CONTRATO DE SEGURO
SEGURO DESPORTIVO OBRIGATÓRIO
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário

I - No âmbito do seguro desportivo obrigatório consagrado no DL nº 10/2009 de 12/1, enquanto que as coberturas previstas para as despesas de funeral e para as despesas de tratamento e repatriamento apontam para um seguro de danos, reembolsando a seguradora essas despesas dentro dos limites ali fixados, já as coberturas por morte e/ou por invalidez permanente apontam para um seguro de pessoas, configurando prestações de capital predeterminadas em função exclusiva da natureza dessas lesões, devendo, no caso específico da invalidez permanente parcial ser a indemnização a atribuir ponderada pelo grau de incapacidade que for fixado ao atleta lesionado.
II - Em função do critério expresso no art. 16º al. d) do DL nº 10/2009, a fórmula de cálculo da atribuição patrimonial a conceder ao atleta pela incapacidade permanente parcial de que tenha ficado a padecer reconduz-se a um simples cálculo aritmético, de proporcionalidade, entre o grau de incapacidade que lhe for fixado e o valor do capital contratado para a cobertura de invalidez permanente parcial, não havendo que lançar mão dos critérios usualmente utilizados no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, designadamente a equidade.
III - A interpretação autorizada pelo texto das cláusulas da apólice do seguro vai no sentido de o contrato de seguro desportivo sob apreciação (no seguimento do regime legal do DL nº 10/2009) não contemplar, ainda que implicitamente, na cobertura do risco da invalidez permanente parcial (cujo capital terá de ser apurado em função do grau de incapacidade fixado) os danos não patrimoniais (cujo critério a utilizar seria o recurso à equidade-art. 496º nº3 do CC).

Texto Integral

Processo n.º 106/14.9TBARC.P1- APELAÇÃO

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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA intentou ação declarativa de condenação em processo comum, contra A...- Companhia de Seguros, SA, actualmente B...- Companhia de Seguros, SA peticionando a seguinte condenação da Ré:
A/ A pagar o custo da cirurgia a que tem de ser submetida a demandante; B/ A pagar os custos da fisioterapia de reabilitação subsequente à cirurgia;
C/A pagar os custos que a impetrante tenha de suportar, quer com transportes e tempo que esteja de baixa médica;
D/ A Indemnizar a impetrante pelos danos morais causados em quantia não inferior a € 3.000,00 ou outra que o Tribunal entenda prudentemente arbitrar;
E/A pagar à demandante a quantia que se venha a apurar em momento subsequente, sentença ou liquidação desta, caso, após a referida cirurgia, aquela fique com alguma incapacidade.
F/ A pagar a quantia de € 140,00 despendida pela impetrante das consultas de ortopedia;
G/ No pagamento das custas, condigna procuradoria e no que mais legal se impuser.
Como fundamento da referida pretensão, alegou em síntese que, enquanto atleta federada de futsal, sofreu uma lesão no joelho direito, quando participava numa sessão de treino da sua equipa, tendo sido submetida a cirurgia e tratamentos a cargo da Ré por estar abrangida pelo seguro desportivo celebrado pela FPF, mantendo-se por indemnizar danos decorrentes da incapacidade permanente de que ficou a padecer, bem como danos de natureza não patrimonial e futuras intervenções e tratamentos, cuja responsabilidade pelo pagamento apesar de ter reclamado da Ré esta declinou.

2. A Ré/Apelada deduziu contestação, impugnando os factos alegados pela Autora, alegando que a sua responsabilidade está limitada pelas condições do seguro contratado, do ramo de acidentes pessoais, celebrado com a FPF, contendo as cláusulas contratuais os montantes máximos de indemnização da incapacidade permanente a apurar em função do grau de incapacidade de que venha a autora a padecer, os limites máximos de tratamentos e consultas e, mostrando-se excluídos os danos não patrimoniais.

3. Entretanto a Autora requereu a intervenção principal provocada da Federação Portuguesa de Futebol, do ... e de BB, tendo acabado por desistir relativamente a todos esses intervenientes, desistências essas homologadas por sentenças transitadas em julgado.

4. Foi dispensado despacho saneador e determinada a realização de perícia médico-legal à Autora.

5. Por requerimento de 15.11.2019 a Autora apresentou pedido de reavaliação pelo INML por alegado agravamento do quadro de dores, que não tendo sido deferida, foi objecto de recurso, no âmbito do qual veio a ser proferido Acórdão em 14.07.2020 que determinou fosse proferido despacho liminar sobre o articulado superveniente apresentado, no seguimento do qual veio a ser liminarmente admitido e, após ter sido convidada a Autora a aperfeiçoá-lo, foi impugnado pela Ré.

6. Realizada a perícia, a Autora apresentou requerimento em 8.03.2022 a solicitar a notificação do perito para esclarecer o coeficiente de desvalorização, por dele discordar, tendo recaído despacho de indeferimento, o qual veio a ser objecto de recurso para este Tribunal da Relação, que proferiu Acórdão em 8.05.2023 a confirmar a decisão recorrida.

7. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:
“Em face do exposto e tudo ponderado, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré B...- COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à Autora AA a quantia de 2.340,00 € (dois mil trezentos e quarenta euros), absolvendo-a do demais peticionado.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento que se fixa em 65% para a Autora e em 35% para a Ré, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a Autora.
Notifique e registe.”

8. Inconformada a Autora interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
A/ No caso concreto fixou-se a incapacidade permanente parcial da autora em 8 pontos e o Tribunal, partindo do valor máximo previsto na Apólice de 27.500 Euros, reduziu-o na proporção da desvalorização atribuída, chegado aos 2.200Euros. Salvo o devido respeito, não concordamos com esta fórmula de cálculo;
B/ Como tem sido entendimento unânime da nossa jurisprudência, o cálculo da indemnização devida pelos danos físicos deve ter em conta uma série de critérios:
- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
- No cálculo desse capital interfere necessariamente a equidade;
- As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
- Deve ponderar-se a circunstância de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros;
- Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres acaba de ultrapassar a barreira dos oitenta anos);
C/ Não restam dúvidas de que a incapacidade parcial permanente de 8 pontos vai acompanhar a autora pela vida fora, aumentando a dificuldade das tarefas diárias, constrangendo as suas aptidões e bem-estar laboral e pessoal, criando-lhe as correspondentes limitações de natureza aquisitiva, pois não será capaz de trabalhar tanto e de tanto produzir quanto seria se não fosse portadora de tal handicap;
D/ No caso em apreço temos que a autora tinha 16 anos à data do evento.
A esperança média de vida estipula-se nos 80 anos. Assim, utilizando a premissa do direito de trabalho, correspondendo a indemnização a 70% do salário total anual x a incapacidade (critério que nos parece razoável atendendo aos factores apontados) temos como valor justo e equilibrado o montante de € 29.572,80 (760 (SMN)x 14 meses = 10.640,00 x 70% x 8 = 595,84 de pensão anual, x 64 anos de vida = 38.133,76;
E/ Sendo o montante máximo da apólice de € 27.500, naturalmente, que a Seguradora, apenas, poderá ser condenada a liquidar tal valor;
F/ Mesmo que assim não fosse, mas, com o devido respeito, será, o Tribunal não poderia, ainda, ter desvalorizado os períodos de incapacidade sofridos pela A. e que se acham dados como provados nos pontos 16. a 21. dos factos provados, danos que patrimoniais, são, evidentemente, indemnizáveis, tendo o Tribunal, apenas, considerado a indemnização, no seu entender, correspondente aos ditos 8 pontos, devendo, pois, a tal título ser a A. indemnizada;
G/ O Tribunal entendeu absolver a demandada do pedido de condenação nos danos de natureza não patrimonial, por entender não estarem os mesmos cobertos pela apólice. Ora, da matéria de facto dada como provada, não vemos onde conste como provado estar excluído das coberturas os danos morais do beneficiário;
H/ Redigindo o segurador/predisponente (um profissional, parte apetrechada na contratação de seguros) o contrato de seguro de acidentes pessoais, designadamente quanto ao seu âmbito de cobertura/garantia, com recurso a cláusulas contratuais gerais, deve o enunciado predisposto do contrato ser interpretado, na dúvida, contra a parte que o redigiu e fixou as respetivas cláusulas, valendo, neste âmbito, o princípio in dubio contra stipulatorum.
I/ De acordo com este princípio, a ambiguidade do clausulado contratual, quanto à inclusão ou exclusão da cobertura de danos não patrimoniais, deve ser objeto de interpretação no sentido de contemplar o conteúdo indemnizatório mais amplo – a não exclusão da cobertura, dentro do montante de capital estipulado –, em termos não desfavoráveis ao aderente, parte tipicamente frágil na relação de seguro;
J/ Assim, com o devido respeito, os danos morais são indemnizáveis, ainda que, se possa aceitar dentro do valor da cobertura estabelecida nas condições da apólice;
L/ Mesmo que se pudesse admitir que o valor do dano patrimonial pudesse ser, apenas, o adiantado na sentença, sempre este dano moral tem de ser indemnizado, não se nos afigurando desajustado o valor pedido pela A., que, em qualquer dos casos deverá ser arbitrado, ainda, que, como se disse, sempre cingido ao montante de capital contratado, sob pena de se violar o principio segundo o qual o lesado deve ser colocado na situação anterior à lesão, previsto legalmente no Artº. 562º do Código Civil, norma que o Tribunal recorrido violou.
Concluiu, pedindo que seja concedido total provimento ao presente recurso.

9. A Apelada apresentou contra-alegações pugnando pela confirmação do julgado.

10. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª Questão-Montante indemnizatório a atribuir à Apelante pela incapacidade permanente parcial que lhe foi fixada;
2ª Questão-Indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos pela Apelante;
3ª Questão- Indemnização por danos não patrimoniais.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A Autora, atleta federada, fazia parte da equipa de Futsal do ....
2. No dia 14.10.2012, a hora não concretamente apurada, no decurso de um jogo da referida modalidade de Futsal, numa conjuntura de jogo não concretamente apurada, a Autora sofreu uma queda e consequente prostração no solo, tendo sofrido de imediato lesão no joelho direito.
3. Na sequência, a Autora foi encaminhada para os serviços da Ré, em virtude de, para a época desportiva em causa (2012/2013) a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ter celebrado um contrato de seguro desportivo de grupo com A... – Companhia de Seguros, S.A., Ré nesta ação, contrato ao qual o ..., clube onde a Autora se encontrava inscrita, aderiu, para cobertura dos seus atletas.
4. Em 30.11.2012, no Hospital ..., a Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica ao joelho direito, cujo custo a Autora suportou, tendo despendido em tratamentos o montante de 1.600,00 €.
5. Em 01.12.2012, foi concedida alta à Autora, tendo permanecido em fisioterapia cerca de um mês.
6. Porque a Autora mantinha dores e dificuldades em diversas atividades, como a prática de futsal, em 02.12.2013 foi submetida a avaliação médica, em consulta de ortopedia, na ….
7. Após, a Autora recorreu a consulta da especialidade de ortopedia, com o Dr. CC, médico especialista, o qual considerou que as sequelas de que a Autora é portadora são decorrentes de um derrame articular de repetição e, uma vez que apresenta uma instabilidade marcada (AP), necessita de uma nova intervenção cirúrgica para reconstrução do LCA e fisioterapia de reabilitação subsequente,
8. Com o custo orçamentado, incluindo cirurgia, ajudante, anestesista, instrumentista e internamento, de 3.940,00 €.
9. Em duas consultas com o Dr. CC, a Autora despendeu a quantia de 140,00 €.
10. Desde a data do sinistro que a Autora sofreu dores.
11. Entre a Ré e a Federação Portuguesa de Futebol foi celebrado o contrato de seguro a que corresponde a apólice n.º ..., do ramo acidentes pessoais – coletivo, em vigor no período de 02.07.2012 a 30.06.2013.
12. De acordo com as cláusulas desse contrato, estavam cobertas pelo seguro os riscos de morte, com o capital seguro de 27.500,00 €, o risco de invalidez permanente, com o capital seguro de 27.500,00 €, as despesas de tratamento, com o capital seguro de 4.300,00 €, e as despesas de funeral, com o capital seguro de 2.200,00 €.
13. Nos termos do artigo 47.º das condições gerais do referido contrato de seguro, o capital seguro por este contrato é sempre limitado ao montante máximo fixado na Apólice por anuidade para os valores das indemnizações, subsídios ou reembolsos que o Segurador se obriga a pagar em caso de acidente coberto por esta Apólice e consta expressamente das Condições Particulares, sem prejuízo do disposto no número seguinte e o pagamento das indemnizações garantidas por este contrato obedece às regras definidas nos artigos 55.º e 56.º das Condições Gerais, que dispõem nos seguintes termos:
Artigo 55.º — Realização da prestação do Segurador
1. Sem prejuízo do disposto no Artigo seguinte, o Segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências.
2. Para efeito do disposto no número anterior, dependendo das circunstâncias, pode ser necessária a prévia quantificação das consequências do sinistro.
3. A prestação devida pelo Segurador pode ser pecuniária ou não pecuniária. Artigo 56.º — Critérios de Pagamento da indemnização
O pagamento das indemnizações e subsídios garantidos por esta Apólice obedece aos seguintes critérios:
1. Morte — Sem prejuízo do disposto nos Art. os 71.º e 72.º destas Condições Gerais, no caso de morte, ocorrida imediatamente ou no decurso de 2 anos a contar da data do acidente, o Segurador pagará o correspondente capital seguro ao(s) Beneficiário(s) expressamente designado(s) na Apólice.
2. Invalidez Permanente:
a) no caso de Invalidez Permanente clinicamente constatada e sobrevinda no decurso de 2 anos a contar da data do acidente, o Segurador pagará a parte do correspondente capital seguro determinada pela Tabela de Desvalorização que faz parte destas Condições Gerais;
b) o pagamento desta indemnização, salvo indicação expressa em contrário na Apólice, será feito à Pessoa Segura;
c) mediante convenção expressa nas Condições Particulares, poderão ser adoptadas desvalorizações diferentes das que constam da tabela anexa a estas Condições Gerais;
d) a indemnização por lesões, ainda que de importância menor, não enumeradas na Tabela de Desvalorização será calculada na proporção da sua gravidade comparada com a dos casos enumerados, sem ser tida em conta a profissão exercida;
e) se a Pessoa Segura for canhota, as percentagens de invalidez estabelecidas na Tabela para o membro superior direito aplicam-se ao membro superior esquerdo e reciprocamente;
f) em qualquer membro ou órgão, os defeitos físicos de que a Pessoa Segura era portadora antes do acidente serão tomados em consideração no momento de fixação do grau de desvalorização proveniente do acidente, o qual corresponderá à diferença entre a invalidez já existente e aquela que passou a existir;
g) a incapacidade funcional parcial ou total de um membro ou órgão é assimilada à correspondente perda parcial ou total;
h) em relação a um mesmo membro ou órgão, as desvalorizações acumuladas não podem exceder aquela que corresponderia à perda total desse membro ou órgão;
i) sempre que de um acidente resultem lesões em mais de um membro ou órgão, a indemnização total obtém-se somando o valor das indemnizações relativas a cada uma das lesões, sem que o total possa exceder o capital seguro.
3. Em caso de Incapacidade Temporária:
a) no caso de Incapacidade Temporária sobrevinda no decorrer de 180 dias contados da data do acidente, o Segurador pagará o subsídio diário fixado nas Condições Particulares, enquanto persistir essa incapacidade e por um período não superior a 360 dias;
b) define-se como Incapacidade Temporária a impossibilidade física e temporária, susceptível de constatação médica, de a Pessoa Segura exercer a sua actividade normal. Esta incapacidade divide-se em dois graus:
1.º Grau — Incapacidade Temporária Absoluta
– Enquanto a Pessoa Segura que exerça a profissão remunerada se encontre na completa impossibilidade física, clinicamente comprovada, de atender ao seu trabalho, ainda que seja o de instruir, dirigir ou coordenar os seus subordinados;
– enquanto a Pessoa Segura que não exerça profissão remunerada se encontre hospitalizada ou for obrigada a permanecer acamada no seu domicílio sob tratamento médico.
2.º Grau — Incapacidade Temporária Parcial
Enquanto a Pessoa Segura que exerça profissão remunerada se encontre apenas em parte inibida de atender ao seu trabalho, ainda que seja o de instruir, dirigir ou coordenar os seus subordinados.
Este 2.º grau de incapacidade não se aplica a Pessoa Segura que não exerça profissão remunerada, não lhe sendo, portanto, conferido direito a qualquer subsídio por incapacidade temporária a partir do momento em que deixem de se verificar as circunstâncias que conferem direito a subsídio por Incapacidade Temporária Absoluta (1.º grau);
c) em caso de Incapacidade Temporária, Absoluta (1.º grau) o Segurador pagará, a partir do dia imediato ao da assistência clínica e durante o período máximo de 180 dias, a indemnização diária fixada nas Condições Particulares;
d) em caso de Incapacidade Temporária Parcial (2.º grau) o Segurador pagará, a partir do dia imediato ao da assistência clínica e durante o período máximo de 360 dias, ou durante os 180 dias imediatos àquele em que tenha terminado a Incapacidade Temporária Absoluta (1.º grau) uma indemnização cujo montante irá até metade do valor fixado nas Condições Particulares para a Incapacidade Temporária Absoluta, com base na percentagem de incapacidade fixada pelo médico assistente ou, se for caso disso, em resultado de um exame efectuado por médico designado pelo Segurador.
e) a Incapacidade Temporária Absoluta (1.º grau) converte-se em Incapacidade Temporária Parcial (2.º grau) em qualquer das seguintes circunstâncias:
– quando a Pessoa Segura que exerça profissão remunerada embora não completamente curada, se não encontre já absolutamente impossibilitada de atender ao seu trabalho;
– quando, embora subsistindo as causas que deram origem à Incapacidade Temporária Absoluta, tenha decorrido o prazo de 180 dias fixado na alínea c) deste número;
f) o pagamento do subsídio diário, salvo indicação expressa em contrário nas Condições Particulares, será feito à Pessoa Segura.
4. Incapacidade Temporária Absoluta só em caso de internamento hospitalar — No caso de Incapacidade Temporária Absoluta só em caso de internamento hospitalar sobrevinda no decurso de 180 dias contados da data do acidente, o Segurador pagará o subsídio garantido enquanto subsistir o internamento em hospital ou clínica e por um período não superior a 360 dias contados desde a data em que a Pessoa Segura tiver sido internada.
5. Despesas de Tratamento e de Repatriamento:
a) o Segurador procederá ao reembolso, até ao valor fixado para o efeito nas Condições Particulares, das despesas necessárias para o tratamento das lesões sofridas, bem como das despesas extraordinárias de repatriamento em transporte clinicamente aconselhado em face dessas lesões;
b) o pagamento será efectuado contra entrega de documentos comprovativos a quem demonstrar ter pago as despesas. 6. Despesas de Funeral:
a) o Segurador procederá ao reembolso, até ao valor fixado para o efeito nas Condições Particulares, das despesas efectuadas com o funeral da Pessoa Segura;
b) o pagamento será efectuado contra entrega de documentos comprovativos a quem demonstrar ter pago as despesas.
14. Na tabela a que alude a alínea a) do n.º 2 do Art.º 56.º das Condições Gerais da Apólice prevê-se, para os membros inferiores, o seguinte:

15. A data da consolidação/estabilização médico-legal das lesões que são consequência do sinistro que constitui objeto dos presentes autos é fixável em 24.10.2016, 1471 dias após o sinistro, tendo em conta a data da alta da Consulta de Ortopedia ....
16. O défice Funcional Temporário Total é fixável em 5 dias, situados desde 30.11.2012 até 01.12.2012 e desde 12.02.2016 até 14.02.2016, tendo em conta o período de imobilização e descarga do membro inferior esquerdo.
17. O Défice Funcional Temporário Parcial é fixável em 1466 dias, correspondente ao restante período até à consolidação médico-legal, em que a Autora efetuou consultas e tratamentos de recuperação funcional.
18. A Repercussão Temporária Total para as atividades escolares e gimnodesportivas é fixável em 5 dias.
19. A Repercussão Temporária Parcial para as atividades escolares e gimnodesportivas é fixável em 550 dias.
20. A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total é fixável em 255 dias, situados desde 12.02.2016 até 24.10.2016.
21. A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial é fixável em 661 dias.
22. O Quantum Doloris é fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta o tipo de traumatismo, a gravidade das lesões resultantes, os tratamentos efetuados e o período de recuperação funcional.
23. Relativamente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixável em 8 pontos, relativamente à capacidade integral do indivíduo (100 pontos), considerando a globalidade das sequelas (corpo, funções e situações de vida), concretamente a dor e instabilidade anterior ligeira/moderada pós-traumática do joelho direito, enquadrável no código Mc0623.
24. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual da Autora, mas implicam esforços suplementares.
25. O dano estético é fixável no grau 1 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as cicatrizes.
26. A Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é fixável no grau 6 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta que a Autora deixou de praticar futebol federado e outros desportos.
27. No decurso do ano de 2019, a Autora começou a apresentar queixas por dificuldades em caminhar, em estar de pé e muitas dores de costas.
28. As dificuldades em caminhar e estar de pé derivam da lesão do joelho decorrente do sinistro que constitui objeto dos presentes autos, na dimensão do já referido Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica de 8 pontos (III Mc0623 2 a 10).
29. A lesão de que a Autora padece no joelho poderá exigir analgesia em SOS, com Paracetamol, Diclofenac ou outro AINE similar.
30. Em 16.08.2016, a Ré pagou ao Hospital ... a quantia de 2.268,00 € respeitante à segunda intervenção cirúrgica a que foi sujeita a Autora em 12.02.2016 também na sequência do sinistro em causa nos presentes autos.
2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
1. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, a Autora seguia com a bola em direção à baliza, quando sobre si foi cometida uma falta por uma jogadora adversária, a qual se objetivou com um violento pontapé no joelho direito, que conduziu à expulsão da jogadora que atuou em falta.
2. Em 02.12.2013, o médico da Ré informou a Autora de que, da parte da Ré, nada mais havia a fazer.
3. Aquando da primeira intervenção cirúrgica a que foi sujeita, a Autora não foi submetida ao tratamento sugerido pelo Dr. CC (descrito nos factos provados) por exclusiva indicação da Ré.
4. E por absoluta incúria do hospital indicado pela Ré.
5. A Autora sofreu sequelas da anestesia geral da primeira cirurgia.
6. A Autora, uma jovem com 17 anos à data do sinistro, vive agora arreliada, amargurada e triste, sentindo uma enorme frustração por não poder continuar a praticar o futsal.
7. Caso a Autora tivesse sido corretamente intervencionada no Hospital em que fez a primeira cirurgia, não seria necessária nova intervenção cirúrgica.
8. A intervenção cirúrgica teve lugar nesse Hospital por exclusiva indicação da Ré.
9. As dores de costas de que a Autora começou a padecer no ano de 2019 derivam da lesão do joelho decorrente do sinistro que constitui objeto dos presentes autos, sendo consequência direta e necessária do mesmo.
10. A lesão da Autora no joelho decorrente do sinistro agravou-se após o primeiro exame pericial realizado no âmbito dos presentes autos.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
Tal como resulta da análise jurídica efectuada na sentença recorrida, estamos perante uma pretensão indemnizatória dirigida contra a Apelada na decorrência de um sinistro/lesão sofrido pela Apelante durante uma sessão de treino da equipa de futsal da qual a mesma fazia parte, enquanto atleta federada, cuja reparação estava transferida para a Apelada por força de um seguro desportivo celebrado pela FPF, seguro esse colectivo, do qual a Apelante beneficiava.
O enquadramento jurídico do tipo e natureza do seguro em apreciação foi correctamente efectuado pelo tribunal a quo, estando-se perante um seguro de acidentes pessoais, de grupo, de natureza obrigatória, regido pelas disposições previstas no DL nº 10/2009 de 12/1, enquadramento esse não questionado no presente recurso e como tal, se dá aqui por adquirido.
Tal como resulta da apólice de seguro junta aos autos e, à luz da qual se analisará as pretensões recursivas que nos foram colocadas para decisão, as coberturas contratadas no seguro do qual a Apelante beneficia, restringiram-se às coberturas obrigatórias previstas no mencionado diploma legal ( art. 5º nº 2 al. a) e b) e 16º al. a) a e) do DL nº 10/2009), assim como aos limites mínimos de capital (com as actualizações previstas no art. 18º do DL nº 10/2009): morte- €27.500,00; invalidez permanente-€27.500,00; despesas de tratamento- €4.300,00 e despesas de funeral- €2.200,00.
As questões sobre as quais versam o presente recurso, tal como apresentadas pela Apelante, resumem-se à sua discordância quanto ao montante indemnizatório fixado pelo tribunal a quo relativamente ao valor atinente à incapacidade permanente parcial (Conclusões A a E) e à exclusão dos danos de natureza não patrimonial (Conclusões G a L), contudo, também na Conclusão F acaba por questionar a desconsideração dos períodos de incapacidade temporária dados como provados nos pontos 16 a 21 dos factos provados pretendendo que lhe seja fixada indemnização que os contemple (sem que quanto a estes aponte o valor pretendido).
Passemos, então, à sua reapreciação.
1ª Questão-Montante indemnizatório a atribuir à Apelante pela incapacidade permanente parcial que lhe foi fixado.
A Apelante discorda da fórmula de cálculo da indemnização que lhe foi atribuída na sentença recorrida, pela incapacidade permanente parcial de 8 pontos de que ficou a padecer, em virtude de uma lesão sofrida num treino de futsal, quando praticava essa actividade desportiva enquanto atleta federada.
Resulta inegavelmente dos considerandos expressos pela Apelante para fundamentar o seu pedido de que lhe seja atribuída indemnização pelo capital máximo contratado para a invalidez permanente- €27.500,00-, que a Apelante, para efeitos de cálculo da indemnização reclamada, equipara a natureza do seguro desportivo obrigatório, ao seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, sustentando que a indemnização devida por aquela incapacidade permanente parcial que lhe foi atribuída deve ter em conta uma série de critérios, designadamente aqueles a que a jurisprudência de forma unânime se socorre na atribuição das indemnizações por acidentes de viação, como a correspondência a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no final do período provável de vida, a esperança média de vida, a rentabilização em termos financeiros em virtude da indemnização ser paga de uma só vez, o recurso a tabelas financeiras como mero auxiliar, bem como a atribuição em função da equidade.
Podemos, pois, afirmar que a discordância da Apelante radica na natureza que atribui à reparação patrimonial consagrada no seguro desportivo obrigatório, diversa daquela que foi defendida na sentença recorrida, porque embora não tenha ficado claro na fundamentação da sentença, dela resulta que o cálculo que conduziu à atribuição do capital de €2.200,00, efectivamente, não levou nenhum daqueles critérios em consideração, não tendo sido fixada uma indemnização em termos de equidade, uma vez que o tribunal a quo recorreu a uma regra de três simples, tendo reduzido proporcionalmente o limite de capital de €27.500,00- definido para o grau máximo da incapacidade permanente parcial- em função do grau de incapacidade permanente parcial de 8% atribuído à Apelante.
A esse propósito lê-se na sentença recorrida o seguinte:
“(…) estando previsto o limite de 27.500,00€ para a incapacidade permanente total, uma incapacidade permanente parcial de 8% determina uma indemnização no valor de 2.200,00€.”
Embora a sentença recorrida não a aborde, a problemática sobre a forma de cálculo dessa incapacidade tem vindo a ser discutida na jurisprudência de forma dissonante, sendo díspares os entendimentos sobre a natureza da atribuição patrimonial decorrente do seguro desportivo obrigatório, disparidade essa que, como veremos, terá repercussões práticas em todas as questões suscitadas neste recurso, daí que nos pareça necessário esse enquadramento, que passaremos a mencionar, ainda que em termos breves, para melhor percepção da posição que sobre ela assumiremos.
Ao contrato de seguro está associada a ideia de risco, i.é da ocorrência de um evento futuro e incerto causador de danos (sinistro), e de repartição ou transferência desse risco para outrem, mediante uma determinada contrapartida.
Neste sentido, define José Vasques, o contrato de seguro como o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar determinado evento futuro e incerto.[2]
Perfilhando a mesma concepção, J. Carlos Moitinho de Almeida define o contrato de seguro como o contrato em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização do risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou tratando-se de evento relativo à vida humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando--se de prestação a realizar em data determinada.[3]
De acordo com o disposto no art. 210º da LCS no seguro de acidentes pessoais, o segurador cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.
Tal como escreve Pedro Romano Martinez, “O tipo de seguro ajustado influi no âmbito do dever de indemnizar sob vários aspectos. Tendo por base a tradicional contraposição entre seguros de pessoas e seguros de danos, verifica-se que, estando em causa um seguro de pessoas, paga-se, por via de regra, um valor certo, fixado no contrato (por exemplo, seguro de vida ou de acidentes pessoais com prestações convencionadas). De facto, em seguros de vida, assim como de acidentes pessoais ou de doença com prestações convencionadas, perante a dificuldade de cálculo do dano, presume-se que corresponde à soma segurada, não sendo necessária a prova de efectivos prejuízos. Em caso de seguro de vida ou de acidentes pessoais, verificado um facto, certo ou incerto (por exemplo, a morte do segurado ou o acidente de que resulta a invalidez do segurado)- que, na linguagem dos seguros, se designa por « sinistro»- a seguradora fica obrigada a pagar uma quantia certa; assim sendo, o beneficiário só tem de provar o facto (art. 342º nº 1 do CC), isto é, que sobreveio o sinistro e não a existência de danos.”[4]
O contrato de seguro deve ser formalizado pelo segurador num instrumento que constituirá a apólice de seguro e esta deve enunciar, nomeadamente, e em geral, todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis (arts. 32º e 37º da LCS).
O contrato de seguro não está agora sujeito a forma especial, mas o segurador está obrigado a formalizar o contrato antes celebrado, através do consenso de vontades, num instrumento escrito, que se designa de apólice – cfr. art. 32º da LCS.
Deste modo, conforme também já se referiu, corporizando a apólice o contrato celebrado entre as partes e sendo ela fiel reprodução do acordado entre as mesmas, o contrato de seguro não deixará de regular-se pelas estipulações da respectiva apólice, sem prejuízo das limitações (absolutas e relativas) previstas na lei – arts. 11º a 15º da LCS.
Assim, a resolução de qualquer litígio no âmbito de um determinado contrato de seguro supõe a análise da respectiva apólice, enquanto esta seja expressão da vontade negocial das partes, vontade esta que o tribunal terá que interpretar, designadamente para aferir se o sinistro ocorrido se mostra coberto pelo contrato de seguro em apreço e, por consequência, é devida a prestação a cargo da seguradora.
Com efeito, como refere Pedro Romano Martinez “Perante qualquer negócio jurídico é sempre necessário determinar o sentido relevante das suas cláusulas. A hermenêutica de cláusulas de um negócio jurídico é imprescindível, ainda que da leitura das mesmas não resulte qualquer ambiguidade, mas, em relação ao contrato de seguro, a interpretação tem uma relevância acrescida por via da frequente complexidade e do elevado número de cláusulas como da pluralidade de documentos (condições gerais, condições especiais, condições particulares, etc.), que normalmente integram este negócio jurídico.”[5]
Para aferição do conteúdo do contrato, torna-se necessário atender ao objecto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, e para determinar o âmbito do seguro é ainda necessário ter em conta as estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos.[6]
Também quanto a este aspecto, escreve Pedro Romano Martinez que, “o âmbito do dever de indemnizar, além de ser limitado ou excluído em certos casos, pode ser fixado por regras contratuais. Neste domínio, impera a autonomia privada, pelo que, por acordo, a determinação do âmbito do risco assumido e do valor a indemnizar pode assumir variados contornos.
Relativamente ao conteúdo do contrato é usual distinguirem-se as “condições gerais”– constituem o grupo essencial das cláusulas que regulam o contrato, definindo o tipo de seguro acordado -, as “condições especiais” – cláusulas que concretizam as cláusulas gerais, delimitando o tipo de seguro, nomeadamente excluindo certos aspectos do risco assumido pela seguradora –e as “condições particulares” – que se reportam à identificação do segurado (por norma, o tomador do seguro) e ao objecto do seguro.” [7]
Há que distinguir as cláusulas de exclusão da responsabilidade daquelas outras que delimitam o objecto do contrato. Por via de regra, nas condições gerais e especiais de apólices de seguro não se exclui a responsabilidade da seguradora, pois delimita-se o âmbito do risco coberto pelo contrato de seguro.
Aliado a esses princípios gerais, para total compreensão do seguro sob apreciação nestes autos, convoca-se o regime legal do seguro desportivo obrigatório consagrado no DL nº 10/2009 de 12/1.
A propósito do seguro desportivo obrigatório, Ana Brilha escreveu o seguinte:
“Preocupação universal das sucessivas Leis de Bases do Desporto, a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório visa cobrir os riscos a que estão sujeitos os praticantes desportivos e os demais agentes desportivos procurando garantir a existência de meios financeiros para que aqueles possam fazer face às despesas em que tenham de incorrer com tratamentos ou facultando o pagamento de um valor relativo a morte ou invalidez permanente, total ou parcial.
Sobretudo, a institucionalização do seguro desportivo procurou regulamentar de forma adequada a protecção contra acidentes pessoais no âmbito da actividade desportiva, numa lógica de adequação aos riscos próprios da actividade em causa e aos encargos gerados.
Inserindo-se no ramo não vida, o seguro desportivo aproxima-se simultaneamente da figura do seguro de acidentes pessoais e do seguro de bens, configurando-se como um misto de seguro de pessoas e de bens, porquanto visa não só cobrir danos provocados por eventos que afectem a vida, a saúde ou a integridade física dos agentes desportivos, mas também visam cobrir os riscos derivados de qualquer evento que provoque danos no património do segurado.
A contratação do seguro visa primacialmente a distribuição do risco inerente a qualquer actividade susceptível de causar dano, aproximando-a do regime da responsabilidade civil objectiva.” E quanto aos riscos derivados de qualquer evento que provoque danos no património do segurado, dá como exemplo “o caso de cobertura de despesas de tratamento e internamento do agente desportivo”[8]
Essa natureza híbrida (seguro de capitais/seguro de danos) do seguro desportivo obrigatório foi também defendida no Ac RP de 12.10.2020, que acabou por concluir que, “a essa luz a cobertura do montante mínimo devido por invalidez permanente, absoluta ou parcial, deve ser configurada como prestação de capital predeterminada em função exclusiva da natureza da lesão e do grau de incapacidade fixado no caso de invalidez permanente parcial, independentemente do valor do dano efectivo e das consequências não patrimoniais decorrentes do acidente desportivo”.[9]
Analisada a apólice de seguro junta aos autos, conjugando as condições gerais e as coberturas contratualizadas, concluímos que o contrato de seguro sob apreciação acaba por ser uma reprodução do conteúdo do seguro desportivo obrigatório, tal qual previsto no DL nº 10/2009 de 12/1, contemplando, para o que aqui nos interessa, a cobertura de invalidez permanente com o capital de €27.500,00, sendo referenciado no art. 56º das condições gerais os critérios de pagamento da indemnização, aí se estabelecendo que em caso de invalidez permanente a seguradora pagará a parte do correspondente capital seguro determinada pela Tabela de Desvalorização que faz parte das Condições Gerais, reproduzindo o critério legal estabelecido no art. 16º al. d) do DL nº 10/2009 de que o capital mínimo para a invalidez permanente parcial será ponderado pelo grau de incapacidade fixado.
Assim, pelo menos quanto à cobertura de invalidez permanente, estaremos perante um contrato de seguro de pessoas que, nos termos conjugados dos artigos 175.º nº 1 e 210.º da LCS cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.
Deste modo, nos termos previstos no art. 175.º nº 2, tal contrato pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória.
O art.16.º do DL n.º 10/2009, efectivamente estabelece para as coberturas previstas no art. 5.º nº 2, os seguintes montantes mínimos de capital:
a) – Morte – (euro) 25.000;
b) – Despesa de funeral – (euro) 2000;
c) – Invalidez permanente absoluta – (euro) 25.000;
d) – Invalidez permanente parcial – (euro) 25.000, ponderado pelo grau de incapacidade fixado;
e) – Despesas de tratamento e repatriamento – (euro) 4000.
Podemos, pois, concluir que, enquanto que as coberturas previstas para as despesas de funeral e para as despesas de tratamento e repatriamento apontam para um seguro de danos, reembolsando a seguradora essas despesas dentro dos limites ali fixados, já as coberturas por morte ou por invalidez permanente apontam para um seguro de pessoas, configurando prestações de capital predeterminadas em função exclusiva da natureza dessas lesões, devendo, no caso específico da invalidez permanente parcial ser a mesma ponderada pelo grau de incapacidade que for fixado.
Segundo o Ac do STJ de 7.11.2019, “Significa isto que estas últimas coberturas (por morte ou por invalidez permanente) se traduzem em obrigação de prestação convencionada independente do valor do dano efetivo e não como prestação indemnizatória propriamente dita, como no caso das referidas coberturas pelas despesas de funeral e de tratamento.”
(…)Poderá discutir-se, de jure condendo, se não seria mais adequado ou justo atender ao dano efetivo como fator complementar na fixação da prestação devida, mas o certo é que este fator não foi erigido como critério legal, nem era imperioso que o fosse, tanto mais que o contrato de seguro de pessoas pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano, como se preconiza no artigo 175.º, n.º 2, da LCS.” [10]
Seguindo-se esta posição, consentânea com o critério expresso no art. 16º al. d) do DL nº 10/2009, a fórmula de cálculo da atribuição patrimonial a conceder ao segurado pela incapacidade permanente parcial de que tenha ficado a padecer reduz-se a um simples cálculo aritmético, de proporcionalidade, entre o grau de incapacidade fixado ao lesado e o valor do capital contratado para a cobertura de invalidez permanente parcial, não havendo que se lançar mão dos critérios usualmente utilizados no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, designadamente a equidade.
Essa corrente jurisprudencial, acolhida no acima citado Ac STJ de 7.11.2019 foi também adoptada, entre outros, no Ac STJ de 8.09.2016 (Proc. Nº 1311/11.5TJVNF.G1.S1), no Ac RP de 7.04.2016 (Proc. Nº 335/10.4TTOAZ.P1), Ac RG de 15.01.2015 (Proc. Nº 1266/09.6TBGPS.G1), Ac RP de 12.10.2020 (Proc. Nº 6075/15.0T8VNG.P1), Ac RP de 28.11.2017 (Proc. Nº 8968/16.9T8PRT.P1).
De acordo com esse entendimento, a atribuição à Apelante do capital seguro referente à invalidez permanente deverá ter em conta o grau de incapacidade que lhe foi fixado- 8 pontos (que o tribunal a quo fez equiparar à percentagem de 8%, com a qual a Apelada se conformou) que será multiplicado pelo capital seguro- €27.500,00- alcançando-se, por recurso a um critério meramente matemático, o valor indemnizatório de €2200,00 fixado na sentença recorrida.
No sentido defendido pela Apelante, encontramos outra corrente jurisprudencial que entende que “ao abrigo do art. 16º d) do DL 10/2009, na fixação do capital a atribuir ao lesado, deverá efectuar-se referência à incapacidade concreta deste, não para efetuar um cálculo proporcional- 100% corresponderia à invalidez total e, a partir daí, aplicar-se-ia a percentagem de incapacidade ao capital garantido- mas para se apurar qual exactamente o dano real que sofreu, tendo em conta aquela incapacidade, atribuindo-se, ao abrigo do seguro, o capital respectivo, até ao limite de €25.000,00 (ou do que for contratado, se superior a este valor) como se lê do Ac RP de 27.02.2023 (Proc. Nº 1015/20.8T8PVZ.P1), entendimento esse já anteriormente assumido no Ac RP de 15.11.2018 (Proc. Nº 1751/14.8TBVCD.P1) e, nos Ac STJ, de 4.10.2018 (Proc. Nº. 4575/15.1T8BRG.G1) e Ac STJ de 9.5.2019 (Proc. Nº 1751/14.8TBVCD.P1.S1), arestos em que na fixação da indemnização se admitiu a utilização dos critérios convocados pela Apelante, não estando a fórmula de cálculo da indemnização limitada apenas ao grau de incapacidade fixado ao lesado.
Apesar da controvérsia assinalada, afigura-se-nos ser de acolher a primeira das correntes jurisprudenciais mencionadas, cuja fórmula de cálculo foi utilizada na sentença recorrida, desde logo por nos parecer a posição mais consentânea com a natureza do seguro desportivo enquanto seguro de acidentes pessoais, um seguro de pessoas em que se paga, por via de regra, um valor certo fixado no contrato, com prestações de capital predeterminado exclusivamente em função das lesões e do grau de incapacidade fixado, como é o caso do contrato de seguro vertido na apólice junta aos autos.
Embora seja um seguro de natureza obrigatória, afasta-se das regras de um seguro obrigatório de responsabilidade civil, não assumindo natureza indemnizatória, porquanto não visa indemnizar integralmente e na sua plenitude o dano efectivamente sofrido pelo agente desportivo, mas atribuir-lhe um determinado capital pré-determinado em caso de sinistro, assumindo a obrigatoriedade do seguro por uma questão de necessidade social de acautelar riscos para a saúde inerentes à prática desportiva, como do preâmbulo do DL nº 10/2009 se extrai.
Tal como elucidativamente ficou decidido no citado Ac STJ de 8.09.2016, “a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura em função do sinistro se acha estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que aquela ficou a padecer em consequência desse evento. Esse é o único factor a atender.
(…) Não nos encontramos no domínio da obrigação de indemnização gerada com base na responsabilidade civil por factos ilícitos (nº 1 do artigo 483º e artigo 562º, ambos do Código Civil), pelo que carece de sentido a convocação de normas e critérios corriqueiramente considerados (mormente a equidade) nesse âmbito para achar o “quantum” da quantia a atribuir ao recorrente/pessoa segura.
Por outro lado, é sabido que, uma vez verificado o sinistro prevenido pelo contrato de seguro, a seguradora fica incumbida de entregar ao segurado uma certa atribuição de cariz patrimonial.
Porém, mesmo nos casos em que essa atribuição se traduz no pagamento de uma quantia em dinheiro, a mesma corresponde ao mero funcionamento do contrato de seguro, não adquirindo, pelo simples facto de se traduzir, para o beneficiário na supressão/minoração de um dano por si sofrido, uma natureza indemnizatória”.
O que se pretende com aquele tipo de seguro é, de algum modo, assegurar que quem pratica uma actividade desportiva federada, como é o caso da Apelante, em caso de lesão sofrida num treino ou numa prova desportiva, receberá um determinado valor que toma apenas em consideração o grau de invalidez permanente de que ficou a padecer, para além do reembolso das despesas de tratamento, até ao valor mínimo fixado legalmente como obrigatório.
Mas se o valor patrimonial a pagar pela seguradora, quer em caso de morte, quer em caso de invalidez permanente absoluta, será o mesmo para qualquer atleta, de igual modo o deverá ser quando estivermos perante uma invalidez permanente parcial de igual grau.
O valor a pagar à Apelante pela incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer deverá ser exactamente igual ao que seria atribuído a qualquer outro agente desportivo que, em virtude de lesão sofrida na prática desportiva, tenha ficado a padecer do mesmo grau de incapacidade, sendo a fixação da “indemnização” independente dos rendimentos que auferiam, da profissão que exerciam, das repercussões que a concreta lesão lhes acarreta, da idade e da esperança média de vida de cada um dos atletas, dependendo apenas e só, de um cálculo matemático cuja equação é unicamente feita entre o grau de incapacidade fixado e o capital contratado.
Isso mesmo decorre da letra da lei, que refere expressamente que a atribuição do capital previsto para a cobertura de invalidez permanente parcial far-se-á ponderado pelo grau de incapacidade fixado, norma imperativa consagrada no art. 16º al. d) do DL nº 10/2009 de 12/1.
Perante aquela imposição legal, afigura-se-nos fazer pouco sentido que possa admitir-se que o cálculo daquela incapacidade possa ser feito por recurso aos critérios que usualmente se utilizam na atribuição de indemnização em sede de responsabilidade civil por factos ilícitos, mormente por recurso à equidade, porquanto a lei expressamente determina que o valor seja fixado de acordo com o grau de incapacidade fixado, dentro do capital definido no contrato (que terá sempre como limite mínimo o consagrado na lei).
Caso se utilizassem os critérios de que a Apelante se socorre, o mais provável era chegarmos a um resultado de uma indemnização de valor igual ao valor máximo do capital (que não fora esse limite até o ultrapassaria, como admite a Apelante nas suas contas) quando o grau de incapacidade que lhe foi fixado foi de apenas 8%, tendo sido o valor máximo consagrado na lei para casos em que a incapacidade é incomensuravelmente superior, conduzindo o recurso aos critérios convocados pela Apelante a um resultado irrazoável se pensarmos que estaríamos a atribuir o mesmo valor patrimonial a uma atleta lesionada com uma incapacidade permanente de 8 pontos, e a outra cuja incapacidade permanente fosse fixada no grau máximo de incapacidade permanente parcial ( p. ex 90 pontos).
A defender-se a posição sufragada pela Apelante, no limite, poder-se-ia chegar ao ponto de atribuir o mesmo valor indemnizatório a dois atletas cujas lesões acarretem incapacidades permanentes parciais de grau mínimo e de grau máximo, anulando-se a proporcionalidade da atribuição patrimonial em função do grau de incapacidade, por se tomarem em consideração critérios que extravasam a mera ponderação do grau de incapacidade fixado, assim contrariando o pretendido expressamente pelo legislador, subvertendo-se, a nosso ver, de forma irrazoável, o regime legal em vigor.
Diferente seria, como já aludimos, caso estivéssemos perante a atribuição de uma indemnização resultante da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, cujo princípio indemnizatório assenta na ressarcibilidade pelo lesante de todos os danos sofridos pelo lesado- consagrado no art. 562º do CC-, princípio esse que não foi o adoptado pelo legislador no âmbito do seguro desportivo obrigatório.
No âmbito do seguro desportivo obrigatório não estamos perante hipóteses de responsabilidade por acto ilícito e culposo de outrem, a atribuição do capital não depende do facto de a lesão ter sido cometida por alguém, basta, tão somente para acionar o seguro, que tenha ocorrido um acidente pessoal inerente aos riscos decorrentes da prática da actividade desportiva ( art. 5º nº 1 do DL nº 10/2009 de 12/1).
Deste modo, entendemos que, quer a letra da lei, quer a teleologia do regime subjacente à consagração da obrigatoriedade do seguro desportivo nos moldes previstos no DL nº 10/2009 de 12/1- que especifica claramente os danos que pretende sejam acautelados pelo seguro (apenas a morte, invalidez permanente absoluta, invalidez permanente parcial em função do grau de incapacidade fixado e despesas de funeral, tratamento e repatriamento), deixando de fora uma miríade de danos que costumam ser indemnizados em sede de responsabilidade civil extracontratual (dano estético, quantum doloris, perdas salariais, incapacidades temporárias, repercussões para outras actividades de lazer, ajudas de terceira pessoa, entre muitos outros que poderíamos enumerar) e que estabelece valores de capital pré-determinados- apontam inequivocamente para que a atribuição patrimonial seja calculada apenas e só com recurso ao grau de incapacidade fixado ao atleta lesionado.
Deste modo, não acompanhamos os argumentos recursivos invocados pela Apelante, considerando-se correctamente calculada a atribuição patrimonial de €2.200,00, que lhe foi fixada na sentença recorrida, para a invalidez permanente parcial de que ficou a padecer.

2ª Questão- Indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos pela Apelante.
Tomando como adquirida a posição por nós acima assumida quanto à natureza do seguro e, ao tipo de danos cobertos pelo seguro desportivo em causa, perfeitamente definidos quer no regime legal que o consagra, quer na apólice de seguro junta aos autos, tal como se deixou exarado na sentença recorrida, este tipo de danos não têm cobertura no seguro sub judice.
Podiam ter, caso tivesse sido contratualizada condição particular que contemplasse a cobertura dos períodos de incapacidade temporária, designadamente através da atribuição de um subsídio diário durante os referidos períodos de incapacidade temporária, porém, como a tomadora do seguro não contratualizou tal cobertura e, a tal não estava obrigada, por força do art. 5º e 16º do DL nº 10/2009 de 12/1, a Apelada não assumiu qualquer responsabilidade de ressarcimento desse dano e, dele não tem a Apelante direito a ser ressarcida.

3ª Questão- Indemnização por danos não patrimoniais.
Também quanto à pretensão da Apelante de que lhe seja atribuída uma indemnização por danos de natureza não patrimonial, que lhe foi negada na sentença recorrida, persiste a controvérsia jurisprudencial a que já se fez alusão anteriormente.
No sentido de admitir a reparação dos danos não patrimoniais no âmbito do seguro desportivo, por acionamento da cobertura de invalidez permanente, mencionamos, entre outros, os Ac STJ, de 4.10.2018 (Proc. Nº. 4575/15.1T8BRG.G1) e Ac STJ de 9.5.2019 (Proc. Nº 1751/14.8TBVCD.P1.S1), Ac RP de 15.11.2018 (Proc. Nº 1751/14.8TBVCD.P1) e Ac RP de 27.02.2023 (Proc. Nº 1015/20.8T8PVZ.P1).
Negando o direito à indemnização de tais danos através do acionamento da cobertura da invalidez permanente, dá-se nota, entre outros, do Acórdão do STJ de 6.4.2017 que concluiu que não se vê «como pode ter-se por compreendida no capital por invalidez permanente, para além da estrita indemnização correspondente à percentagem da perda de capacidade aquisitiva, a indemnização por danos não patrimoniais.»[11]
Sufragando essa mesma posição, fazemos menção, entre outros, aos Ac STJ de 7.11.2019 (Proc. Nº 654/16.6T8ABT.E1.S1), Ac RL de 11.04.2019 (Proc. Nº 654/16.6T8ABT.E1), Ac RL de 25.03.2021 (Proc. Nº2490/15.8T8CSC.L1-2, Ac RP de 7.04.2016 (Proc. Nº335/10.4TTOAZ.P1), Ac RG 15.1.2015 (Proc. Nº 1266/09.6TBGPS.G1).
Tal como esclareceu o Ac RL de 25.03.2021, “acresce que atender ao valor do dano efetivo, incluindo dos danos não patrimoniais, poderá eclipsar a diferenciação da atribuição patrimonial devida por invalidez permanente absoluta e a devida por invalidez permanente parcial e, no âmbito desta, a que for devida em função dos graus de incapacidade fixados, diferenciação essa, de cariz objetivo, que se encontra patente no artigo 16.º, alíneas c) e d) do Decreto-Lei n.º 10/2009.
Em suma, a garantia do capital mínimo pela cobertura do contrato de seguro desportivo obrigatório para os casos de invalidez permanente do sinistrado, absoluta ou parcial, estabelecida nas alíneas c) e d) do artigo 16.º do Dec.-Lei n.º 10/2009, de forma taxativa, com a ponderação ainda do grau de incapacidade fixado, no caso de invalidez parcial, insere-se perfeitamente no quadro do contrato de seguro de acidentes pessoais na modalidade de prestações de valor predeterminado não dependente do montante efetivo do dano, de modo a proporcionar um ressarcimento do sinistrado a forfait, seja este dano superior ou inferior àquele valor.
Por outro lado, visando-se cobrir o risco de lesões corporais determinativas de invalidez permanente inerentes a acidente em atividades desportivas, nem sequer necessariamente associado à prática de ilícito civil no domínio da responsabilidade extracontratual, não se mostra imperioso que a prestação devida pelo segurador seja aferível pelo dano efetivo ou esteja limitada a este, segundo o princípio indemnizatório consagrado no artigo 128.º da Lei do Contrato de Seguro para o contrato de seguro de danos.
Perante o exposto, conclui-se que, contrariamente ao que alega a Requerente, o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2009, não abrange, de forma implícita, danos morais.”[12]
Tomando por adquiridas as considerações que já anteriormente fizemos a propósito da resolução da 1ª Questão, que aqui têm plena aplicabilidade, perfilhamos a posição adotada na sentença recorrida de considerar que os danos não patrimoniais não estão contemplados no seguro de que é beneficiária a Apelante, quer porque não consta essa cobertura nas condições contratualizadas, quer porque consideramos que não se devem considerar incluídos tais danos, ainda que implicitamente, na cobertura da invalidez permanente parcial.
Dada a natureza do seguro desportivo como seguro de acidentes pessoais, que não visa a ressarcibilidade efectiva e integral do dano, mas a mera atribuição de um capital pré-determinado em caso de lesão que demande incapacidade permanente parcial, não devemos subverter o regime do seguro desportivo fazendo incluir esses danos no capital previsto para o dano da invalidez permanente parcial, desde logo porque não se compaginam com uma fixação em termos de graus como impõe o legislador e, como resulta da apólice sob apreciação.
O que resulta da apólice de que a Apelante é beneficiária é que a cobertura de tais danos não está expressamente prevista e, quanto a nós, não bastará a ausência de exclusão expressa dos danos não patrimoniais para se considerar, sem mais, que a contrario sensu estão cobertos, sendo o princípio, parece-nos, o inverso, porquanto, estando por norma o contrato de seguro reduzido a escrito no seu núcleo essencial- coberturas e capitais- qualquer interpretação que se faça deverá ter um mínimo de correspondência verbal no texto do contrato, sob pena de considerarmos cobertos riscos que não estão expressamente contemplados, só porque também não constam expressamente excluídos, correndo-se o risco de anular o princípio da autonomia da vontade e da liberdade de conformação dos contratos.
Nem nos parece haver qualquer ambiguidade do texto do contrato que cumpra resolver por recurso à regra interpretativa de in dubio contra stipulatorum, no sentido de ser interpretada como abrangendo o conteúdo indemnizatório mais amplo, que no caso corresponderia à não exclusão da cobertura dos danos não patrimoniais, como parece sustentar a Apelante (embora o tenha feito apenas nesta sede de recurso), pelo contrário, à luz do princípio do art. 236º do CC a interpretação autorizada pelas cláusulas da apólice do seguro vai no sentido de o contrato de seguro desportivo em apreço (no seguimento do regime legal do DL nº 10/2009) não contemplar no risco da invalidez permanente parcial (cujo capital terá de ser apurado em função do grau de incapacidade fixado) os danos não patrimoniais (cujo critério a utilizar seria a equidade-art. 496º nº3 do CC).
Tendo em conta as regras do nº 1 do art. 236 do CC, entende-se que da conjugação das cláusulas do contrato de seguro sob apreciação, não resulta que estejam abrangidos os danos não patrimoniais, afigurando-se-nos que as partes contratantes terão querido cingir-se às coberturas dos danos e aos limites do seguro desportivo obrigatório tal qual previsto na lei, fazendo inclusivamente referência à atribuição do capital relativo à invalidez permanente parcial com recurso a um critério puramente aritmético, dependente de cálculos matemáticos, incompatível com o recurso à equidade por que se rege a atribuição de uma compensação por danos de natureza não patrimonial.
Fazemos nossas as palavras escritas no Ac RP de 7.04.2016, que igualmente concluiu que, “na reparação da invalidez permanente foi convencionado um critério dependente de meros cálculos matemáticos (no qual não intervém o princípio geral contido no artigo 562.º do Código Civil, segundo o qual o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido e repará-lo integralmente), não se vendo como pode ter-se como compreendida no capital por invalidez permanente, para além da estrita indemnização correspondente à percentagem da perda da capacidade aquisitiva, a indemnização por danos não patrimoniais.”[13]
Esses danos de natureza não patrimonial podiam estar expressamente previstos no contrato sob apreciação caso tivessem sido contratualizados pela tomadora do seguro (FPF) junto da Apelada, mas nesse caso normal seria que constasse na apólice, de forma expressa, a cobertura a eles atinente, no entanto, de acordo com as coberturas dadas como provadas nestes autos, isso não aconteceu, pois, como vimos, elas resumem-se às que o DL nº 10/2009 de 12/1 impõe como obrigatórias, pelo que, considerando-se que os danos não patrimoniais não se devem considerar previstos sob a cobertura da invalidez permanente parcial, nem sequer implicitamente, pelas razões já expostas, inexiste cobertura, legal ou contratual, para responsabilizar a aqui Apelada pelo pagamento de qualquer compensação a esse título .
Tal como se decidiu no Ac RL de 12.05.2016, “Garantindo a lei respeitante ao seguro obrigatório em causa (sem prejuízo da cobertura respeitante a despesas de tratamento) no que concerne à indemnização por incapacidade permanente, tão só, um montante mínimo de capital mas “ponderado pelo grau de incapacidade fixado”, inexiste uma imposição legal de cobertura de danos não patrimoniais acrescendo àquela ponderação.”[14]
Se, esse tipo de danos não patrimoniais, deviam ou não estar previstos no regime do seguro desportivo obrigatório não nos compete a nós decidir, o que nos cabe é aferir se estão ou não cobertos pela apólice de seguro da qual a Apelante é beneficiária e, temos de concluir negativamente porque não se enquadram em nenhuma das coberturas especificamente contratualizadas com a FPF e, o seguro desportivo obrigatório também não impunha a cobertura de tais danos.

Em resumo, soçobram na totalidade os argumentos recursivos, assim se devendo manter a sentença recorrida.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Autora, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.

Porto, 24 de Outubro de 2023
Maria da Luz Seabra
Márcia Portela
João Proença

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Contrato de Seguro, pág. 94
[3] O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, 1971, pág. 23
[4] Direito dos Seguros, pág. 105.
[5] Ob. Cit, pág. 83
[6] Proc.0833796, www.dgsi.jtrp.pt
[7] Ob. Cit., pág. 82
[8] O Novo Regime do Seguro Desportivo – Verdade Inovação?, publicado na Revista Desporto & Direito, Ano VI, Janeiro/Abril 2009, pág 293 e ss.
[9] Proc. Nº 6075/15.0T8VNG.P1, www.dgsi.pt
[10] Proc. Nº. 654/16.6T8ABT.E1.S1, www.dgsi.pt
[11] (p. 335/10.4TTOAZ-P1.S1, em www.dgsi.pt),
[12] Proc. Nº 2490/15.8T8CSC.L1-2, www.dgsi.pt
[13] Proc. Nº 335/10.4TTOAZ.P1, www.dgsi.pt
[14] Proc. Nº 660/13.2TVLSB.L1-2, www.dgsi.pt