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DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
CONFISSÃO FICTA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
I - Ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 567º do Código de Processo Civil é legalmente admissível uma fundamentação sumária por meio de uma remissão para os fundamentos de facto e de direito vertidos na petição inicial, desde que os mesmos sejam suficientes, isto é, desde que nesse articulado constem os factos essenciais que integram a causa de pedir e bem assim as razões de direito que servem de fundamento à ação. II - A incoerência de fundamentos jurídicos ou a impertinência de normativos invocados na decisão recorrida não integra a nulidade da sentença por falta de fundamentação mas sim, a ocorrer, um típico erro de julgamento. III - A dedução da pretensão de reforma da sentença fora de recurso interposto, sendo a sentença reformanda recorrível, não pode ser havida como uma renúncia tácita ao recurso, constituindo antes um erro no uso de meio processual. IV - Proferida a sentença é legalmente inadmissível a introdução de novos factos mediante articulado superveniente, pois que, como bem se vê do nº 3 do artigo 588º do Código de Processo Civil, o termo final para o oferecimento de tal peça processual é a audiência final que necessariamente precede a sentença. V - Sempre que a fixação da matéria de facto relevante para a decisão final sob censura decorreu da inobservância pelos demandados do ónus de contestar (veja-se o nº 1 do artigo 567º do Código de Processo Civil), há uma confissão ficta da factualidade vertida na petição inicial, admitindo-se, em tese, que se discuta a reunião dos pressupostos legais para que opere esta confissão ficta, nomeadamente, a indicação da cominação aos réus aquando da citação ou, eventualmente, a ocorrência de alguma ou algumas das exceções previstas no artigo 568º do Código de Processo Civil ou até do alcance de tal confissão ficta, mas está de todo afastada uma verdadeira impugnação da decisão da matéria de facto, como previsto no artigo 662º do Código de Processo Civil, já que no caso dos autos não há uma tal decisão mas sim e apenas a confissão ficta da matéria contida na petição inicial em consequência da inobservância de um ónus processual pelos demandados. VI - A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil. VII - Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente. VIII - Apenas são compensáveis os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, estando afastados do círculo dos danos indemnizáveis os simples incómodos.
Texto Integral
Processo nº 448/23.2T8PRT.P1
Sumário do acórdão proferido no processo nº 448/23.2T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:
1. Relatório
Em 09 de janeiro de 2023, nos Juízos Locais Cíveis do Porto, Comarca do Porto, invocando beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e bem assim de nomeação de patrono e de pagamento de compensação devida ao patrono[1], AA instaurou a presente ação declarativa sob forma comum contra A..., Lda. e BB pedindo:
a) a condenação da ré ao cumprimento do contrato de subarrendamento celebrado com o autor, nos termos inicialmente acordados – designadamente possibilitando o acesso do mesmo à B...;
b) a condenação dos réus ao pagamento de € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais;
c) a condenação da ré ao pagamento da quantia de € 293,80, a título de danos patrimoniais e por excesso de cobrança;
d) a condenação da ré ao pagamento de € 800,00 a título de danos patrimoniais pelas infiltrações no arrendado;
e) a condenação da ré ao pagamento de € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais com fundamento em responsabilidade contratual.
Para fundamentar as suas pretensões o autor alegou, em síntese, que em 02 de fevereiro de 2021, na qualidade de subarrendatário, celebrou com a ré, na qualidade de arrendatária, um contrato de subarrendamento parcial de fim não habitacional para armazenagem, de duração limitada e renda livre, que tinha como objeto o arrumo/B... nº ..., com a área aproximada de cinco metros quadrados, localizado nos ..., nº ...-..., pelo prazo de seis meses, mediante a renda mensal de € 89,00, atualizável semestralmente, renovável por períodos iguais e sucessivos de um mês; em 02 de julho de 2022 o autor deslocou-se à B... subarrendada, tendo entre as 9 horas e as 9 horas de 30 minutos aparecido junto ao local uma das funcionárias da ré e que começou a espreitar para o seu interior; pelas 11 horas e 30 minutos desse dia o autor recebeu uma chamada telefónica do gerente da ré e seu legal representante, o réu BB, que disse ao autor que tinha pernoitado na B..., o que originou uma discussão entre o autor e o réu BB e no decurso da qual o réu BB chamou ao autor “merdas”, “mentiroso” e “burro”, dizendo que ia vedar-lhe o acesso à B...; na sequência desta troca de palavras o autor dirigiu-se imediatamente à B... e assim que introduziu o código de acesso, este não funcionou; o autor pretendia dirigir-se ao Aeroporto ... a fim de comprar bilhetes de avião e insistiu no sentido de aceder à B... porque aí tinha guardado alguns pertences que pretendia levar consigo, tendo o réu BB deixado o autor entrar na B...; porém, quando chegou ao balcão da C... no Aeroporto ... já passava das 15 horas e 20 minutos e não conseguiu comprar bilhete, vendo-se por isso impedido de viajar para ... na data que pretendia; no dia 03 de julho de 2022, de manhã, o autor adquiriu passagens para embarcar no voo da C... com destino a ... no dia 05 de julho; no dia 04 de julho, pelas 10 horas, o autor voltou a deslocar-se à B... e explicou a uma funcionária da ré que precisava de aceder à B... para ir buscar alguns pertences, tendo esta introduzido uma novo código de acesso que facultou ao autor; na posse do novo código, o autor voltou a dirigir-se à B... no mesmo dia, à noite, para guardar alguns pertences e no dia seguinte, de manhã, para ir buscar as malas, tendo esta sido a última vez que acedeu à B...; no dia 02 de julho de 2022, na sequência do relatado, a ré na pessoa do réu BB comunicou ao autor mediante mensagem de correio eletrónico a intenção de não renovar o contrato, não tendo o autor aceite a não renovação do contrato em virtude de não ter sido notificado dessa intenção da arrendatária mediante carta registada com aviso de receção remetida para o seu domicílio; em 27 de julho de 2022, mediante mensagem de correio eletrónico assinada por CC, a ré comunicou o aumento da renda para € 92,00; em 28 de julho de 2022, o autor recebeu nova mensagem de correio eletrónico, assinada por DD, colaboradora da ré, comunicando que caso o autor não aceitasse o aumento da renda, teria de remover os seus pertences da B...; em 23 de setembro de 2022, o autor recebeu nova mensagem de correio eletrónico a referir que o autor tinha em dívida o valor de € 92,00 e que no mês seguinte teria uma penalização de 20% por causa do atraso no pagamento, recebendo nesse mesmo dia, também por correio eletrónico, uma fatura no montante de € 109,80 que teria de ser paga até 29 de setembro de 2022; no dia 30 de setembro de 2022, a pedido do autor, EE, amigo daquele, dirigiu-se à B... e verificou que o código de acesso que o autor lhe havia facultado não funcionava; no dia 17 de outubro de 2022, a ré enviou ao autor uma mensagem de correio eletrónico comunicando que o acesso à B... estava bloqueado por causa da existência de uma alegada dívida de € 201,80; o autor sempre pagou mensalmente, por débito direto, o montante de € 89,00 fixado no contrato; em 2021, o autor deu-se conta de várias infiltrações no teto da B..., tendo entrado chuva no seu interior, levando ao encharcamento e apodrecimento de várias peças de roupa do autor, nomeadamente de dez casacos no valor de € 800,00.
Citados os réus[2], em 02 de março de 2023, por meio de patrono subestabelecido, o autor veio requerer a redução do pedido para os termos definidos nos pontos 2 a 4 da sua petição inicial.
Em 03 de março de 2023 foi proferida a seguinte sentença[3]:
“1. Relatório: AA, residente na Rua ..., ..., ... Porto, intentou a presente acção declarativa comum contra “A..., Lda.”, com sede na Avenida ..., ..., ... Matosinhos, e BB, residente na Avenida ..., ... Matosinhos, pedindo a condenação: a) da Ré ao cumprimento do contrato de subarrendamento celebrado com o Autor, nos termos inicialmente, possibilitando ao mesmo o acesso à B...; b) Condenar os Réus ao pagamento de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos dos artigos 483º, 500º, 596º e 998º, n.º 1 do CC; c) Condenar a Ré ao pagamento de €293,80 (duzentos e noventa e três euros e oitenta cêntimos) a título de danos patrimoniais, por excesso de cobrança a título de responsabilidade contratual, nos termos dos artigos 562º e seguintes e 798º do CC. d) Condenar a Ré ao pagamento de €800,00 (oitocentos euros) a título de danos patrimoniais, pelas infiltrações, a título de responsabilidade contratual, nos termos dos artigos 562º e seguintes e 798º do CC. e) Condenar a Ré ao pagamento de €2.000 (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, por responsabilidade contratual, nos termos dos artigos 798º e seguintes do CC.
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Para tal alega que celebrou com a ré um contrato de subarrendamento parcial de fim não habitacional para armazenagem, não tendo esta cumprido com as suas obrigações contratuais. Mais alega que o réu, sócio e gerente da ré, o injuriou e ameaçou, o que lhe causou ofensa à honra. Os réus, regularmente citados, não contestaram.
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O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território. Inexistem nulidades que invalidem o processo. As partes, dotadas de personalidade e de capacidade judiciárias, têm legitimidade para a presente acção e encontram-se devidamente patrocinadas. Não há outras excepções e questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Nos termos do artigo 567º, n.º 1, considero confessados os factos alegados pelo autor. No mais, e nos termos do artigo 6º, n.º 1 do CPC, uma vez que na petição inicial já constam alegações de direito, dispenso a aplicação do disposto no artigo 567º, n.º 2 do CPC. Nos termos do artigo 567º, n.º 3 do CPC, remeto para a petição inicial os fundamentos de direito, esclarecendo-se que, quanto ao pedido formulado soba alínea b), o mesmo não pode proceder quanto à ré, sendo que o disposto no artigo 500º, n.º 1 do C. Civil não é aqui aplicável, porque relacionado com a responsabilidade pelo risco.
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3. Decisão:
“Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: f) Condenoa Ré a cumprir o contrato de subarrendamento celebrado com o Autor, possibilitando ao mesmo o acesso à B...; g) Condeno os Réu ao pagamento ao autor da quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, absolvendo a ré do pedido, nesta parte; h) Condeno a Ré ao pagamento de €293,80 (duzentos e noventa e três euros e oitenta cêntimos) a título de danos patrimoniais; i) Condeno a Ré no pagamento ao autor da quantia de €800,00 (oitocentos euros) a título de danos patrimoniais. a) Condeno a Ré ao pagamento de €2.000 (dois mil euros) a título de danos não patrimoniais, por responsabilidade contratual, nos termos dos artigos 798º e seguintes do CC. Custas pelos réus, na proporção do respectivo decaimento. Registe e notifique. Valor da acção: 5.593,80 €.”
Em 16 de março de 2023, A..., Lda. e BB vieram oferecer requerimento que concluíram do seguinte modo:
“Termos em que se requer a V. Exa. se digne reformar a douta Sentença, no sentido de considerar a desistência de todos os pedidos quanto à Ré, ou a sua absolvição dos mesmos, face ao acordo celebrado com a Autora e a declaração formal proferida por esta de que não existem dívidas ou obrigações pendentes. Mais se requer a reforma da douta Sentença na parte em que condena o Réu BB ao pagamento de € 2.500,00, por manifesto erro na determinação da norma aplicável. Sem prescindir, requer-se seja proferido despacho liminar a admitir o presente articulado superveniente, e respectivos documentos, ordenando a notificação do Autor para responder.”
Em 23 de março de 2023 foi proferido despacho determinando que os autos aguardassem o decurso do prazo para o autor se pronunciar sobre o requerimento de 16 de março de 2023, não tendo o autor tomado qualquer posição.
Em 14 de abril de 2023 foi proferida a seguinte decisão[4]:
“Requerimento de 16/03: os réus vieram requerer a reforma da sentença proferida, alegando que: a) Deve ser considerada a desistência de todos os pedidos quanto à Ré, face ao requerimento apresentado pelo Autor; b) Deve ser alterada a decisão quanto à condenação do Réu BB ao pagamento de € 2.500,00, por erro na determinação da norma aplicável
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Notificado, o autor nada veio dizer. Cumpre apreciar. Analisada a sentença, retira-se que, efetivamente, não foi levado em conta o requerimento do autor, de 02/03, onde este veio desistir dos pedidos formulados sob os n.ºs 1 e 5, mas não quanto aos pedidos 2 a 4. No mais, e salvo o devido respeito, entendemos que a sentença proferida, ao remeter para os fundamentos de facto e de direito da petição inicial, não incorreu em erro na norma aplicável uma vez, quanto ao réu, no artigo 82º da petição inicial, são imputados ao réu os factos que fundamentam a condenação em causa, factos dados como assentes, por falta de contestação dos réus. No mais, importa corrigir o lapso de escrita, no que se refere à enumeração dos pedidos, na parte decisória. Por todo o exposto, e nos termos dos artigos 613º, n.º 2, 616º, n.º 1, a) b) e 617º, n.º 6 do CPC reformo parcialmente a sentença proferida, no que se refere à condenação dos réus nos 1º e 5º pedidos formulados, homologando a desistência dos mesmos e, em consequência, absolvendo a ré dos pedidos, mantendo, no mais, o teor da sentença proferida. Mais determino a retificação, na parte decisória, da identificação dos pedidos, sendo que deverão os mesmos passar a estar identificados sob as alíneas a) a e). Notifique e rectifique. Custas pelos réus, fixando a taxa de justiça em 2 Ucs – artigo 7º, n.º 4 e Tabela Anexa II ao RCP.”
Em 19 de abril de 2023, inconformados com a sentença, A..., Lda. e BB interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I. Na pendência da presente acção as partes chegaram a acordo, que consistiu no (i) pagamento pelo Autor à ré da quantia de € 265,60, (ii) na entrega da B... à Ré, ora Recorrente e (iii) na Declaração pelo Autor de que não existiam dívidas ou obrigações pendentes entre as partes. II. No entanto, ao contrário do acordado, o Autor não apresentou de imediato o correspondente pedido de desistência nos autos, apenas o fazendo, e de forma apenas parcial, cerca de 47 dias após o acordo. III. Como o acordo foi alcançado directamente entre os Réus e o Ilustre Mandatário do Autor, aqueles não chegaram a constituir mandatário e não tinham acesso ao processo, pelo que apenas com a notificação da Sentença tiveram conhecimento que o Autor não tinha apresentado o pedido de desistência combinado e que, em consequência, haviam sido condenados no pedido. IV. Nesse momento requereram a reforma da Sentença de forma a que se decretasse a desistência de todos os pedidos ou absolvição dos mesmos, e supletivamente, para o caso de tal não acontecer, requereram que fosse proferido despacho a admitir articulado superveniente e respectivos documentos. V. Embora os documentos tenham sido juntos ao processo o certo é que o Tribunal a quo não se pronunciou relativamente ao pedido supletivo, o que constitui uma nuliade nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC. VI. Termos em que deve ser apreciado o referido pedido e admitido o articulado superveniente e respectivos documentos e, consequentemente, deverá a Sentença ser alterada em conformidade com o acordo alcançado entre as partes, com a absolvição dos Réus de todos os pedidos formulados pelo Autor. VII. Em qualquer caso, sempre deverão ser admitidos os referidos documentos nos termos do disposto no artigo 423º do CPC. VIII. Em função dos documentos juntos aos autos deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada de forma a passar a considerar que: As partes celebraram acordo nos termos do qual foi posto fim ao litígio, com o pagamento pelo Autor à Ré de € 265,50 e entrega pelo Autor à Ré da B...; O Autor, no âmbito do referido acordo, declarou que “não existem quaisquer dívidas ou obrigações pendentes de parte a parte nesta data”. IX. E, em consequência, deverá a Sentença seja corrigida de forma a decretar a absolvição dos Réus de todos os pedidos formulados pelo Autor. Sem prescindir X. A Douta Sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito para a condenação do Réu BB no pagamento de danos não patrimoniais, o que constitui uma nulidade nos termos do disposto na alínea b), do nº 1 do artigo 615º do CPC. XI. Com efeito a Sentença limita-se a remeter para a Petição Inicial os fundamentos de direito, e naquele articulado os fundamentos são absolutamente incoerentes e sustentados em artigos que, pura e simplesmente, não são aptos a produzir como efeito a condenação do Réu BB. Ainda sem prescindir XII. Não se encontra demonstrada qualquer ilicitude na actuação do Réu, nem a existência de quaisquer danos sofridos pelo Autor, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos para a condenação do Réu BB no pagamento de indemnização por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. XIII. E de qualquer modo, mesmo que assim não fosse, não existem no processo elementos que permitam sustentar o valor de € 2.500,00 em cujo pagamento o Réu foi condenado, pelo que sempre deverá ser rectificada essa decisão. XIV. E ainda sem prescindir, sempre deveria ser reduzido o valor do quantum indemnizatório segundo juízos de equidade.” AA respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.
Em 02 de junho de 2023, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Nas suas alegações de recurso, os réus vieram arguir a nulidade do despacho de 14/04, pelo facto de não se ter pronunciado quanto ao pedido de admissão de articulado superveniente e respectivos documentos. Salvo o devido respeito, não têm razão os réus razão, uma vez que, por despacho de 23/03, foi determinado que os autos aguardassem o decurso de prazo de resposta por parte da autora, o que pressupõe que aquele requerimento tenha sido admitido, sendo esse (e apenas esse) o pedido formulado. Pelo exposto, julgo improcedente a invocada nulidade do despacho proferido. No mais, e por ser legalmente admissível, estar em tempo e ter sido interposto por quem tem legitimidade para tal, admito o recurso interposto pelos réus, o qual é de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos, e com efeito devolutivo – artigos 629º, n.º 1, 631º, n.º 1, 637º, 638º, n.º 1, 644º, n.º1, a), 645º, n.º, 1, a) e 647º, n.º 1), todos do CPC. Subam os autos ao Tribunal da Relação do Porto.”
Em sede de despacho liminar, o relator não admitiu os documentos oferecidos pelos recorrentes com as suas alegações.
Sendo o objeto do recurso de natureza exclusivamente jurídica e revestindo-se o seu conhecimento de relativa simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de seguida. 2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia;
2.2 Da alteração da decisão da matéria de facto;
2.3 Do não preenchimento dos pressupostos necessários ao nascimento da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito a cargo do réu BB e relativamente à compensação por danos não patrimoniais em favor do autor. 3. Fundamentos 3.1 Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia
Os recorrentes invocam a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito no que respeita a condenação do réu ao pagamento de compensação por danos não patrimoniais e por omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre o pedido referente a articulado superveniente que qualificam de supletivo e formulado em sede de requerimento para reforma da sentença.
Cumpre apreciar e decidir.
De acordo com o previsto no artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Tradicionalmente, invocando-se os ensinamentos do Professor Alberto Reis[5], é recorrente a afirmação de que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito.
No entanto, no atual quadro constitucional (artigo 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas, de forma a que os seus destinatários as possam apreciar e analisar criticamente, designadamente mediante a interposição de recurso, nos casos em que tal for admissível, parece que também a fundamentação de facto ou de direito insuficiente, em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial[6], deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório[7].
Salvo quando a causa de nulidade da sentença seja a falta de assinatura[8], essas patologias não são de conhecimento oficioso (artigo 615º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Importa ainda vincar que a lei adjetiva permite diversos “níveis” de fundamentação.
Assim, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 154º do Código de Processo Civil, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. Deste preceito se retira, a contrario sensu, que não estando em causa um pedido controvertido não exige o legislador processual fundamentação, tal como o não exige se não estiver em causa a resolução de qualquer dúvida suscitada no processo.
Além disso, prescreve o nº 2 do mesmo preceito que a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
No caso em apreço, porque os ora recorrentes se mantiveram até à notificação da sentença recorrida em situação de revelia absoluta operante, importa ainda atentar no disposto no nº 3 do artigo 567º do Código de Processo Civil e no qual se prevê que se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado.
Este tribunal da Relação do Porto[9] já se pronunciou no sentido de que ao abrigo deste normativo será legalmente admissível que a fundamentação sumária consista numa remissão para os fundamentos de facto e de direito vertidos na petição, desde que os mesmos sejam suficientes, isto é, desde que, além do mais, nesse articulado constem os factos essenciais que integram a causa de pedir e bem assim as razões de direito que servem de fundamento à ação[10].
No caso dos autos, será lícito afirmar que a resolução da causa se reveste de manifesta simplicidade?
Atente-se que legalmente não basta que a causa seja simples, sendo necessário que o tribunal se depare com uma situação de manifesta simplicidade.
A manifesta simplicidade, como qualquer conceito relativamente indeterminado, tem um conteúdo que só casuisticamente se pode concretizar.
No caso dos autos, o autor instaurou a presente ação formulando diversos pedidos cumulados contra dois réus, sendo um deles uma pessoa coletiva que lhe locou um espaço para armazenagem e o outro uma pessoa singular a quem imputa o proferimento de palavras ofensivas da sua honra e consideração.
No estado atual da instância apenas estão em causa três dos cinco pedidos formulados pelo autor na petição inicial, ou seja, a condenação:
a) do réu ao pagamento ao autor da quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos;
b) da ré ao pagamento de € 293,80 (duzentos e noventa e três euros e oitenta cêntimos) a título de danos patrimoniais;
c) da ré no pagamento ao autor da quantia de € 800,00 (oitocentos euros) a título de danos patrimoniais.
Na sua petição inicial, para fundamentar juridicamente as suas pretensões, o autor suscita diversas questões jurídicas, como sejam a inobservância da forma legal na notificação da intenção de não renovação do contrato e bem assim da posterior comunicação do aumento da renda, ato que em todo o caso considera ilegítimo por, na sua perspetiva, constituir abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. Essa inobservância da forma devida determinaria a renovação automática e sucessiva do contrato e obstaria ao aumento da renda ajustada.
Além disso, o autor afirma que o réu lhe dirigiu palavras ofensivas da sua honra e consideração.
Finalmente, o autor responsabiliza a ré por danos em casacos que guardava no espaço locado e em consequência de infiltrações de água nesse espaço.
Deste modo, embora o leque de questões a conhecer se apresente mais exíguo por força da desistência parcial de pedidos formulada pelo autor em 02 de março de 2023, ainda assim, dificilmente se pode afirmar que as questões a decidir se revestem de manifesta simplicidade.
Porém, a nulidade por falta de fundamentação que os recorrentes imputam à sentença recorrida restringe-se à condenação do réu ao pagamento ao autor da compensação de dois mil e quinhentos euros por danos não patrimoniais, e isso porque a sentença “não especifica os fundamentos de facto e de direito para a condenação do Réu BB no pagamento de danos não patrimoniais”[11] e ainda porque “a Sentença limita-se a remeter para a Petição Inicial os fundamentos de direito, e naquele articulado os fundamentos são absolutamente incoerentes e sustentados em artigos que, pura e simplesmente, não são aptos a produzir como efeito a condenação do Réu BB.”[12]
Ora, no que respeita esta pretensão, afigura-se-nos que a causa se deve considerar de manifesta simplicidade, sendo assim admissível a fundamentação de facto e de direito por remissão, bastando atentar no conteúdo dos artigos 13 a 33 e 79 a 84, todos da petição inicial, para concluir que os factos essenciais estão alegados na petição inicial e que o enquadramento jurídico está suficientemente feito no mesmo articulado.
Por outro lado, a incoerência de fundamentos jurídicos ou a impertinência de normativos invocados não integra a nulidade da sentença por falta de fundamentação mas sim, a ocorrer, um típico erro de julgamento[13].
Neste circunstancialismo, atendendo à imputação restrita do vício da falta de fundamentação de facto e de direito, forçosa é a conclusão de que tal patologia não se verifica.
Debrucemo-nos agora sobre a nulidade por omissão de pronúncia, patologia que é imputada à decisão de reforma da sentença sob censura.
A decisão de reforma parcial da sentença, como se verificou no caso dos autos, integra-se na sentença reformada (artigo 617º, nº 2, do Código de Processo Civil)[14], irrelevando, a nosso ver, a circunstância dessa pretensão e decisão terem ocorrido fora de recurso interposto, como deveria ter sucedido (veja-se o nº 2 do artigo 616º do Código de Processo Civil e os nºs 1 e 2, do artigo 617º do mesmo diploma legal). Esta patologia deveria ter sido conhecida pelo tribunal recorrido e, não o tendo sido, cumpre-nos apenas constatar a anomalia.
Além disso, afigura-se-nos que a dedução da pretensão de reforma da sentença fora de recurso interposto, pois que a sentença recorrida era recorrível, não pode ser havida como uma renúncia tácita ao recurso, constituindo antes um erro jurídico a que o tribunal recorrido deu guarida ao conhecer dessa pretensão (veja-se o nº 3 do artigo 193º do Código de Processo Civil), em vez de convidar os ora recorrentes à dedução dessa pretensão através do recurso ao meio processual próprio[15].
A omissão de pronúncia na decisão de reforma resultaria, na perspetiva dos recorrentes, da circunstância de o tribunal recorrido ter omitido o despacho liminar de admissão do articulado superveniente.
No despacho em que admitiu o recurso, o tribunal a quo sustenta não se verificar esta nulidade porque, “uma vez que, por despacho de 23/03, foi determinado que os autos aguardassem o decurso de prazo de resposta por parte da autora, o que pressupõe que aquele requerimento tenha sido admitido, sendo esse (e apenas esse) o pedido formulado”.
Será assim?
Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 588º do Código de Processo Civil, o juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para, querendo, responder em dez dias, observando-se quanto à resposta o disposto no artigo 587º do mesmo diploma legal.
Da previsão legal que se acaba de citar resulta que tem de haver um despacho liminar expresso de admissão ou não do articulado superveniente e que o prazo para responder ao articulado superveniente pela parte contrária só começa a correr a partir da notificação para o efeito determinada judicialmente.
Assim, para efeitos de resposta ao articulado superveniente não importa a notificação eletrónica da parte contrária realizada pelo apresentante desse articulado, apenas relevando a execução da ordem judicial de notificação da contraparte a fim de, querendo, responder, ordem proferida depois da admissão liminar daquele articulado.
Aliás, parece que nem o tribunal recorrido leva a sério a sua argumentação pois que se acaso entendesse que tinha já admitido liminarmente o articulado superveniente e que o prazo para resposta da parte contrária se iniciara com a notificação eletrónica desse articulado via citius, ficaria por explicar por que razão nada decidiu sobre essa matéria quando, nessa perspetiva, há já muito expirara o prazo para a resposta.
Parece absurdo entender, como parece sustentar o tribunal a quo, que com o oferecimento de um articulado superveniente e requerendo-se apenas a sua admissão, admitido esse articulado, de forma implícita, como entende o tribunal recorrido, nada mais haveria a decidir sobre essa matéria.
Então, se assim fosse, para que serviria o articulado superveniente?
Na lógica do tribunal recorrido e se de facto assim fosse, dada a proibição da prática de atos inúteis no processo (artigo 130º do Código de Processo Civil), em vez de uma alegada admissão implícita do articulado superveniente impunha-se a sua imediata rejeição já que, nessa perspetiva, para nada serviria a não ser para engrossar o processo...
Pelo que precede, entende-se que o tribunal recorrido omitiu na decisão de reforma da sentença recorrida despacho liminar sobre o articulado superveniente, verificando-se a nulidade parcial da decisão recorrida por omissão de pronúncia, o que, contudo, por força do disposto no nº 1 do artigo 665º do Código de Processo Civil, não obsta ao conhecimento do objeto da apelação no que esta questão respeita.
Cumpre assim proferir despacho liminar sobre o articulado superveniente “enxertado” no requerimento para reforma da sentença.
Estabelece-se no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil que, sem prejuízo das restrições estabelecidas noutros preceitos, designadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à instauração da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
O instrumento processual para alcançar este desiderato legal é a figura do articulado superveniente.
De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 588º do Código de Processo Civil, “[o]s factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitam, até ao encerramento da discussão.”
A superveniência dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito pode ser objetiva, ou seja, quando aqueles se verificam após o termo do prazo para oferecimento dos articulados permitidos em cada forma de processo ou subjetiva, sempre que respeite a factos ocorridos anteriormente mas de que a parte apenas teve conhecimento depois de terminarem os prazos para a apresentação dos articulados na respetiva forma processual (artigo 588º nº 2 do Código de Processo Civil).
Tem-se entendido que o articulado superveniente pode ser usado para completar a causa de pedir inicial[16].
Tratando-se de factos subjetivamente supervenientes, a parte que oferece o articulado superveniente tem de alegar factos e oferecer prova dessa superveniência (veja-se a parte final do nº 2 do artigo 588º do Código de Processo Civil).
“O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores” (nº 3 do artigo 588º do Código de Processo Civil).
No caso dos autos, por força da revelia absoluta operante dos ora recorrentes, a tramitação processual foi abreviada, sendo proferida sentença sem que se tenha realizado audiência final.
Ora, proferida a sentença é legalmente inadmissível a introdução de novos factos mediante articulado superveniente, pois que como bem se vê do nº 3 do artigo 588º do Código de Processo Civil, o termo final para o oferecimento de tal peça processual é a audiência final que necessariamente precede a sentença.
Pelo exposto, por ostensivamente intempestivo, o articulado superveniente oferecido pelos recorrentes com o requerimento de reforma da sentença recorrida deve ser liminarmente indeferido, o que se decide. 3.2 Da alteração da decisão da matéria de facto
Os recorrentes pugnam pela alteração da decisão da matéria de facto, rectius pela sua ampliação, incluindo-se nos factos provados da fundamentação de facto da sentença a seguinte matéria:
- “As partes celebraram acordo nos termos do qual foi posto fim ao litígio, com o pagamento pelo Autor à Ré de € 265,50 e entrega pelo Autor à Ré da B...;
- O Autor, no âmbito do referido acordo, declarou que “não existem quaisquer dívidas ou obrigações pendentes de parte a parte nesta data”.”
Cumpre apreciar e decidir.
A pretensão de ampliação da decisão da matéria de facto formulada pelos recorrentes baseia-se no articulado superveniente que apresentaram em sede de requerimento para reforma da sentença recorrida e na prova documental oferecida com essa peça processual e de novo junta com a sua apelação, articulado superveniente e prova documental que não foram admitidos nesta instância.
Neste circunstancialismo processual, esta pretensão recursória está irremediavelmente votada ao fracasso total.
Ainda que assim não fosse, importa não perder de vista que a fixação da matéria de facto relevante para a decisão final sob censura decorreu da inobservância pelos ora recorrentes do ónus de contestar (veja-se o nº 1 do artigo 567º do Código de Processo Civil), havendo assim uma confissão ficta dos recorrentes da factualidade vertida na petição inicial[17].
Admite-se, em tese, que se discuta a reunião dos pressupostos legais para que opere esta confissão ficta, nomeadamente, por falta de indicação da cominação aos réus aquando da citação ou, eventualmente, a ocorrência de alguma ou algumas das exceções previstas no artigo 568º do Código de Processo Civil ou até do alcance de tal confissão ficta, mas está de todo afastada uma verdadeira impugnação da decisão da matéria de facto, como previsto no artigo 662º do Código de Processo Civil, já que no caso dos autos não há uma tal decisão mas sim e apenas a confissão ficta da matéria contida na petição inicial em consequência da inobservância de um ónus processual pelo demandados.
Pelo exposto, improcede a pretensão dos recorrentes de que seja ampliada a matéria de facto contida na sentença recorrida, com inclusão na mesma da factualidade que os mesmos indicam nas alegações e conclusões da sua apelação. 3.3 Fundamentos de facto[18] 3.3.1 Factos provados
3.3.1.1
A 2 de fevereiro de 2021, foi assinado entre AA e A..., Lda. um contrato de subarrendamento parcial de fim não habitacional para armazenagem (artigo 1º da petição inicial)
3.3.1.2
O referido contrato tinha como objeto o subarrendamento do Arrumo/B... n.º …, com a área aproximada de 5 metros quadrados, localizado nos ..., n.ºs ...-... (artigo 2º da petição inicial).
3.3.1.3
Nos termos do disposto na Cláusula 3.ª das Cláusulas Contratuais Particulares do referido contrato, o subarrendamento teria como contrapartida o pagamento de uma renda mensal de € 89,00 (oitenta e nove euros) (artigo 3º da petição inicial).
3.3.1.4
O valor da renda estaria sujeito a atualizações sistemáticas a cada seis meses, nos termos da tabela universal legalmente em vigor (artigo 4º da petição inicial).
3.3.1.5
O referido contrato foi celebrado pelo período de 02.02.2021 até 31.08.2021[19] (artigo 5º da petição inicial).
3.3.1.6
E renovado por períodos iguais e sucessivos de um mês (artigo 6º da petição inicial).
3.3.1.7.
AA subarrendou esta “B...” para ter um local seguro onde colocar os seus pertences – designadamente, objetos pessoais (roupa, malas de viagem e objetos de valor) (artigo 7º da petição inicial).
3.3.1.8.
Sem oposição de qualquer das partes, o contrato foi-se renovando automática e sucessivamente, nos moldes acima descritos (artigo 8º da petição inicial).
3.3.1.9
Na manhã de 2 de julho de 2022, AA deslocou-se à B... subarrendada (artigo 9º da petição inicial).
3.3.1.10.
Entre as 09h00m e as 09h30m, sem que nada o fizesse prever, apareceu junto à B... uma das funcionárias da A..., Lda., cujo nome AA desconhece, e que começou a espreitar para o seu interior (artigo 10º da petição inicial).
3.3.1.11.
AA estranhou a presença da funcionária – bem como a invasão da sua intimidade – e confrontou-a com isso mesmo (artigo 11º da petição inicial).
3.3.1.12.
No entanto, a funcionária não esclareceu qualquer das questões (artigo 12º da petição inicial).
3.3.1.13.
Pelas 11h30m, AA recebeu uma chamada telefónica, no seu telemóvel, do gerente da A..., Lda. e seu legal representante, o também réu BB (artigo 13º da petição inicial).
3.3.1.14.
No referido telefonema, BB alegou que lhe tinha sido transmitido, por uma das funcionárias, que AA tinha pernoitado na B... (artigo 14º da petição inicial).
3.3.1.15.
Indignado com tal acusação, AA veio dizer que a mesma era mentira (artigo 15º da petição inicial).
3.3.1.16.
Gerou-se então uma discussão acesa, na qual BB chamou ao AA “merdas”, “mentiroso” e “burro” (artigo 16º da petição inicial).
3.3.1.17.
Chegando mesmo a dizer: “eu mando nesta merda toda” e “eu quero ver um juiz vir aqui.” (artigo 17º da petição inicial).
3.3.1.18
O gerente e legal representante da ré, BB tem contactado insistentemente AA, via telefone (artigo 63º da petição inicial).
3.3.1.19.
Numa das mais recentes chamadas, disse, em tom agressivo, que ou AA pagava a quantia alegadamente em dívida, ou pegava fogo à B... e a todos os seus pertences (artigo 64º da petição inicial).
3.3.1.20
Agindo como agiu, BB ofendeu a honra de AA, causou-lhe sofrimento e medo de perder todos os pertences que guardava na B... (artigo 82º da petição inicial). 4. Fundamentos de direito Do não preenchimento dos pressupostos necessários ao nascimento da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito a cargo do réu BB e relativamente à compensação por danos não patrimoniais em favor do autor
Os recorrentes pugnam pela revogação da condenação do réu pessoa singular ao pagamento ao autor de uma compensação por danos não patrimoniais no montante de dois mil e quinhentos euros.
Para tanto os recorrentes alegam que “a Sentença limita-se a remeter para a Petição Inicial os fundamentos de direito, e naquele articulado os fundamentos são absolutamente incoerentes e sustentados em artigos que, pura e simplesmente, não são aptos a produzir como efeito a condenação do Réu BB” (excerto da conclusão XI), que não “se encontra demonstrada qualquer ilicitude na actuação do Réu, nem a existência de quaisquer danos sofridos pelo Autor, pelo que não se encontram preenchidos os requisitos para a condenação do Réu BB no pagamento de indemnização por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos” (excerto da conclusão XII) e que “de qualquer modo, mesmo que assim não fosse, não existem no processo elementos que permitam sustentar o valor de € 2.500,00 em cujo pagamento o Réu foi condenado, pelo que sempre deverá ser rectificada essa decisão” (excerto da conclusão XIII) e que, em todo o caso, “sempre deveria ser reduzido o valor do quantum indemnizatório segundo juízos de equidade.”
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto no artigo 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a todos são reconhecidos, além do mais, o direito ao bom nome e reputação (artigo 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa)[20].
O direito à honra é tutelado civilmente mediante a cláusula geral de tutela da personalidade constante do nº 1 do artigo 70º do Código Civil e o tipo específico de responsabilidade civil constante do artigo 484º do Código Civil e ainda, penalmente, através dos crimes de difamação e de injúria tipificados, respetivamente, nos artigos 180º e 181º do Código Penal.
No caso dos autos provou-se que no contexto de uma discussão entre o autor e o réu, este chamou ao autor “merdas”, “mentiroso” e “burro”.
Estas palavras envolvem por parte do réu uma desconsideração da pessoa do autor[21], molestando-o na consideração que lhe é devida, sendo além disso em grande parte juízos de valor que não são passíveis de demonstração factual.
Ao agir deste modo o réu violou um direito de personalidade do autor, violação que se tem de considerar ilícita pois não resulta da factualidade provada a verificação de uma qualquer causa de exclusão da ilicitude.
O dano resultante desta conduta do réu consiste no sofrimento decorrente da ofensa à honra e consideração do autor, tratando-se tipicamente de um dano não patrimonial[22].
Além desta ofensa à honra, provou-se que BB tem contactado insistentemente AA, via telefone e que numa das mais recentes chamadas, disse, em tom agressivo, que ou AA pagava a quantia alegadamente em dívida, ou pegava fogo à B... e a todos os seus pertences, ficando o autor com medo de perder todos os pertences que guardava na B....
Esta conduta do réu contende com o direito à tranquilidade e à liberdade do autor, visando constrangê-lo à realização de uma prestação a fim de poder aceder aos seus bens guardados no local subarrendado, podendo objetivamente integrar crime de ameaça ou de coação tipificados nos artigos 153º e 154º do Código Penal.
O dano resultante desta última conduta é o medo com que o autor ficou de perder os seus pertences e o constrangimento na sua liberdade de decisão, sendo também um dano não patrimonial.
Assim, ao invés do que afirmaram os recorrentes, a factualidade provada integra quer a ilicitude do facto, quer o dano, enquanto pressupostos de nascimento da obrigação de indemnizar com base em facto ilícito, estando em causa a compensação de danos não patrimoniais.
Importa por isso proceder à fixação da compensação por danos não patrimoniais, já que a mesma não se pode considerar fixada por mero efeito da não contestação dos demandados.
Antes de mais, importa sublinhar que não seguimos a orientação que se tem vindo a manifestar nalguns Tribunais da Relação, na senda do acórdão seminal do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de novembro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego no processo nº 381-2002.S1, acessível na base de dados da DGSI e no sentido de que o controlo da decisão de fixação equitativa da compensação por danos não patrimoniais se regeria pelos mesmos parâmetros que vigoram no recurso de revista, ou seja, de que o juízo de equidade deverá, “em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que generalizadamente vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.”
Na verdade, o Tribunal da Relação tem poderes amplos de cognição em matéria de facto e de direito, ao contrário do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça que apenas conhece de questões de direito, não tendo por isso base legal, em segunda instância, a orientação restritiva na sindicação do juízo de equidade de que resulta a fixação da compensação por danos não patrimoniais, devendo antes a Relação proceder à fixação autónoma da compensação devida tendo em conta todos os fatores relevantes para o efeito.
A compensação por danos não patrimoniais é fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil (primeira parte do nº 4, do artigo 496º do Código Civil).
Também nesta vertente deve atentar-se no disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, em ordem a uma aplicação, tanto quanto possível, uniforme do direito, assim se respeitando e realizando o princípio da igualdade.
Pela sua própria natureza, os danos não patrimoniais não são passíveis de reconstituição natural e, por outro lado, nem em rigor são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente.
A compensação arbitrada nestes casos não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição.
Importa ainda não perder de vista que apenas são compensáveis os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, estando afastados do círculo dos danos indemnizáveis os simples incómodos (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
Ensina o Professor Antunes Varela[23] que a “gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”. Em nota de rodapé, na mesma página da obra citada, aludia o Ilustre Professor ao facto de Carbonnier considerar de todo aberrante a decisão judicial que concedeu a indemnização por danos morais pedida pelo dono duma écurie de course, com fundamento no desgosto que lhe causou a morte de um dos seus cavalos. Embora este exemplo não tenha na atualidade a pertinência que tinha num tempo em que os animais eram vistos exclusivamente como coisas[24], destituídos de sentimentos[25], aponta para que o sofrimento a compensar atinja um patamar mínimo de gravidade para que se torne merecedor da tutela do direito[26]. Existe como que uma tolerância ou adequação social de certo nível de incomodidade ou sofrimento e que constitui o preço que cada ser humano tem de pagar por viver em sociedade.
No caso dos autos, afigura-se-nos clara a gravidade dos danos sofridos pelo autor em consequência da conduta do réu, conduta que, como vimos ainda que de modo perfunctório, é passível de integrar objetivamente diversos tipos criminais[27], sendo por isso tais danos merecedores de compensação.
Importa por isso proceder à fixação da compensação devida, de acordo com as regras da equidade e tendo sempre em atenção as circunstâncias previstas no artigo 494º do Código Civil.
No caso em apreço o réu agiu com dolo pois da factualidade provada retira-se com toda a segurança a vontade do réu de praticar os factos.
Não dispomos de dados sobre a situação económica do lesante, embora seja lícito concluir que será superior à do autor pois que este invoca ter-lhe sido concedido apoio judiciário, litigando o réu sem tal benefício.
Importa ainda atentar que as condutas do réu foram praticadas no quadro de um litígio contratual envolvendo o autor e a sociedade de que o réu é o legal representante.
Tudo sopesado e ponderando a escassa jurisprudência publicada sobre a compensação por danos não patrimoniais em situações com algum grau de similitude[28] e o tempo decorrido desde a prolação de tais decisões, afigura-se-nos que o montante de dois mil e quinhentos euros é excessivo, devendo ser reduzido para o montante de mil euros, valor que se estima suficiente para compensar o autor pelos danos padecidos.
Deste modo, procede parcialmente o recurso interposto e apenas no que respeita ao montante da compensação por danos não patrimoniais a cargo do recorrente, improcedendo no mais.
As custas do recurso são na proporção de decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), fixando-se a proporção em quatro sétimos a cargo dos recorrentes e em três sétimos a cargo do recorrido, mas sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo demonstre beneficiar. 5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por A..., Lda. e BB e, em consequência, em revogar parcialmente a sentença proferida em 03 de março de 2023 e parcialmente reformada em 14 de abril de 2023 e, em consequência, indefere-se liminarmente o articulado superveniente apresentado em 16 de março de 2023 e condena-se BB a pagar a AA a quantia de mil euros, a título de compensação por danos não patrimoniais decorrentes de responsabilidade por facto ilícito, mantendo no mais a decisão recorrida, na versão reformada.
Custas a cargo de recorrente e recorrido na exata proporção de decaimento que se fixa em quatro sétimos para os recorrentes e em três sétimos para o recorrido, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso e sem prejuízo do apoio judiciário de que o recorrido eventualmente beneficie.
***
O presente acórdão compõe-se de vinte e cinco páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.
Porto, 23 de outubro de 2023
Carlos Gil
Ana Paula Amorim
Fernanda Almeida
_______________ [1] Apenas está junta aos autos cópia do ofício da Ordem dos Advogados que procedeu à nomeação de patrono ao autor, patrono que depois subestabeleceu no Sr. Advogado autor da petição inicial e subsequentes intervenções processuais. [2] A ré foi citada em 12 de janeiro de 2023 enquanto o réu foi citado em 18 de janeiro de 2023. [3] Notificada às partes mediante expediente eletrónico e elaborado em 03 de março de 2023 e expediente postal registado na mesma data. [4] Notificada às partes mediante expediente eletrónico elaborado em 17 de abril de 2023. [5] Veja-se o Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140. [6] A nosso ver há que distinguir a fundamentação de facto e ou de direito insuficiente e em termos tais que não permite a perceção das razões que levaram o tribunal a decidir como decidiu da fundamentação de facto e ou de direito ininteligível. [7] Neste sentido veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02 de março de 2011, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças, no processo nº 161/05.2TBPRD.P1.S1 e acessível no site da DGSI. [8] Atualmente, sendo o processo electrónico e estando a remessa do processo para a secretaria condicionada à prévia assinatura por parte do magistrado, afigura-se-nos que a falta de assinatura será de impossível verificação nas decisões singulares. [9] Acórdão de 14 de janeiro de 2020, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Rodrigues Pires no processo nº 5544/19.8T8PRT.P1, acessível na base de dados da DGSI e também citado no Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Almedina 2022, da autoria de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, página 683, anotação 15. [10] No entanto, há que referir que a omissão de fundamentos de direito das pretensões do autor é suprida oficiosamente pelo tribunal tal como previsto no nº 3 do artigo 5º do Código de Processo Civil. Já a omissão de factos essenciais que integram a causa de pedir poderá gerar uma insuficiência suprível mediante convite ao aperfeiçoamento da petição inicial ou, em casos extremos em que não seja possível individualizar a causa de pedir a uma decisão de mera forma com fundamento na falta de causa de pedir. [11] Excerto da conclusão X. [12] Excerto da conclusão XI. [13] Anote-se que ao contrário do que é afirmado pelos recorrentes, não se cita em sede de fundamentação de direito o artigo 596º do Código Civil, mas sim o artigo 496º do mesmo diploma legal. Por outro lado, à luz do disposto no artigo 2º do Código das Sociedades Comerciais, a citação do artigo 998º do Código Civil é pertinente. [14] O recurso foi interposto ao terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo de trinta dias a contar da notificação da sentença recorrida e foi paga a multa devida pela interposição do recurso nessas circunstâncias. [15] E isto porque o meio processual usado não era convolável no instrumento processual adequado. [16] Neste sentido veja-se Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Almedina 2022, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, página 723, anotação 6. Refira-se que nesta anotação há uma gralha na indicação da página da obra do Professor Teixeira de Sousa intitulada “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção declarativa” que não é a 1990 mas sim a 190. [17] Discute-se na doutrina se são ou não aplicáveis a esta confissão ficta as causas de nulidade e de anulabilidade previstas no artigo 359º do Código Civil para a confissão propriamente dita (sobre esta problemática vejam-se: Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, Manuel A. Domingues de Andrade, com a colaboração do Prof. Antunes Varela, Nova Edição Revista e Actualizada pelo Dr. Herculano Esteves, páginas 162 a 164; Manual de Processo Civil, Coimbra Editora 1985, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2ª Edição Revista e Actualizada de acordo com o Dec.-Lei 242/85, páginas 345 e 346 e 565, nota 1). [18] Embora já se tenha concluído em momento anterior deste acórdão que a sentença recorrida não padecia de nulidade por falta de fundamentação de facto e de direito ao remeter para o que a esse propósito foi vertido na petição inicial e no que respeita ao pedido de condenação do réu pessoa singular ao pagamento de compensação por danos não patrimoniais, para melhor compreensão de todos os destinatários deste acórdão do que se deve relevar para este efeito, discriminar-se-ão os factos que se consideram pertinentes para o conhecimento desta pretensão. [19] Corrigiu-se o lapso ostensivo na indicação do mês do termo do contrato em função do que consta do escrito para que era feita remissão, sendo certo também que o dia 31 de fevereiro não existe no nosso calendário. [20] Veja-se Constituição Portuguesa Anotada, Volume I, Universidade Católica Portuguesa 2017, 2ª Edição Revista, Jorge Miranda e Rui Medeiros, página 449, capítulo IV, anotação XVII, da responsabilidade de Rui Medeiros e de António Cortês. [21] Não existem dados de facto que permitam concluir que ao epitetar o autor de “burro” o réu visava destacar alguma especificidade na pessoa daquele que o equiparasse ao “burro” enquanto espécie protegida. Na realidade, tal expressão dirigida a uma pessoa humana tem o sentido comum de pessoa de pouca ou nula inteligência, juízo que aliás é ofensivo para o animal burro reconhecido pelos entendidos na matéria como um animal inteligente. [22] NoCódigo Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, CIDP, Almedina2021, com coordenação do Professor António Menezes Cordeiro, página 419, § 3 da anotação ao artigo 484º do Código Civil, afirma-se que aparentemente para efeito deste normativo releva a conduta e não o resultado. [23] In Das Obrigações em Geral, Vol I, 6ª edição, Almedina 1989, página 576. [24] A Lei nº 8/2017, de 03 de março, alterou o Código Civil e de acordo com o disposto no artigo 201º-B deste diploma legal, os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza. [25] A propósito do estatuto jurídico dos animais, numa concepção atualizada, veja-se, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa 2014, páginas 454 a 456, anotação 5 ao artigo 202º do Código Civil. [26] Escreve o Professor Antunes Varela, no mesmo local: “Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” [27] A ilicitude civil é menos exigente do que a ilicitude criminal pois que o princípio da última ratio do direito penal impõe limites à tutela dos bens jurídicos que não se justificam em matéria civil. [28] Consultaram-se os seguintes acórdãos, todos do Tribunal da Relação de Évora e acessíveis na base de dados da DGSI: de 08 de abril de 2002, proferido no processo nº 2523/07-1; de 04 de maio de 2010, proferido no processo nº 206/07.1GCMN.E1 e de 10 de maio de 2016, proferido no processo nº 163/13.5GBELV.E1.