IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
LICENÇA PARA ASSISTÊNCIA A FILHO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


I – No processo laboral, a ampliação da matéria de facto resultante da consideração pelo juiz na sentença de factos não alegados nos articulados mas resultantes da discussão da causa pressupõe o prévio cumprimento do contraditório, o qual tem de ser, oficiosamente ou a requerimento da parte, declarado e expresso pelo tribunal de 1.ª instância.
II - Durante o período de licença para assistência a filho, prevista no art. 52.º do CT, o trabalhador não fica, pura e simplesmente, proibido de exercer toda e qualquer actividade profissional.
O que o trabalhador não pode é exercer outra actividade que seja incompatível com a finalidade da licença para assistência a filho, nomeadamente trabalho subordinado ou prestação continuada de serviços fora da sua residência habitual.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou – dando entrada em juízo do competente formulário - a presente acção declarativa, sob a forma de processo especial de acção de impugnação de regularidade e licitude do despedimento, contra Hospital ..., pessoa colectiva também nos autos melhor identificada.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação.

A ré/empregadora apresentou então articulado motivador do despedimento (AMD), tendo, ainda, procedido à junção do procedimento disciplinar, reafirmando os factos constantes da correspondente decisão disciplinar e pugnando pela legalidade desta, bem como do procedimento que a ela conduziu, tendo concluído pedindo se declare a regularidade e licitude do despedimento do autor/trabalhador

O autor/trabalhador apresentou contestação, alegando para tanto, e em síntese, que, tendo sido admitido ao serviço da ré/empregadora aos 04.12.2009, e não obstante do contrato individual de trabalho que veio a ser formalizado haja ficado a constar que prestaria actividade pelo período de 40 horas semanais, a verdade é que entre as partes ficou, desde logo, acordado que o horário a praticar por ele, autor, seria o de, apenas, 35 horas semanais; solicitou da ré/empregadora lhe fosse permitido acumular funções em regime liberal, o que por esta foi, aos 12.03.2020, aceite; que, por requerimento de 09.12.2020, veio, igualmente, a solicitar da ré/empregadora a redução do seu horário de trabalho, de 40 para 35 horas semanais, o que, pela primeira vez – pois, até aí e na sequência do falado acordo, a ré sempre o aceitou -, foi por ela indeferido; que, fundando-se a pretensão que, nesses termos, formulara na dificuldade de compatibilização entre as suas actividade profissional e vida pessoal, foi o ocorrido indeferimento e, bem assim, a circunstância de o procedimento da ré/empregadora importar para si um aumento da carga de trabalho, que o determinaram a ele, autor, a apresentar pedido de licença para apoio aos seus filhos menores; que o gozo da licença se destinou, efectivamente, aos fins declarados e que, exercendo já, desde data anterior, actividade em regime liberal, não teve, nesse âmbito, aumento de horário, correspondendo a actividade que manteve à que exercia já, sem sobreposição com o horário de trabalho que, não fora o gozo da licença, lhe competiria prestar no Hospital de ..., para além de que as instalações da entidade beneficiária da prestação de serviços se localizam a cinco minutos a pé da sua residência;
Concluiu pugnando pela declaração de ilicitude da decisão de despedimento que o visou, com as consequências legais a isso associadas, em particular a sua reintegração, ou o arbitramento de compensação por antiguidade, e a condenação da ré/empregadora no pagamento dos salários intercalares, acrescidos de juros de mora.

A ré apresentou resposta em que, no fundamental, reafirma a posição já vertida no articulado inicial para o que, para além de manter o posicionamento já assumido na motivação do despedimento, sustentou não padecer a nota de culpa e a decisão final proferida no culminar do procedimento disciplinar do vício de nulidade que lhes é oposto.

Prosseguindo os autos, e tendo o autor/trabalhador optado, entretanto, pelo arbitramento de indemnização em substituição da reintegração, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se a presente acção procedente, termos em que se decide declarar ilícito o despedimento do autor/trabalhador AA levado a efeito, por decisão de 26.08.2021, pela ré/empregadora Hospital de ..., E.P.E., com consequente condenação desta no pagamento àquele de: ---
i. Indemnização por antiguidade, no montante global de € 21.686,00 [vinte e um mil, seiscentos e oitenta e seis euros], sem prejuízo de, até ao trânsito em julgado da presente decisão, vir a transcorrer acrescido período de antiguidade que ultrapasse o que foi já tomado em consideração; ---
ii. Compensação correspondente às retribuições deixadas de auferir, desde 07.09.2021 até ao trânsito em julgado da decisão, em montante a liquidar em fase ulterior, nos termos previstos pelos artºs 609º, nº 2 e 358º e ss. do Cód. de Proc. Civil, aplicáveis ex vi do preceituado na al. a) do nº 2 do artº 1º do CT; ---
iii. Juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a data de vencimento das obrigações reportadas em i. e ii. ---
Custas da acção a cargo da ré/empregadora – cfr. artº 527º, nºs 1 e 2 do Cód. de Proc. Civil.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a empregadora/ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1.ª) A sentença deu erradamente como provado o facto na alínea tt), quando deveria ter dado como provado:

MêsAtos médicosHorasN.º diasAtos
janeiro (28 a 31)Consultas/Exames Gastro8h1
FevereiroConsultas/Exames Gastro30h00m5
MarçoConsultas Anestesia
Cirurgias1h22m1
Consultas/Exames Gastro48h00m7
AbrilConsultas Anestesia1h47m34
Cirurgias3h33m23
Consultas/Exames Gastro24h004
maio (1 a 12)Consultas Anestesia2h01m28
Cirurgias3h22m14
Consultas/Exames Gastro24h00m3
maio (12 a 19)Consultas Anestesia7m12
Cirurgias5h20m15
Consultas/Exames Gastro12h00m2





























2.ª) Este facto – que o Recorrente entende que se deveria ter dado como provado - resulta dos documentos juntos pelo Hospital ..., na fase de julgamento, com as datas de 23/12/2022 e 15/02/2023 e que explicitam o que já consta da nota de culpa, sem alterar o respetivo quadro factual.
3.ª) Esta factualidade, além de relevante, consubstancia a prestação de serviços que o Autor exerceu durante a licença para assistência a filho, bem como a informação que este omitiu, ao abrigo do dever de lealdade;
4.ª) Ao não considerar a factualidade enunciada como provada, violou, o Tribunal a quo, os artigos 342º, 376º C. Civil e os artigos 72º, n.º 1,do C.P.Trabalho;
5.ª) A Autor, em face da matéria de facto provada, infringiu dos seus deveres laborais ao exercer uma atividade, prestação de serviços, incompatível com a licença para assistência a filho, enquadrável no n.º 5 do art. 52º, do Cód. do Trabalho, e violando o dever de lealdade;
6.ª) O Autor violou o mesmo dever de lealdade ao omitir informação, solicitada, por mais do que uma vez, pela Ré, sobre o exercício da sua atividade profissional durante o gozo da aludida licença;
7.ª) A conduta demonstrada pelo Autor ofende, ostensivamente, o dever de honestidade e de lealdade;
8.ª) Este comportamento ilícito é, concomitante, grave em si mesmo e nas suas consequências e constitui justa causa de despedimento;
9.ª) Desde logo, determina a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, atenta a rutura irremediável, por não existir nenhuma outra sanção pode ser suscetível de sanar a crise contratual grave causada com o comportamento;
10.ª) Existe uma quebra na confiança da Ré no Autor é notória, sendo o comportamento deste suscetível de criar a dúvida insanável à Ré sobre a idoneidade futura do Autor, deixando de existir condições para que a relação laboral se desenvolva e tornando inexigível a manutenção do vínculo laboral;
11.ª) O Autor, por ação e por omissão, violou, de forma inadmissível, deveres fundamentais e acessórios da relação laboral, destruindo a confiança que existia, inviabilizando a subsistência da relação laboral;
12.ª) A matéria dada como provada revela, da parte do Autor, uma violação grave e culposa dos seus deveres laborais, nomeadamente do dever informação, de boa fé, respeito e probidade, de assiduidade, de lealdade, de diligência e produtividade, enquadráveis, respetivamente, na previsão dos artigos 106º, n.º 2, artigo 126º, n.º 1, e artigo 128º, n.º 1, alíneas a), b), f), e h), do Código de Trabalho;
13.ª) Por conseguinte, face à licitude do despedimento, há que revogar a sentença no que diz respeito às consequências da ilicitude do mesmo.
14.ª) O Tribunal interpretou erradamente os artigos 52º-5, 106º-2, 126º-1, 128º-1 a), b), f), e h), 351º-1 e 3, do C.Trabalho;”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo:
(…)
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
- Impugnação da matéria de facto;
- Existência de justa causa para o despedimento.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na decisão recorrida considera-se:
“A). FACTUALIDADE ASSENTE
Encontra-se assente, com relevância para a decisão a proferir, a seguinte factualidade:
a). Por escrito, datado de 04.12.2009, o autor/trabalhador foi admitido ao serviço de Escala ... – Sociedade Gestora de Estabelecimento, S.A., para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta entidade, exercer, com início aos 01.01.2010 e por tempo indeterminado, as funções correspondentes à categoria profissional de Assistente Hospitalar no serviço de Anestesiologia do Hospital de ..., mediante o pagamento de retribuição. ---
b). Do escrito mencionado em a) ficou, entre o mais, a constar que o autor/trabalhador realizaria a prestação a que se obrigou com subordinação ao período de 40 horas semanais. ---
c). Por efeito do Dec. L. nº 75/2019, de 30.05, foi criada a ré/empregadora, Hospital de ..., E.P.E., pessoa colectiva de direito público empresarial, com sede no estabelecimento hospitalar Hospital de ..., que, integrada no SNS, sucedeu, aos 01.09.2019, na universalidade de bens, direitos e obrigações que, com a extinção do Contrato de Gestão de parceria público-privada celebrado entre Escala ... – Sociedade Gestora de Estabelecimento, S.A. (Escala ...) e a Administração Regional de Saúde do Norte, I.P., reverteriam para esta última entidade. ---
d). Desde 01.01.2010 até à prolação da decisão infra reportada sob a al. m), o autor/trabalhador, a coberto de autorizações sucessivamente concedidas por Escala ... e pela ré/empregadora, realizou a actividade a que se obrigou cumprindo o horário de 35 horas semanais. --
e). O autor/trabalhador apresentou, aos 21.02.2020, nos serviços dos Recursos Humanos da ré/empregadora “Declaração de Acumulação de Funções Privadas de Carácter Autónomo”, por via da qual deu a saber que iria “(…) iniciar a prestação de actividade privada, com carácter habitual, remunerada, em diversos locais, correspondente ao exercício da Medicina em regime liberal, a qual não é incompatível nem conflitua, sob qualquer forma, com as funções que o/a declarante exerce no Serviço Nacional de Saúde, no âmbito da carreira médica. O/a declarante compromete-se a fazer cessar imediatamente a sua actividade privada acima referida, no caso de ocorrência superveniente de conflito. (…)”. ---
f). A declaração mencionada em e) foi submetida a deliberação do Conselho de Administração da ré/empregadora, que, na sequência disso, veio a emitir, aos 12.03.2020, decisão de “aprovação”. ---
g). O cônjuge do autor/trabalhador exerce, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré/empregadora, e mediante o pagamento de retribuição, a actividade profissional de Assistente Hospitalar no Serviço de Anestesiologia da referida entidade. ---
h). O autor/trabalhador e o seu cônjuge são progenitores de três menores, nascidos aos .../.../, residindo o agregado por todos eles constituído na Rua ..., da União de Freguesias ..., ... e ... do concelho ....
i). O cônjuge do autor/trabalhador apresentou, aos 21.10.2020, ao Presidente do Conselho de Administração da ré/empregadora requerimento, tendo em vista a atribuição de flexibilização de horário, para acompanhamento dos menores, seus filhos, a partir de 01.01.2021 e até 12.12.2029. ---
j). A pretensão referida em i) foi, aos 04.11.2020, objecto de decisão, que a deferiu, com efeitos a 01.01.2021 e pelo período de 12 meses, com reavaliação findo este prazo. ---
l). Na sequência de requerimento apresentado, aos 10.11.2020, pelo cônjuge do autor/trabalhador, que, perante a limitação temporal inerente à decisão que foi proferida, a tomou como de indeferimento da sua pretensão, foi pela ré/empregadora solicitado, aos 11.11.2020, a emissão de parecer à CITE. ---
m). Por requerimento de 09.12.2020, o autor/trabalhador solicitou à ré/empregadora fosse mantida a autorização para prestar a sua actividade com subordinação ao horário referido em d), pretensão essa que veio a ser indeferida, por decisão de 17.12.2020 do Conselho de Administração da ré/empregadora. ---
n). Aos 29.12.2020, o autor/trabalhador fez comunicar à ré/empregadora que gozaria licença para assistência a filho menor, com início a 28.01.2021, como veio a suceder, e terminus aos 28.09.2021. ---
o). Tendo por referência o requerimento referido em n), a ré/empregadora, por comunicação electrónica de 12.01.2021, solicitou ao autor/trabalhador “(…) esclarecimento relativo ao cumprimento da acumulação de funções privadas autorizadas pelo Órgão de Gestão (…) em 12.03.2020. (…)”. ---
p). Em resposta a isso, o autor/trabalhador, na mesma data e por idêntica via, comunicou que “(…) a acumulação de funções em regime de prestação de serviços não carece de autorização e não obsta ao gozo da licença ao abrigo do artigo 52 (ponto 5). O gozo de licença não carece também de autorização cabendo unicamente ao trabalhador informar o empregador com 30 dias de antecedência. Actualmente mantenho a prestação de serviços. (…)”. ---
q). Estando ainda pendente de parecer da CITE, e, por inerência, de decisão final, o pedido formulado pelo cônjuge do autor/trabalhador nos termos referidos em i), a ré/empregadora, na sequência de deliberação do seu Conselho de Administração de 15.01.2021, dirigiu, por escrito datado de 22.01.2021, novo pedido de parecer àquela entidade a respeito da compatibilização dessa pretensão com a de gozo pelo autor/trabalhador de licença para assistência a filho menor, bem como sobre a conformidade desta licença com a manutenção de exercício de actividade nos termos constantes da parte final da comunicação referida em p). ---
r). Na sequência disso, a CITE veio, aos 17.02.2021, a emitir parecer, de cujas conclusões fez constar que: ---
“3.1. Tendo remetido a esta Comissão o processo (5222 –FH/2020) relativamente ao pedido de horário flexível da trabalhadora (…), em 09.12.2020, a decisão foi desfavorável ao empregador através do Parecer 635-CITE-2020, dando razão à trabalhadora para que o horário pretendido fosse atendido até ao limite legal estabelecido no artº 56º do CT.
3.2. Assim, o empregador deve manter o entendimento do Parecer supra aludido.
3.3. Uma vez que, como foi já detalhadamente analisado, a comunicação do trabalhador AA padece de vícios de forma, é lícito ao empregador recusá-lo até reformulação.
3.4. Saliente-se que, sendo ambos os direitos compatíveis de gozo, um por cada membro do casal e trabalhador/a do Hospital, como também foi amplamente explanado, não é lícito ao empregador opor-se aos mesmos salvo outros motivos que não sejam o incumprimento da lei.
3.5. Na eventualidade de o Hospital tomar conhecimento de que o trabalhador AA se coloca na situação a que alude o nº 5 do artº 52º. do Código do Trabalho, ou seja, manutenção da prática de medicina no sector privado enquanto se encontra no gozo de licença para assistência a filho, essa sim, configura uma violação da lei cuja competência inspectiva e sancionatória é da Inspecção Geral para as Actividades de Saúde (IGAS). (…)”. ---
s). O autor/trabalhador remeteu à ré/empregadora, por correio electrónico de 01.03.2021, comunicação, com os seguintes dizeres “(…) Eu, (…), venho acrescentar à informação de dia 29 de Dezembro por forma a cumprir com a formalidade e após informação da CITE recebida a 22 de Fevereiro de 2021, apesar de a informação (…) já constar dos processos individuais (…):
1. (…) já esgotaram o gozo de licença complementar ao abrigo do artigo 51º do Código do Trabalho sob a forma de licença alargada;
2. A profissional (…) não se encontra a gozar deste tipo de licença e não se encontra impedida de exercer o poder paternal. (…).” ---
t). Por escrito, datado de 04.03.2021, e recepcionado pelo autor/trabalhador aos 08.03.2021, a ré/empregadora solicitou que o mesmo prestasse informação sobre o eventual exercício de actividade profissional subordinada ou em prestação de serviços, junto de outras entidades privadas e/ou públicas. ---
u). Em resposta à missiva reportada em t), o autor/trabalhador dirigiu, aos 18.03.2021, à ré/empregadora escrito datado de 16.03.2021, com os dizeres: “Em relação ao vosso pedido de esclarecimento (…) datado de 04/03/2021, cabe-me informar que cumpro escrupulosamente o regime legal aplicável à Licença para Assistência a Filhos, nomeadamente o disposto no nº 5 do art. 52º do Código do Trabalho. Nada mais tendo a informar, (…).” ---
v). A ré/empregadora remeteu nova comunicação ao autor, datada de 08.04.2021, e por este recepcionada aos 09.04.2021, com o seguinte teor: ---
“(…) Na sequência do n/pedido de informação de 04/03/2021, sobre eventual exercício de actividade profissional subordinada ou em prestação de serviços, e do teor da respectiva resposta, datada de 18/03/2021, ao abrigo do dever de informação, previsto no artigo 109º do Código do Trabalho, por se tratar de aspecto relevante para a relação laboral, tendo em conta o seu requerimento de 21/02/2020 (acumulação de funções) e de 29.12.2020 (pedido de licença para assistência a filho), reiteramos que nos esclareça se está a prestar, ou não, algum tipo de actividade profissional e, no caso afirmativo, o respectivo regime (subordinado ou em prestação de serviço) (…)”. ---
x). O autor/trabalhador fez apresentar nos serviços da ré/empregadora, aos 14.04.2021, declaração, por via da qual fez constar, sob compromisso de honra, que iria “(…) manter a prestação de actividade privada, remunerada, em diversos locais, correspondente ao exercício da Medicina em regime liberal, a qual não é incompatível nem conflitua sob qualquer forma com as funções que o ora declarante exerce no Serviço Nacional de Saúde, no âmbito da Carreira Médica. O ora declarante compromete-se a fazer cessar imediatamente a sua actividade privada acima referida, no caso de ocorrência superveniente de conflito. (…)”. ---
z). Com data de 15.04.2021, a ré/empregadora dirigiu ao Hospital ..., pedido de informação sobre se o autor/trabalhador estava a exercer, na referida instituição, actividade, com indicação, em caso de resposta afirmativa, sobre se o fazia em regime subordinado ou em prestação de serviços. ---
aa). Em resposta à mencionada solicitação, a referida entidade hospitalar informou a ré/empregadora, por comunicação datada de 22.04.2021, que o autor/trabalhador tinha contrato de prestação de serviços com a sociedade Clínica Médico-Cirúrgica de ..., S.A., exercendo actividade de acordo com a sua disponibilidade. ---
bb). Por deliberação de 06.05.2021, o Conselho de Administração da ré/empregadora decidiu pela instauração de procedimento disciplinar ao autor/trabalhador, mais procedendo à nomeação de instrutor. ---
cc). O instrutor lavrou, aos 07.05.2021, “Termo de Abertura” de procedimento disciplinar contra o autor/trabalhador, juntando, ainda, ao mesmo elementos documentais. ---
dd). Aos 11.05.2021, o instrutor do procedimento juntou ao procedimento elementos documentais, datados de 10.05.2021. ---
ee). Por comunicação datada de 12.05.2021, a ré/empregadora solicitou ao Hospital ... que prestasse, adicionalmente, informação sobre qual o período, em dias/semanas/meses, em que o autor/trabalhador prestou actividade/serviços na correspondente unidade de saúde, com indicação do local da prestação. ---
ff). Em resposta à solicitação mencionada em ee), o Hospital ..., em ..., por comunicação datada de 14.05.2021, prestou a informação de que, entre 28.01.2021 e 12.05.2021, o autor/trabalhador prestou serviço: ---
i. Entre 28 e 31 de Janeiro, num total de 4 horas de actividade na especialidade de Gastroenterologia, em 1 dia; ---
ii. Entre 1 e 28 de Fevereiro, num total de 20 horas de actividade na especialidade de Gastroenterologia, distribuídas por 5 dias; ---
iii. Entre 1 e 31 de Março, num total de 33 horas de actividade na especialidade de Gastroenterologia, distribuídas por 7 dias; ---
iv. Entre 1 e 30 de Abril,
- 16 horas de actividade na especialidade de Gastroenterologia, distribuídas por 4 dias; ---
- 6 cirurgias, distribuídas por 3 dias, no Bloco; ---
- 5 consultas de Anestesia, distribuídas por 3 dias; ---
v. Entre 1 e 12 de Maio,
- 12 horas de actividade na especialidade de Gastroenterologia, distribuídas por 3 dias; ---
- 4 cirurgias, em 1 dia, no Bloco; ---
- 6 consultas de Anestesia, distribuídas por 2 dias. ---
gg). Aos 19.05.2021, o instrutor do procedimento disciplinar juntou a este os elementos documentais reportados em ee) e ff). ---
hh). A solicitação do instrutor, datada de 28.05.2021, foram juntos ao procedimento elementos documentais. ---
ii). Com data de 09.06.2021, o instrutor nomeado procedeu à elaboração de proposta de nota de culpa, que, por deliberação do Conselho de Administração da ré/empregadora de 11.06.2021, veio a merecer concordância. ---
jj). A ré/empregadora remeteu ao autor/trabalhador, por via postal registada, com a.r, expedida aos 15.06.2021, nota de culpa datada 11.06.2021, que consta de fls. 118 a 124 do procedimento disciplinar e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, fazendo constar, entre o mais, da comunicação de acompanhamento a intenção de proceder ao seu despedimento. ---
ll). Na mesma data, remeteu, também, esses elementos à Comissão de trabalhadores. -
mm). A correspondência mencionada em jj) não foi recepcionada no destino, tendo sido devolvida à ré/empregadora, com as menções “Não atendeu” e “Objecto não reclamado”. ---
nn). Por deliberação do Conselho de Administração da ré/empregadora de 01.07.2021 foi, aos 06.07.2021, remetida 2ª via da comunicação destinada ao autor/trabalhador, por email, de 06.07.2021, e por via postal registada, com ar, por ele recepcionada aos 07.07.2021. ---
oo). Por escrito, recepcionado nos serviços da ré/empregadora aos 21.07.2021, o autor/trabalhador exerceu o direito de resposta, não tendo requerido a realização de diligências de instrução. ---
pp). Com data de 28.07.2021, o instrutor do procedimento elaborou relatório final, com proposta de aplicação ao autor/trabalhador da sanção disciplinar de despedimento, com justa causa. -
qq). Aos 30.07.2021, foi apresentado à Comissão de Trabalhadores cópia integral do procedimento, para emissão, no prazo de 5 dias, de parecer, que não veio a ser apresentado. --
rr). Por deliberação de 26.08.2021, o Conselho de Administração da ré/empregadora acolheu, nos seus precisos termos, a proposta de decisão constante do relatório final elaborado pelo instrutor, para o qual remeteu, decidindo pelo despedimento do autor/trabalhador, com justa causa. ---
ss). O autor/trabalhador foi notificado, por via postal registada, com a.r., que recepcionou aos 31.08.2021, da decisão proferida pela ré/empregadora. ---
tt). A actividade pelo autor prestada, contemplada na informação mencionada em ff), consistiu na prática dos seguintes actos: --

Mês Dia Acto médico Período do dia Número total             horas
prestadas
Janeiro 29 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m     e     as
14h00m 
 
    4
  Fevereiro10 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m     e     as
14h00m
 
 14 Exames No  
gastroenterologia intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 19 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
 24 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
14h00m e     as
20h00m
 
 26 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
    20
Março 5 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
14h00m e     as
20h00m
 
 6 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
14h00m e     as
20h00m
 
 12 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
 13 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
 16 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
14h00m e     as
20h00m
 
 17 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
14h00m e     as
20h00m
 
 31 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
14h00m e     as
20h00m
 
    33
Abril 2 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
 7 Cirurgia 9h20m-
10h52m
11h2911h58m
 
 9 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
 Consulta 11h27m11h54m  
 20 Cirurgia 9h50m 11h22m  
  Consulta 11h13m11h28m  
 23 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
 27 Consulta 11h37m12h25m  
 30 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
    16
(exames gastro)
2:10
(consultas)
3:33
(cirurgia)
Maio 5 Consulta s 10h46-
11h18m
11h42-
11h52
 
 7 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
  Cirurgia 10h15m-
11h15m
11h40m-
12h40m
13h05m-
14h02m
16h45m-
17h10m
 
 8 Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
 12 Consulta 10h13m-
10h31m
11h24m-
11h31m
15h24-
15h33m
16h58-
17h32m
 
 
  Exames gastroenterologia No
intervalo entre as
8h00m   e     as
14h00m
 
    12
(exames gastro)
1:50
(consultas)
3:22
(cirurgia)
uu). A deslocação entre o local da residência habitual do autor/trabalhador e as instalações do Hospital ... não demanda, em percurso realizado a pé, o dispêndio de mais de cinco minutos. ---
vv). Para a consecução da sua função de prestadora de cuidados de saúde, a ré/empregadora necessitava da prestação de actividade por banda do autor/trabalhador. ---
xx). A ausência do mesmo, a partir de 28.01.2021, determinou a necessidade de reorganização do respectivo serviço de anestesiologia, com aumento de esforço da actividade prestada por outros profissionais da mesma categoria. ---
zz). Por referência à data da decisão mencionada em rr), a retribuição base do autor/trabalhador achava-se fixada no valor de € 3.098,00. ---

B). FACTUALIDADE NÃO DEMONSTRADA

Não se demonstrou, com relevância para a decisão a proferir, que: ---
1. O número de horas e dias mencionados nas als. ff) e tt) da materialidade dada como demonstrada não contemple o dispêndio de tempo na preparação para a realização e no acompanhamento posterior dos actos médicos que pelo autor/trabalhador foram realizados. ---
2. O autor/trabalhador haja dado início ao gozo da licença para assistência a filho norteado pelo propósito de, em face do indeferimento da pretensão que formulou de redução de horário, poder exercer actividade em regime de prestação de serviços. ---
3. A pretexto, ou aproveitando-se, do gozo em que passou a estar de licença para assistência a filho, o autor/trabalhador haja aumentado progressivamente os serviços que vinha já prestando para o Hospital ... e/ou que, no período que decorreu entre 28.01.2021 e 12.05.2021, tenha tido verificação esse progressivo aumento. ---
4. Por via dos termos de realização da referida prestação, mormente da necessidade de afastamento do local da sua residência habitual, haja ficado comprometida a possibilidade de o autor/trabalhador assegurar a assistência aos seus filhos menores. ---
5. O esforço referido na al. xx) da materialidade dada como demonstrada haja gerado cargas desproporcionais sobre aqueles em quem, face à ausência do autor/trabalhador, se reflectiu a necessidade de reorganização do serviço. ---
6. O gozo da licença pelo autor/trabalhador haja sido determinante da produção de “prejuízos” na esfera da ré/empregadora. ---
7. Tendo o exercício de actividade de prática liberal pelo autor/trabalhador sido do conhecimento de outros trabalhadores da ré/empregadora, tal circunstância haja nos mesmos, em particular nos afectos ao Serviço de Anestesiologia, gerado descontentamento e desagrado.

Nenhum outro facto, com relevância para a decisão a proferir, resultou demonstrado ou ficou por demonstrar. ---”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
Impugnação da matéria de facto:

A apelante pretende que a sentença deu erradamente como provados os factos constantes da alínea tt), quando deveria ter dado como provados os factos que expressamente indica na conclusão primeira.

Estes factos, alega a recorrente, resultam dos documentos juntos pelo Hospital ..., na fase de julgamento, com as datas de 23/12/2022 e 15/02/2023 e que explicitam o que já consta da nota de culpa, sem alterar o respectivo quadro factual.
           
Da motivação da decisão da matéria de facto consta a propósito:

“Aqui chegados, e no que concerne ao que, na condição de demonstrado, se fez constar das als. tt) e uu), bem como quanto à materialidade que, tendo merecido juízo de indemonstração, se ordenou sob os pontos 1 a 4, o tribunal estribou-se, para desse modo decidir, na análise crítica e conjugada da globalidade da prova que se produziu, nos termos que, de seguida, se deixarão expostos. ---
Antes, porém, cabe fazer registar, com referência, em particular, à materialidade que se fez verter na al. tt), que – em decorrência das regras legais aplicáveis à forma de despedimento em causa, de que cuidaremos na sede própria, que é a da fundamentação de direito - se tomou como limite o teor da informação prestada pelo Hospital ... a fls. 75 do procedimento disciplinar e que, quanto ao exercício pelo autor/trabalhador de actividade em regime de prestação de serviço durante o gozo da licença para assistência a filho, esteve na base da decisão de despedimento que o visou. Nesse apontado condicionalismo, nenhum outro facto que, porventura, excedesse, ou exorbitasse, da mencionada limitação poderia/poderá integrar o elenco da materialidade relevante e, por conseguinte, ser, para o efeito, seleccionado. Exemplifica-se, a esse respeito, que constando da decisão disciplinar – louvada na informação de fls. 75 do procedimento a que a ré/empregadora deu curso – que o autor/trabalhador teria, em Março de 2021, prestado um total de 33 horas de actividade na especialidade de gastro, nunca poderia atender-se à informação posteriormente prestada de que, durante esse referido mês, o autor/trabalhador teria realizado, também, acto pertinente a cirurgia. ---
Isto posto, e tomando-se a antecedente premissa por adquirida, o tribunal, para o apuramento do que se fez constar da antedita alínea, tomou em consideração o teor das informações prestadas pelo Hospital ..., que se acham a fls. 75 do procedimento disciplinar e a fls. 65 e 74 e 75 dos autos, estas com a correcção resultante, quanto ao dia 29.01.2021, de fls. 82. ---
Com efeito, atendendo-se, como limite, aos termos da informação originariamente prestada, a fls. 75 do procedimento disciplinar, pela referida entidade hospitalar – e que, como se disse, e reitera, constituiu, quanto ao fundamento considerado, a matriz da decisão de despedimento, a que o tribunal se encontra, igualmente, adstrito –, em conjugação com o que se extrai das informações prestadas, já durante a pendência dos presentes autos, resultou apurado que o autor/trabalhador, no período compreendido entre 28.01.2021 e 12.05.2021, realizou, em regime de prestação de serviços, a actividade que se concretizou na al. tt). ---
Registe-se, acrescidamente, que as conclusões que, a partir da conjugação dos anteditos elementos, foram propostas pela ré/empregadora – e que, invariavelmente, a conduziram, nos requerimentos que apresentou, a afirmar que o autor/trabalhador teria realizado mais serviços/serviços por períodos temporais superiores aos que, inicialmente, lhe imputou na nota de culpa e na decisão disciplinar, o que, como se viu, sempre seria inatendível – partiram, pelo menos em alguns aspectos, de premissas cujo acerto é de questionar. ---
Assim, partiu, desde logo, a ré/empregadora, na análise a que se propôs, do pressuposto de que os intervalos de tempo, relativos aos exames de gastroenterologia, que constam da informação prestada a fls. 74 e 75 dos autos, correspondiam à prestação de actividade durante todo o seu curso. ---
Contudo, e para além de essa leitura ter sido pelo autor/trabalhador contestada, em requerimento que, após a superveniência dos elementos em causa, também apresentou, bem como contraditada pelos contributos prestados em audiência de julgamento, pela testemunha BB – Administradora do Hospital ... -, a verdade é que, da simples análise de toda a informação prestada, resulta negada a visão acolhida pela ré/empregadora. --
Basta, para o efeito, observar que, tivesse o autor/trabalhador realizado actividade durante todos os intervalos de tempo em causa, e mal se compreende que, durante os cinco dias do mês de Fevereiro, o número global de horas, de acordo com as informações prestadas pelo Hospital ..., haja sido de, apenas, 20, e não, fosse o raciocínio da ré/empregadora o correcto, de 30 [5 dias x 6h]. Outro tanto se diga, com relação ao mês de Março. ---
A acrescer a isso, e para além do que nesses termos foi afirmado, em julgamento, pelo autor/trabalhador e pelas testemunhas BB e CC – a primeira delas, já anteriormente referida e, a segunda, funcionária da ré e prestadora de serviços para a mesma entidade privada -, o número de dias indicado na informação inicial prestada pelo Hospital ... não correspondeu sempre à diversidade de actos aí discriminados. É isso que se verifica suceder, em particular, no dia 7 de Maio, em que, no intervalo temporal atribuído à realização de exames de gastroenterologia, o autor/trabalhador realizou várias cirurgias. Veja-se o caso, também, do dia 20 de Abril, em que, no mesmo dia, o autor/trabalhador realizou actividade em cirurgia e de consultas. ---
Ora, para além do que aquilo que se deixou expresso no antecedente parágrafo permitiu concluir infra ao nível da fundamentação de direito, evidencia-se, com pertinência relativamente ao aspecto que ora nos toma, que as “contas” propostas pela ré/empregadora, em análise da documentação sobrevinda nos autos, partem de pressupostos não correctos. E isto para não já referir que, a fls. 74 e 75 dos autos, se detecta repetição de alguns dias. ---
Mas mais. ---
As informações prestadas pelo Hospital ... não permitem conferir arrimo à alegação da ré/empregadora de que, para a prática da actividade desenvolvida em regime de prestação de serviços pelo autor/trabalhador, haja este despendido mais tempo do que o constante do que se deu por demonstrado, ou, dito de outro modo, que a informação prestada não contemple a preparação dos actos a ter lugar e o que, de seguida a eles, terá tido justificação. Note-se que o Hospital ... pagou ao autor/trabalhador, como fez saber nos autos, e não poderia deixar de ser em atenção ao regime de prestação em causa, em função dos actos praticados/tempo despendido, não sendo curial aceitar que, nesse condicionalismo, a informação que prestou não abrangesse os lanços temporais que antecederam e possam ter sucedido aos actos concretamente praticados – de exames, consultas e/ou cirurgias. ---
Para além disso, e tomando-se em consideração a antiguidade do autor/trabalhador – de cerca de 23 anos só serviço da ré/empregadora e de quem, na gestão do Hospital de ..., a antecedeu – é possível, à luz das regras de experiência comum, aceitar que se trata de profissional com longo conhecimento adquirido, circunstância que se apresenta, pelo menos, apta a ditar redução nas margens de tempo necessárias para preparação de actos, para não já referir que o dispêndio em causa, a ter tido lugar, apenas seria relevante, acaso tal preparação não pudesse ter sido realizada sem necessidade de o autor/trabalhador se ausentar do seu domicílio. ---
Já quanto, em particular, à dita actividade posterior aos actos concretamente realizados, a informação que foi prestada, como se salientou acima, não permite dizer que o correspondente dispêndio não haja sido contemplado. Registe-se, aliás, e quanto ao dia 20 de Abril de 2021, que se apurou existir sobreposição de actividade, a revelar, no que poderia aparentar tratar-se de contradição, que, antes de integralmente concluída a actividade em cirurgia – o que teve lugar pelas 11h22m, a um tempo, presume-se, em que se terá completado integralmente o período em que o utente é encaminhado para recobro -, o autor/trabalhador realizou uma consulta – que se iniciou pelas 11h13m. É mais um aspecto, aliás, de que deflui que os lanços temporais/horas indicadas pelo Hospital ... abrangeram, por referência aos actos médicos praticados, a integral realização destes, a incluir a actividade, se necessário foi, precedente e a posterior. ---
Estas as razões que, muito concretamente, ditaram quedasse por demonstrar o que se fez ordenar sob o ponto 1. –”

Note-se desde já que uma coisa é saber se matéria de facto que não foi invocada na nota de culpa e/ou na decisão final do procedimento disciplinar, mas que foi alegada no AMD (ou em eventual articulado superveniente), pode ser valorada para efeitos de preenchimento da justa causa de despedimento (o que contende com o disposto nos art.s 357.º n.º 4 e 387.º/3 do CT), outra coisa, diferente, é saber se matéria de facto não alegada mas resultante da discussão da causa (e eventualmente também com aquelas características, de poder influir na apreciação da justa causa de despedimento) deve ser adquirida para a decisão da matéria de facto no processo, ao abrigo dos art.s 5.º do CPC e/ou 72.º do CPT.
Ora, como é entendimento pacífico nesta Relação, “No processo laboral, a ampliação da matéria de facto resultante da consideração pelo juiz na sentença de factos essenciais, complementares ou concretizadores pressupõe o prévio cumprimento do contraditório, o qual tem de ser declarado e expresso. Devendo as próprias partes requerer o aditamento ou o juiz oficiosamente dar-lhe conhecimento da possibilidade de ampliação, a fim delas se puderem pronunciar.”[1]
Em decorrência deste entendimento, segue-se que a segunda instância não pode fazer-se uso do disposto no art. 72.º do CPT[2].

Sucede que, compulsados os autos, v.g. as actas da audiência de julgamento, nem a Mm.ª Juiz a quo deu a conhecer às partes pretender tomar em consideração, na decisão da matéria de facto, factos não invocados no AMD ou noutro articulado  – e designadamente os ora pretendidos fazer também constar da factualidade provada sob a al. tt) e que não foram alegados –, nem isso foi requerido por qualquer das partes[3]

Donde, logo por aqui não pode ser atendida a pretensão da recorrente.

De qualquer forma, decorre do art. 387.º n.º 3 do CT e do art. 98.º- J n.º 1 do CPT que numa acção deste jaez o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador[4].

Ora, como deu nota o Tribunal recorrido na motivação da matéria de facto, balizou-se, na resposta a dar como provada a factualidade que consta da al. tt), nos factos que, no tocante à apreciação da regulartidade e licitude do despedimento, o Tribunal, nos termos das identificadas normas, pode ter em consideração, v.g. pode valorar para aferir da existência ou não de justa causa de despedimento.

E (embora o conhecimento desta questão se coloque amiúde em sede de aplicação do Direito) não se justifica, de facto, que o tribunal se pronuncie, declarando-os provados ou não provados, sobre factos que são inócuos para a decisão da causa. É um acto inútil.
 
Aceita-se que, como se decidiu em recente acórdão desta Relação, e na síntese do respectivo sumário, “Não pode falar-se de facto novo se não ocorre uma alteração em termos de grau, tempo e espaço, que implique a transformação do quadro factual num outro diverso, no que se refere aos seus elementos relevantes para a decisão a tomar. Uma simples explicitação da circunstanciação do facto invocado não implica facto novo.”[5] – como aí se afirmou na fundamentação, Não se trata de facto novo, mas da circunstanciação de facto invocado, mas não é essa a situação plasmada neste processo pois que, na situação em análise, estão em causa factos novos (novos períodos de prestação de serviços pelo recorrido).

Para além disso, e como se destaca na citada fundamentação da decisão de facto, a posição propugnada pela recorrente, tendente a afirmar que o autor/recorrido realizou mais serviços/serviços por períodos temporais superiores aos que lhe imputou na nota de culpa e na decisão disciplinar (e no AMD), parte, pelo menos em alguns aspectos, de premissas cujo acerto é de questionar.

Os documentos invocados pela recorrente, devidamente analisados, só por si não provam com o grau de certeza exigível a veracidade da matéria nos termos que a recorrente quer ver dados como provados, sendo que o Tribunal recorrido teve ainda em consideração os depoimentos das testemunhas BB – Administradora do Hospital ... - e CC – funcionário da ré e prestador de serviços para a mesma entidade privada.

Por isso que não se vê como afirmar que as dúvidas enunciadas pelo Tribunal recorrido não têm razão de ser, ou seja, nada há que imponha decisão diversa da recorrida – cf. art. 662.º/1 do CPC.

- Existência de justa causa para o despedimento.

Alega a recorrente que, em face da matéria de facto provada, o autor infringiu os seus deveres laborais ao exercer uma atividade, prestação de serviços, incompatível com a licença para assistência a filho, enquadrável no n.º 5 do art. 52º, do Código do Trabalho, e violando o dever de lealdade ao omitir informação, solicitada, por mais do que uma vez, pela ré, sobre o exercício da sua atividade profissional durante o gozo da aludida licença;
O Tribunal interpretou erradamente os artigos 52.º/5, 106.º/2, 126.º/1, 128.º/1 a), b), f), e h), e 351.º/1 e 3, do CT.

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:
“Com subordinação à epígrafe “Licença para assistência a filho”, prescreve-se, com relevo para a situação em sujeito, na indicada disposição legal – que não sofreu alterações, por via da recente L. nº 13/2023, de 03.04 – que: ---
- Esgotado o direito referido no artigo anterior – de gozo de licença parental complementar -, os progenitores têm direito a licença para assistência a filho, de modo consecutivo ou interpolado, até ao limite de dois anos, sendo que, no caso de terceiro filho ou mais, essa licença tem o limite de três anos – cfr. nºs 1 e 2; ---
- O direito à licença depende de o outro progenitor exercer actividade profissional, ou estar impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal, sendo que, havendo dois titulares, pode a mesma ser gozada por qualquer deles ou por ambos em períodos sucessivos – cfr. nºs 3 e 4; --
- Durante o período de licença para assistência a filho, o trabalhador não pode exercer outra actividade incompatível com a respectiva finalidade, nomeadamente trabalho subordinado ou prestação continuada de serviços fora da sua residência habitual – cfr. nº 5; ---
- Para poder fazer gozo da licença, o trabalhador terá que informar, por escrito, o empregador, com a antecedência de 30 dias, indicando o início e o termo do período pretendido, bem como que o mesmo não resulta excedido e, bem assim, fornecer informação a respeito da situação profissional, gozo de licença e integralidade do exercício das responsabilidades parentais por parte do outro progenitor, mais informando se o menor vive consigo em comunhão de mesa e habitação – cfr. nº 6. ---
Enunciados os termos de previsão do artº 52º do CT, deles emerge que, para que resulte violado o que, em concreto, se estabelece no seu nº 5, é necessária a concorrência dos seguintes requisitos: ---
i. O trabalhador estar a exercer, durante o período de licença, actividade profissional; ---
ii. Tal exercício apresentar-se incompatível com a finalidade subjacente à licença para assistência a filho. ---
A respeito do requisito que se ordenou no antecedente ponto i., argumenta o autor/trabalhador que apenas estaria contemplado o exercício ex novo de actividade e não já a manutenção de actividade que o trabalhador, antes do gozo da licença, exercesse já. ---
Não nos parece, contudo, que essa interpretação seja, tout court, a correcta. ---
Na verdade, quer se trate de continuidade ou do início de actividade, o que releva saber, isso sim, é se o seu exercício se apresenta, ou não, incompatível com as finalidades da licença para assistência a filho. ---
Com efeito, e como se viu acima, os requisitos de que depende a violação do que se prescreve no nº 5 do artº 52º do CT são cumulativos, ou seja, o trabalhador tem que estar, durante a licença, a exercer actividade e esta tem que apresentar-se incompatível com as finalidades da licença. ---
Não basta, por isso, reiteramo-lo, que o trabalhador mantenha, ou inicie até, actividade. Tem que o fazer em condições tais que permitam afirmar que as finalidades subjacentes à licença para assistência a filho resultam comprometidas ou não podem ser realizadas. ---
Daí que não assista, desta feita, razão à ré/empregadora razão, quando sustenta, no articulado motivador, que a suspensão dos contratos de trabalho por motivos atinentes ao trabalhador seja sempre impeditiva do exercício de outra actividade profissional pelo mesmo. O recurso que fez, para ilustrar a perspectiva que acolhe, à suspensão do CIT por motivo de doença do trabalhador nenhum paralelo tem, ou identidade de razões apresenta, com a matéria de que, nos presentes autos, cuidamos. ---
O legislador, em contributo interpretativo, fez enunciar, a título meramente exemplificativo, as situações determinantes dessa incompatibilidade, entre as quais incluiu o exercício de actividade subordinada – a coberto, portanto, de contrato de trabalho - e a prestação continuada de serviços fora da residência habitual. ---
E compreende-se que a prestação de trabalho subordinado se apresente incompatível com as finalidades da licença para assistência a filho. É que, accionando o trabalhador o gozo de licença para os indicados fins junto do seu empregador, assim se desonerando temporariamente da sujeição ao poder de autoridade/direcção decorrente do vínculo laboral - que se revela, mormente, através do cumprimento de um horário de trabalho e da execução deste em termos, condições e local determinados -, não possa o mesmo, por conta de um outro empregador, manter-se a exercer, ou iniciar, actividade nesses indicados termos. A disponibilidade subjacente à licença para assistência a filho apresenta-se conflituante com a subordinação laboral típica. --
Já quanto ao desenvolvimento de actividade que, sem os atributos de subordinação próprios da relação laboral, revista a forma de prestação de serviços – em que o obrigado está adstrito à realização de um fim e não, propriamente, a uma prestação de actividade -, a opção do legislador torna claro que a incompatibilidade ocorre, apenas, quando se esteja perante situação de exercício continuado e em que a prestação seja realizada fora da residência habitual. ---
O que, porém, o legislador não clarificou é o que deve entender-se por prestação continuada. ---
Ora, na procura de critérios para densificação do conceito em causa, consideramos ser de acolher o entendimento de que a prestação continuada é a que se contrapõe à que é esporádica, pontual. E o que é esporádico e pontual caracteriza-se por não obedecer a um padrão de regularidade ou de constância. É aquilo a que falta permanência, sendo a prestação realizada se e quando a necessidade ocorre e, também, se e quando aquele que à mesma se obrigou tem essa possibilidade ou disponibilidade. ---
Contínuo não é, ou não basta que seja, o que perdura durante certo lanço temporal, mas aquilo a que assistem os enunciados atributos. ---
Isto dito, e vertendo, desde já, ao caso que nos toma, para extrair uma primeira conclusão, nunca bastaria, para que se considerasse que o autor/trabalhador teria violado a prescrição decorrente do nº 5 do artº 52º do CT, que mesmo tivesse dado início ou, sequer, mantido, durante o período de gozo da licença, o exercício de actividade profissional liberal. ---
Era preciso que a mesma tivesse revestido, nos termos anteditos, o atributo de continuada. ---
Note-se, aliás, que, apesar de, numa primeira leitura, poder dizer-se que a CITE, no parecer que veio a elaborar, nos moldes que se deram por assentes na al. r), teria veiculado o entendimento – que chegou ao conhecimento de ambas as partes - de que a “manutenção da prática de medicina no sector privado” por banda do autor/trabalhador seria conflituante com a previsão do nº 5 do artº 52º do CT, não deixou a entidade em causa de referir, igualmente, que essa conclusão teria que ancorar-se em conhecimento que, nos indicados termos, fosse adquirido pela ré/empregadora. ---
E se é facto que o email do autor/trabalhador, que, para instruir o parecer solicitado, foi enviado à CITE, era anterior ao início da licença – que iria ser gozada, como foi, com efeitos a 28.01.2021, sendo aquele email de 12.01.2021 -, contexto em que pode interpretar-se o sobredito parecer no sentido de que a ré/empregadora teria, necessariamente, que obter informação actualizada, não menos verdade é poder dizer-se, também, que a “síntese” a que a mencionada entidade procedeu das limitações decorrentes do nº 5 do artº 52º do CT – traduzida na menção de que a “manutenção da prática de medicina no sector privado”, a apurar-se, contrariava a disciplina do referido preceito -, para além de se apresentar na condição de simplista, por não contemplar quaisquer distinções – mormente, se o exercício da actividade em causa, sendo privada, era realizada a coberto de CIT ou de prestação continuada de serviços -, não é vinculativa. ---
Aquilo que importava, e importa, isso sim, saber é se o autor/trabalhador manteve a realização de prestação no interesse de entidade que não a sua empregadora e, em caso afirmativo, a coberto de que título de vinculação e, mais ainda, tratando-se de prestação de serviço, se a mesma revestiu, ou não, carácter continuado. ---
Foram essas, de resto, as informações que a ré/empregadora veio a solicitar ao Hospital ..., por via das comunicações que, antes da elaboração da nota de culpa, fez remeter à referida entidade hospitalar. E esta, em resposta, informou, a 22.04.2021, que o autor estava a ela vinculada por contrato de prestação de serviço, realizando actividade na medida da sua disponibilidade, mais informando, num segundo momento, a 14.05.2021, na sequência de acrescida solicitação da ré/empregadora, da actividade concretamente desenvolvida no período que mediou entre 28.01.2021 e 12.05.2021, nos termos que se deram por assentes sob a al. ff).
Com base na antedita informação, e sendo facto incontestado que a actividade em causa foi realizada fora do domicílio habitual do autor/trabalhador, veio a ré/empregadora, no procedimento disciplinar a que deu curso, mormente na nota de culpa elaborada e na decisão que veio a proferir, a afirmar que os apurados termos de desenvolvimento por ele de actividade revelavam estar-se perante prestação continuada, a contemplar não apenas os períodos do seu estrito exercício, bem como tempo adicional despendido em actos preparatórios e posteriores. -
Ora, para além de não se ter apurado - aparte as deslocações que teve que realizar, a não demandar mais de cerca de cinco minutos, em percurso realizado a pé -, que os actos preparatórios ou posteriores aos actos médicos praticados pelo autor/trabalhador tivessem importado dispêndio de tempo não contemplado na informação prestada pelo Hospital ..., consideramos que os termos da sua demonstrada prestação não podem qualificar-se de continuados. ---
Com efeito, de acordo com a perspectiva que acolhemos, e que acima deixámos expressa, o carácter continuado da prestação verifica-se quando se detecta um padrão de regularidade, revelador de uma constância, de uma permanência. Contínuo não é, ou não basta que seja, o que perdura durante certo lanço temporal, mas aquilo a que assistem os enunciados atributos.
Na circunstância, contudo, o que se verifica é, partindo do balizamento proporcionado pela informação reportada na al. ff) da materialidade dada como assente – que constitui o limite decorrente da factualidade que integra a nota de culpa e a decisão disciplinar que se lhe seguiu -, que o autor/trabalhador prestou actividade, no período compreendido entre 28 de Janeiro e 12 de Maio de 2021, nos dias e períodos/lanços temporais discriminados na al. tt) da mesma materialidade, praticando os actos médicos aí explicitados. ---
Ora, os demonstrados termos de prestação trazem, quanto a nós, à luz que a actividade realizada pelo autor/trabalhador, em regime de prestação de serviços, não revestiu natureza de continuada, em atenção aos dias e períodos/lanços temporais em que foi desenvolvida, ambos os parâmetros em número variável, e, sobretudo, à expressividade, que se considera pouco significativa, por referência a cada dia, semana e/ou mês. ---
De registar, ainda, que, quanto à actividade desenvolvida nos meses de Abril e de Maio de 2021, pode verificar-se terem sido praticados, por referência a alguns dos dias, mais do que um tipo de acto médico, como sucedeu a 09.04.2021, 07.05.2021 e 12.05.2021, a originar compressão daquilo que, com base na informação reportada na al. ff), poderia tomar-se por adquirido, ou seja, que o número de dias inicialmente indicado pelo Hospital ... deviam ser somados. ---
Em resumo, somos a entender que o autor/trabalhador, por via do seu apurado comportamento, consistente na manutenção de actividade, sob a forma de prestação de serviço, para o Hospital ..., em ..., durante o período de gozo de licença para assistência a filho, no período que mediou entre 28.01.2021 e o dia 12.05.2021- que, aliás, vinha já exercendo, pelo menos, desde Março de 2020- e nos termos que se demonstraram, de forma mais concretizada, na al. tt), não importou a violação de comandos atinentes à disciplina laboral, mormente dos deveres identificados pela ré/empregadora na decisão posta em crise e no articulado motivador.
Note-se, acrescidamente, que a ré/empregadora não logrou demonstrar, como era seu ónus, que o autor/trabalhador haja dado início ao gozo da licença para assistência a filho norteado pelo propósito de, em face do indeferimento da pretensão que formulou de redução de horário, poder exercer actividade em regime de prestação de serviços, nem, tampouco, que a pretexto, ou aproveitando-se, do gozo em que passou a estar de licença para assistência a filho, tenha aumentado progressivamente os serviços que vinha já prestando para o Hospital ... e/ou que, no período que decorreu entre 28.01.2021 e 12.05.2021, tenha tido verificação esse progressivo aumento. Do mesmo modo, não fez demonstrar que, por via dos termos de realização da referida prestação, mormente da necessidade de afastamento do local da sua residência habitual, haja ficado comprometida a possibilidade de o autor/trabalhador assegurar a assistência aos seus filhos menores. ---
Saliente-se, ainda, que, apesar de a ré/empregadora, no articulado motivador, e excedendo, manifestamente, as razões que estiveram na base do despedimento que promoveu, que, como se disse, balizam e constituem o limite de apreciação da legalidade da correspondente decisão, haja afirmado que nunca autorizou o autor/trabalhador a, durante o gozo da licença, exercer actividade liberal, a verdade é que não necessitava o mesmo de qualquer autorização nesse sentido, em consideração ao que decorre da Cláusula 8ª do CCT aplicável às relações entre as partes. ---
Na verdade, só poderia estar, isso sim, em causa saber se o autor/trabalhador, verificando-se incompatibilidade com aspectos pertinentes à sua vinculação ao Hospital de ..., E.P.E., sua entidade empregadora - na circunstância, a situação em que, a partir de 28.01.2021, passou a estar, de gozo de licença para assistência a filho -, tinha por dever interromper aquela prestação, em conformidade, de resto, com o compromisso de honra que firmou na declaração de Fevereiro de 2020 que marcou o início da acumulação. ---
Nunca se trataria, a nosso ver, e caso se verificasse eventual incompatibilidade – que não se verifica, como se viu -, de um cenário de faltas injustificadas, como vem, a dado passo, equacionado na decisão disciplinar, na medida em que o autor/trabalhador estava em gozo de licença, que nunca resultaria, por efeito da prefigurada incompatibilidade, interrompida. O autor/trabalhador teria, isso sim, sendo esse o caso, e em ordem a corresponder aos comandos da disciplina laboral, que interromper, como se disse no antecedente parágrafo, a actividade prestada em regime de prestação de serviço. ---
Quanto aos “prejuízos” que a ré/empregadora invocou – e que não densificou, propriamente, limitando-se, genericamente, na nota de culpa e na decisão que proferiu, a reportar a necessidade de reorganização dos seus serviços, com maior carga sobre outros colaboradores/trabalhadores -, os mesmos só seriam relevantes se, de facto, a manutenção do exercício pelo autor/trabalhador de actividade em regime liberal tivesse importado a violação de regras da disciplina laboral. Não sendo, porém, esse o caso, e constituindo, como é lógico, as licenças parentais um direito do trabalhador, é totalmente despiciendo que o seu gozo comporte consequências ao nível da estrutura organizativa do empregador ou, até mesmo, de eventuais “prejuízos”. ---
Aqui chegados, e não obstante o que se concluiu nos termos expostos relativamente à manutenção pelo autor/trabalhador do exercício de actividade, em regime de prestação de serviços, para o Hospital ..., a verdade é que somos a considerar que o mesmo violou deveres laborais para com a ré/empregadora, no tocante aos comportamentos/postura que assumiu no contexto das informações que lhe foram dirigidas. ---
Com efeito, e como bem sabe o autor/trabalhador, aquilo que fez comunicar por via do seu email de 12.01.2021 é que, nesse momento, mantinha actividade como prestador de serviços. O que, porém, era de si pretendido, como se extrai do que, na mesma data, lhe fora solicitado, é que, face à sua declaração - de que iria iniciar aos 28.01.2021 o gozo de licença para assistência a filho menor -, esclarecesse se iria, ou não manter, o exercício daquela actividade. ---
Ora, tendo o autor, ainda por via da sua comunicação de 12.01.2021, manifestado o entendimento de que o gozo da licença não obstava à acumulação de funções em regime de prestação de serviços, constitui uma evidência que o mesmo interpretou, como o faria qualquer normal destinatário, que a ré/empregadora acolhia, ou podia vir a acolher, entendimento diferente do seu. ---
Chegados a este ponto, assinala-se gritante divergência entre a postura assumida por cada uma das partes. ---
Assim, e se, por um lado, a ré/empregadora cuidou de obter, junto da CITE, parecer a respeito da eventual incompatibilidade entre o gozo da licença e o exercício de actividade em regime liberal por banda do autor/trabalhador, este, por seu turno, na sequência do parecer que veio a ser emitido e das solicitações que lhe foram destinadas, mormente da datada de 04.03.2021, optou, na segurança de uma verdade que sabia bem ser, pelo menos, discutível e numa postura de falta de colaboração, reveladora até de alguma insolência e sobranceria, por fazer saber àquela que cumpria e “escrupulosamente, o regime legal o regime legal aplicável à Licença para Assistência a Filhos (…) Nada mais tendo a informar”. ---
Ora, de pouco adianta o argumento fácil, esgrimido pelo autor/trabalhador na sua contestação, de que a ré/empregadora nunca lhe teria feito expressar, literalmente, o sentido do entendimento que acolhia e que, como se disse acima, estando subjacente às informações e ao parecer solicitados, não pode senão ter sido por ele cabalmente apreendido. ---
Cai, assim, por terra a tese de que a instauração do procedimento disciplinar – que teve na sua origem não apenas a imputada incompatibilidade, como se viu não existente, entre o gozo da licença e o exercício de actividade liberal, como, também, a postura do autor/trabalhador às missivas/solicitações que lhe foram dirigidas – representaria actuação em abuso de direito por parte da ré/empregadora.
De registar que, para além dos termos da resposta que o autor/trabalhador prestou à missiva de 04.03.2021, o mesmo, em reacção à insistência de 08.04.2021, e sem a satisfazer, pelo menos, directamente, limitou-se, em alinhamento com a postura que optou por assumir, a apresentar declaração nos serviços da ré/empregadora em tudo idêntica, pro forma portanto, à que apresentara em Fevereiro de 2020, fazendo comunicar que mantinha a prática da actividade médica em regime liberal e que isso não era incompatível nem conflituava com as funções que exercia no SNS. ---
Identifica-se nos apurados comportamentos do autor/trabalhador aos pedidos de informação que lhe foram dirigidos violação da disciplina laboral, mormente dos deveres de informação, de boa fé, de respeito e tratamento do empregador com urbanidade e probidade e de cumprimento de ordens e instruções do empregador, com assento na previsão dos artºs 106º, nº 2, 126º, nº 1 e 128º, nº 1, als. a) e e), todos do CT. ---
Isto dito, o ponto está em saber se os apontados comportamentos assumiram gravidade tal a justificar o despedimento do autor/trabalhador. ---
E a resposta é, quanto a nós, negativa. ---
Na verdade, e não obstante se identifiquem as anteditas violações, não cremos que as mesmas, em natureza e grau de intensidade, revistam uma gravidade tal que tornem, por si sós, inexigível para a ré/empregadora a manutenção do vínculo laboral ou, dito de outro modo, que a subsistência deste haja ficado irremediavelmente comprometida. ---
Com efeito, e ainda que os comportamentos em causa pudessem justificar a aplicação de sanção de natureza disciplinar, o imperativo de proporcionalidade, previsto pelo nº 1 do artº 330º do CT sempre ditaria se optasse por sanção de natureza conservatória, de entre as legalmente previstas, com exclusão, por conseguinte, da sanção de despedimento. ---
Nesse apontado conspecto, e sob a indicada perspectiva, considera-se que a decisão proferida pela ré/empregadora, que excedeu o indicado limite de proporcionalidade, se apresenta na condição de ilegal, termos em que não pode ser mantida. ---
Impondo-se, como se impõe, por emergência do que se prescreve na al. b) do artº 381º do CT, declarar a ilicitude da decisão de despedimento que visou o autor/trabalhador, comanda a al. b) do nº 1 do artº 389º do CT, que o empregador seja condenado na reintegração do trabalhador no seu posto de trabalho, sem prejuízo da respectiva categoria e antiguidade, salvo nos casos previstos, designadamente, no artº 391º, ou seja, quando, em substituição da reintegração, o trabalhador venha a optar, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, por indemnização. ---”

Concordamos inteiramente com este entendimento, claro e consistentemente sustentado, pelo que muito pouco há a acrescentar.         

Com efeito, e para o que aqui particularmente importa, estabelece o artigo 52.º do CT:
“Licença para assistência a filho
1 - Depois de esgotado o direito referido no artigo anterior, os progenitores têm direito a licença para assistência a filho, de modo consecutivo ou interpolado, até ao limite de dois anos.
(…)
5 - Durante o período de licença para assistência a filho, o trabalhador não pode exercer outra actividade incompatível com a respectiva finalidade, nomeadamente trabalho subordinado ou prestação continuada de serviços fora da sua residência habitual.
(…)”

Daqui resulta que durante o período de licença para assistência a filho o trabalhador não fica, pura e simplesmente, proibido de exercer toda e qualquer actividade profissional.

O que o trabalhador não pode é exercer outra actividade que seja incompatível com a finalidade da licença para assistência a filho, nomeadamente, exemplifica a lei, trabalho subordinado ou prestação continuada de serviços fora da sua residência habitual.

E bem se compreende que assim seja, pois pode bastar aumentar em alguma medida a disponibilidade do trabalhador para que já possa cuidar dos filhos em termos adequados, não necessitando para tanto de ter uma disponibilidade total.

A propósito da proibição de exercício pelo trabalhador de outra atividade quando no gozo de licença parental complementar, expende Cláudia Sofia Bastos Moreira[6] na sua dissertação de Mestrado:
“O art 51º nº 4 CT estabelece [numa norma em tudo semelhante ao n.º 5 do art. 52.º do CT] que, durante o gozo da LPC, “o trabalhador não pode exercer outra actividade incompatível com a respectiva finalidade”.
Entendendo-se a razão de ser desta disposição, a de evitar o uso abusivo da licença, garantindo que a mesma é utilizada apenas para o fim a que se reporta, há que questionar como, fruto de tal imposição, articular a LPC com as situações de pluriemprego.
Um trabalhador que habitualmente exerça mais do que uma atividade, subordinada ou não, terá de o deixar de fazer durante o gozo da licença? Um trabalhador com mais do que uma entidade empregadora terá de exercer o seu direito à licença perante todas aquelas entidades?
Somos da opinião de que a LPC não deve ter de ser forçosamente exercida perante todas as entidades empregadoras que os trabalhadores possam ter, nem que estes devam ter de ser obrigados a abdicar do exercício de outras atividades profissionais às quais já se dedicavam antes do exercício da licença.
Sendo a LPC um mecanismo ao serviço do pr. da conciliação entre a atividade profissional com a vida familiar, permitindo aos seus beneficiários acompanharem e intervirem nos cuidados dos filhos numa etapa precoce das suas vidas sem sofrerem, por isso, repercussões adversas nos seus empregos, parece-nos perfeitamente viável que o exercício da mesma não tenha de proceder perante todas as possíveis entidades empregadoras do trabalhador, nem que a mesma implique o não exercício de todas as outras atividades que o trabalhador já exercesse. Desta feita, quando em situações de pluriemprego, a LPC pode servir de libertação dos trabalhadores para que estes tenham mais tempo, e não necessariamente todo o tempo, para acompanharem os seus filhos. Este entendimento radica predominantemente dos efeitos retributivos da licença. É que, como veremos infra, o exercício da licença comporta para os trabalhadores sérias perdas retributivas. Assim, ao serem obrigados a abdicarem de todos os trabalhos e/ou atividades que exerçam, os trabalhadores estariam fortemente condicionados no momento de decidirem exercer o seu direito à LPC.”

Efectivamente, o artigo 65.º do CT, que estabelece o Regime de licenças, faltas e dispensas, prescreve logo no seu n.º 1 que “Não determinam perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição (…)”

Ora, como se demonstra na fundamentação da decisão recorrida, nem dos factos provados se pode concluir que o recorrido prestava/continuou a prestar ao Hospital ... serviços (no âmbito da sua especialidade) de forma «continuada» nem, sublinhamos, que essa prestação de serviços de algum modo frustrou as finalidades da licença, que estava a usufruir, para assistência aos filhos.

Acresce que a conduta infraccional do recorrido ao não prestar a colaboração solicitada pela recorrente/empregadora, prestando as devidas informações, se bem que censurável, não atinge claramente um patamar de gravidade susceptível de justificar a aventada impossibilidade da manutenção do contrato de trabalho, por manifestamente desproporcionada – cf. art.s 328.º/1 e 330.º/1 do Ct.

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 23 de Novembro de 2023

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Barroso (com dispensa de visto)



[1] Ac. RG de 16-02-2023, Proc. 3741/21.5T8MTS.G1, Maria Leonor Barroso, www.dgsi.pt
[2] Neste sentido podem ver-se por ex., Ac. RE de 15-04-2021, Proc. 570/20.7T8EVR.E1, Moisés Silva, Ac. RP de 03-10-2022, Proc. 2798/19.3T8VNG.P1, Rita Romeira, ambos em www.dgsi.pt
E também, com referência ao art. 5.º do CPC, Ac. RL de 30-05-2023, Proc. 84365/20.6YIPRT.L1-7, Luís Pires Sousa, também em www.dgsi.pt : “Sumário: I. A introdução de factos complementares, decorrentes da instrução da causa (Artigo 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil), só é possível no decurso do julgamento em primeira instância, mediante iniciativa da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto, sob pena de proferir uma decisão-surpresa.
II. Não tendo a apelante desencadeado tal mecanismo de ampliação fáctica nem tendo o mesmo sido utilizado oficiosamente pelo tribunal de primeira instância, está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento em sede de apelação porquanto o conteúdo da decisão seria excessivo por envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art.º 5º. (…)”
[3] Não tem essa virtualidade o alegado pela recorrente a final do requerimento entrado em 13.01.2023, com referência ...30 – “44º. Este documento datado de 23/12/2022 – concatenado com os anteriores, da mesma entidade, e aqui referenciados – carreia factos relevantes para a decisão de mérito” -, pois que nem se identifica quaisquer factos concretos, nem concretamente se requer o que quer que seja.
[4] Ac. de 06-11-2017, Proc. 839/11.1TTPRT.P4, Jerónimo Freitas e Ac. TRL de 19-12-2018, Proc. 23554/17.8T8LSB.L1-4, José Feteira, www.dgsi.pt
[5] – Ac. RG de 02-03-2023, Proc. 5541/21.3T8VNF.G1, Antero Veiga, www.dgsi.pt
[6] Cf. A licença parental complementar: alguns problemas de aplicação, Dissertação de Mestrado em Direito, Orientadora: Catarina Oliveira de Carvalho, no sítio da internet https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/38008/1/203025385.pdf, a pág.s 40 e ss.