PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Sumário


I – A prescrição presuntiva distingue-se, quanto aos efeitos, da prescrição ordinária ou extintiva, esta a verdadeira prescrição, por paralisadora de direitos pelo decurso do prazo (bastando alegar e provar que já decorreu o prazo de prescrição), não o sendo aquela, que nada extingue/paralisa, pois que se trata de mera presunção de cumprimento (em que o decurso do prazo, não confere ao devedor a faculdade de recusar a prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito, apenas fazendo, ante o facto do pagamento - que, carreado para os autos logo produz o efeito de o presumir, sendo presumido por lei, com inversão do ónus da prova - alcançar a finalidade de proteger o devedor do risco de satisfazer duas vezes dívidas que costumam ser pagas num curto prazo e de cujo pagamento não é habitual ser guardado o recibo por muito tempo).
II – O devedor que pretenda invocar, na sua defesa, exceção de prescrição presuntiva (presunção de pagamento), tem de observar as impostas regras de repartição do ónus de alegação e do ónus da prova, estatuídas, respetivamente, pelo direito adjetivo e pelo direito substantivo, sendo que consagradas estão, apenas, regras de inversão do ónus da prova (não de inversão do ónus de alegação, sempre imposta pelo princípio da substanciação).
III – Cabendo ao devedor alegar os factos essenciais que integram os factos constitutivos da típica exceção da prescrição presuntiva concretamente deduzida e de os provar, tem, ainda, de alegar, expressamente, o pagamento, embora lhe não caiba o ónus da prova do mesmo, pois que consagrado na lei o efeito da inversão do ónus da prova (deixando, ao nível da prova, o devedor de estar com ele onerado e passando a prova - do não pagamento - a competir ao credor (e só por confissão do devedor), nenhuma inversão do ónus de alegação está estatuída na lei e a presunção só atua ante o facto essencial, que tem de ser carreado para os autos.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral


Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. BB intentou contra AA, a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do réu no pagamento do montante de 16 500,29 €, acrescido dos juros vencidos desde a citação do réu para a presente ação, e vincendos até integral pagamento.
Para tanto alega, em suma, que a pedido do réu lhe prestou serviços jurídicos, tendo tido despesas com a realização desses serviços jurídicos, os quais ascendem ao montante de 16 500,29 €.

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1.2. Citado o réu, veio contestar, arguindo a exceção perentória de prescrição, prevista no art.º 317.º, al. c), do Código Civil, alegando que pagou integralmente ao autor todas as quantias que este lhe solicitou, a título de despesas e honorários, com os serviços prestados no âmbito dos processos mencionados pelo autor, concluindo pela sua absolvição do pedido.
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1.3. O autor respondeu pugnando pela improcedência da exceção invocada.
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1.4. Em 23 de fevereiro de 2023 foi proferido despacho saneador no qual se relegou para final o conhecimento da exceção perentória de prescrição e se fixou o objeto do litígio e os temas da prova.
Admitiram-se os meios de prova e foi designada data para a realização da audiência de julgamento.
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1.5. Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
Pelo exposto, decide-se declarar a presente acção procedente, por provada, e, consequentemente, decide-se condenar o R., nos pedidos apresentados pelo A. no seu requerimento inicial, consistente no pagamento pelo R. ao A.:
1-) Da quantia de 16.167,20 euros, correspondente ao preço dos serviços jurídicos que o A. prestou ao R., no âmbito dos processos referidos em 4), e ainda às despesas que ele teve de realizar para o efeito, que se encontram referidos supra, que ainda permanece em débito, que consistirá na dívida de capital.
2-) Do valor dos juros de mora que se venceram desde o dia 13 de Março de 2022, calculados sobre o montante referido em 1), à taxa legal dos juros de mora dos créditos que sejam titulares empresas comerciais em vigor em cada período temporal e ainda dos que se vencerem até integral e efectivo pagamento.
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Condena-se ainda o R. no pagamento das custas do presente Processo (cfr. artigo 527º, do Código de Processo Civil).”
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1.6. Não se conformando com esta decisão, dela apela o réu, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
A) A decisão sobre a matéria de facto deve ser objeto de impugnação, uma vez que existem meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida, podendo este Venerando Tribunal alterá-la, nos termos do art.º 662.º do CPC.
B) No entender do Réu, e ressalvado o devido respeito, o Meritíssimo Juiz da 1ª. Instância fez uma errada apreciação da prova produzida, porquanto existem factos que foram considerados provados, e não o deviam ter sido.
C) O facto incorretamente julgado, que não deve ser considerado provado, é o nº 24, por referência ao elenco dos factos provados constantes da douta sentença recorrida, que se transcreve:
24. O R. não procedeu ao pagamento dos honorários pelos serviços prestados pelo A. No âmbito dos processos referidos em 4), e ainda das despesas que o A. efectuou e arcou no âmbito desses processos, que se encontram descritos nas tabelas juntas de fls. 19, verso, a 28, que aqui se dão por reproduzidas, no valor total de 16.167,20 euros.
D) O meio probatório, que impunha uma decisão sobre a matéria de facto diferente da que veio a ser proferida, é constituído pelo depoimento de parte do Réu (o qual se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, com início às 14:50h e termo às 15:04h).
E) Uma vez que não houve assentada, nos termos dos artºs 352º, 356º, 358º e 361º do CC, e 452º e segs. do CPC, o depoimento de parte do Réu não pode nos autos adquirir força probatória plena, sem prejuízo do Tribunal poder, e dever, valorar livremente o depoimento de parte produzido.
F) Do depoimento de parte do Réu, e de acordo com o sentido normal das suas declarações (artº 236º, nº 1 do CC), não se pode extrair a conclusão de que ocorreu uma confissão judicial expressa por parte do R. de que não foram pagos os serviços prestados pelo Autor.
G) O Réu, em sede de contestação, invocou a exceção da prescrição presuntiva prevista no artº 317º, al. c) do CC, defendendo que o direito que o Autor pretende fazer valer por via da presente ação se encontra prescrito.
H) A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por prova em contrário do credor, embora em termos muito limitados e específicos, restringidos à confissão do devedor (artº 313º do CC).
I) Não tendo havido da parte do Réu qualquer confissão expressa, nem tácita, na medida em que o Réu não praticou acto incompatível com a presunção de cumprimento, deve ser julgada verificada a exceção peremptória de prescrição do crédito reclamado.
J) Sendo, todavia, douta, a decisão recorrida violou por erradas interpretação e aplicação as disposições legais anteriormente citadas, e as mais ao caso aplicáveis.
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1.6. O autor contra-alegou, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1) O Autor intentou contra o Réu, a ação de condenação no pagamento dos honorários e despesas suportadas no âmbito de vários processos, alegando o que consta nos autos;
2) Citado o Réu para o efeito, veio os mesmos presentar contestação alegando o que consta de fls.;
3) Realizou-se a Audiência de julgamento;
4) Por Sentença de fls., foi decidido o acima transcrito;
5) Não se conformando com a Sentença de fls. o Réu veio apresentar recurso alegando a nulidade da sentença por erro na apreciação da prova;
6) Na contestação apresentada pelo Réu, este invoca que procedeu ao pagamento dos honorários devidos ao Autor, no entanto, no seu depoimento de parte veio confessar que não procedeu ao pagamento;
7) É o próprio Réu, que no seu depoimento de parte confessa que não procedeu ao pagamento dos honorários e despesas devidos ao Autor;
8) O Réu, no seu depoimento de parte afirmou que não terá vindo ao escritório do Autor desde 2018;
9) E que alegadamente terá sido o Sr. CC, testemunha no processo, que terá procedido ao pagamento dos honorários, mas que o mesmo não viu proceder ao pagamento;
10) O mesmo afirmou que não sabe se os honorários e despesas foram pagas, mas tem ideia que sim, mas não viu proceder a qualquer pagamento;
11) A pessoa que terá alegadamente pago os honorários e despesas, afirmou em audiência de julgamento que a última vez que esteve no escritório do Autor, foi em 2015 e/0u 2016, portanto, ainda antes do Réu;
12) Tendo as contas sido apresentadas depois, bem como os processos terminado posteriormente à data em que a testemunha Sr. CC terá pago os honorários, não é credível que este tenha procedido ao pagamento;
13) Como é que se justifica que, não tendo a testemunha, conhecimento das alegadas notas de honorários e despesas tenha conhecimento do valor dos honorários?;
14) O Réu confessou que não procedeu ao pagamento dos honorários e despesas ao Autor, bem como confirmou que não viu proceder ao pagamento dos mesmos pelo Sr. CC;
15) Não pode o Réu vir beneficiar da prescrição presuntiva, uma vez que alegou que não pagou, nem sabe se os mesmos foram pagos, porque não viu o Sr. CC pagar;
16) Não houve erro na apreciação da prova, nem incorreta aplicação do direito ao caso em julgamento;
17) Foi o próprio Réu que confessou que não pagou;
18) Até porque se os processos e os honorários foram posteriores a 2015/2016 e 2018, como é que poderia o Sr. CC saber o valor dos mesmos e proceder ao seu pagamento, se o último contato com o Autor foi em 2015/2016;
19) Conforme decorre do depoimento de parte do Réu, que é plausível, o mesmo não procedeu ao pagamento dos honorários e despesas;
20) E a defesa do Réu ao invocar a prescrição e o alegado pagamento, mais não foi que uma forma de se furtar ao pagamento dos honorários, quando sabia e sabe que os mesmos são devidos ao Autor;
21) Daí que em audiência de Julgamento tenha confessado que não procedeu ao pagamento dos mesmos;
22) A decisão proferida baseou-se no depoimento de parte do Réu, na prova testemunhal, quer do Réu, quer do Autor, e na prova documental junta aos autos;
23) Pelo que bem andou o Meritíssimo Juiz ao decidir como decidiu;
24) Até porque do depoimento de parte do Réu, não resultou o que este pretende, pelo contrário;
25) A decisão tomada pelo Meritíssimo Juiz foi correta, tendo ponderado toda a prova carreada nos autos;
26) Falece os argumentos alegados pelo Réu, nas suas alegações de recurso, quando em audiência afirmou que não pagou, nem viu pagar, visto que os mesmos carecem de fundamento legal;
27) A decisão proferida obedece a todos os requisitos legais impostos, estando a mesma clarificada e fundamentada na Sentença de fls., não padecendo a mesma de quaisquer vícios que lhe são imputados pelo Recorrente;
28) O recurso apresentado pelo Recorrente não merece provimento, uma vez que o Meritíssimo Juiz a “quo” interpretou bem as normas aplicáveis ao caso concreto, tendo em conta o depoimento de parte do Réu, a prova testemunhal e documental junta aos autos;
29) Sendo certo que a Sentença recorrida não viola as disposições legais que o Recorrente invoca nas suas alegações;
30) E sendo certo que a convicção do Meritíssimo Juiz a quo se formou com base no depoimento de parte do Réu e nos depoimentos das testemunhas e todo o suporte documental junto aos autos;
31) Face a todos os motivos supra explanados, deve a Sentença ora recorrida manter- se na íntegra, requerendo-se assim a prolação de Acórdão que determine a improcedência do recurso interposto;
32) O que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.
Termina pedindo que seja julgado improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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1.7. Por despacho proferido em 10 de outubro de 2023, o recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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1.8. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do art.º 659.º, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no art.º 635.º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (art.º 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, Almedina, p. 109).
Neste conspecto, são as seguintes as questões a decidir:
1.ª A incorreção do julgamento da decisão proferida quanto à matéria de facto;
2.ª Alteração da decisão de mérito.
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2.2. Os factos
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1- O A. exerce a actividade profissional de advocacia, possuindo escritório em Leiria.
2- No âmbito do exercício dessa actividade, o R. contactou o A. e solicitou-lhe que lhe prestasse serviços jurídicos.
3- Na ocasião referida em 2), foi comunicado ao R. que ele deveria pagar o valor dos honorários, que variariam de acordo com os serviços que fossem prestados no âmbito do processo, e ainda as despesas que fosse necessário realizar para a prestação desses serviços.
4- Na sequência, o R. constituiu o A. como mandatário, para que o representasse nos seguintes processos: a) Recurso hierárquico no processo nº 2127201410000077 ( referente à liquidação do IUC da viatura de matrícula VU-..-.., para os anos de 2009, 2010, 2011 e 2012); b) Processos de Contraordenação nºs 2127201306069010, 2127201306047637 e 2127201306038883, que correram termos no Serviço de Finanças de Ourém; c) Recurso Hierárquico no Processo nº 2127201410000089 ( referente à Liquidação de IUC dos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, respeitante à viatura ..-..-KA); d) Processos de Contraordenação nºs 2127201306069045, 2127201306047599, 2127201306038913 e 2127201306041850, que correram termos no Serviço de Finanças da Batalha; e) Recurso Hierárquico no Processo nº 2127201410000065, do Serviço de Finanças de Ourém; f) Processos de Contraordenação nºs 2127201306069037, 2127201306047610, 2127201306038891 e 2127201306041868; g) Recurso Hierárquico no Processo nº 2127201410000053, do Serviço de Finanças de Ourém; h) Processos de Contraordenação nºs 2127201306069002, 2127201306047653, 2127201306038964 e 2127201306042953, do Serviço de Finanças de Ourém; i) Recurso Hierárquico no Processo nº 2127201410000030, do Serviço de Finanças de Ourém; j) Processos de Contraordenação nºs 2127201306068995, 2127201306047556, 2127201306038948 e 2127201306042996, do Serviço de Finanças de Ourém; l) Recurso Hierárquico no Processo nº 2127201410000041, do Serviço de Finanças de Ourém; m) Processos de Contraordenação nºs 2127201306069029, 2127201306047602 e 2127201306038905, do Serviço de Finanças de Ourém; n) Resposta à Execução de IUC’s, que correu termos no Serviço de Finanças de Pombal; o) Impugnação do Processo nº 514/15.8BELRA (Recurso Hierárquico nº 2127201410000077), que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
5- O A. prestou os serviços jurídicos que haviam sido acordados com o R., designadamente a prática de vários actos nos processos referidos em 4), não tendo este reclamado dos mesmos.
6- No âmbito da realização dos serviços jurídicos acordados com o R., o A. prestou serviços jurídicos nos processos referidos em 4), tendo tido como contrapartidas os honorários que se encontram descritos nas tabelas juntas de fls. 19, verso, a 28, que aqui se dão por reproduzidas, e efectuou e arcou com as despesas igualmente descritas nessas tabelas, referentes igualmente a esses processos, no valor total de 16.167,20 euros.
7- Designadamente, o A. despendeu os períodos temporais que se encontram descritos nas tabelas juntas de fls. 19, verso, a 28, para a prática de actos relacionados com os processos referidos em 4), tendo tais trabalhos tido o custo de 150 euros à hora.
8- O A. fixou ao R. honorários no valor de 200 euros referentes ao estudo e preparação dos processos referidos em 4): a), c), e), g), i), l); no valor de 100 euros referentes aos processos referidos em 4): b), d), f), h), j), m), e n); e no valor de 1.000 euros referentes ao processo referido em 4): o).
9- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), a), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 21-8-2013 e 16-12-2014.
10- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), b), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 3-1-2014 e 5-6-2015.
11- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), c), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 3-1-2014 e 16-12-2014.
12- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), d), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal em 5-6-2015.
13- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), e), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 3-1-2014 e 16-12-2014.
14- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), f), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 3-1-2014 e 5-6-2015.
15- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), g), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 21-8-2013 e 16-12-2014.
16- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), h), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 5-6-2015 e 16-6-2015.
17- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), i), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 3-1-2014 e 16-12-2014.
18- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), j), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal em 5-6-2015.
19- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), l), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 3-1-2014 e 16-12-2014.
20- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), m), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal em 5-6-2015.
21- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), n), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 28-2-2014 e 5-3-2014.
22- Os serviços jurídicos referentes ao processo identificado em 4), o), foram prestados pelo A. a favor do R. no período temporal entre 21-8-2013 e 8-4-2020.
23- Em 2-3-2022, o A. enviou ao R., e este recebeu-o, o mail com anexos, cujas cópias se encontram juntas de fls. 17 a 28, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, onde consta que o assunto é o envio de Nota de Despesas e Honorários dos processos referidos em 4), onde solicitava o pagamento dos valores em dívida no prazo de 10 dias.
24- O R. não procedeu ao pagamento dos honorários pelos serviços prestados pelo A. no âmbito dos processos referidos em 4), e ainda das despesas que o A. efectuou e arcou no âmbito desses processos, que se encontram descritos nas tabelas juntas de fls. 19, verso, a 28, que aqui se dão por reproduzidas, no valor total de 16.167,20 euros.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
A- O R. procedeu ao pagamento ao A. da totalidade do valor dos honorários pelos serviços jurídicos prestados, e as despesas, referidas em 6).
B- O R. não recebeu a carta, junta a fls. 18, que vinha em anexo ao mail mencionado em 23).
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2.3. Apreciação do recurso
1.ª Questão
A incorreção do julgamento da decisão proferida quanto à matéria de facto
Pugna o recorrente por uma alteração da matéria de facto relativamente ao ponto 24 dos factos provados, considerando que o mesmo deveria ter sido dado como não provado, invocando neste segmento o seguinte:
- O meio probatório, que impunha uma decisão sobre a matéria de facto diferente da que veio a ser proferida, é constituído pelo depoimento de parte do réu;
- Uma vez que não houve assentada, nos termos dos art.ºs 352.º, 356.º, 358.º e 361.º, do Código Civil, e 452.º e ss., do Código de Processo Civil, o depoimento de parte do réu não pode nos autos adquirir força probatória plena, sem prejuízo do tribunal poder, e dever, valorar livremente o depoimento de parte produzido;
- Do depoimento de parte do réu, e de acordo com o sentido normal das suas declarações, não se pode extrair a conclusão de que ocorreu uma confissão judicial expressa por parte do réu de que não foram pagos os serviços prestados pelo autor.
Vejamos.
Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.
Segundo o n.º 1, do art.º 662.º, do Código de Processo Civil, a decisão proferida sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, “[s]e os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para que o tribunal se encontre habilitado para proceder à reapreciação da prova, o art.º 640.º, do Código de Processo Civil, impõe as seguintes condições de exercício da impugnação da matéria de facto:
1 – Quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.”
A impugnação da matéria de facto que tenha por fundamento a errada valoração de depoimentos gravados, deverá, assim, sob pena de rejeição, preencher os seguintes requisitos:
a) Indicação dos concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, que deverão ser enunciados na motivação do recurso e sintetizados nas conclusões;
b) Indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nela realizada, que impõem decisão diversa, sobre os pontos da matéria de facto impugnados;
c) Indicação, ou transcrição, exata das passagens da gravação erradamente valoradas.
O recorrente, sob pena de rejeição do recurso, deve determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso –, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto – fundamentação – e, ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
Conforme defende Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, p. 225, que, funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa reapreciação tem autonomia decisória, devendo fazer uma apreciação crítica das provas, formulando, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. E, ainda, que o tribunal da Relação quando reaprecia a prova deve considerar os meios de prova indicados pelas partes e confrontá-los com os outros meios de prova e verificar se foi ou não cometido erro de apreciação da prova que deva ser corrigido (p. 299).
Volvendo ao caso concreto, não desconhecemos que o ónus previsto no art.º 640.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil impõe a indicação, com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso (…).
O recorrente não dá, com rigor, cumprimento a este ónus, na medida em que transcreve na íntegra as suas declarações de parte.
Mas, como tendo vindo a entender o STJ (cfr., nomeadamente, o acórdão do STJ, de 22.09.2015, Relator Conselheiro Pinto de Almeida, disponível em www.dgsi.pt.), se a inobservância, na delimitação do objecto do recurso, dos ónus previstos no nº 1 do artº 640º, é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada dada a sua indispensabilidade, já no que se refere ao requisito previsto no nº 2, al. a), se justifica alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão, concluindo que, se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.
(…).”
Em conformidade com este entendimento, não se justifica, no caso concreto, a rejeição do recurso sobre a matéria de facto por falta de indicação exata das passagens da gravação, pois que, como se alcança das suas conclusões, o apelante impugnou um facto (24), fundou a impugnação apenas no seu depoimento de parte e indicou o início e o termo da gravação dos mesmos, dessa forma permitindo o exercício do contraditório.
Além de que, estamos perante um facto que se prende com o pagamento ou não pagamento ao autor dos honorários que lhe eram devidos pelo réu, tendo sido alegada a exceção de prescrição presuntiva prevista no art.º 317.º, al. c), do Código Civil, defendendo que o direito que o autor pretende fazer valer por via da presente ação se encontra prescrito.
Apreciando, cumpre ter em atenção que esta “questão de facto” prende-se com uma “questão de direito”, relativa à alegada exceção da prescrição presuntiva da obrigação de pagamento dos honorários reclamados nesta ação pelo autor.
Assim sendo, e porque entendemos ser importante para a apreciação e respetiva decisão sobre procedência ou improcedência da impugnação da matéria de facto, diremos que estamos no domínio da invocação da prescrição presuntiva, por parte do réu, a qual é tratada, não bem como prescrição, mas como simples presunção de pagamento. Enquanto nas prescrições verdadeiras, mesmo para o devedor que confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição; inversamente nestas prescrições presuntivas não é assim: se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado da mesma maneira, e a prescrição não funciona, embora ele a invoque.
Ora, a prescrição de 2 anos do art.º 317.º, do Código Civil é, sem dúvida alguma, uma prescrição presuntiva.
Perante as disposições do Código Civil entende-se que para poder invocar a prescrição presuntiva, o réu deve alegar que deveu, mas pagou. Se ele alegar que nunca deveu, não tem sentido invocar este tipo de prescrição; por outro lado, se ele alega que deve e nunca pagou, de nada lhe vale invocar esta prescrição, porque ele está a confessar a dívida (vide, Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, V. II, p. 78).
Neste instituto existe uma inversão do ónus da prova (art.º 344.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), verdadeira exceção ao ónus da prova do pagamento que por via de regra cabe ao réu nas ações de dívida, competindo, no caso de se verificar esse aspeto, ao autor efetuar a prova de que o réu não pagou a quantia que dele reclama.
Assim, neste tipo de prescrição, o decurso do prazo legal não extingue a obrigação, mas apenas faz presumir o pagamento, libertando desta forma o devedor do ónus da prova do pagamento, mas não do ónus de alegar que pagou.
A presunção do cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão (art.º 313.º, n.º 1, do Código Civil).
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, mas esta só releva quando for realizada por escrito.
É admitida a confissão tácita, em dois casos, nos termos do art.º 314.º, da referida lei substantiva civil: se o devedor se recusa a depor ou a prestar o juramento em tribunal, se o devedor pratica em juízo atos incompatíveis com a alegação da presunção de cumprimento.
Assim, se decorrido o prazo da prescrição, o credor demonstrar, pelo meio dos art.ºs 313.º e 314.º, pela confissão, expressa ou tácita, do devedor, que não houve pagamento, ilidindo a presunção que fundamentava o prazo, já não podemos ter em consideração os prazos que a lei preceitua para a prescrição presuntiva.
In casu, está afastada a confissão tácita do réu, pois que alegou que deveu, mas pagou (cf. artigos 3.º, 5.º e 6.º da contestação).
Terá, porém, ocorrido confissão judicial? Segundo o tribunal recorrido, sim.
Escreveu-se na sentença recorrida:
Por fim, para a prova dos factos referidos no ponto 24), levou-se em consideração o depoimento de parte do R. Na verdade, o R. admitiu no seu depoimento que os valores das contrapartidas pelos serviços jurídicos prestados pelo A., que se encontram descritos nas tabelas das notas de honorários e despesas, juntas de fls. 19, verso, a 28, não foram pagos. Nomeadamente, o R. assumiu que não procedeu ao pagamento de qualquer quantia ao A., designadamente referente àqueles honorários pelos serviços que este prestou a seu favor, e ainda das despesas. Deste modo, verifica-se que ocorreu uma confissão judicial expressa por parte do R. que os valores das contrapartidas pelos serviços jurídicos prestados pelo A., e ainda as despesas referentes a esses serviços, que se encontram descritos nas tabelas das notas de honorários e despesas, juntas de fls. 19, verso, a 28, não foram pagos.”
Em nossa opinião, não ocorreu a referida confissão judicial.
Em primeiro lugar, o tribunal recorrido não deu cumprimento ao disposto no art.º 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “[o] depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente (…)”
No caso, o réu prestou depoimento em audiência final, sendo o meio de prova mais relevante que foi produzido em julgamento sobre esta matéria. Aliás, seria mesmo o único admissível, para o efeito de ilidir a presunção de cumprimento (cf. art.º 313.º, n.º 1, do Código Civil).
Em segundo lugar, na presente ação o facto controvertido revelante a provar, pelo autor/credor, é “o não pagamento” pelo devedor, por este beneficiar da presunção estabelecida no art.º 317.º, al. c), do Código Civil.
Este tribunal procedeu à audição do depoimento do réu. E, de facto, o que podemos constatar é que o réu não admitiu que devesse ao autor a quantia por este peticionada a título de honorários e despesas. É certo que admitiu não ter pago ele próprio, no sentido de ter entregue ao autor a quantia peticionada porque um terceiro (que alegadamente se sentiria responsável pela dívida) assumiu esse pagamento e pagou.
Portanto, relativamente ao concreto facto que consta do ponto 24. dos factos provados, o que se constata da gravação do depoimento de parte é que o réu não confessou que não pagou a quantia reclamada nesta ação a título de honorários e despesas.
Dito de outro modo, ouvido o depoimento de parte do réu, verifica-se que o mesmo não confessou que a dívida de honorários ao autor não foi paga; o que o réu afirmou no seu depoimento foi que ele (réu) não pagou os serviços ao autor porque um terceiro (CC) ficou de o fazer por ele e explicou as razões.
Tendo-se, no mínimo, suscitado dúvida relevante acerca do facto 24. em causa, o mesmo deve ser dado como não provado. Ou seja, deve dar-se como não provado a matéria que consta do ponto 24. Competia ao autor a prova de que o réu não pagou os honorários, nos termos do art.º 344.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Nos termos do citado preceito “[A]s regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.”
Assim, o facto constante do ponto 24. da matéria de facto provada passará a constar na matéria de facto não provada.
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2.ª Questão
Alteração da decisão de mérito
Fixada a factualidade provada e não provada relevante para o conhecimento do mérito, cumpre então agora apreciar do fundo da causa.
Relembramos que o autor veio propor a presente ação de condenação pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 16 500,29 € a título de honorários e despesas, acrescida de IVA e juros de mora.
Para tanto alega, em suma, que a pedido do réu lhe prestou serviços jurídicos, tendo tido despesas com a realização desses serviços jurídicos.
A sentença recorrida veio a julgar a ação procedente, condenando o réu ao pagamento da quantia de 16 167,20 €, correspondente ao preço dos serviços jurídicos que o autor prestou ao réu, no âmbito dos processos referidos em 4. dos factos provados, e ainda às despesas que ele teve de realizar para o efeito, acrescida dos juros de mora que se venceram desde o dia 13 de março de 2022.
O recorrente, na presente apelação, vem pôr em causa a sua condenação nos termos constantes da decisão recorrida, repetindo no essencial a mesma argumentação que já constava da sua contestação, colocando o seu enfoque na exceção da prescrição presuntiva.
Em todo o caso, face à factualidade apurada, não existe a mínima dúvida que entre autor e réu existiu uma relação contratual de prestação de serviços de advocacia.
Nos termos do art.º 1 154.º, do Código Civil, o contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Entre as várias modalidades de contrato de prestação de serviços tipificadas no Código Civil (cf. art.º 1 155.º, do Código Civil) está o contrato de mandato, que se carateriza pela assunção por uma das partes da obrigação de praticar um ou mais atos por conta da outra (art.º 1 157.º, do Código Civil).
Dito isto, inquestionavelmente que as partes estiveram vinculadas por relação contratual de prestação de serviços oneroso e de mandato forense (cf. art.ºs 1 154.º, 1 155.º e 1 157.º, do Código Civil, e art.º 62.º, do EOA), nos termos da qual o autor se obrigou, mediante retribuição, a proporcionar o resultado do seu trabalho intelectual de advogado, por conta do réu.
O autor prestou ao réu, a sua solicitação, os serviços descritos nos pontos 4 e 5, entre 21 de agosto de 2013 e 8 de abril de 2020, tendo elaborado e remetido ao réu a nota de despesas e honorários de fls. 19 verso a 28, no valor total de € 16.167,20 a título de despesas e a título de honorários
De facto, tendo sido prestados serviços de advocacia, como se provou, competia ao réu pagar a correspondente retribuição e reembolsar o mandatário das despesas (cf. art.º 1 167.º alíneas b) e c), do Código Civil), tendo em atenção que os contratos devem ser pontualmente cumpridos (art.º 406.º n.º 1, do mesmo diploma). O que nos conduz aos temas seguintes relativos à prova do pagamento e, eventualmente, à determinação do valor efetivo da dívida.
O réu alegou ter pago os valores solicitados a título de despesas e honorários, invocando a prescrição presuntiva dos créditos reclamados, por terem decorrido mais de 2 anos, tal como estabelece o art.º 317.º, al. c), do Código Civil.
Como já vimos, nos termos do art.º 312.º, do Código Civil, essa prescrição funda-se na “presunção de pagamento”, não havendo dúvida que os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais, como é o caso da advocacia, podem prescrever no prazo de 2 anos, por presunção de pagamento (cf. art.º 317.º, al. c), do Código Civil).
A consagração da prescrição presuntiva assenta na ideia de que determinados tipos de obrigações são cumpridos de forma imediata ou em curto prazo, sendo usual que o devedor não exija quitação ou não a conserve por muito tempo.
Conforme ensinam Ana Prata e outros [in Código Civil Anotado, Vol. I., Almedina, p. 417]: “Do fundamento apontado às prescrições presuntivas – a presunção de cumprimento, considerados os contornos das obrigações em causa – decorre a sua finalidade específica: a tutela da posição do devedor, obviando ao pagamento duplicado da obrigação, por se entender não ser, nestes casos, exigível a conservação de quitação”.
Na mesma linha de raciocínio, segundo Pires de Lima e Antunes Varela [Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e atualizada, p. 281 e 282], a finalidade da prescrição presuntiva é: “proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo”.
Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil Português, Parte I– Tomo IV, 2005, p. 181) também explicita que: “As prescrições presuntivas baseiam-se numa presunção de que as dívidas visadas foram pagas. De um modo geral, elas reportam-se a débitos marcados pela oralidade ou próprios do dia-a-dia. Qualquer discussão a seu respeito ou ocorre imediatamente, ou é impossível dirimir em consciência”.
Não estamos propriamente perante uma típica situação de penalização da inércia do credor em exercer o seu direito durante um largo período de tempo, o que poderia conduzir à prescrição extintiva da obrigação.
O que se consagra é uma presunção de que o pagamento já se terá verificado, decorrido que se mostra algum tempo. Parte-se do princípio de que o pagamento já se efetivou.
Portanto, na prescrição presuntiva, o decurso do tempo não determina a extinção da obrigação, mas apenas libera o devedor de provar o cumprimento, invertendo o ónus da prova, que deixa de onerar o devedor, cabendo ao credor o encargo de demonstrar o não pagamento.
No caso dos autos, e tal como se escreveu na sentença recorrida, a ação foi instaurada mais de dois anos volvidos desde a data de prestação dos serviços, não existindo qualquer causa interruptiva ou suspensiva.
O autor não provou o não pagamento pelo réu dos honorários e despesas que provou ter tido, tal como se alcança da matéria de facto que ficou agora fixada.
O facto que constava do ponto 24 dos factos provados (O R. não procedeu ao pagamento dos honorários pelos serviços prestados pelo A. no âmbito dos processos referidos em 4), e ainda das despesas que o A. efectuou e arcou no âmbito desses processos, que se encontram descritos nas tabelas juntas de fls. 19, verso, a 28, que aqui se dão por reproduzidas, no valor total de 16.167,20 euros.) passou, após a eficaz impugnação da matéria de facto, por parte do réu, ora recorrente, a constar do elenco dos factos não provados.
Nessa medida, o autor não ilidiu a presunção de pagamento estabelecida a favor do réu no art.º 317.º, al. c), do Código Civil.
Pelo que estão reunidas as condições de tempo para funcionar a prescrição presuntiva, fundada na presunção de pagamento.
Neste conspecto, a apelação terá de proceder e o réu será absolvido do pedido que o autor contra si formulou.
As custas serão suportadas pelo apelado uma vez que ficou vencido (n.ºs 1 e 2, do art.º 527.º, do Código de Processo Civil).
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente a apelação e, em consequência, absolver o réu/recorrente AA do pedido contra si formulado pelo autor/apelado BB.
Custas pelo apelado (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 23 de novembro de 2023
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)

Maria José Cortes (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
Francisco Xavier (2.º Adjunto)