Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PENA DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
LEI DE AMNISTIA E PERDÃO
Sumário
I – No caso em apreço, atendendo à personalidade do arguido, às sua condições de vida (desempregado, jovem de 21 anos de idade à data da prática dos factos), à sua conduta anterior e circunstâncias do crime, uma vez que confessou, foi detetado numa operação policial de rotina sem demais intervenientes estradais, considera-se que a pena de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade realiza de forma adequada as finalidades da punição e terá um efeito pedagógico relevante, pelo que se decide substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade. II - A suspensão da execução da pena de prisão não surtiria esse efeito pedagógico e reeducativo, atenta a imaturidade do arguido revelada na prática dos factos; a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, estando comprometida a confiança entre o tribunal e o arguido face à sua recente condenação. III – Justifica-se também que, ao abrigo do disposto no artigo 52.º, n.º 1, b) e c), aplicável ex vi do artigo 58.º, n.º 6, ambos do Código Penal, se determina que o arguido comprove nos autos, no período de quatro meses, a frequência do limite mínimo de aulas teóricas de Código da Estrada e práticas de condução, medidas adequadas a promover a sua integração na sociedade, desde logo por forma a impulsioná-lo a obter habilitação legal para conduzir veículos ligeiros. IV – A análise e aplicação da Lei n º 38-A/2023 de 02 de agosto (de amnistia e perdão) é da competência do tribunal de primeira instância.
Texto Integral
Proc. nº 1215/22.6PPPRT.P1
Relator Paulo Costa
Adjuntos Castela Rio
José Quaresma
Acordam em Conferência na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
Nos autos nº 1215/22.6PPPRT que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto-J2, foi proferida decisão que dispôs:
a) condenar o arguido AA, pela prática, em 08.12.2022, de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal para o efeito, previsto e punido pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98, de 03/01, na pena de 4 (quatro) meses de prisão que, nos termos do disposto no artº 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, se suspende na sua execução pelo período de 1 (um) ano;
b) condenar o arguido nas custas do processo, que compreendem o mínimo de taxa de justiça, reduzida a metade face à confissão, e demais encargos com o processo – cfr. arts. 344º, nº 2, c) e 513º, nº 1 do CPP e 3º, nº 1, 8º, nº 9 e Tabela III do RCP.
*
Inconformado veio o arguido interpor recurso, tendo concluído nos seguintes termos:
“. Vem o ora Recorrente interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal “A Quo” que condenou o Arguido pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal para o efeito, p. e p. pelos nºs 1 e 2 do artigo 3º do DL 2/98, de 3/1, numa pena 4 (quatro) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do disposto nos números 1 e 5 do artigo 50º. Do Código Penal, e ainda, nas custas do processo que compreendem o mínimo de taxa de justiça, reduzida a metade face à confissão e demais encargos com o processo – cfr. arts. 344, nº. 2, c) E 513º. Nº. 1 do Código de Processo Penal e 3º, nº. 1, 8º, nº. 9 e Tabela III do RCP.
2. Sustentando para o efeito, que o Arguido praticou recentemente um crime idêntico, pena que alegadamente não o dissuadiu da prática do crime agora em causa, motivo pelo qual determinou o Tribunal a aplicação de uma pena de prisão.
3. Contudo, não pode o Recorrente concordar com a pena aplicada uma vez que inexiste sustentação para o Tribunal concluir que a pena de prisão suspensa é adequada, quando o mesmo no seu registo criminal contempla apenas 1 condenação e inexistem outros elementos que permitam que o Tribunal crie a convicção de que o Arguido só com a pena de prisão compreenda que não poderá recorrer novamente à prática de um ilícito criminal.
Senão vejamos,
1.1 Da escolha e determinação da medida da pena – Violação do Artigo 70º. E 71º. Do Código Penal.
4. Consigna o nº 1 e 2 do artigo 3º do DL 2/98, de 3/1 que quem conduzir veículo a automóvel na via pública é punido com uma pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.”
5. Assim, prevê o nosso Código Penal, no artigo 70 e 71º. que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo certo que a determinação da medida da pena deve atentar a culpa do agente e as exigências de prevenção.
6. Leia-se neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 1 de Abril de 2009, referente ao processo 189/08.0CTB.C1, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 30/14.5PAACB.C1, datada 04-03-2015 bem como a prevenção da doutrina.
7. Ora, da análise dos preceitos normativos invocados juntamente com jurisprudência e doutrina, dúvidas não subsistem de que deveria o Tribunal ter atentado ao estatuído legalmente.
8. Sucede que, in casu mal andou o Tribunal a fixar uma pena de prisão de quatro meses, suspensa na execução, quando existe fundamento legal para se aplicar a pena de multa.
9. De facto, parece-nos que em relação aos pressupostos invocados em supra, cumpre realçar que o Tribunal não ponderou algumas circunstâncias que militam a favor do Arguido, a saber: A gravidade das suas consequências, as condições pessoais e económicas do agente e a conduta anterior ao facto e a posterior a este.
10. Desde logo no que concerne às consequências pela prática do ilícito criminal cumpre referir que o Arguido com a sua conduta não provocou qualquer sinistro nem lesou qualquer cidadão, motivo pelo qual, inexiste qualquer consequência no que concerne aos bens jurídicos protegidos pelo crime praticado pelo Arguido.
11. Além disso, face à inexistência de danos provocados pela conduta do arguido, questionamos a ponderação do Tribunal, isto porque se o Arguido que com a sua conduta não prejudicou nem lesou terceiros foi condenado a pena de prisão de 4 meses suspensa na execução, alguém que sem habilitação legal ofenda a integridade física de outem durante o período que conduz um veículo automóvel é automaticamente condenado a pena de prisão efetiva.
12. Pelo que, deveria o Tribunal ter atendido ao facto de inexistir qualquer consequência com a prática do ilícito criminal ao invés de condenar de forma severa e injusta o Arguido.
13. Ademais, no que tange à conduta do arguido anterior ao facto e posterior a este, cumpre referir que em sede de audiência de discussão e julgamento o ora Recorrente confessou de forma integral e sem reservas e informou o Tribunal que após a sua detenção diligenciou junto das escolas de condução para obter a habilitação legal.
Providenciando todos os esforços para alcançar o seu objetivo apesar de todas as dificuldades económicas que atravessa.
14. Manifestando ainda arrependimento e consciência de que não pode conduzir sem habilitação legal.
15. Assim, numa análise atenta das declarações constata-se que o Arguido interiorizou o desvalor da conduta, penitenciando-se perante o Tribunal pela prática do ilícito, 16. Ora, face às declarações prestadas pelo Arguido deveria o Tribunal considerar tais declarações para aplicação da pena, uma vez que tendo o ora Recorrente interiorizado a sua conduta errónea, deveria ter o Tribunal “A quo”, interiorizado o sentimento manifestado pelo Arguido e demonstrando que não voltará a praticar o ilícito criminal bem como ao seu sentimento de arrependimento.
17. Contudo, o Tribunal olvidou-se de analisar atentamente as declarações prestadas pelo Arguido, violando de forma clara e inequívoca o artigo 71º. Do Código Penal.
18. Por fim, no que respeita às condições sócio económicas do Arguido, consta-se através das suas declarações prestadas que o mesmo encontra-se desempregado há um mês, sendo certo que as quantias pecuniárias que havia economizado para se inscrever na escola de condução serviram para se sustentar os encargos e auxiliar a progenitora.
19. Pelo que, deveria o Tribunal ter atentado ao facto do mesmo de forma resiliente lutar para alcançar os seus objetivos e estar inserido na sociedade.
20. Posto isto, e conforme o aduzido, a prevenção e culpa são dois critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, motivo pelo qual deveria o Tribunal ter atentado aos estatuído no artigo 71º. Do Código Penal e fixar uma pena adequada e suficiente que corresponda às exigências preventivas, sem nunca exceder a medida da culpa, tal como consigna o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 41/18.1 PBCLD.C1, datado de 10/07/2018.
21. Ora, face a todo o exposto, questiona-se se não deveria o ora recorrente ter sido sancionado com pena de multa, sendo que a lei assim o prevê e ter o mesmo oportunidade de não repetir o comportamento, sem ser tão ferozmente condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução?
22. A nosso ver, a resposta não pode deixar de ser afirmativa, concluindo forçosamente que o ora arguido foi excessivamente condenado neste ponto.
23. Assim, considerando que a aplicação da pena deve responder às exigências preventivas, e tendo demonstrado o Arguido arrependimento e consciência de que não poderá conduzir sem habilitação legal, a fixação da pena de multa revela-se suficiente para acautelar as exigências preventivas e especiais.
24. Motivo pelo qual, a presente condenação afigura-se que tanto a escolha como a medida da pena revela-se manifestamente exagerada, injusta e infundada, tendo sido violado de forma clara e inequívoca o artigo 70º. E 71 º. Do Código Penal.
Da Violação do Artigo 29 nº. 5 da Constituição da República Portuguesa
25. O Tribunal para sustentar a aplicação de uma pena de 4 meses de prisão, aduziu que a pena de multa pela prática de um crime idêntico não o dissuadiu da prática do crime agora em causa, classificando ainda o crime que o Arguido praticou no ano transato como recente.
26. A este propósito, cumpre questionar a interpretação do conceito de “recente”, isto porque, o registo criminal do Arguido contempla apenas um crime de condução sem habilitação legal praticado no ano de 2022.
27. Assim, tal conduta foi praticada volvido quase um ano.
28. Ora, um ano corresponde a 365 dias que apresenta aproximadamente 52,143 semanas, assim não pode o Tribunal considerar que a prática de um crime da mesma natureza volvido 1 ano corresponde a uma condenação recente, quando diariamente, o Tribunal julga situações em que os Arguidos com condenações primárias são detidos em flagrante delito volvidas 2/3 semanas após a primeira condenação, o que não sucedeu com o Arguido.
29. A este propósito, e no que à aplicação da lei criminal concerne, a constituição da Republica Portuguesa, no número 5 do artigo 29º. garante inequivocamente que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” .
30. Contudo, tal preceito parece também ter sido olvidado, ou no mínimo, mal interpretado pelo Tribunal recorrido, uma vez que na nossa humilde opinião estamos aqui perante uma dupla punição do ora recorrente – uma punição pelo crime atual, e uma punição pelo crime anterior.
31. Pelo que mais uma vez se ressalva – esta dupla punição é contrária a toda a lógica penal e a garantias constitucionais- leia-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16 de Novembro de 2011, e referente ao processo 1874/07.0TAFUN-A.S1 e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14 de Abril de 2011, referente ao processo 250/06.6PCLRS.L1-3
32. Em bom rigor, e atento nos factos supra elencados, não deveria o Tribunal condenar o Arguido a uma pena de prisão, baseando a sua convicção numa condenação anterior, tendo o Tribunal violado os preceitos normativos constitucionalmente consagradas.
33. Aqui chegados, através da análise atenta dos pontos 1.1. e 1.2 do presente recurso, dúvidas não subsistem de que o Tribunal de forma precipitada, fixou a pena do Arguido numa pena de prisão suspensa na sua execução, isto porque o legislador fixou no Código Penal que o Tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade.
34. Assim, através da análise atenta dos preceitos normativos invocados em supra, somos de crer que a presente sentença ora recorrida não poderá por nós ser aceite como boa ou justa, uma vez que deveria ter sido aplicado ao Arguido a pena de multa em virtude desta se revelar suficiente para acautelar as prevenções gerais e especiais.
35. Posto isto, e em virtude do Recorrente padecer de insuficiência económica tal como invocado pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, se requer que o Arguido seja condenado em pena de multa, e que a multa fixada seja substituída por trabalho a favor da comunidade nos termos do artigo 48º. Do Código Penal.
36. Aqui chegados, e atendendo ao aduzido no presente recurso, venerandos Juízes, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, devendo, por conseguinte, ser revogada a sentença de que ora se recorre,
37. E consequentemente, deverá ser proferida uma decisão que o substitua e condene o ora recorrente na pena de multa.”
*
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua improcedência, concluindo:
“1. A decisão recorrida obedeceu aos princípios da culpa, proporcionalidade, tipicidade e necessidade.
2. Segundo o artigo 40º, a aplicação das penas tem como finalidades a prevenção geral positiva (“protecção dos bens jurídicos”) e a prevenção especial (“reintegração do agente na sociedade”).
3. Figueiredo Dias, na sua obra Das Consequências Jurídicas do Crime, dá-nos a sua opinião quanto a esta matéria, que se reflectiu na elaboração do artigo 40º, do Código Penal. Para este Autor, como decorrência de um princípio de congruência entre a ordem de valores constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, só as finalidades relativas, não as absolutas, de prevenção (geral e especial) podem justificar a intervenção do direito penal, conferindo fundamento e sentido às penas.
4. Assim, a pena tem como finalidade o reforço da consciência jurídica da comunidade e um reforço do seu sentimento de segurança face às violações da lei por alguns dos seus elementos. Pretende a pena a estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida.
Mantém-se, através da pena, o crédito social que merecem as normas violadas, normas essas que mantêm em pleno a sua eficácia e se encontram em plena vigência apesar do desrespeito às mesmas.
5. Ora, atendendo aos antecedentes criminais que o arguido possui, sendo os mesmos pela prática dos crimes de condução de veículo sem habilitação legal e detenção de arma proibida que revelam que a pena única anteriormente aplicada serviu para o mesmo interiorizar a condenação anterior e que a pena que lhe foi aplicada (multa) não foi suficiente teremos que considerar que a pena aplicada ao arguido foi justa e equilibrada.
6. Perante a reiteração da prática de crime por parte do arguido as exigências de prevenção só ficaram asseguradas se ao arguido for aplicada pena de prisão nos moldes em que o foi e no período temporal fixado, quatro meses, mínimo que no caso se mostra necessário.
7. O arguido tem que interiorizar que tem que pautar o seu comportamento segundo as regras e normas da sociedade e do direito e que a condução de veículo sem habilitação legal é crime.
8. Pelos motivos, anteriormente expostos não é viável a aplicação ao arguido de uma pena de multa, uma vez que as exigências de prevenção especial não ficariam acauteladas.
9. Atendendo ao registo criminal do arguido e condenações sofridas, tendo sido aplicada pena de multa, revela-se evidente que as censuras ético-jurídicas contidas nas condenações que ao mesmo foram aplicadas, não se revelaram suficientes para evitar que o arguido prosseguisse a sua senda de crimes.
10. O arguido tem sido insensível aos juízos de censura, reiterando as suas condutas criminosas, demonstrando desrespeito pela legalidade instituída.
11. Apesar das suas condições de vida, do apoio familiar que possui, o comportamento do arguido não sofreu alterações de relevo.
12. Assim, a presente pena não poderia ser inferior a quatro meses de prisão, pois tal não acautelaria as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
13. Perante a reiteração da prática de crimes por parte do arguido as exigências de prevenção só ficaram asseguradas se ao arguido for aplicada pena de prisão pelo período de quatro meses, suspensa na sua execução nos termos fixados.
14. Nestes termos, considera-se que a douta decisão recorrida obedeceu aos princípios da culpa, proporcionalidade, tipicidade e necessidade, devendo manter-se a pena aplicada.
15. Termos em que, negando-se provimento ao recurso interposto, inexistindo qualquer violação dos preceitos legais mencionados pelo arguido e, consequentemente, confirmando-se a sentença condenatória proferida, far-se- á a habitual e costumada Justiça.”
Neste Tribunal o Digno Procurador-geral Adjunto teve vista nos autos, emitindo parecer no mesmo sentido.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º nº 2 do CPP, foram os autos aos vistos e procedeu-se à Conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito da causa.
Cumpre assim apreciar e decidir.
2. Fundamentação
Resultam assentes os seguintes factos:
“1. No dia 08/12/2022, pelas 02h01m, o arguido conduzia o veículo automóvel com a matrícula ..-..-FA na Praça ..., no Porto quando foi intercetado por agente da PSP.
2.O arguido conduzia o referido veículo sem ser possuidor de carta de condução ou de qualquer outro documento que a tal o habilitasse.
3.Agiu o arguido, livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que não lhe era permitido conduzir veículos em via pública, como o fez, sem ser possuidor do necessário título
4.O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei.
Mais se apurou que,
5. O arguido foi condenado por sentença transitada em julgado a 22 de junho de 2022 pela prática no dia 21 de maio de 2022 de um crime idêntico ao destes autos e de um crime de detenção de arma proibida numa pena única de 210 dias de multa a uma taxa diária de 6 euros.
6. O arguido tem o 9º ano de escolaridade é solteiro, reside com a sua mãe e dois irmãos, tem profissão de servente encontrando-se, no entanto, desempregado há cerca de 1 mês. Nada mais se provou
*
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objeto à apreciação da seguinte questão:
A) Medida da pena exagerada.
B) Substituição por multa.
C) Prestação de trabalho a favor da comunidade.
Vejamos
O Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Significa isto, que a regra a seguir deverá ser sempre pautada pelo princípio da mínima intervenção, sendo todo o processo lógico de determinação da pena exata aplicada aferido em sede de recurso, e, caso seja insuficiente ou desajustado, alterado de acordo com o circunstancialismo factual assente, caso contrário, deverá ser mantido e consequentemente a pena concreta assim fixada.
No mesmo sentido acórdão deste Tribunal proferido em 11 de Julho de 2007 “a intervenção do tribunal de recurso pode incidir na questão do limite ou da moldura da culpa assim como na atuação dos fins das penas no quadro da prevenção; mas já não na determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exato da pena, exceto se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (cfr. in www.dgsi.pt).
A fixação da medida concreta da pena envolve para o juiz, escreve Iesheck, in Derecho Penal, pág. 1192, Vol. II, uma certa margem de liberdade individual, não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente aplicação do direito, devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1, do CP.
Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá ter em atenção as funções de prevenção geral e especial das penas sem, contudo, perder de vista a culpa do agente (artigo 71º, nº 1 do Código Penal).
A medida da pena deverá constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, nº 2 do Código Penal).
Com efeito, hoje em dia, predominam as teorias relativas, as quais perspetivam as penas não como um fim em si mesmo (de retribuição ao agente do mal do crime – teorias absolutas), mas como um meio de prevenção criminal – prevenção geral positiva (de tutela da confiança na validade das normas, ligada à proteção de bens jurídicos, visando a restauração da paz jurídica) e de prevenção especial positiva (de inserção ou reinserção social do agente) (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 49 a 57).
São as considerações de prevenção geral que justificam que se fale de uma moldura da pena, cujo limite máximo corresponderá ao ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, a pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.
O limite mínimo da moldura corresponderá ao mínimo da pena que, em concreto, ainda protege com eficácia os bens jurídicos tutelados, o mínimo imprescindível a assegurar as expectativas de proteção da comunidade. A culpa funcionará como pressuposto e limite máximo inultrapassável da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 40º, nº 2 do Código Penal – é o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 25º da Constituição).
Para além disso, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (artigo 40º, 1, in fine do Código Penal).
A pena deverá, assim, constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, 2 do Código Penal).
No caso dos autos, ponderou o Tribunal e determinou a fixação das penas ao recorrente formulando a seguinte demonstração:
Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Tais finalidades assumem, para o direito penal positivo português, reverberações exclusivamente preventivas, como resulta, com meridiana clareza, do n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, ao estipular que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.”
É um critério que dá satisfação ao favor libertatis, que tem assento constitucional no artigo 27.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e decorre dos princípios da necessidade e proporcionalidade das penas (Cfr. artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa)1.
1 Nesse sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2003, processo 03P2131 (acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados sem indicação de fonte).
São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, que subjazem à preferência por uma das penas alternativas, sendo, neste momento, alheias considerações relativas à culpa, já que esta apenas funciona, na determinação da medida concreta da pena já escolhida, como limite e não como fundamento.
Confere, assim, o legislador, prevalência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta seja susceptível de realizar a recuperação social do delinquente e particulares exigências de prevenção não imponham a aplicação de uma pena detentiva.
No caso em apreço, ponderando a factualidade na sua globalidade, da análise do teor do certificado de registo criminal do Arguido extrai-se que o Arguido foi condenado em 22 de junho de 2022 por condução sem carta praticada no dia 21 de maio de 2022.
Menos de seis meses depois da condenação volta a ser detetado conduzir sem habilitação legal para o efeito, afirmando o arguido que se ia divertir. Anteriormente havia já sido condenado em pena única de multa por condução sem habilitação legal e detenção de arma proibida.
Flui, pois, do exposto, que a pena de multa prevista se afigura insuficiente para a ressocialização do agente – não se tendo afigurado idónea a dissuadi-lo do cometimento de crimes da mesma natureza -, perfilando-se, ainda, como inadequada à manutenção da confiança da comunidade na vigência da norma infringida, à reprovação e à prevenção do crime, razão pela qual se justifica a opção pela sanção detentiva.
Importa esclarecer a que escolha das sanções penais não é escalonada, nem umas têm precedência sobre outras. Será olhando ao caso concreto que se determinará qual a sanção mais adequada sempre tendo por limite a culpa, as exigências preventivas e as finalidades da punição.
*
Da medida concreta da pena
Feita a escolha pela pena de prisão, cumpre haverá de proceder à determinação da medida concreta da pena, a qual deve operar-se dentro dos limites da moldura abstrata aplicável ao tipo legal de crime em apreço, avaliando os comportamentos delituosos dentro desse enquadramento jurídico-legal, procurando adequar a sanção em função da culpa, tendo sempre em consideração as exigências de prevenção que o caso dita.
Nos termos do artigo 71.º, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Culpa e prevenção constituem o binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena. Como afirma Figueiredo Dias2, através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do facto concretamente praticado pelo agente e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena; com a consideração da culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime (ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente) limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
2 in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág. 420.
A culpa constitui, pois, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta. Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa (Cfr. artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal).
Dentro dos limites atrás referidos, e imanentes do artigo 40.º do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena é balizada diante das exigências de prevenção geral e especial.
No que diz respeito à prevenção geral positiva, a mesma consiste na aplicação da sanção de molde a restabelecer a confiança da sociedade nas sanções punitivas do aparelho estatal e reafirmação da norma jurídica violada, consagrando a sensação de proteção dos bens jurídicos no âmbito da consciência coletiva. Será o mínimo exigível da medida da pena.
Por seu turno, no que concerne à prevenção especial positiva, o sistema penal visa a reintegração do agente na sociedade, reeducando-o de acordo com o dever ser jurídico-penal.
Estabelece, ainda, o artigo 71. º n.º 2 do Código Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as que aí resultam especificadas nas alíneas a) a f).
Cotejando os factos do caso sub judice, e tendo em conta os princípios supra referidos, importa determinar a pena em função da culpa da agente e das exigências de prevenção geral e especial, não olvidando a necessidade de reprovação dos crimes, dentro das respectivas molduras penais que apresentam, como limites mínimo 1 mês e máximo de 2 anos de prisão, respectivamente.
No que à prevenção geral diz respeito, note-se que as exigências se afiguram muito elevadas, tendo em conta a elevada frequência do cometimento de ilícitos desta natureza, a sua estreita relação com acidentes rodoviários e a necessidade de desincentivar de forma eficaz tais condutas, que apresentam uma perigosidade tão elevada para bens jurídicos de importância capital, como a vida e a integridade física, de modo a consciencializar a comunidade para o seu desvalor.
Em sede de medida concreta da pena, há que ponderar, ainda, o grau de ilicitude do facto, que se reputa de elevado.
O Arguido agiu, ainda, com a forma mais intensa de dolo, o dolo directo. A sua culpa é, por isso, também ela, elevada, porque moldada no aludido dolo.
Quanto à conduta do agente, anterior à prática do facto, há que fazer menção a que o crime pelo qual vai condenado nos presentes autos surge no contexto já marcado por outro episódio de delinquência, tendo sido já condenado há menos de seis meses, aferido à data da prática destes factos, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal e detenção e arma proibida, pelo que pode considerar-se, tal como o definiu o tribunal a quo, como recente o seu comportamento.
As exigências especiais-preventivas revelam-se, destarte, elevadas, como agravada se apresenta, também, a sua culpa, já que o crime pelo que vai condenado o Arguido nos presentes autos revela desatenção ao aviso de conformação jurídica da vida contido na condenação anterior, sendo igualmente eloquente da falta de preparação do Arguido para manter uma conduta lícita, adequando a sua personalidade com a do indivíduo fiel ao direito ou suposto pela ordem jurídica.
Atente-se que não obstante o arguido ter confessado os factos, tal confissão mostra-se pouco relevante uma vez que foi surpreendido no ato pela autoridade policial em operação de fiscalização de rotina, tal como resulta do auto de notícia. Tudo ponderado, mostra-se adequada a pena de prisão de 04 meses fixada pelo tribunal a quo pela prática do crime de condução sem habilitação legal.
*
Da substituição da pena de prisão aplicada Da prestação de trabalho a favor da comunidade
Por outro lado, dispõe o artigo 58.º, n.º 1 do Código Penal que “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Neste domínio refere Figueiredo Dias que a “pena de trabalho a favor da comunidade surge como pena autónoma, no sentido de que a prestação de trabalho não constitui elemento do conteúdo executivo de outra pena, antes ela é, em si mesma e por si mesma, uma pena”.
Esta pena consubstancia uma das possíveis medidas de reacção penal de combate à aplicação de penas detentivas sendo, aliás, considerada uma das que mais vantagens comporta, pois possibilita uma eficaz substituição da pena de prisão, em especial das de curta duração, respondendo igualmente à exigência da prevenção especial, pois que se traduz numa pena cujo trabalho do condenado é produzido no interesse da comunidade, factor que gera aceitação da mesma por parte da comunidade em geral, dando, desse modo, cumprimento ao disposto no art. 40º do Código Penal que refere que a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Posto isto, tendo-se aplicado pena de prisão não superior a 2 anos vejamos se in casu a aplicação da pena de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade é susceptível de socializar o arguido, sem que a mesma se mostre incompatível com as exigências mínimas de prevenção e integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico, desde já se adiantando que a resposta é positiva.
Vejamos porquê.
Em termos de prevenção geral consideramos que a comunidade aceita a aplicação daquela pena numa situação como a dos autos. O arguido só tem uma condenação anterior.
O arguido manifesta no seu recurso o seu consentimento para a aplicação desta medida.
Acresce que o arguido ainda não viu a ser - lhe aplicado penas de prisão efetivas ou suspensas.
Atendendo à personalidade do arguido, às condições de vida, desempregado, jovem de 21 anos de idade à data da prática dos factos, à sua conduta anterior e circunstâncias do crime, uma vez que confessou, foi detetado numa operação policial de rotina sem demais intervenientes estradais, tudo ponderado, considera-se que a pena de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade realiza de forma adequada as finalidades da punição e terá um efeito pedagógico relevante, pelo que se decide substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, permitindo realizar, de forma adequada, as exigências de prevenção. A mera suspensão da execução da pena de prisão não surtirá esse efeito pedagógico e reeducativo atenta a imaturidade do arguido revelada na prática dos factos.Não nos parece que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição no caso do arguido dos autos, estando comprometida a confiança entre o tribunal e o arguido face à recente condenação.
Dos factos provados não resulta que o arguido possua uma atitude crítica face à postura que assumiu no passado, por muito que o tenha dito em sede de audiência.
Em face do exposto, deverá cumprir 120 horas de trabalho em substituição dos 04 meses de prisão- art. 58º, n º 3 do Código Penal, a cumprir em local e períodos a indicar oportunamente pela DGRSP.
Tendo presente que, segundo o recorrente, mesmo diligenciou junto das escolas de condução para obter habilitação legal, ao abrigo do disposto no art.52º, n 1, al. b) e c) ex vi 58º, n º 6 ambos do Código Penal, determina-se que o mesmo comprove nos autos no período de 04 meses a frequência do limite mínimo de aulas teóricas de código da estrada e práticas de condução, medidas adequadas a promover a integração do arguido na sociedade, desde logo por forma a impulsioná-lo a obter habilitação legal para conduzir veículos ligeiros.
Naturalmente, tudo isto sem prejuízo do que dispõe a Lei do Perdão de penas e amnistia de infrações, Lei n º 38-A/2023 de 02 de agosto, lei essa cuja aplicação e sua análise ao caso é da competência do tribunal a quo.
*
3. Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente provido, decidindo-se manter a pena de prisão de 04 meses, mas substituindo-a por trabalho a favor da comunidade por 120 horas em local e períodos a indicar pela DGRSP.
Ao abrigo do disposto no art.52º, n 1, al. b) e c) ex vi 58º, n º 6 ambos do Código Penal determina-se que o arguido AA comprove nos autos no período de 04 meses a frequência do limite mínimo de aulas teóricas de código da estrada e práticas de condução, medidas adequadas a promover a integração do arguido na sociedade, desde logo por forma a impulsioná-lo a obter habilitação legal para conduzir veículos ligeiros.
Tudo sem prejuízo do que dispõe a Lei do Perdão de penas e amnistia de infrações, Lei n º 38-A/2023 de 02 de agosto, lei essa cuja aplicação e sua análise ao caso é da competência do tribunal a quo.
Sem custas pelo recorrente dado o parcial provimento.