RECURSO DE APELAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
APROPRIAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
Sumário


A conclusão retirada pelo Tribunal recorrido de que o réu que fez transferências da conta do condomínio para a sua conta bancária pessoal e de terceiros, sem justificar tais transferências, fez dos respectivos montantes coisa sua, apresenta-se, neste caso, como elementar e evidente.

Texto Integral


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I – Relatório

I.1 – relatório

AA apresentou recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08 de Novembro de 2022 que revogou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e condenou o réu no pagamento ao A da quantia de €28.511,69 (vinte oito mil quinhentos e onze euros e sessenta nove cêntimos) a que acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão da Relação de Lisboa que, alterando a matéria de facto, revogou a decisão proferida em primeira instância, condenando o Recorrente a pagar ao Recorrido no montante de €28.508,69, acrescidos de juros desde a citação, a título de indemnização resultante de Responsabilidade Civil Extracontratual.

II. Se, em regra, a determinação da matéria de facto está subtraída à cognição do Supremo Tribunal, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá censurar a decisão do Tribunal da Relação quando o uso de presunções tiver conduzido à violação de normas legais.

III. Isto é, cabe ao STJ decidir, perante o caso concreto, se era ou não permitido o uso de tais presunções.

IV. Ou seja: o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação no sentido de averiguar se ela "ofende qualquer norma legal, se padece de alguma ionicidade ou se parte de factos não provados." In Acórdão do STJ de 07-07-2016.

V. No âmbito da de responsabilidade extracontratual, o ónus da prova impende, nos termos do disposto no artigo 342.º do CPC, sobre o lesado, ou seja, cabe ao lesado provar todos os factos que integram a responsabilidade civil, nos termos do disposto no artigo483.ºdo Código Civil.

VI. Isto é, o lesado tem de alegar e provar (i) existência de um facto voluntário praticado pelo agente lesante, (ii) a ilicitude, (iii) a culpa, (iv) o dano e o (v) nexo de causalidade entre o facto e o dano.

VII. Sucede que a decisão proferida pela Relação alterou a matéria de facto, eliminando factos dados como provados pela 1.ª Instância, e como deu como provados outros que não têm nem assento na prova produzida, nem nas regras da experiência comum, consequentemente violando o disposto no artigo349.º do Código Civil.

VIII.Sem prejuízo do supra exposto, importa ter presente o seguinte:

IX. A procuração junta com a PI, outorgada pela administração do Condomínio, está datada de16 de janeiro de 2018.

X. Por sua vez, a deliberação do Condomínio que determinou a instauração dos presentes autos, data de26 de novembrode2019, conforme ata junta coma PI como documento19.

XI. Ora, a procuração forense com data anterior à celebração e propositura desta ação, assinada por quem estava a cessar o mandato e quando já tinha sido nomeada uma nova administração do condomínio - que iria tomar posse na reunião seguinte- configura irregularidade do mandato.

XII. Os presentes autos são de constituição obrigatória de advogado (cfr. artigo 40.º do Código de Processo Civil) e, como tal, a falta ou insuficiência de mandato determina, senão suprida, uma exceção dilatória (art.577.º, alínea h), do Código de Processo Civil), a qual pode ser arguida a todo o tempo.

XIII.Nestes termos, deve ser declarada verificada a exceção ora invocada e, em consequência, ser o R absolvido da instância (artigo 278.º n. ºalínea b) do Código de Processo Civil).

XIV. Caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder:

XV. Na definição da matéria de facto provada, e conforme já referido supra, violou-se por erro de aplicação e interpretação, o disposto nos artigos 342.º e349.º do Código Civil. Vejamos:

XVI. Conclui-se no Acórdão recorrido existir contradição entre factos dados como provados pela Primeira Instância (al. JJ) e LL), nn) e oo)), sendo, consequentemente, os mesmos eliminados dos factos provados.

XVII. Não existe, porém, e como se verá, qualquer contradição.

XVIII. O Recorrente exerceu o seu mandato entre 2011 e até 15 de maio de 2015 (cfr. nota 3 de página 20 do Acórdão recorrido). Ora, as contas de 2015 não foram elaboradas pelo Recorrente, mas pelo administrador que se seguiu, e como tal não lhe pode ser imputada qualquer divergência.

XIX. Mas, na verdade, percorrendo a matéria de facto dada por provada pelas Instâncias, em nenhum momento se encontra o valor das citadas divergências.

XX. O único documento junto aos autos com referência à alegada "divergência" é o documento 9 junto com a PI, no qual se diz expressamente "como apuramento das contas de 2015 verificou-se uma diferença líquida de 2061,65€ que não sendo do exercício de 2015 se presumiu poder ter origem em anos anteriores."

XXI. Ora, os condomínios têm uma única receita: as contribuições dos condóminos; e têm despesas diversas: água, administrativas, eletricidade, elevadores, limpeza, obras, salário de porteira e vigilantes, segurança social, seguro de acidentes de trabalho, seguro do condomínio, e remuneração da administração se a ela houver lugar.

XXII. As contas de um condomínio são prestadas sob a forma de conta corrente de despesas e receitas, com transferência de saldos de um ano para o outro.

XXIII. Não há reconciliações bancárias, nem se aplicam aos condomínios as regras de normalização contabilística previstas no Decreto-Lei n. º158/2009, de13de julho alterado pelo Decreto-Lei n.º 98/2015de 2 de junho que fez a transposição de uma diretiva comunitária.

XXIV. Os administradores de condomínio prestam contas às assembleias de condomínio e estão obrigados a fornecer todas as informações que lhe forem pedidas.

XXV. Os movimentos das contas bancárias, não são elemento da contabilidade do condomínio, e não são elementos relevantes dessa mesma prestação de contas. Outrossim o são o valor dos saldos das contas bancárias e o total das receitas e os valores de despesas.

XXVI. Acresce que nenhuma norma existe que impeça, exceto o bom senso para evitar confusões patrimoniais, um administrador do condomínio de fazer pagamentos através de uma conta bancária em seu nome.

XXVII. Ora, os condóminos do Recorrido receberam em assembleias gerais de prestação contas todas a informações relevantes à data das assembleias do Recorrente com os documentos de suporte às mesmas contas.

XXVIII. Como consta da factualidade provada constante das alíneas j) e l) e m) e n), só em 2017 foi apontada a falta dos documentos de suporte das contas apresentadas pelo Recorrente nos anos em que foi administrador; ou seja, dois anos após o Recorrente ter cessado a sua administração e deixado de ter em seu poder os documentos do condomínio.

XXIX. Note-se que na assembleia geral de 2016 que ocorreu em 27 de outubro, (cfr. DOC 6 junto com a PI) o administrador que apresentou contas de 2015, as quais não foram aprovadas, nunca refere a falta dos documentos do condomínio, e só em agosto de 2017 (cfr. factos provados sob as alíneas r), s), t) e x)) é questionado o Recorrente assim como o administrador que lhe sucedeu, o senhor BB, sobre a localização dos documentos.

XXX. Ou seja, não existe nenhuma contradição entre os fatos provados nas alíneas i), n) e j), l), m), p) e os JJ) e LL) que permitisse a eliminação pura e simples desta factualidade provada.

XXXI. Cabia ao Recorrido alegar e provar qual era a divergência entre as contas e os saldos bancários e não só alegar que haveria uma divergência.

XXXII. Para cumprir o ónus de alegação e prova que sobre si impendia, mercê do disposto nos artigos342.ºe 483.º do Código Civil, era absolutamente necessário que o Recorrido tivesse alegado e demonstrado a medida dessa divergência.

XXXIII. Nomeadamente, para que pudesse ser julgada procedente a ação, o Recorrido teria de ter alegado - o que não fez - que os pagamentos referidos na alínea b) dos factos provados, bem como as transferências, importavam um deficit nas contas do condomínio.

XXXIV. Ou seja, o Recorrido teria de identificar concretamente qual montante em falta para se poder concluir, como impropriamente se refere no Acórdão recorrido, um desfalque.

XXXV. Ora, analisada toda a prova produzida nunca se alcança que o valor do pedido esteja em falta quer nas contas do condomínio, quer nas contas prestadas e aprovadas, quer ainda nos saldos bancários.

XXXVI. O Recorrido em momento algum alega qual era o valor de receita do condomínio nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, ou 2015.

XXXVII. Muito menos alega- nem tal consta dos factos provados e não aprovados - qual foi o saldo apurado em cada um destes anos.

XXXVIII. Também não alega, nem demonstra, que somando ao saldo bancário inicial (janeirode2011) as cotizações dos condóminos e deduzindo as despesas, está em falta nas contas bancarias o valor em que o Recorrente foi condenado.

XXXIX. Os valores que constam de contas aprovadas em assembleia geral e não impugnadas, nunca são referidos pelo Recorrido.

XL. Diz-se no douto Acórdão recorrido que não está demonstrado que as transferências bancárias e pagamentos elencados em p) e u) tenham sido efetuados para suportar de despesas de administração do condomínio, o que deveria ter ocorrido, ainda que fossem quantias muito pequenas.

XLI. Acontece que as contas do condomínio foram aprovadas e nestas constam as despesas efetuadas.

XLII. Em maio de 2015, o Recorrente deixou a administração do condomínio e, como tal, a documentação ficou ao cuidado das administrações subsequentes. E caberia ao Recorrido alegar e demonstrar que os pagamentos e transferências efectuadas não o foram em benefício do condomínio (cfr. artigo 342.ºdo Código Civil).

XLIII. E mesmo que assim não fosse, tendo desaparecido os documentos de suporte da contabilidade, esse facto não pode ser valorado contra o Recorrente como se faz no douto Acórdão recorrido, mas sim valorado contra quem tinha a disponibilidade legal, e de facto, os documentos e a obrigação de conservar a documentação, e que é o Recorrido(artigo 344.ºdoCódigoCivil).

XLIV. Discorre-se no douto Acórdão recorrido sobre o bloqueio da conta do Barclays dando como não provado do tal facto, porque constam da mesma movimentos a débito e a crédito.

XLV. Acontece que os documentos juntos com a PI referentes a extratos bancários os mesmos são não do Barclays, mas da Caixa Geral de Depósitos.

XLVI. Por outro lado, os €30.000,00 de disponibilidades bancarias do condomínio, uma parte substancial, corresponde ao fundo de reserva, que no termos da lei está subtraído à administração do condomínio sendo a sua administração da assembleia de condóminos.

XLVII. Como consta do balancete de 2012,o fundo de reserva era de €25.018,96 e foram usados cerca €20.000,00 na realização das obras que tiveram lugar no ano de 2012 e que ascenderam a €30.178,10 (cfr. DOC 3 junto com a PI) e em 2013, o fundo de reserva passou para 5.000,00€(cfr.DOC4 junto coma PI).

XLVIII. As disponibilidades do condomínio são exclusivamente os valores das cotizações dos condóminos, não os valores do fundo de reserva, que, como decorre da lei, deve estar depositado em conta bancária (cfr. artigo 4.ºdo DL n.º 268/94, de25 de outubro, atualizado pela Lei n.º 8/2022, de10/01).

XLIX. A administração esteve impedida de movimentar a conta do Barclays durante todo o ano de 2011, até Fevereiro de 2012, como consta dos documentos juntos em 6/07/2022. É nisto que consistiu o bloqueio. E todas as despesas do condomínio foram pagas pelo Administrador, ora Recorrente.

L. A documentação de suporte das despesas ficou na posse do administrador que sucedeu ao Recorrente e desapareceu. O que, como é por demais evidente, não permite dar como provado que as transferências efetuadas pelo Recorrente não tinham justificação de facto, tanto mais que todas as despesas foram aprovadas em Assembleia de Condóminos.

LI. À Assembleia de Condóminos cabe aprovar orçamentos e contas, a gestão dos pagamento cabe à Administração do Condomínio (cfr. artigos 1436.º do Código Civil e1431.º todo do Código civil).

LII. Assim, inexiste qualquer fundamento jurídico para a eliminação dos pontos nn) e oo) dos factos provados.

LIII. No douto Acórdão, mais uma vez, em violação do disposto no artigo 342.º, alterou-se a redação da alínea u). dos factos provados, dando como não documentados os factos ali mencionados, dizendo que os mesmos não constam do balancete. Ora, um balancete de um condomínio não comporta a enumeração dos movimentos bancários.

LIV. A Relação parte do pressuposto errado e não demonstrado, que em 2011, 2012 e2013 não havia documentos de suporte destes movimentos.

LV. Porém, essa realidade não está demonstrada, nem indiciariamente.

LVI. Como decorre dos factos provados sobre as alíneas j) el) e m) e n), só em 2017 foi apontada a falta dos documentos. Pelo que ao dar como provada a nova redação da alínea u), a mesma está em contradição com os factos provados dados como provado nas alíneas j) e l) e m) e n).

LVII. E, fazendo uso de um raciocínio errado, porque assente em premissas erradas, em juízos de direito errados, em violação da matéria e regras do ónus da prova, a Relação determina que seja aditado o facto u) coma seguinte redação: "O R apropriou-se em proveito próprio das quantias discriminadas no ponto u), num montante total de €28.511,69".

LVIII. Ora, não havendo nem alegação, nem prova do dinheiro que deveria existir nas contas bancárias- que não existe -, considerando a aprovação das contas e em consequência das despesas, e das receitas do condomínio nos anos de 2011, 2012 ,2013,2014 e 2015, a inexistência de dívidas do condomínio, não é possível por absoluta e inultrapassável ausência de factos que permitam concluir que o Recorrente se apropriou de qualquer verba do Recorrido e muito menos da quantia de €28.511,69.

LIX. A existência de transferências para a sua conta ou de terceiros é insuficiente para se concluir como se concluiu no douto Acórdão recorrido, sendo certo que não é possível, conforme referido supra, imputar ao Recorrente a falta da documentação de suporte.

LX. Nas presunções simples ou naturais (art. 349.ºdo Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade e dos princípios da lógica.

LXI. Sem que haja demonstração das "divergências" e de valores em falta nas contas bancária do condomínio, não é possível concluir, como se concluiu no douto acórdão recorrido, que o Recorrente tenha "desfalcado" dinheiro do Recorrido.

LXII. Resulta do supra exposto, salvo o devido respeito e melhor opinião, de forma clara, que no Acórdão recorrido violou-se por erro de aplicação e interpretação o disposto nos artigos 342.º e 349.º do Código Civil.

LXIII. Pelo que deve ser eliminado este facto da matéria de facto provada.

LXIV. A alteração da matéria de facto ora requerida compreende-se dentro dos poderes, ainda que restritos, no que respeita à sindicância da matéria de facto por parte do Supremo Tribunal de Justiça.

LXV. Com efeito, como refere o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro António Abrantes Geraldes em "Recursos em Processo Civil",7.ª Edição,Almedina,pág.478, "sem embargo de outras intervenção previstas nos artigo 682.º e 683.º e até de iniciativa do próprio Supremo no que concerne a aproveitar para a decisão factos plenamente provado ou a excluir da mesma factos que foram considerados provados pelas instâncias com violação de regras de direito probatório material, (…), pode constitui fundamento de Revista a violação de disposição legal expressa que exige certa espécie de prova ou fixe a respetiva prova ou fixe a respetiva probatória. Final, em tais situações, defrontamo-nos com verdadeiros erros de direito que, nesta perspetiva, se integram também na esfera de competência do Supremo. Em concretização de cada uma destas exceções, o Supremo pode cassar uma decisão cassada em determinado facto cuja prova, dependente de documento escrito, foi declarada a partir de prova testemunhal, de documento de valor inferior ou de presunção judicial. Por seu lado, deverá também introduzir as modificações na decisão da matéria de facto que se revelem ajustadas quando, por exemplo, tenha sido descurado o valor probatório pleno de determinado documento ou tenham sido desatendidos os efeitos legais de uma declaração confessória ou acordo das partes" (realce nosso).

LXVI. O artigo483.º do Código civil define os requisitos da responsabilidade civil e o artigo562.º Código civil os limites e obrigação de indemnizar.

LXVII. Ora, não é possível à luz da factualidade provada, determinar nem a ilicitude da conduta, nem os danos do Recorrido, nem o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

LXVIII. Concretamente os factos apurados não permitem determinar a existência de dano ao Recorrido.

LXIX. Não se provando o dano, não há nexo de causalidade e como tal, inexiste responsabilidade civil, pois a conduta não se subsume à previsão do artigo483.º do Código Civil, e como tal não existe obrigação de indemnizar.

LXX. Consequentemente, deve o Recorrente ser absolvido do pedido, mantendo-se decisão proferida pela Primeira Instância.

LXXI. Nestes termos e nos mais de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve ser julgado procedente, por provado, o presente recurso e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido, com a consequente absolvição do Recorrente do pedido.

O recorrido, Condomínio Avenida João XXI, apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.


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I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto nos art.º 671.º do Código de Processo Civil.


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I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Irregularidade do mandato conferido ao Advogado do condomínio autor;

2. Violação do direito probatório material no acórdão recorrido na parte em que «eliminou» dos factos provados os constantes das alíneas nn) e oo) (conclusão LII) e no aditamento do facto provado u-1) (conclusão LVII);

3. Erro na aplicação do direito pela circunstância de na factualidade provada não ser possível «determinar nem a ilicitude da conduta, nem os danos do recorrido, nem o nexo de causalidade entre o facto e o dano» (conclusão LXVII).


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I.4 - Os factos

O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

a. O réu é condómino no prédio sito na Avenida João XXI, n°s. 4 a 4F, em Lisboa, por ser proprietário da fracção k que corresponde ao quinto andar direito do referido prédio;

b. Na assembleia de condóminos realizada no dia 26 de Maio de 2011 o réu foi nomeado Administrador do condomínio e foi reconduzido nessas funções nos anos de 2012, 2013, 2014 e parte de 2015;

c. No mesmo período em que o réu exerceu funções de Administrador exerceu funções de Secretária a Sra. Prof. Doutora CC;

d. Enquanto exerceu funções de Administrador cabia especialmente ao réu:

. Cobrar receitas e pagar despesas;

. Movimentar a conta bancária do condomínio a débito e a crédito;

. Prestar contas da sua administração ao condomínio;

. Conservar e guardar os documentos do exercício

e. O réu prestou contas nas assembleias de condóminos convocadas para o efeito, com referência aos anos em que exerceu funções de Administrador, nas quais apresentou um balancete com as despesas e receitas do respectivo exercício, as quais foram aprovadas pela assembleia;

f. Nas assembleias referidas no artigo precedente, o réu, na qualidade de Administrador, fazia uma exposição sobre os principais assuntos do condomínio que era apoiada com o balancete apresentado no qual indicava os valores de receitas e despesas, distribuídas pelos respectivos itens;

g. Os condóminos, à semelhança do que aconteceu com os Administradores anteriores, confiavam no réu e aceitaram sempre como suficiente as suas informações verbais e as constantes do balancete apresentado na assembleia;

h. Enquanto exerceu funções de Administrador o réu foi a pessoa que exclusivamente movimentou a conta bancária do condomínio a débito e a crédito;

i. No ano de 2016, quando a assembleia de condóminos apreciava as contas do exercício de 2015, foram detectadas divergências entre o saldo inicial contante do extracto bancário de 2015 (Janeiro) e o valor indicado pelo réu em balancete respeitante ao valor do saldo final de 2014 (reportado a 31 de Dezembro);

j. Tal divergência não permitiu a aprovação das contas do ano de 2015, pois os condóminos entenderam ser necessário apurar a razão de ser da divergência detectada;

l. Na assembleia de condóminos de 6 de Junho de 2017 dois condóminos propuseram que fosse «encontrada uma entidade externa para que, com isenção e distância, refizesse as contas»;

m. O que foi aprovado pelos condóminos;

n. A Administração em exercício, nomeada também na assembleia de condóminos de 6 de Junho de 2017, apurou que na sala do condomínio não estavam as pastas dos documentos do condomínio respeitantes aos anos de 2011 a Maio de 2015, ou seja, as referentes ao período de tempo em que o réu exerceu funções de Administrador;

o. A entidade externa apenas pode fazer a confrontação dos extractos bancários com os balancetes apresentados entre 2010 e 2016, tendo detectado divergências de valores nos anos de 2011 a 2015;

p. Do exame dos extractos bancários respeitantes ao período em que o réu exerceu funções de Administrador, apurou-se a existência de diversos movimentos bancários e transferências para a conta pessoal do réu e para entidades desconhecidas do condomínio, sem que existisse no arquivo do condomínio, à data em que foram detectadas, qualquer comprovativo documental que justificasse tais movimentos;

q. A Administração em exercício e um conjunto de condóminos que vinham acompanhando o problema decidiram que o réu deveria ser contactado formalmente para esclarecer a situação dos documentos no período em que exerceu funções de Administrador;

r. Em 10 de Agosto de 2017, por correio electrónico dirigido ao réu, o condómino Sr. Eng. DD escreveu o seguinte:

«Boa tarde Sr. AA,

Na sequência da passagem de funções para a nova administração do prédio da Av. João XXI nr. 4, ao fazermos uma verificação das pastas existentes no arquivo da sala do condomínio, foi verificada a total ausência de documentos relativos à gestão dos anos de 2011 a Maio de 2015 de que o Sr. foi administrador.

Não existe nenhum orçamento, nenhuma factura, nenhum extracto bancário deste período no arquivo.

O administrador cessante, Sr. BB, esclareceu-nos que não tinha em posse estes documentos.

Creio que é legítimo então assumir que muito provavelmente ainda estarão em sua posse. Agradecia a sua confirmação desta assumpção?

Sendo esta documentação importante e propriedade do condomínio, caso estejam em sua posse gostaria de agendar, com a maior brevidade, a sua devida entrega à actual administração da qual faço parte com as funções de secretário. Só assim se pode completar devidamente o aquivo deste condomínio, sendo que se trata de uma obrigação legal manter toda a documentação por um período de mais de 5 anos (nalguns casos 10 anos), sem outro assunto, com os melhores cumprimentos,

DD»

s. Respondeu o réu, no dia 11 de Agosto de 2017, dizendo o seguinte:

«Senhor DD, bom dia.

Creio que não nos conhecemos. As minhas felicitações por fazer parte da actual administração de condomínio com as funções de secretário.

Ultimamente têm chegado ao meu conhecimento situações muito graves de insegurança no prédio.

A Sra. D. EE (a nossa prestimosa porteira) informou terem sido fracções assaltadas no nosso prédio durante o dia, incluindo-se o meu apartamento, uma vez que tive de recorrer às Chaves do Areeiro e mudar as fechaduras num investimento muito avultado.

0 Sr. Condómino da fracção do 3° andar direito, informou-nos a todos que a sua arrecadação teve um ato de vandalismo, sendo a segunda vez que tal acontece. Partilhou fotos e avisou as autoridades.

Deixei a gestão do prédio há mais de 2 anos. Eventuais pastas e documentos em falta nesta data não podem arrogados, não fazendo eu próprio a mais pequena ideia do que possa ter acontecido.

Pelo exposto, dada a gravidade da situação, seria de ponderar a intervenção da Polícia Judiciária para investigar o que de errado está a acontecer no prédio.

... AA»

t. No dia 9 de Outubro de 2017, o condómino Sr. Eng. DD enviou ao condómino Sr. BB (que sucedeu ao réu no cargo de Administrador) um email com o seguinte teor:

«Boa noite BB,

No dia 10 de Agosto de 2017 enviei um mail, com o BB em cópia, ao Sr. AA

Rodrigues questionando-o sobre a documentação do condomínio relativamente ao período 2011-2015 (facturas, orçamentos, extractos bancários, etc) uma vez que esta não se encontra na sala do condomínio. Ele respondeu que não sabia.

0 BB não passou esta documentação para a actual Administração aquando a transferência de pastas uma vez que, segundo então nos informou na altura, desconhecia a sua localização.

Preciso da sua confirmação acerca das seguintes questões:

Alguma vez lhe foi passada esta documentação, relativa aos anos 2011-2015, quando tomou posse como Administrador?

Alguma vez a viu?

Agradecia uma resposta o mais breve possível.

Cumprimentos,

DD»

u. No mesmo dia respondeu também por email o condómino BB informando o seguinte:

«Boa noite DD,

A documentação que eu vi e que me foi passada, está toda naquela pasta de capa branca, que vos passei.

Tudo o que me foi passado está nessa pasta, foi-me entregue pelo senhor AA, se existe mais documentação nunca a tive na minha posse, nem nunca a vi.

Cumprimentos,

BB»

v. Do exame aos documentos facultados pela Caixa Geral Depósitos (extractos bancários e informação) verificou-se, a existência dos seguintes movimentos bancários, que não estavam à data, documentados: com a alteração introduzida pelo Tribunal recorrido

Com referência ao ano de 2011:

a). Em 01.10.2011, pagamento antecipado, valor débito: 1.000,00 €;

b). Em 19.]0.21011, pagamento regular, valor débito: 700,00 6;

c). Em 10.11.2011, reforço a fornecedor, valor débito: 500,00 6;

d). Em 17.11.2011, pagamento a terceiros, valor débito: 1.500,00 €;

e). Em cobrança, valor débito: 122,38 6.

Total: 3.822,38 euros –

ano de 2012

1 - 13/02/2012 - pagamento validado, valor débito: 1.000,006;

2 - 04/03/2012 - pagamento antecipado, valor débito: 800,00€;

3 - 19/03/2012 - antecipa obras, valor débito: 1.000,006;

4 - 23/07/2012 - E........, valor débito: 4.438,006;

5 - 23/07/2012 - U.... ......., valor débito: 250,006;

6 - 20/08/2012 - U.... ......., valor débito: 250,006;

7 - 22/08/2012 - trabalhos extra, valor débito: 437,696;

8 - 13/12/2012 - Factura 2012, valor débito 313,626.

Total: 8.529,31 euros.

Ano de 2013:

1 - 19/05/2013 - Transferência de 500,00 €, para conta de AA;

2 -19/06/2013 - Transferência de 750,00 €, para conta de AA;

3 -19/08/2013 - Transferência de 1.500,00 €, para conta de AA;

4 - 20/08/2013 - Transferência de 400,00 €, para conta de AA;

5 - 06/09/2013 - Transferência de 900,00 €, para conta de AA;

6 - 22/09/2013 - Transferência de 800,00 €, para conta de AA;

7 - 27/09/2013 - Transferência de 1.000,00 €, via Caixa directa Empresas;

8 - 10/10/2013 - Transferência de 600,00 €, para conta de AA;

9 - 18/10/2013 - Transferência de 550,00 €, para conta de AA;

10 - 30/10/2013 - Transferência de 500,00 €, para conta de AA;

11 - 08/11/2013 - Transferência de 600,00 6, para conta de AA;

Total: 8.100,00 euros.

Ano de 2014:

1 - 19/01/2014 - Transferência de 800,00 €, para conta de AA;

2 - 06/03/2014 - Transferência de 800,00 €, para conta de AA;

3 - 24/07/2014 - Transferência de 1.960,00 e, para conta de FF - com descritivo Pagamento Obra Zuric;

4 - 14/10/2014 - Transferência de 500,00 €, para conta de GG - com o descritivo 1 Pag P011349993 - Sinistro Escada Apartamentos;

5 - 18/11/2014 - Transferência de 1.500,00 €, para conta de J..., Unipessoal - com o descritivo obras;

6 - 21/11/2014 - Transferência de 2.500,00 €, para conta de JJ..., Unipessoal - com o descritivo obras;

Total: 8.060,00 €

Foi aditado a este ponto pelo Tribunal recorrido – o seguinte:

O R apropriou-se em seu proveito próprio das quantias discriminadas no ponto V, num montante total de €28.511,69.

w. No dia 3 de Novembro de 2017, o Advogado signatário, em representação da Administração do Condomínio, enviou carta registada com A/R ao réu nos termos da qual, resumidamente, deu conhecimento dos movimentos bancários detectados (os identificados anteriormente) e solicitou ao réu que prestasse os esclarecimentos que entendesse convenientes.

x. Respondeu o réu por carta de Ilustre Advogado, datada de 10 de Novembro de 2017, dirigida ao Advogado do Condomínio;

z. No dia 27 de Novembro de 2017 a Administração do Condomínio convocou a assembleia de condóminos para o dia 13 de Dezembro de 2017, com a seguinte Ordem de Trabalhos:

«Autorizar a Administração a instaurar acção especial de prestação de contas em representação do Condomínio contra o Condómino Dr. AA, respeitante aos exercícios de 2011 a 2014, podendo confessar, transigir ou desistir na acção e constituir mandatário judicial com poderes forenses,

Junta-se em anexo à convocatória os seguintes documentos para informação dos condóminos:

a) carta do Advogado do Condomínio datada de Novembro de 2017;

b) extracto da conta da CGD do ano de 2012;

c) declaração da CGD de 13 de Outubro de 2017 (exercícios 2013 e 2014);

d) carta do Advogado do Sr. AA datada de 10 de Novembro de 2017;

e) Informação do Advogado do Condomínio de 22 de Novembro de 2017

aa. Na assembleia de condóminos realizada no dia 13 de Dezembro de 2017 foi aprovado por unanimidade o ponto único da ordem de trabalhos, com os votos dos condóminos presentes que representavam 67% do capital investido;

bb. Nos termos da referida deliberação foi a Administração em exercício autorizada pela assembleia de condóminos a instaurar acção especial de prestação de contas contra o condómino Dr. AA, respeitante aos exercícios de 2011 a 2014, podendo confessar, transigir ou desistir na acção e constituir mandatário judicial com poderes forenses;

cc. Posteriormente, veio ainda a apurar-se que, com referência ao exercício de 2011, o réu, enquanto Administrador, efectuou os seguintes movimentos a débito na conta do condomínio de que, à data, não existem documentos justificativos e/ou identificação da 6 pessoa ou entidade beneficiária dos mesmos, nem referência no balancete apresentado pelo réu:

Em 01.10.2011, pagamento antecipado, valor débito: 1.000,00 €;

Em 19.10.21011, pagamento regular, valor débito: 700,00 €;

Em 10.11.2011, reforço a fornecedor, valor débito: 500,00 €;

Em 17.11.2011, pagamento a terceiros, valor débito: 1.500,00 €;

Em cobrança, valor débito: 122,38 €.

Total: 3.822,38 euros

dd. Em 27 de Fevereiro de 2018, o autor instaurou acção especial de prestação de contas contra réu, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, juízo Local Cível, que foi distribuído ao Juiz ..., processo n\ 4579/18.2...

Na acção foram formulados os seguintes pedidos:

Ser o réu condenado a prestar contas relativamente aos movimentos bancários a débito sobre a conta do Condomínio autor, por ele réu efectuados entre 2011 e 2014 e identificados nos arts. 36', 37°, 38° e 51° da p.i.;

Ser o réu condenado no pagamento do saldo devedor entre receitas e despesas de corrente da correcção das contas anteriormente apresentadas que vier a ser apurado na presente acção.

ee. 0 réu, na referida acção, contestou a sua obrigação de prestar contas;

ff. A final, na referida acção, foi proferida douta sentença, confirmada por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, que julgou a acção improcedente e absolveu o réu, no essencial com os seguintes fundamentos que se transcrevem (págs. 16 e 17 do douto Acórdão):

«As contas relativas aos anos de 2012 a 2014 foram já apreciadas e aprovadas em assembleia condóminos expressamente convocados para esse efeito, pelo que a obrigação do administrador foi cumprida e integralmente satisfeita.

Quaisquer divergências que sejam, entretanto, detectadas apenas podem ser acauteladas através de acção própria visando a condenação do apelado no montante respectivo.

A este propósito, importa referir que o apelante refere que o objecto da presente acção é saber se despesas efectuadas pelo R., pagas através de movimentos bancários em conta do condomínio, foram ou não legítimas e corretas e se estão documentadas, o que constitui causa de pedir bastante para uma acção declarativa comum, mas já não para uma acção de prestação de contas, na qual o fundamento tem de ser a recusa ou ausência de prestar contas, o que não se verifica no caso vertente, face à anterior prestação de contas em assembleia de condóminos a sua aprovação, sendo certo que o prazo da respectiva impugnação se moa Lra já decorrida.

Consequentemente, não existindo qualquer obrigação de prestar contas por parte do apelado, tem de ser concluir pela improcedência da apelação e pela manutenção da sentença recorrida.

V. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.»

gg. Tendo presente o decidido no douto Acórdão, a Administração do Condomínio autor convocou assembleia de condóminos para o dia 26 de Novembro de 2019, com a seguinte ordem de trabalhos:

«1. Dar conhecimento do Acórdão do Tribunal da Relação de 05 novembro 2019;

2.. Deliberar sobre a instauração de acção de condenação emergente de responsabilidade civil contra o condómino Sr. Dr, AA, com vista à sua condenação no pagamento/justificação da quantia 49.017,00 euros ao Condomínio do prédio da Av. João XXI, n°s. 4 a 4F, em Lisboa, por actos ilícitos praticados no exercício das funções de Administrador do Condomínio nos anos 2011 a 2015;

3.. Deliberar autorizar a Administração do condomínio na pessoa do Administrador, a interpor acção referida na alínea anterior, conferindo-lhe poderes para constituir Advogado com poderes forenses, podendo o Administrador, na referida acção, confessar, desistir ou transigir no prédio

gg) No dia 26 de Novembro de 2019 reuniu a assembleia de condóminos, com a presença de condóminos representantes de 68% do condomínio, que deliberou aprovar por maioria os pontos 2 e 3 da ordem de trabalhos referida no artigo precedente, tendo o Administrador sido autorizado a interpor acção de condenação do réu para exigir o pagamento da quantia de 49.017,00 euros por actos ilícitos praticados no exercício das funções de Administrador do Condomínio nos anos de 2011 a 2015.

hh. O réu sabia que ao ser nomeado Administrador iria gerir bens alheios, designadamente os bens do Condomínio autor e que no exercício das referidas funções, estava obrigado a actuar com zelo e diligência de um bom pai de família

ii. 0 R. cessou as suas funções de Administrador em 15 de Maio de 2015, apresentou contas, como no final dos restantes mandatos, de uma forma clara e transparente e, sem reparos, mereceu a aprovação por unanimidade, como se comprova no texto da Acta 26, Ia pág., último e penúltimo parágrafos, destacando-se:

deu-se início à ordem de trabalhos. A administração passou a apresentar rubrica a rubrica o orçamento que foi executado"; (...) "Após clarificação de todas as rubricas de despesa, alguns condóminos manifestaram vontade de poder vir a ser reforçada em 2015 o fundo de reserva”,

jj. O ora R. atempadamente apresentou, sempre, as respectivas contas com balancetes minuciosos, claros, esclarecidos e sempre suportados e fundamentados pelos respectivos documentos e sempre acompanhados de todos os esclarecimentos sobre quaisquer dúvidas suscitadas por qualquer condómino. – Eliminado pelo Tribunal recorrido

ll. O aqui R. enquanto teve a seu cargo a gestão do condomínio zelou sempre por todos os interesses do mesmo, inclusivamente pelos documentos.

mm. A entidade K, Lda verificou que existe uma diferença entre as despesas e as receitas naquele período entre 2010 e 2016, sem detectar onde e quando foi originada a tal diferença.

nn. O R. só retirou o que tinha adiantado para fazer face às despesas do condomínio dado ter encontrado a conta do condomínio bloqueada no Banco Barclays; eliminado pelo Tribunal recorrido

oo. Quando o aqui R. tomou posse, devido ao facto de as contas do condomínio estarem bloqueadas, no referido Banco, e para não pôr em causa a gestão quotidiana do condomínio, suportou do seu bolso muitas despesas, durante mais de 6 meses, e que posteriormente foi retirando consoante havia disponibilidade sem perturbar o dia-a-dia do condomínio. eliminado pelo Tribunal recorrido

pp. Os movimentos bancários sempre estiveram nas respectivas pastas de documentos do condomínio, enquanto o R. exerceu funções de administrador;

qq. As despesas extraordinárias de montantes elevados, como as que se verificaram de trinta e tal mil euros, para arranjo do telhado, foram aprovadas em assembleia geral;

rr. Todos os condóminos tiveram conhecimento da obra realizada, cujo orçamento foi previamente discutido e aprovado e cuja factura e recibo foram apresentados e estavam arquivados na correspondente pasta dos documentos, correspondente ao arranjo do telhado que metia água;

ss. As despesas do Condomínio A. sempre foram pagas, não se verificou quaisquer dívidas fosse a quem fosse.

Factos não provados

Da Pi:

Foi possível apurar que nos balancetes apresentados pelo réu nas assembleias de condóminos não havia qualquer referência concreta aos movimentos referidos no artigo precedente.

Do exame dos extractos bancários dos anos de 2011 a 2015, foi possível verificar que não havia coincidência de valores entre os indicados naqueles documentos no final de cada ano e os indicados pelo réu nos balancetes apresentados aos condóminos.

Ao actuar da forma descrita na presente p.i., designadamente ao efectuar os movimentos bancários a débito sob a conta do condomínio na Caixa Geral de Depósitos identificados nos artigos 22°, 23°, 24° e 30°, o réu, aproveitando-se da qualidade de Administrador, apropriou-se de diversas quantias pertencentes ao Condomínio autor, em benefício próprio e de terceiros desconhecidos do condomínio. O valor total do prejuízo sofrido pelo Condomínio autor, na sequência da conduta do réu, foi de 49.017,11 euros.

O réu, com sua conduta ilícita, causou prejuízos ao Condomínio autor no valor total de 49.017,11 euros, estando obrigado a indemnizar este último em igual valor.


*


Da Contestação:

A nova Administradora, que sucedeu ao mandato do Sr. BB em 2017, diga-se que teve aqui o pretexto para levar a cabo a sua maldade e "ódio de estimação" contra o R. por este, em tempos lhe ter feito o reparo, sem maldade, de estar a fazer obras na sua casa e no condomínio em simultâneo e com o mesmo empreiteiro.

Perante a visível irresponsabilidade do referido Administrador o que fez o A.? Protege- o, dizendo que a culpa é do aqui R. que durante a sua gestão não teve a mais leve ponta de descuido, sempre desempenhou as suas obrigações com o máximo de eficiência e zelo, onde nenhum condómino lhe apontou fosse o que fosse de negligência na sua longa acção.

É importante referir-se que a partir da reeleição da Senhora Administradora, que tomou posse em 15 de Junho de 2017, que sucedeu ao Senhor Administrador BB e antecedeu o mandato do ora R., maldosamente encarregou-se de ensarilhar tudo, aproveitando-se de contas mal elaboradas pelo Administrador BB, e agitando essa dificuldade tem tentado convencer os restantes condóminos insinuando que falta dinheiro e que foi o ora R. que o furtou.

A Senhora Administradora HH, que não consegue perdoar ao R., o facto de franqueza e até (na altura) de amizade de lhe ter feito o reparo de que não devia fazer obras na sua casa em simultâneo com as obras do condomínio e pelo mesmo empreiteiro.

A partir desse momento, esta Senhora tudo tem feito para prejudicar o ora R., pondo contra si os vizinhos, condóminos, denegrindo a sua pessoa e tenta constantemente manchar o seu carácter, que é a verdadeira razão de ser deste processo.

Só a Senhora HH, que conhece os factos melhor do que ninguém, por má fé, tenta fazer parecer aos outros que o ora R, furtou dinheiro ao condomínio.


***


II - Fundamentação

1. Irregularidade do mandato

O recorrente considera que se verifica irregularidade do mandato por a procuração forense junta a esta acção ser de data anterior à propositura da acção e assinada por quem estava a cessar o mandato, quando já tinha sido nomeada uma nova administração do condomínio – que iria tomar posse na reunião seguinte.

Será normal que as procurações que acompanham as acções sejam emitidas em data anterior à da propositura da acção, em reuniões com o advogado preparatórias da propositura da acção.

Até cessar funções tem o administrador nomeado a mesma competência que tinha quando tomou posse em matéria de administração do condomínio. O novo administrador só depois de empossado passa a dispor de competência própria de administrador do condomínio. As diligências extrajudiciais e judiciais em volta deste dinheiro transferido da conta do condomínio para a conta pessoal do réu foram desenvolvidas por advogado, como decorre até da leitura da matéria de facto, nomeadamente que:

No dia 3 de Novembro de 2017, o Advogado signatário, em representação da Administração do Condomínio, enviou carta registada com A/R ao réu nos termos da qual, resumidamente, deu conhecimento dos movimentos bancários detectados (os identificados anteriormente) e solicitou ao réu que prestasse os esclarecimentos que entendesse convenientes.” contam com vários anos, onde terá sido mantido o mesmo mandatário. Se os condóminos entendesses que deveriam constituir novo mandatário tê-lo-iam feito quando deliberaram propor a presente acção. Também o administrador do condomínio que acompanhou a presente acção poderia ter constituído novo mandatário, mas não o fez. Não o tendo feito só pode concluir-se que se mostra regularmente representado em juízo o autor.


*


2. Violação do direito probatório material

Não se conforma o recorrente com a eliminação por parte do Tribunal recorrido dos factos provados os constantes das alíneas nn) e oo), a determinação do valor ilicitamente arrecadado pelo réu da conta do condomínio e quanto ao aditamento do facto provado u-1.

A eliminação dos factos provados os constantes das alíneas nn) e oo)

nn) -0 R. só retirou o que tinha adiantado para fazer face às despesas do condomínio dado ter encontrado a conta do condomínio bloqueada no Banco Barclays;

oo) -Quando o aqui R. tomou posse, devido ao facto de as contas do condomínio estarem bloqueadas, no referido Banco, e para não pôr em causa a gestão quotidiana do condomínio, suportou do seu bolso muitas despesas, durante mais de 6 meses, e que posteriormente foi retirando consoante havia disponibilidade sem perturbar o dia-a-dia do condomínio.

decorre da seguinte fundamentação constante do acórdão recorrido:

2) Os factos provados nn) e oo) deveriam ter sido considerados não provados:

Nos factos provados p) e u), consignou-se que pelo exame dos extractos bancários facultados pela CGD, o réu promoveu a realização de vários movimentos, não documentados, para a sua conta pessoal e para a conta de terceiros desconhecidos do condomínio.

Porém, não existe qualquer prova de que estas transferências tenham sido feitas para pagamentos de despesas da administração do condomínio o que deveria ter ocorrido, ainda que fossem quantias muito pequenas.

--de acordo com o ponto u), no ano de 2013, o réu transferiu 8.100,00 euros para a sua conta pessoal. E em 2014 o montante de €1600.

Ditam as regras da experiência que, as transferências para uma conta pessoal, necessariamente, teriam que ter um suporte probatório das despesas efetuadas com a indicação clara do motivo pelas quais ocorrerem: evitavam-se suspeitas infundadas.

Na verdade, pelo o exame dos documentos juntos pelo réu e examinados na sessão de julgamento de 21.09.2021, ata ref. ... ... .81, apenas podemos constatar que no ano de 2012, foram efectuadas obras no condomínio que ascendiam a 20.508,42 euros, pagas através das contas do condomínio

No que respeita ao bloqueamento da conta do condomínio no Barclays Bank, o próprio réu declarou aos condóminos na Assembleia do dia 29 de Fevereiro de 2012, acta

n° 21, doc. 2 anexo à p.i.: «Uma vez que as condições comerciais do Barclays deixaram de ser competitivas, foi decidido retomar a conta CGD que estava a zero euros. Foram explicadas as razões por que a Administração deixou de ter acesso às contas do Barclays, uma vez que foram exigidos vários procedimentos relativos ao livro de actas, um dos quais seria o reconhecimento da actual administração perante um notário para reconhecimento de assinatura presencial, necessidade de incluir o termo de abertura e encerramento do livro de actas c outras formalidades exigidas por um departamento especifico do banco. ... Os pagamentos a fornecedores nunca estiveram em risco nem foram efectuados com qualquer atraso, uma vez que a Administração ainda conseguiu parte da verba disponível na conta à ordem do Barclays, tendo as quotizações dos condóminos sido transferidas para a conta da CGD. ...»

0 que esteve em causa para retomar as relações bancárias com a CGD foi o impedimento burocrático colocado pelo Barclays Bank e não, propriamente, questões atinentes a movimentação e depósito do dinheiro das contas do condomínio.

Por outro lado, atento o documento junto a 6/7/2021 a conta foi encerrada a 14-2-2012 e não bloqueada. K no período de 1-6-2011 à data do encerramento existiram diversos movimentos a débito e a crédito.

Pelo exame dos extractos da CGD e Barclays Bank de 2011 e 2012 juntos aos autos com a p. i. e requerimento do autor de 06.07.2021, constata-se que as disponibilidades do condomínio autor ascendiam a mais de 30.000,00 euros.

Não se entende, pois, a alegação da conta bancária bloqueada e a necessidade de utilização de fundos pessoais.

Aliás, se este fosse o caso, toda essa movimentação teria que estar documentalmente justificada e autorizada pelo A, tal como aconteceu com a realização de obras no ano de 2012 que ascenderam a 20.508,42 euros, pagas através das contas do condomínio, (exame dos documentos exame dos documentos juntos pelo réu e examinados na sessão de julgamento de 21.09.2021, ataref. ... ... .81)

Termos em os pontos nn) e oo) serão eliminados”.

A fundamentação apresentada para eliminação dos referidos pontos da matéria de facto dada como provada pelo tribunal de 1.ª instância parece substancialmente lógica e em consonância com a demais matéria provada, não ofendendo qualquer norma legal, contendo-se dentro dos limites de livre apreciação da prova insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça.

O que é mais ilógico é que o réu, aqui recorrente, continue a tentar que o Tribunal, em sede de revista, seja confundido com o Barclays e a CGD quando, segundo os documentos ambos os bancos tinham contas do condomínio e nenhuma estava bloqueada.

Não se localiza qualquer violação de regra de direito probatório quanto à referida eliminação dos factos tidos por provados pelo Tribunal de 1.ª instância.

Quanto ao valor apurado pelo Tribunal recorrido – alínea U da matéria de facto considerada provada pela 1.ª instância - como arrecadado pelo réu através das transferências das contas bancárias do condomínio para a sua conta pessoal e de terceiros ele foi determinado com base na análise de documentos e no depoimento da testemunha II com formação na área financeira e residente que foi no prédio entre Junho de 2008 e inícios de Janeiro de 2018, pelo que está excluída a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça na análise dessa matéria submetida à livre apreciação da prova testemunhal e documental sem força plena do tribunal, nos termos do disposto nos art.º 674.º, n.º 3 e 682.º do Código de Processo Civil.

O tribunal recorrido fundamentou o aditamento do facto provado u-1 da seguinte forma:

“Entre 26 de Maio de 211 c 15 de Maio de 2015 o réu exerceu as funções de Administrador (facto provado b)) e nessa qualidade foi a pessoa que exclusivamente movimentou as contas bancárias do condomínio (facto provado ííll,

Já constatamos a existência dos desfasamentos entre os extractos bancários e os balancetes (alíneas u. cc). sem que o R tenha logrado a sua justificação.

Acresce que, os condóminos verificaram o desaparecimento das pastas com os documentos do condomínio de 2011 a 2014, período em que o réu foi Administrador (facto provado

JÚL

E verificaram, pelo exame dos extractos bancários, daqueles anos, que existiram diversos movimentos na conta do condomínio para a conta pessoal do réu e entidades desconhecidas (facto provado p».

Por outro lado, não podemos esquecer que o balancete é uma das principais demonstrações financeiras, porquanto com ele é possível visualizar, por meio de uma listagem, as contas com seus débitos, créditos e saldo. Pode dizer-se que é um instrumento de controle interno, absolutamente, essencial para cumprimento do disposto no art.° 1436 do CC:

na reunião ordinária, são analisados o fecho das contas do ano com os valores reais e o orçamento para o ano a iniciar.

Posto isto, não existem dúvidas que as discrepâncias referidas na alínea u) foram apropriadas pelo R em seu proveito próprio.

Esta conclusão não se sustenta em prova direta, mas há que lançar mão das presunções judiciais, enquanto "juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351° do Cód. Civil).

Com efeito, os factos instrumentais são estes:

—- o R teve ao seu alcance, de forma exclusiva, a conta do condomínio. Durante esse período desapareceram documentos e, foram efectuadas transferências para a conta pessoal e para terceiros desconhecidos.

Se o R não quisesse ocultar essas transferências, por "nada temer" tê-las-ia retratado nos balancetes ou, teria feito prova que elas se enquadravam na sua actividade de administrador.

Por isso, o juízo de indução só pode ser o já referido.

Termos em que se aditará o ponto u-lcom esta redação

O R apropriou-se em seu proveito próprio das quantias discriminadas no ponto U, num montante total de €28.511,69.”

O Tribunal recorrido partiu dos factos conhecidos:

- O R teve ao seu alcance, de forma exclusiva, a conta do condomínio.

- Durante esse período desapareceram documentos e, foram efectuadas transferências para a conta pessoal e para terceiros desconhecidos.

- Verificou existirem desfasamentos entre os extractos bancários e os balancetes sem que o R tenha logrado a sua justificação, para concluir que o réu se apropriou dessas quantias em proveito próprio. O réu não demonstrou que era credor do condomínio pelos valores apurados.

Acresce que a justificação apresentada pelo réu de bloqueamento da conta do Barclays verificou-se não ter existido e a partir do início de 2012 passou a ser utilizada a conta da CGD. O dinheiro da conta do condomínio tem um destino exclusivo – o pagamento das dívidas do condomínio. Se o administrador pagou com montante próprio qualquer dívida do condomínio terá de demonstrar que assim aconteceu, o que o réu não fez de todo, pelo menos quanto ao montante indicado.

A conclusão retirada pelo Tribunal recorrido de que o réu fez desses montantes coisa sua parece, neste caso, elementar e evidente. O réu não justificou as transferências da conta do condomínio para a sua conta pessoal e de terceiros sendo que a ele desfavorece tal ausência de prova.

O uso de presunção judicial mostra-se, neste caso adequado, lógico e sem ofensa de lei.

Mantendo-se inalterada a matéria de facto provada tal como fixada no recurso de apelação não há qualquer erro na aplicação do direito que possa ser imputado ao acórdão recorrido. Com efeito o réu incorreu em comportamento ilícito ao transferir e fazer coisa sua o dinheiro que se encontrava na conta bancária do condomínio, que não lhe pertencia e quanto a ele tinha o especial dever, enquanto administrador do condomínio, de zelar pelo seu uso adequado e não utilizar o acesso facilitado por essas funções para fazer transferências para a sua conta bancária pessoal. O seu comportamento ilícito causou dano aos interesses patrimoniais do condomínio que, em virtude da actuação do réu, viu diminuir o seu património no montante correspondente ao valor ilicitamente arrecado pelo réu na sua conta bancária pessoal, sendo indiscutível que o comportamento ilícito do réu foi condição necessária e directa do dano assim sofrido pelo condomínio.

Improcede, pois, a revista.


***


III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


*


Lisboa, 7 de Dezembro de 2023

Ana Paula Lobo (relatora)

João Cura Mariano

Fernando Baptista de Oliveira