; Ac. RL, de 17-03-2022 e Ac. RL de 24-05-2022; pelo que, concorda-se com esta interpretação, porquanto a Lei n.° 13/2019, de 12-02, ao introduzir uma nova redação ao n.° 1 do artigo 1096.° e n.° 3 do art. 1097.° do Código Civil, no que concerne à oposição do senhorio deduzida à renovação automática do contrato de arrendamento, dispôs sobre o conteúdo da relação de arrendamento já antes constituída e que persiste à data de entrada em vigor da nova lei, abstraindo-se esta do facto que lhe deu origem, pelo que a situação se enquadra na 2.a parte do n.° 2, do artigo 12.° do Código Civil.
12 - Como se refere no sumário do STJ no Ac. de 13-09-2011:
«I - As normas que regulam apenas o conteúdo das situações jurídicas já constituídas, abstraindo dos factos que as originaram, não são, verdadeiramente, retroactivas, porquanto não visam atingir os factos anteriores à sua entrada em vigor, tratando-se antes de uma aplicação imediata, no futuro, às relações constituídas e subsistentes à data da sua entrada em vigor, também denominada de “retroconexão" ou de “referência pressuponente”.
II - A lei nova abstrai-se dos factos constitutivos de uma situação jurídica contratual antecedente quando for dirigida à tutela dos interesses de uma generalidade de pessoas que se acham ou possam vir a encontrar ligadas por certa relação jurídica, de modo que se possa dizer que a lei nova atinge as pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo vínculo contratual.
III - Quando uma lei nova passa a disciplinar para o futuro, de forma diversa, o conteúdo de certa relação jurídica, abstraindo do respectivo facto gerador, deve entender-se, em conformidade com o estipulado pelo art. 12.°, n.° 2, do CC, que "...abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”.»
13 - Assim, entende a Recorrente que a Lei n.° 13/2019, de 12-02, que alterou a redação do artigo 1096.° e n.° 3 do art. 1097.° do Código Civil (renovação automática do contrato de arrendamento) aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, já antes celebrados e vigentes à data da entrada em vigor deste diploma legal, por aplicação do n.° 2 do artigo 12.° do Código Civil, e por isso, aplica-se desde já ao contrato de arrendamento dos presentes autos, o qual foi celebrado em 01-04-2014.
14. Estando assente que ao contrato de arrendamento dos autos se aplica a alteração introduzida ao do artigo 1096.° e n.° 3 do art. 1097.° do Código Civil pela Lei n.° 13/2019, de 12-02, cumpre aferir se, tendo o contrato em causa sido celebrado por um ano, imperativamente, a lei determina que a sua renovação seja por três anos ou, se por a norma estipular «salvo disposição em contrário», tem natureza supletiva, pelo que tendo o contrato estado em vigor mais de três anos, a oposição à renovação produziu, em tempo útil, os seus efeitos e deve ter-se como caducado como defendem os Apelantes.
14. Leia-se a Exposição de Motivos constante da Proposta de Lei n.° 129/XIII, que esteve na base da Lei n.° 13/2019, (disponível em https;//www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/Detalhelniciativa.a spx?BID=425421 consta que é "necessário estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva, proporcionando a estabilidade, a segurança e a acessibilidade em termos de custos, necessárias ao desenvolvimento da vida familiar e aos investimentos realizados com a conservação desses edifícios (...) Pretende-se que estas medidas contribuam para minorar uma vulnerabilidade histórica e estrutural de competitividade da habitação permanente face aos outros usos potenciais, e responder à necessidade imperiosa de salvaguardar a segurança e estabilidade dos agregados familiares que permaneceram ao longo de décadas numa habitação arrendada, sobretudo, das pessoas de idade mais avançada, perante o risco de cessação de contratos de arrendamento decorrente da superveniência de opções mais rentáveis para os mesmos espaços. Para tal é essencial promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.° 31/2012, de 14 de agosto, em particular, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento (…)."
15 - Considerando que, não obstante o legislador ter estabelecido em prol da liberdade contratual a possibilidade de as partes excluírem a renovação, não o fazendo, agora em prol do princípio da estabilidade dos arrendamentos habitacionais (como explicita no preâmbulo do diploma), veio estabelecer um prazo mínimo de renovação, e considera a Recorrente que o legislador teve como objetivo a proteçáo da estabilidade do arrendamento habitacional, limitando os direitos extintivos do locador e limitando a liberdade das partes para modelarem o conteúdo do contrato.
16 - Acompanhamos, por isso, a posição de Maria Olinda Garcia quando refere que nos arrendamentos para habitação tendencialmente duradoura, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas limitações com as alterações introduzidas pela Lei n.° 13/2019 e tais limitações evidenciam-se, desde logo, na exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. artigo 1095° n.° 2), onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário, pois, ainda que as partes convencionem duração inferior, o prazo considera-se automaticamente ampliado para um ano; mas também na própria renovação do contrato pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação (a lei refere "salvo estipulação em contrário") só terão liberdade para convencionar prazo de renovação superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo de três anos, também imperativo.
17 - E ainda ao estipular no artigo 1097° n.° 3 do Código Civil que a oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (excetuando a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.° grau, caso em que se aplicam, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.° e nos n.°s 1, 5 e 9 do artigo 1103.° - cfr. n.° 4 do artigo 1097°).
18 - Por estes motivos, a Recorrente comunga do entendimento que, no seu termo, os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente se renovam automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096° do Código Civil, o que significa que, se o contrato de arrendamento foi celebrado por prazo inferior a três anos, e não foi excluída a renovação, o contrato se irá renovar automaticamente sempre por períodos mínimos sucessivos de três anos, em face do prazo mínimo imperativo previsto na referida disposição legal.
19 - Assim, o prazo mínimo de três anos para a renovação do contrato de arrendamento previsto no número 1 do artigo 1096° do Código Civil, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 13/2019, que entrou em vigor em 13 de Fevereiro de 2019, aplica-se ao contrato de arrendamento celebrado pelas partes e que se renovou a 1 de Abril de 2019 pelo período de três anos, pelo que o novo termo ocorreu apenas findo o decurso desse prazo de três anos, ou seja em 31 de Março de 2022 e, assim sucessivamente, caso não seja denunciado pelas partes nos termos contratualmente fixados.
20 - A comunicação efectuada pelas Autoras aqui Recorridas, datada de 07-04-2020, em 11-05-2020 e 15-01-2021, de que não pretendiam a renovação do contrato de arrendamento, e que este, por sua vontade, cessaria a 30 de Junho de 2021, não respeita aquele prazo, não produzindo efeitos contra a Recorrente uma vez que, encontrando-se em curso o prazo decorrente da renovação ocorrida por três anos, em 1 de Abril de 2019, mantém-se o mesmo em vigor.
21 - Com efeito, aquando da renovação do contrato em 01-04-2019, a referida lei já se encontrava em vigor, pelo que é aplicável a tal renovação o período de três anos, por ser o período mínimo legalmente obrigatório.
22 - Ou seja, atendendo à nova redação do artigo 1096. ° do Código Civil e ao período mínimo de renovação consagrado de três anos - aplicável ao caso dos autos -, o próximo termo do contrato apenas se verificaria em 31.03.2022 e, assim, sucessivamente, pelo que as Autoras aqui Recorridas só poderiam opor-se à renovação no termo do período da renovação do contrato, em 31.03.2022, mediante comunicação dirigida à Recorrente com a antecedência mínima de 120 dias, reportada a essa data (cf. artigo 1097.°, n.° 1, alínea b) do Código Civil).
23 - Conclui-se, assim, que a oposição à renovação promovida pelas autoras aqui recorridas não produziu qualquer efeito sobre o contrato de arrendamento celebrado, considerando que o mesmo se renovou em 01.04.2019 por um período mínimo de três anos, bem como se renovou novamente em 01-04-2022 por mais três anos, estando em vigor o contrato de arrendamento dos autos até 31.03.2025.
24 - Salvo o devido respeito, não vemos qualquer razão jurídica válida que não corrobore a interpretação que ai.' instância e o Venerando Tribunal da Relação de Évora acolheram.
25 - 0 invocado caráter supletivo do n.° 1 do artigo 1096.° do Código Civil reporta-se apenas e tão só ao direito de as partes acordarem na exclusão da renovação do arrendamento para habitação com prazo certo ou que o mesmo se renova por período superior a três anos, pois este prazo é configurado na lei como um limite mínimo para a renovação deste tipo de contratos, logo subtraindo a sua alteração à livre disponibilidade das partes.
26 - A liberdade de estipulação prevista no preceito não derroga a duração mínima de três anos do período de renovação automática, ou seja, tendo as partes acordado na renovação do contrato de arrendamento, a renovação ocorre automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior.
27 - No caso, tendo o contrato de arrendamento sido celebrado com o prazo de um ano, tendo-se renovado sucessiva e automaticamente por igual período, após a entrada em vigor da Lei n.° 13/2019, de 12-02, passou a renovar-se sucessiva e automaticamente por períodos de três anos.
28 - Não se desconhece que a interpretação do preceito que acima adotamos é questionada por alguns que defendem que o segmento «salvo disposição em contrário» indicia que a norma tem natureza supletiva o que permitiria que as partes acordassem com um período de renovação mínima de um ano para contratos com igual duração.
29 - Na interpretação da lei, à luz do artigo 9.° do Código Civil, há que considerar, para além da literalidade, que funciona como ponto de partida e limite da interpretação, a sua conexão com os demais elementos da interpretação da lei (sistemático, histórico, racional ou teleológico); no caso, o elemento teleológico (ratio legis), te., o fim visado pelo legislador e as soluções que visou constam da própria Lei n.° 13/2019, de 13-02, não se podendo ignorar que o mesmo refere que se visou uma uniformização do regime no que toca à duração dos contratos de arrendamento para habitação revelada na previsão do n.° 3 do artigo 1097.° do Código Civil ao estipular: «A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (…).».
30 - As partes, no caso dos autos, não convencionarem a exclusão da renovação, e nesse caso as Autoras aqui recorridas só poderão impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos na hipótese que agora é criada pelo n.° 4 do artigo 1097.°, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau, o que não foi o caso.
31 - Quanto ao direito do locador para se opor à renovação do contrato, importa ainda interpretar conjugadamente o artigo 1097.°, n.° 3, com o artigo 1096.°, n.° 1 do CC. Assim, na hipótese de o contrato ser celebrado por um ano (sem se excluir a sua renovação), como o artigo 1096.°, n.° 1, diz que a renovação do contrato opera por um período mínimo de 3 anos, o direito de oposição à renovação, previsto no n.° 4 do artigo 1097.°, só produzirá efeito no final de um período de 4 anos.»
32 - Segundo a Recorrente esta interpretação dos artigos 1096.° e 1097.° do CC é a correcta, porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.° 13/2019, 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.
33 - E é por estes fundamentos que, em suma, merece o Acórdão recorrido a devida censura, havendo que fazer uma melhor aplicação do direito e substituir o Acórdão proferido pela Veneranda Relação de Évora, por um outro que reconheça a validade do contrato de arrendamento dos autos e a ineficácia da comunicação de oposição à renovação operada pelas Autoras aqui Recorridas, com as demais consequências legais
Nestes termos e nos demais que V.as Ex.as suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, merecendo provimento, e em consequência ser o douto Acórdão de que se recorre revogado e substituído por outro que procedendo à melhor aplicação do direito declare validade do contrato de arrendamento dos autos e a ineficácia da comunicação de oposição à renovação operada pelas Autoras aqui Recorridas e em consequência, decrete a improcedência da acção e absolva a Ré aqui Recorrente dos pedidos,
E assim, V. as Ex. as farão a costumada Justiça!!!
10. As Autoras contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
11. Em 29 de Novembro de 2023, foi proferido o despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil.
12. A Ré, agora Recorrente, AA respondeu ao despacho previsto no art. 655.º nos seguintes termos.
O recurso interposto versa sobre a validade e / ou cessação de um contrato de arrendamento, e está em risco o direito a habitação da Recorrente.
Pugna-se a V.Exa pela aplicação a esta situação do art. 629.º n.º3 alínea a) do C.P.C. a este recurso.
Entendemos, pois, que a possibilidade de recorrer, nestes casos, se aplica também ao Supremo Tribunal de Justiça e que, pese embora a letra da lei, o legislador que permite o mais também permite o menos, e aplica-se assim a este recurso aquele dispositivo legal.
A Recorrente fundou também o seu recurso nas alíneas a) e b) do art. 672.º do C.P.C., porquanto está em causa uma questão de elevada relevância social, a saber:
A Recorrente é pessoa idosa e com parcos rendimentos.
Padece a Recorrente de problemas de saúde que a incapacitam.
E está em risco a Recorrente de ficar, assim, desalojada.
Por todo o exposto, requer-se a V.Exa a admissibilidade do presente recurso.
13. As Autoras, agora Recorridas, BB e CC, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de DD, responderam ao despacho previsto no art. 655.º nos seguintes termos:
1. No requerimento de interposição, a Recorrente consubstancia o seu recurso na alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC, ou seja, fundamenta a revista em “violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável”.
2. Não obstante, nas conclusões do recurso, artigo 1, justifica o recurso com a alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, que se reporta à revista excecional, quando “esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
3. Pelo que, não se percebe muito bem se a Recorrente apresenta um recurso de revista ou um recurso de revista excecional.
4. Ainda assim, se não pode o menos, também não poderá o mais.
5. Ou seja, caso não estejam preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revista, por conseguinte não estarão preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso de revista excecional.
6. Para aferir da admissibilidade, há que atentar, desde logo, nas regras gerais previstas nos artigos 627.º e seguintes do CPC.
7. Como bem elucidado no despacho proferido pelo Mm.º Juiz Relator, o presente recurso falha os requisitos da alçada e sucumbência, previstos no n.º 1 do artigo 629.º do CPC, que dispõe:
“O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”.
8. A presente causa tem o valor fixado de € 14.158,65 (catorze mil, cento e cinquenta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos) e a alçada do Tribunal recorrido é de € 30.000,00 (trinta mil euros).
9. Embora no seu requerimento de interposição de recurso, a Recorrente invoque o n.º 3 do artigo 629.º do CPC, a realidade é que o mesmo só é aplicável aos recursos para o Tribunal da Relação.
10. Não é permitida uma interpretação extensiva do referido normativo para o fazer aplicar aos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça.
11. As mais variadas razões pessoais que a Recorrente possa vir a alegar para defender a admissibilidade do recurso não se sobrepõem à lei, por razões óbvias de certeza e segurança jurídicas.
12. Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 149/22.9YLPRT.P1.S1, de 12/04/2023, “Nos termos do nº 3 al. a), do art. 629º, do CPC, é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência, mas apenas para o Tribunal da Relação e não em todas as instâncias (é sempre admissível apelação, mas já não a revista)”. [sublinhado nosso]
13. Pode ler-se no mesmo Acórdão que a jurisprudência e a doutrina vão no sentido de que “III – A limitação do direito ao recurso em função da hierarquia entre as diversas instâncias, através do estabelecimento de um sistema de alçadas e a reserva ou selecção de competências relativamente a determinada categoria de actos (designadamente as questões puramente processuais), não é susceptível de configurar qualquer tipo de negação do acesso à justiça que colida e afronte os princípios basilares de um Estado de Direito, em termos do respeito e garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, prescrito no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, desde que do funcionamento prático dessa concreta estrutura recursória, antecipadamente conhecida e vigente, não venha a resultar qualquer situação de arbítrio, tratamento discriminatório ou casuístico que ofenda, nessas anómalas circunstâncias, a equidade e a garantia da tutela jurisdicional.”
14. Pelo supra exposto, dúvidas não restam de que o recurso apresentado não é legalmente admissível, pelo que deve ser rejeitado, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC.
II. — FUNDAMENTAÇÃO
11. A Ré, agora Recorrente, interpôs recurso de revista excepcional.
12. O recurso de revista excepcional pressupõe o preenchimento dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, designadamente dos requisitos relacionados com o conteúdo da decisão recorrida — art. 671.º, n.º 1 —, com a alçada e com a sucumbência — art. 629.º, n.º 1 —, com a legitimidade dos recorrentes — art. 631.º — e com a tempestividade do recurso — art. 638.º do Código de Processo Civil 1.
13. Em consequência,
“[p]ara se determinar se é, no caso, de admitir a revista excepcional, deve começar por se apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade da revista, rejeitando logo o recurso, sem necessidade de apreciação dos requisitos específicos, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos” 2.
14. O art. 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil determina que
O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
15. Ora, o tribunal de que se recorre é o Tribunal da Relação e a alçada da Relação é, desde 1 de Janeiro de 2008 3, de 30 000 euros 4.
16. O valor da causa foi fixado pelo Tribunal de 1.ª instância em 14.158,65 euros — com o seguinte explicação: “(300x30 meses=9.000,00+ € 5.158,65) – (catorze mil cento e cinquenta e oito euros e sessenta e cinco cêntimos) - art.296.º, 297.º, n.º 1, 298.º, n.º 1 e 306.º, do Código de Processo Civil”.
17. Embora o art. 629.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil determine que,
“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação:
a) Nas ações em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com exceção dos arrendamentos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios; […]”
a disposição legal em causa assegura, tão-só, o recurso para o Tribunal da Relação e não para o Supremo Tribunal de Justiça 5.
18. O art. 629.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil assegura um segundo grau de jurisdição 6, e só um segundo grau de jurisdição 7.
19. O caso sub judice é um dos casos prototípicos em que o Tribunal da Relação conhece do objecto do processo enquanto tribunal de recurso, e só enquanto tribunal de recurso 8-
20. Em tais casos prototípicos, o art. 629.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Civil assegura o recurso para o Tribunal da Relação, e só o recurso para o Tribunal da Relação.
21. Ora, no caso sub judice, a Ré, agora Recorrente, pretende o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
22. Em termos em tudo semelhantes aos da fundamentação do acórdão do 14 de Setembro de 2023 — processo n.º 13600/21.6T8PRT.P1.S1 —, dir-se-á que
“a situação de ‘recurso sempre admissível’, invocada pelo recorrente e fundada no artigo 629.º, n.º 3, al. a) do CPC, não se verifica[] pois o que está em causa é um recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e não para a Relação”.
III. — DECISÃO
Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pela Recorrente AA, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe haja sido concedido.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2024
Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)
José Maria Ferreira Lopes
Sousa Lameira
_____
1. Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1 — e de 26 de Novembro de 2019 — processo n.º 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.
2. Cf. acórdão do STJ de 22 de Fevereiro de 2018 — processo n.º 2219/13.5T2SVR.P1.S1.
3. Cf. arts. 24.º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 303/207, de 24 de Agosto, entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2008, nos termos do art. 12.º, n.º 1, deste Decreto-Lei.
4. Cf. arts. 44.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
5. Cf. acórdãos do STJ de 13 de Setembro de 2022 — processo n.º 1119/19.0YLPRTA.S1.L1.S1 —, de 12 de Abril de 2023 — processo n.º 149/22.9YLPRT.P1.S1 — e de 14 de Setembro de 2023 — processo n.º 13600/21.6T8PRT.P1.S1.
6. Cf. acórdão do STJ de 13 de Setembro de 2022 — processo n.º 1119/19.0YLPRTA.S1.L1.S1.
7. Cf. acórdãos do STJ de 12 de Abril de 2023 — processo n.º 149/22.9YLPRT.P1.S1 — e de 14 de Setembro de 2023 — processo n.º 13600/21.6T8PRT.P1.S1.
8. Cf. acórdão do STJ de 13 de Setembro de 2022 — processo n.º 1119/19.0YLPRTA.S1.L1.S1.