I- Tendo sido o arguido declarado contumaz e na declaração de contumácia ser expressamente referido (na parte do texto manuscrita) que, nessa data, ainda não transitara em julgado a decisão quanto ao arguido, tal contradiz a certificação de que o trânsito ocorreu em data anterior.
II- Confirmado que o trânsito em julgado da decisão na realidade ainda não ocorrera por falta de notificação pessoal do arguido julgado na sua ausência, a revisão de uma sentença, além dos pressupostos previstos nas alíneas a) a g) do nº2 do arº449º do CPP, pressupõe, desde logo o requisito prévio, fundamental para um primeiro momento da verificação da sua admissibilidade formal: o do seu trânsito em julgado nos termos do artº 449º, nº1 do CPP, isto é, a pacificação na ordem jurídica no sentido da insusceptibilidade de recurso ordinário e/reclamação.
III- Resultando dos autos a informação de que a decisão revidenda não transitou em julgado, o recurso interposto dirige-se a decisão que ainda o não admitiria.
IV- Como a sua admissão e efeito atribuídos pelo tribunal a quo não vinculam o tribunal superior, ex vi do artº 414º, nº3, do CPP, sendo intempestivo, por antecipação ao trânsito, ainda não ocorrido, o mesmo não é admissível e, consequentemente, o conhecimento e análise dos restantes pressupostos fica desde logo totalmente prejudicado.
Proc. n.º1337/03.2PKLSB
Recurso de revisão (1337/03.2PKLSB-B.S1)
Juiz Conselheiro Relator- Agostinho Torres
Juízes adjuntos: António Latas e Jorge Gonçalves.
Presidente Helena Moniz
Tribunal: Juízo Central Criminal de ... - J.
Recorrente (s):- Arguido AA
Sumário- Revisão de sentença – Acórdão de 9 de Novembro de 2005 da ... Vara Criminal de ....; Sentença ainda não transitada por falta de notificação de arguido ausente contumaz;
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I-Relatório
1.1. Por acórdão de 9 de Novembro de 2005, que inicialmente foi dado como tendo transitado em julgado no dia 2 de Novembro de 2006 (cfr. teor de fls. 15 da certidão junta sob referência Citius n.º .......98) prolatado no Processo Comum Colectivo n.º 1337/03.2PKLSB-B, que correu os seus termos na ... Vara Criminal do Círculo de ..., do Tribunal da Comarca de Lisboa,
- foi o arguido AA, ora recorrente, condenado pela prática, como co-autor material de:
-um crime de coacção grave, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal,
-de um crime de sequestro consumado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.º 1, do Código Penal;
- e de um crime de roubo desqualificado, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 2, alínea b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea f), e n.º 4, do Código Penal;
- bem como autor material de um crime de homicídio na forma tentada, p. e p. pelo disposto nos artigos 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), e 23.º do Código Penal;
- e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, p. e p. pelo artigo 6.º da Lei n.º 22/97, de 27-06, e Ac. STJ n.º 1/2002, de 16-10;
- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão– cfr. fls. 15 e seguintes da certidão junta sob referência Citius n.º .......98.
O condenado ora recorrente foi ali declarado contumaz por despacho de 31 de Maio de 2011 (cfr. fls. 1424).
Iniciado um processo de extradição, vieram as autoridades da República da Guiné-Bissau informar não ser possível deferir o pedido de extradição formulado, uma vez que AA é cidadão guineense (cfr. 1778-1783) e no dia 29 de Setembro de 2022, cfr. fls. 1812 a 1815, foi junta nova informação/ofício pela Procuradoria Geral da República – Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, (…), dando nota que o cidadão em causa não se encontraria no território nacional da Guiné-Bissau.
1.2 - Por requerimento apresentado nos autos a 28 de Dezembro de 2022, a defesa do condenado AA veio interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, pelos fundamentos de facto e de direito insertos na sua motivação de recurso apresentado a fls. 3 e seguintes da certidão junta sob referência Citius n.º .......98, invocando a norma do artigo 449.º, n.º 1, alínea a), d), do Código de Processo Penal, na qual conclui (transcrição):
1º O tribunal a quo condenou o arguido/recorrente pela prática em autoria material de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 131º, 22º, nº l e 2 alínea a) e b) e 23º do Código Penal e 28º do Código Penal; Um crime de detenção ilegal de arma de defesa, previsto e punido pelo artigo 6o da Lei 22/97, de 27-06; e pela prática em coautoria material de um crime de coação grave, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 155º nº 1 alínea a) do Código Penal; Um crime de sequestro consumado, previsto e punido pelo artigo 158º nº l do Código Penal; Um crime de roubo desqualificado, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210º nº 2 alínea b), conjugado com o artigo 204º nº 2 alínea f) do Código Penal;
2º O presente acórdão refere-se a factos praticados no dia 12 de dezembro de 2003;
3º Factos praticados contra o ofendido BB.
4º O presente apenas se incide sobre a má qualificação e condenação do arguido/recorrente em relação ao crime de homicídio na forma tentada;
5º O tribunal a quo procedeu a uma incorreta qualificação jurídica, condenando o arguido/recorrente na prática do crime de homicídio simples na forma tentada.
6º Porém, não se encontra preenchido o elemento intelectual para aplicação da forma tentada deste tipo de crime, tal como configurado no artigo 22º do Código Penal.
8º A tentativa, pressupõe dois elementos: a existência de atos de execução e a não consumação do crime.
9º Entendeu o tribunal a quo que estaríamos perante a aplicação nº 1 e 2 alínea a) e b) do artigo 22º que se reporta ao artigo 131º todos do Código Penal.
10º Falhando o preenchimento de um dos elementos objetivos da tentativa, o dolo.
11º O dolo, tem de ser provado o que não sucedeu, tendo o tribunal a quo fundado a sua convicção apenas e somente nas declarações do ofendido.
12º Na altura da prática do facto, o ofendido, encontrava-se de costas tendo afirmado mesmo que não tinha a certeza que os disparos executados tinham sido com o intuito de o matar, mas apenas com o intuito de o assustar.
13º Os disparos executados sobre o ofendido foram a uma distância de 3 metros, significando por isso que se a intenção do mesmo fosse de o matar, então provavelmente teria feito;
14º O ofendido encontrava "sequestrado" pelo o arguido/recorrente, porém este último facilitou a sua fuga e quando supostamente disparou os três tiros contra o mesmo:
15º O tribunal a quo, como todos os tribunais ou órgãos jurisdicionais, encontram-se adstritos ao princípio da imparcialidade de modo a que se descobre a verdade material;
16º Para tal, terão que diligenciar todos os meios de provas necessários para essa descoberta, o que não foi feito;
17º Assim, o arguido/recorrente que não apresentava quaisquer vestígios de pólvora, ao contrário de outros arguidos, foi condenado a 5 anos de pena de prisão efetiva sem que para isso fossem feitos todos os esforços para comprovar a sua inocência, nomeadamente diligenciar no sentido de elaboração de um Laudo pericial de balística forense e uma reconstituição dos factos;
18º Que certamente iriam provar que de facto, não existia qualquer intenção de matar.
19º Assim, foi condenado pelo tribunal a quo segundo um testemunho que se demonstrou incoerente ao longo de toda a marcha processual;
20º Apresentando assim três versões dos factos, duas em sede de inquérito e uma em sede de julgamento, tal como se pode aferir nas transcrições supra;
21º Para além do já exposto, foi por várias vezes enunciado e relatado a existência de vários abusos de poder e meios de obtenção de prova proibidos, e mesmo assim nada foi feito;
22º Houve uma clara violação do Princípio in dubio pro reo - uma das vertentes do princípio constitucional da presunção de inocência - ao longo de todo o processo, e por isso uma consequente violação do artigo 32º nº 2 1ª parte da Constituição da República Portuguesa.
PELO EXPOSTO,
Ao ora recorrente, não resta outra alternativa se não a de submeter o presente Recurso a apreciação de Vossas Excelências, a fim de a decisão recorrida ser revista, isto é, seja revogada ou até mesmo considerada nula, por outra que condene e absolva o arguido segundo os moldes aqui expostos.”
1.3. Em resposta o Ministério Público na 1ª instância concluíu:
“(…)
1. O condenado vem agora recorrer extraordinariamente de revisão, porém nas motivações de recurso apresentadas não se invoca qualquer uma das alíneas do n.º 1 do art.º 449.º do Código de Processo Penal, nos termos das quais é admissível a revisão de sentença transitada em julgado.
2. Com efeito, o que o recorrente realmente pretende é somente pôr em crise a livre convicção do tribunal, que levou a que se tivesse convencido da credibilidade de determinados meios de prova, ao contrário do entendimento do recorrente, e que culminou na condenação do mesmo, já transitada em julgado há mais de 16 anos, em termos próprios de um recurso ordinário.
3. Na verdade, o recorrente não invoca novos factos ou meios de prova, requerendo apenas a realização de diligências de prova, designadamente a reconstituição do facto e exame pericial de balística forense, que correspondem a meios de prova que já se encontravam legalmente previstos aquando da realização do julgamento e que não foram requeridos, nem o tribunal entendeu oficiosamente fosse necessário realizar, e o recorrente não estabelece qualquer concreta relação causal entre os putativos meios de prova e a conclusão que retira de que provariam a falta do elemento subjectivo do crime de homicídio na forma tentada pelo qual o ora recorrente foi condenado.
4. De resto, como consta do acórdão condenatório, a base da convicção do tribunal a quo assentou em muitos e frutuosos outros elementos, que não os indicados e questionados pelo recorrente, sendo que aqueles foram suficiente, per si, para sustentar essa mesma convicção.
5. Conclui-se que com a apresentação do presente recurso de revisão pretende o recorrente impugnar agora os fundamentos de facto e de direito da decisão condenatória e transitada em julgado, não se verificando qualquer dos pressupostos para a admissibilidade de recurso extraordinário de revisão, nem qualquer fundamento que justifique seja posta em causa a segurança jurídica do caso julgado da decisão visada ou suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
6. Verifica-se, deste modo, manifesta improcedência do recurso, o qual está desde logo condenado ao malogro, uma vez que é flagrante que o recorrente não tem qualquer razão para impugnar a decisão objecto do presente recurso de revisão, cabendo ao tribunal obstar a que prossigam actos que, de antemão, se reconhece não poderem proceder e que não se reputam como indispensáveis para a descoberta da verdade, nomeadamente quanto à realização das diligências probatórias requeridas.
7. Termos em que não deve ser determinada a realização das diligências requeridas e ser negada a pretendida revisão”
1.4 - Por sua vez a Mmª Juíza procedeu à seguinte informação sobre o mérito do pedido nos termos do artº 454º do CPP:
“(…)
Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 453.º do CPP “Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas”, sendo que a alínea d), do n.º 1, do artigo 449.º dispõe, que a revisão é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Diz-nos o arguido (não sendo de todo despiciendo referir que o mesmo foi declarado contumaz), nomeadamente e quanto ao crime de homicídio na forma tentada, que o arguido não apresentava vestígios de prova nas suas vestimentas, tendo sido condenado “apenas e tão-só baseado na versão do ofendido”, concluindo que se demonstrava fulcral a produção de dois meios de prova que identifica – Reconstituição dos Factos e Laudo elaborado por perito.
Após transcrever parte do que serão depoimentos prestados em audiência de julgamento pelo ofendido, refere serem três as versões diferentes apresentados pelo mesmo, em sede de inquérito, em dois momentos distintos e em sede de julgamento, concluindo, pela demonstração de “um claro exemplo de abuso de poder por parte dos OPC’s e claros meios de obtenção de prova proibidos, sendo que possivelmente toda a prova se encontra viciada” – fls. 1847 e 1847v e, bem assim, perante uma “clara violação do princípio da
imparcialidade, base fundamental do Processo Penal e do princípio in dúbio pro reo plasmados no artigo 29º da Constituição da República Portuguesa”.
O requerente não indicou ou requereu a produção de qualquer meio de prova, sendo que parece questionar essencialmente a verificação do elemento subjectivo do tipo – dolo quanto ao crime de homicídio na forma tentada, pretendendo fazer crer, assim nos parece, que tivesse mesmo o arguido o propósito de tirar a vida ao ofendido, tê-lo-ia conseguido, uma vez que se encontraria a cerca de 3 (três) metros de distância.
Enfim, ao Tribunal não se afigura necessária a realização de quaisquer diligencias que devessem ter sido consideradas, estando a decisão de facto devidamente fundamentada, concluindo-se, para o efeito do disposto no artigo 454.º no sentido da sua manutenção.
Notifique e remeta o processo ao Supremo Tribunal de Justiça
(…)
1.5 - Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exmº Sr. PGA emitiu parecer dizendo em suma:
“(…)Tudo sugere que, e por assinalar o preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do C.P.P., o recorrente reconduz o cerne do recurso de revisão que interpôs a novos meios de prova, preconizando, para tanto, apenas a realização das mencionadas diligências probatórias (reconstituição de facto e exame pericial de balística), sendo que, como o demonstra a Digna Procuradora da República junto da 1ª instância, na bem elaborada resposta ao recurso que apresentou, “estes meios de prova já se encontravam legalmente previstas aquando da realização do julgamento e apesar do recorrente mencionar que deveria ter sido “requerida oficiosamente” a sua produção, certo é que não foi então requerida, nem o tribunal entendeu necessário determinar a sua realização, e o recorrente vem apenas alegar que caso tivessem sido produzidos estes meios de prova, “certamente iriam provar que de facto, não existia qualquer intenção de matar”, não explicitando, porém, qualquer relação causal entre os putativos meios de prova e a conclusão que retira em relação aos mesmos.”
Com efeito, e como decorre do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., são factos novos ou novos meios de prova os que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão, sendo esta «a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão.1
Concede, todavia, alguma jurisprudência, que também são novos factos ou meios de prova, para efeitos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., os que eram conhecidos ao tempo do julgamento, pelo requerente, desde que este justifique porque é que não pôde, na altura, apresentá-los ao tribunal.
Na verdade, e como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 453.º do C.P.P., o requerente da revisão “não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”.
Quanto ao momento do conhecimento dos factos novos, considere-se o acórdão de 27.01.2010 deste Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J), proferido no processo n.º 543/08.8GBSSB-A.S1 - 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt/, em que se sumariou:
«I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente.
II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação.»2
Igualmente se refere no acórdão de 17.02.2011, também do S.T.J. (processo n.º 66/06.0PJAMD-A.S1, 5ª Secção, Relator: Conselheiro Souto Moura, in www.dgsi.pt/) que: “A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se vem por regra colocando, quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. Na doutrina, acolheram-se ambas as posições, não interessando à economia do presente recurso expor a respectiva fundamentação. Diremos simplesmente que a posição que se tem mostrado largamente maioritária neste Supremo Tribunal é a primeira. Também temos defendido, porém, dentro dessa linha, não bastar que pura e simplesmente o tribunal tenha desconhecido os novos factos ou elementos de prova para ter lugar o recurso de revisão.
E a limitação é a seguinte: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Na verdade, existe um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Isto é, o legislador revela com este preceito que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. E assim se prejudicaria, para além do aceitável, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 (Pº 3875/07, 5ª Secção), de 24/9/2009 (Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção), ou de 28/10/2009 (Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção, entre vários outros).
O artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.
Dúvidas efectivamente graves ou sérias, já que «[a] dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada»3 .
Havendo, ainda, esse facto e/ ou meio de prova novo de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado»4 .
Sendo que é «sobre o condenado/recorrente que impende o ónus de demonstrar que o conhecimento dos novos factos e/ou a apresentação de novos elementos de prova têm a peculiaridade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sob pena de a revisão não poder ser autorizada» 5.
Na situação vertente, e na linha da tomada de posição do Ministério Público na 1ª Instância, como se expõe na resposta ao recurso, e que se passa a transcrever (…) não são apresentados novos factos ou meios de prova que, isoladamente ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação [alínea d)].
É consabido que “novos” são apenas os factos e elementos de prova que eram ignorados ao tempo do julgamento pelo tribunal e pelo recorrente, sem olvidar que também não é alegado nenhum meio de prova que, de per si ou combinado com os que foram apreciados no processo, suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
Ora, a lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa ou, como se diz no acórdão do TC n.º 376/2000, “no novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias” (…). Só esta interpretação faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado.
Merecendo a mais completa adesão tais considerandos, fica clara, afigura-se, a insubsistência da pretensão do recorrente, cuja condenação assentou num juízo valorativo da prova produzida em julgamento, do qual foi afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal, sendo isto precisamente que agora se visa, procurando-se, por via deste recurso extraordinário, proceder a uma reapreciação da prova então considerada. O que é legalmente inadmissível.
Pelo exposto, secundando as tomadas de posição do Ministério Público na 1.ª Instância e do Mm.º Juiz titular do processo, entende-se ser manifestamente improcedente a pretensão do recorrente, não se verificando os requisitos a que se refere a norma do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., ou de qualquer dos demais segmentos do mesmo preceito legal, o que deverá determinar a negação da pretendida revisão de sentença, sendo, neste sentido, que se emite parecer.”
A defesa do recorrente não veio responder a esse parecer, apesar de notificada para o efeito.
1.6- Entretanto, após análise mais aprofundada dos termos do processo, suscitou-se a dúvida ao relator sobre se efectivamente a decisão revidenda teria mesmo transitado em julgado, pressuposto esse incontornável para a aferição da admissibilidade formal do recurso.
Na verdade, por despacho do mesmo, foi então solicitada informação ao processo, nos termos seguintes:
“ 1- Ao preparar o projecto para conferência nos presentes autos de recurso de revisão deparo-me, surpreendentemente, com uma aparente incongruência de informação acerca do trânsito em julgado efectivo da decisão revidenda e que, a comprovar-se, poderá pôr em causa a sua apreciação, já que o recurso de revisão supõe o trânsito em julgado da mesma.
2- Na verdade, está certificado nos autos, com data de 18.10.2022, pela Srª escrivã-adjunta no processo no JCCL-J. que o trânsito ocorreu a 2.11.2006.
3- A decisão (Acórdão) revidenda foi proferida a 9 de Novembro de 2005.
Porém, o arguido foi declarado contumaz a 31 de Maio de 2011 (fls 1413 do processo).
Nessa declaração de contumácia é expressamente referido (na parte do texto manuscrita) que, nessa data, ainda não transitara em julgado a decisão quanto ao arguido, o que aparentemente, contradiz a certificação de que o trânsito ocorreu em data anterior, a 2.11.2006.
4- Consequentemente, há que pedir ao Exº Sr Juiz do processo a quo para esclarecer este ponto em dúvida já que tudo indica que o acórdão, na verdade, nunca transitou, pelo menos quanto ao arguido e, aproveitando o ensejo, pedir a confirmação sobre se o estado de contumácia se mantém ainda ou já foi declarada cessada. Solicite informação em 5 dias, se possível.
Lisboa, 28 de Junho de 2023”
1.7 - No processo a quo o MPº também propôs que se considerasse não ter havido trânsito em julgado ainda, por falta de notificação pessoal do arguido julgado na sua ausência, emitindo ali a seguinte posição (aqui em síntese nos termos mais relevantes):
“ (…)
Foi emitida certidão do acórdão condenatório proferido nos presentes autos com indicação da data de 02.11.2006 como correspondendo ao trânsito em julgado do mesmo.
(…)No que concerne a AA, melhor compulsados os autos, resulta dos mesmos que:
a. conforme resulta da acta da audiência de discussão e julgamento de fls. 633 e 634, bem como do acórdão de fls. 637 a 650, AA foi julgado na sua ausência, tendo sido proferido acórdão em 09.11.2005, condenado o mesmo,
b. nos termos do art.º 333.º, n.ºs 2, 5 e 6, procedendo-se à audiência de discussão e julgamento na ausência do arguido, a sentença é notificada ao mesmo logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, sendo que o prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo, pelo que se impõe igualmente que na notificação a efectuar ao arguido este seja expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.
(…) até ao momento, o arguido não foi pessoalmente notificado do acórdão condenatório de 09.11.2005, nos termos do qual foi aplicada ao arguido a pena única de 7 anos e 3 meses de prisão.
Note-se que, conforme resulta de fls. 726 a 741, foi interposto, em nome do arguido AA, recurso do acórdão proferido, mas, conforme resulta de fls. 809, houve desistência do recurso, a qual foi admitida.
Conforme despacho de fls. 1051, foi determinada a emissão de novos mandados de captura do arguido AA – sendo que relativamente ao arguido CC foi determinada a emissão de mandados de captura para cumprimento da pena aplicada -, mas foram, por lapso, emitidos mandados para cumprimento por aquele arguido da pena ainda anão transitada em julgado – vide fls. 1057 e ss. – e emitido boletim ao Registo Criminal indicando 02.11.2006 como data do trânsito em julgado da condenação – fls. 1064.
Com efeito, na sequência da informação de paradeiro de fls. 1096, foi determinada a emissão de mandados de detenção europeus e internacionais – despacho de fls. 1115 e 1118 e ss. e 1146 e ss.
Porém, há que atender ao despacho de 01.04.2011, a fls. 1412 e 1413, nos termos do qual se consigna que:
“I – O Acórdão que condenou ao arguido AA em pena única de prisão ainda não transitou, pelo que está em causa o prazo prescricional do procedimento criminal e não da pena (cfr. art.º 122º/2 C.P., “a contrario”).”.
E, subsequente, conforme despacho de 31.05.2011, a fls. 1423 e 1424, foi AA declarado contumaz, atento o disposto no art.º 337.º do Código de Processo Penal.
No entanto, mesmo após os referenciados despachos de 01.04.2011 e 31.05.2011, consta de fls. 1461 e 1462 a informação prestada pelas autoridades guineenses da detenção AA em 27.12.2011, na sequência de mandado de captura internacional emitido pelas autoridades portuguesas, tendo os autos ficado a aguardar a extradição do mesmo para Portugal e sido determinada a devolução dos mandados de detenção emitidos, sendo que apenas em 29.07.2021 foi junta aos autos informação quanto ao processo de extradição – fls. 1754 a 1756.
Entretanto, é de apontar o despacho de 09.05.2016, a fls. 1605 e verso, nos termos do qual se decidiu indeferir a requerida declaração de caducidade da contumácia, por o arguido se manter ausente e não se verificar o previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 336.º do Código de Processo Penal, até porque não foi detido à ordem das autoridades portuguesas.
Ora, consta de fls. 1754 a 1756, a respeito do pedido de extradição de AA, informação pelas autoridades da República de Guiné-Bissau, Ministério da Justiça, de que aquele é um cidadão guineense e de que, à luz do ordenamento jurídico da Guiné-Bissau, não é possível deferir o pedido de extradição quando se trata de cidadão nacional.
Conforme promoção de 13.01.2022, a fls. 1784, e despacho de 20.01.2022, a fls. 1785, foram até iniciadas as formalidades para pedido de execução na Guiné-Bissau do acórdão proferido, o qual foi sempre considerado como transitado em julgado – vide fls. 1799 e ss. -, até à interposição de recurso de revisão – fls. 1843 e ss..
Note-se ainda a resposta da Procuradoria Geral da República da Guiné Bissau, a fls. 1815 a 1816, a pedido de extradição e de execução de sentença portuguesa na Guiné Bissau, na qual se refere que:
«O Senhor AA, cidadão português é também cidadão guineense, o que implica estarmos perante conflito de nacionalidades, ora, ao abrigo do art.º 23º, da Lei Nº2/92, de 06 de Abril, prevê que “ se alguém tiver duas ou mais nacionalidades e uma delas for guineense, só esta revela face a lei guineense“ e nos termos do art.º 43º, nº1 Constituição da República guineense, “em caso algum é admissível a extradição ou expulsão do país do cidadão nacional”.
Ainda se informa que este cidadão não se encontra em território guineense, primeira condição para se poder executar a sentença no território guineense: o Ministério Público guineense tinha solicitado, por alerta vermelha, via INTERPOL, a sua captura internacional por via de um processo do qual veio a ser absolvido, mas nunca foi encontrado, havendo informação de o mesmo se encontrar na República de Gâmbia.
Desde logo, não se preenche o requisito fundamental para a execução da sentença Portuguesa na Guiné-Bissau, não se encontrarem preenchidos os requisitos Guiné-Bissau e Portugal, aprovado pela Resolução n.º 5/89, e publicado no Suplemento ao Boletim Oficial n.º 10, de 7 de Março de 1989; e referenciado na vossa Nota Proc. M. 1. 4, Nr 1241.
Além do mais, desconhece o Ministério Público guineense qual o crime em relação ao qual se pede a execução da sentença em causa (carecendo, por, do envio da sentença) para se aquilatar do preenchimento, entra outros, do preceituado no art.º69.º do Acordo suprarreferido; no n.º 2 do art.º 7.º do Código Penal (CP) guineense e n.º 2 do art.º 8.º deste mesmo diploma legal, assim como, o estatuído no art.º 328º do código processo penal concernente a revisão e confirmação de sentença estrangeira.”
Esta transcrição assume relevância, na medida em que confirma não ter sido enviada à República da Guiné-Bissau cópia/certidão do acórdão condenatório proferido para notificação do mesmo ao arguido AA, nem aquando do envio dos mandados de detenção, nem posteriormente.
Em conclusão, afigura-se que:
- o acórdão condenatório de acórdão em 09.11.2005 não transitou ainda em julgado relativamente a AA – pelo que, desde logo, não é admissível o recurso de revisão interposto – art.º 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
- o arguido foi declarado contumaz, mantendo-se a contumácia uma vez que não foi declarada cessada, nem caducou;
- conclui-se não se verificar ainda a prescrição do procedimento criminal relativamente ao arguido AA, o qual não foi ainda notificado pessoalmente do acórdão condenatório “
1.8 - Na sequência do solicitado pelo relator dos presentes autos, aliás com insistência, a 1ª instância acabou finalmente por comunicar a este STJ a seguinte decisão, prolatada a 9 de outubro:
“Req. (e insistência) STJ a fls. 1873 (ref.ª ......49 e ......21):
O arguido AA foi julgado na sua ausência (TIR-fls. 18 e deposito, 434 e ata da audiência de julgamento de fls. 633 e 634, bem como do acórdão de fls. 637 a 650).
O acórdão proferido em 09.11.2005, condenou o arguido na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão pela prática de:
1. um crime de coação grave, na forma tentada, p. e p. pelo disposto no art.º 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena (parcelar) de 2 (dois) anos de prisão;
2. um crime de sequestro consumado, p. e p. pelo art.º 158.º, n.º 1, do Código Penal, na pena (parcelar) de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
3. um crime de roubo desqualificado, na forma consumada, p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 3, alínea b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea f), e n.º 4, do Código Penal na pena (parcelar) de 2 (dois) anos de prisão;
4. um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 131.º, 22.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), 23.º e 28.º do Código Penal, na pena (parcelar) de 5 (cinco) anos de prisão;
5. um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.º 6.º da Lei n.º 22/97, de 27-06 e Ac. STJ n.º 1/2002, de 16-10, na pena (parcelar) de 1 (um) ano de prisão.
Apesar de o arguido não ter sido notificado deste acórdão, a 08.11.2006 foi, erradamente, certificado o trânsito em julgado do mesmo (certifico que o acórdão que antecede transitou em 02.11.2006) – fls. 946 e 1052.(sublinhado nosso)
A 13.03.2007 foi emitido MDE para cumprimento de pena, mencionando-se que o acórdão estava transitado em julgado (ref.ª .....23).
Foram ainda emitidos Mandados Internacionais (ref. ª ......95), constando dos mesmos que o acórdão dos autos transitou em 02.11.2006, e um Pedido de Extradição, cujo teor se desconhece por não estar junto aos autos.
Foram emitidos mandados de detenção do arguido para cumprimento de pena (ref.ª .....64). Contudo, posteriormente, por despacho de 01.04.2011 (ref.ª .....53, a fls. 1412 e 1413), verificou-se que:
«I - O Acórdão que condenou ao arguido AA em pena única de prisão ainda não transitou, pelo que está em causa o prazo prescricional do procedimento criminal e não da pena (cfr. art.e 122^/2 CP., “a contrario”)».
A 31.05.2011 AA foi declarado contumaz, nos termos do art.º 337.º do Código de Processo Penal, constando da declaração de contumácia que o acórdão não estava transitado (fls. 1424).
A 28.12.2011 a Guiné Bissau informou que o arguido tinha sido detido no âmbito do cumprimento de Mandado de Captura Internacional emitido nos presentes autos (fls 1460 a 1462).
Por despacho proferido em 17.02.2012 (fls. 1472) solicitaram-se informações sobre o processo de extradição, tendo os autos ficado a aguardar a extradição do arguido AA para Portugal, mais tendo sido pedida a devolução dos mandados de detenção (ref.ª .....21) e do MDE (.....57) emitidos.
A 24.02.2016 o arguido AA veio juntar procuração aos autos (fls. 1582) e a 20.04.2016 veio requerer a cessação da contumácia (fls. 1597).
A 02.07.2020 veio informar os autos de que pretendia entregar-se para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado (fls. 1718).
A 29.07.2021 as autoridades da Guiné Bissau informam da recusa de extradição do arguido, por ser cidadão guineense - fls. 1754 a 1756.
A 09.05.2016 foi indeferida a requerida declaração de caducidade da contumácia, por o arguido se manter ausente e não se verificar o previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 336.º do Código de Processo Penal, referindo-se no despacho que “[o arguido] Foi preso na Guiné em 27.12.2011, com vista à sua extradição, para aguardar em prisão preventiva o eventual trânsito do acórdão proferido nestes autos” (fls. 1605 e verso).
Resulta da promoção de 13.01.2022, a fls. 1784, e do despacho de 20.01.2022, a fls. 1785, que em face da recusa de extradição foram iniciadas as formalidades para pedido de execução na Guiné-Bissau do acórdão proferido.
- A 28.12.2022 o arguido AA interpôs recurso de revisão do acórdão condenatório proferido nos autos - fls. 1843 e ss.
Sublinhe-se que apesar do pedido de extradição, não foi até hoje enviada à República da Guiné-Bissau cópia/certidão do acórdão condenatório proferido para notificação do mesmo ao arguido AA, nem aquando do envio dos mandados de detenção, nem posteriormente.
Cumpre decidir.
Os factos subjacentes à condenação do arguido AA ocorreram em 11.12.2013 (acórdão fls. 637 a 650).
Como acima referido, por acórdão proferido em 09.11.2005 foi o arguido condenado na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão.
Em 31.05.2011, AA foi declarado contumaz, nos termos do art.º 337.º do Código de Processo Penal.
O arguido foi detido no âmbito do cumprimento de Mandado de Captura Internacional emitido nos presentes autos, segundo informaram as autoridades da Guiné Bissau a 28.12.2011 (fls 1460 a 1462).
A 24.02.2016 o arguido juntou procuração aos autos (fls. 1582) e a 20.04.2016 requereu a cessação da contumácia (fls. 1597).
A 02.07.2020 o arguido informou que pretendia entregar-se para cumprimento da pena de prisão em que foi condenado.
A declaração de contumácia não foi até à data declarada cessada, nem caducou.
Cumpre decidir.
Nos termos do art.º 121.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a declaração de contumácia e suspende-se durante o tempo em que vigorar a declaração de contumácia – art.º 120.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal -, sendo que o prazo máximo desta causa de suspensão do procedimento criminal não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição – art.º 120.º, n.º 3, do Código Penal -, contado desde a data da declaração da contumácia;
Por seu turno, nos termos do art.º 121.º, n.º 1, alínea d), do CP, a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na sua ausência, sendo que relativamente a esta causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal não se encontra previsto limite de duração temporal, e, de acordo com o n.º 6 do referenciado art.º 120.º do Código Penal, a prescrição só volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão – neste sentido, vide Ac. do TC de 08.07.2021 (Acórdão n.º 492/2021, relator Maria de Fátima Mata-Mouros, in www.tribunalconstitucional.pt).
Considerando que, nos termos do disposto no art.º 121.º, n.º 3, do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início tiver decorrido o prazo normal de prescrição, in casu de 15 anos, acrescido de metade, ressalvado o tempo de suspensão da prescrição, também de 15 anos, que ainda não terminou, uma vez que o arguido ainda não foi até esta data notificado do acórdão proferido nestes autos, (sublinhado e negrito nossos) -conclui-se não se verificar ainda a prescrição do procedimento criminal relativamente ao arguido AA, o qual não foi ainda notificado pessoalmente do acórdão condenatório.
Informe, de imediato, o Supremo Tribunal de Justiça.
Solicite ao ilustre Mandatário do arguido que informe da morada do mesmo, com vista à notificação do acórdão proferido nos autos, ou que informe se o arguido AA pode ser notificado na pessoa do seu ilustre Mandatário.
DN à retificação do registo criminal do arguido com eliminação da informação relativa ao trânsito em julgado do acórdão.(sublinhado e negrito nossos)
Aguardem os autos o trânsito do presente despacho.
Lisboa, ds”
1.9 - Perante esta informação, foi decidido pelo ora relator, por despacho de 12 outubro:
“ Em face da informação prestada pelo tribunal emissor da decisão revidenda no sentido de, afinal, não ter transitado em julgado, e que pode certamente pôr em causa a admissibilidade do recurso, notifique o MPº e a defesa do recorrente para, até 10 dias, dizerem o que tiverem por conveniente”
Porém, não vieram aos autos tomar qualquer posição.
II. Fundamentação
2.1- Não obstante a extensão da narrativa que antecede, exposta apenas para melhor compreensão das circunstâncias e atribulações processuais em que o recurso veio a ser interposto, a solução mostra-se deveras simples.
Na verdade, temos já por adquirido que o acórdão revidendo não transitou em julgado até à presente data.
Usando aqui da expressão de Germano Marques da Silva6,o trânsito em julgado da decisão ocorre a partir do momento em que a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem.
E esse momento do trânsito em julgado verifica-se desde que se torna impossível impugnar/recorrer da decisão.
Conforme jurisprudência uniforme deste STJ, uma decisão considera-se transitada em julgada logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (art. 628.º, do CPC, aplicável ex vi art. 4.º, do CPP).
Atendendo aos relevantes efeitos associados ao trânsito em julgado [como sejam a exequibilidade da decisão (art. 467.º, n.º 1, do CPP), o prazo para interposição de recursos extraordinários (arts. 438.º, n.º 1 e 446.º, n.º 1, ambos do CPP), ou momento a partir do qual se inicia os prazos de contagem de prescrição da pena (art. 122.º, n.º 2, do CP), bem como, os institutos do caso julgado ou ne bis in idem], o mesmo desempenha uma relevante função de acautelamento da segurança jurídica.
É, justamente, a previsibilidade, estabilidade e segurança, no firmamento da data do trânsito em julgado, que o STJ tem invocado para decidir, por exemplo, que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no art. 405.º, do CPP do despacho que não admitiu o recurso não tem qualquer reflexo no trânsito em julgado do acórdão da Relação, pois que, a decisão do presidente do Supremo que indefere a reclamação da decisão que não admite o recurso limita-se a declarar e confirmar a «insusceptibilidade» do recurso, a qual, ao nível do trânsito do acórdão recorrido, se deverá reportar ao momento em que o recurso já não é legalmente possível.
Isto é, o acórdão transita «logo que» se esgote a possibilidade de recorrer por a lei não admitir recurso”. Num plano mais lato, o que se sustenta é que (…) a decisão transita a partir do momento em que já não é possível reagir processualmente à mesma, estabilizando-se o decidido. (cfr, por todos, Ac do STJ de11-03-2021, no proc. n.º 130/14.1PDPRT.P1.S1 - 5.ª Secção).
Também no caso de decisões que não admitam recurso, o trânsito verifica-se findo o prazo para arguição de nulidades ou apresentação de pedido de correcção (arts. 379.º, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP), ou seja, o prazo-regra de 10 dias fixado no n.º 1, do art. 105.º, do CPP, em caso de não arguição ou de não apresentação de pedido de correcção” e, em caso de arguição, após o trânsito da decisão que conhece da arguição, data a partir do qual se inicia a contagem do prazo (se for o caso) dos recursos extraordinários que pressupõe o trânsito em julgado ou então a execução ou possibilidade de execução de uma pena aplicada cessando a medida de coação com aquele trânsito . Vide com interesse ainda, os Ac. do STJ de 21-04-2010, http://www.dgsi.pt) e de 27-05-2021 (Proc. n.º 105/20.1SHLSB-A.L1-A.S1 - 5.ª Secção-António Gama (Relator)
2.2 - Olhando agora mais de perto o caso em concreto.
Assim, a revisão de uma sentença, além dos pressupostos previstos nas alíneas a) a g) do nº2 do arº449º do CPP, pressupõe, desde logo, um requisito prévio, fundamental para um primeiro momento da verificação da sua admissibilidade formal: o do seu trânsito em julgado nos termos do artº 449º, nº1 do CPP, isto é, aquela aludida pacificação na ordem jurídica no sentido da insusceptibilidade de recurso ordinário e/reclamação.
Ora, resulta dos autos a informação de que a decisão revidenda não transitou em julgado. Por isso, o recurso interposto é-o de uma decisão que ainda o não admitiria.
A sua admissão e efeito atribuídos pelo tribunal a quo não vinculam o tribunal superior, assim o dispõe o artº 414º, nº3, do CPP.
Sendo intempestivo, por antecipação ao trânsito, ainda não ocorrido, o mesmo não é admissível e, consequentemente, o conhecimento e análise dos restantes pressupostos fica desde logo totalmente prejudicado.
É, pois, de rejeitar com esse fundamento por inadmissibilidade decorrente da constatação da falta de trânsito em julgado da decisão revidenda.
III - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não admitir o recurso de revisão face à intempestividade da sua interposição (por antecipação) decorrente do facto de a decisão revidenda não ter ainda transitado em julgado.
Taxa de justiça pelo mínimo legal (1 UC- tabela III do RCP).
*
Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Novembro 2023
[Texto Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos].
Os Juízes Conselheiros
Agostinho Soares Torres (Juiz Conselheiro Relator)
António Latas (Juiz Conselheiro Adjunto)
Jorge Gonçalves (Juiz Conselheiro Adjunto)
Helena Moniz (Presidente)
_____________________________________________________
1. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2013, proferido no Proc. n.º 693/09.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção.↩︎
2. A novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova – seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da administração do meio de prova; no caso de provas pessoais, a “novidade” refere-se à testemunha na sua identidade e individualidade e não ao resultado da prova efectivamente produzida.↩︎
3. Acórdão do STJ de 29-04-2009 - Proc. n.º 15189/02.6.DLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt.↩︎
4. Acórdão do STJ de 05-09-2018 - Proc. n.º 3624/15.8JAPRT-F.S1 (id.)↩︎
5. Acórdão do STJ de 10-12-2015 - Proc. n.º 7/05.1GFBRG-B.S1 - 5↩︎
6. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo:
Lisboa, 1994, p. 359↩︎