LEIS COVID
SUSPENSÃO DOS PRAZOS DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
REGIME ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 7.º
N.º 3
DA LEI N.º 1-A/2020
E 5º DA LEI N.º 13-B/2021
DE 5 DE ABRIL
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DO DIREITO DE ACESSO À TUTELA JURISDICIONAL
Sumário

I - O regime da suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade contemplado nas vulgarmente designadas leis Covid aplica-se ao prazo prescricional contemplado no n.º 1º do artigo 337.º do Código de Trabalho/2009.
II - A suspensão da prescrição supõe uma causa, subjetiva ou objetiva, que constitua obstáculo de facto ao exercício do direito, ou que o torne especialmente difícil, com expressão tal que afasta a verificação de negligência do seu titular e, então, torna injusto o curso do prazo prescricional.
III - Sendo o início do prazo da prescrição fator estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, optou o nosso sistema jurídico, no n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil, o sistema objetivo, que dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido», sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição.
IV - A expressão, constante do referido artigo, «quando o direito puder ser exercido», deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar apenas quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder exercer – desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação, isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida.
V - Em 3 de março de 2021, data em que em tese se iniciaria um prazo de prescrição, em face também das razões que estiveram subjacentes à estipulação legal das medidas restritivas ao exercício dos direitos e em particular face a essas medidas – que levaram, aliás, à suspensão expressa dos prazos de prescrição e caducidade que então já se encontravam em curso –, em tais condições objetivas é de considerar que, objetivamente, o credor efetivamente não se encontra em condições de exercer o direito, situação que se manteve enquanto vigoraram aquelas medidas legislativas, ou seja, até 6 de abril de 2021, com a entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021.
VI - O regime estabelecido nos artigos 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, é apenas aplicável aos prazos de prescrição que já se encontravam em curso no momento em que entraram em vigor, pois é tal solução que resulta da respetiva interpretação.
VII - A interpretação a que se alude em VI não viola o princípio da proteção da confiança, plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, como ainda o direito a um processo justo e equitativo, previsto no seu artigo 20.º, n.º 4, e, também, no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
VIII - As normas que estabelecem prazos de prescrição ou de caducidade não importam a violação do direito de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva, pois que, valores objetivos de certeza e de segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, justificam a imposição de um determinado prazo dentro do qual o respetivo direito carece de ser exercido, esgotado o qual fica privado de exigibilidade em juízo.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 2459/22.6T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 3

Autor / recorrente: AA
Ré / recorrida: Associação ...

_______

Nélson Fernandes (relator)
Paula Leal de Carvalho
Rita Romeira


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. AA interpôs ação, com forma de processo comum, contra Associação ..., peticionando o seguinte:
“Nestes termos e nos mais de direito que V.Exª. doutamente suprirá deve: a) Ser ordenada a citação urgente da ré, a qual deverá ser realizada por oficial de justiça, o que desde já se requer; b) Ser a ré condenada a pagar ao autor a quantia de €19.033,19 (dezanove mil e trinta e três euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento,
Subsidiariamente, caso se entenda que ao autor é aplicável o CCT celebrado entre a Associação dos Operadores Portuários dos Portos do Douro e Leixões e outra e o Sindicato dos Estivadores, Conferentes e Tráfego dos Portos do Douro e Leixões, publicado no BTE nº20 de 29/05/2012
c) Ser declarada a nulidade da alínea d) da cláusula 47ª do CCT é claramente ilegal, por violação do disposto no artº.3º, nº3, alínea j), conjugado com o disposto no artº.226º, ambos do Cód. do Trabalho;
E, cumulativamente,
d) Ser a ré condenada a pagar ao autor o montante €36.509,79 (trinta e seis mil quinhentos e nove euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, tudo com as legais consequências.

Não se logrando acordo da audiência de partes, apresentou a Ré contestação, em que invoca, por exceção, no que ao presente recurso diz respeito, a prescrição dos créditos invocados pelo Autor, por ter decorrido mais de um ano desde a cessação do contrato de trabalho até à sua citação para a presente ação.

Respondeu o Autor, pronunciando-se pela improcedência da exceção da prescrição invocada pela Ré, invocando a suspensão e prorrogação dos prazos de prescrição pela Lei n.º 1-A/2020.

2. Prosseguindo os autos os seus termos subsequentes, foi de seguida proferido despacho saneador, no qual, para além do mais que aqui não importa, no conhecimento da invoca exceção, foi proferida decisão de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo prescrito o direito invocado pelo autor nestes autos, pelo que absolvo a ré do pedido formulado.
Fixo em 19.033,19 o valor da presente ação.
Notifique.
Registe.”

2.1. Não se conformando com o assim decidido, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, formulando no final das alegações as conclusões que seguidamente se transcrevem:
I O legislador teve o cuidado de fazer a destrinça entre os prazos processuais, os prazos administrativos e todos os restantes prazos de prescrição e caducidade, desde a primeira redacção da Lei nº. 1-A/2020, de 19 de Março, nomeadamente nos números 1, 2, 3 e 4, do artº.7º.
II A distinção entre as regras relativas aos prazos processuais e aos prazos de prescrição e de caducidade tornou-se mais clara com a publicação da Lei nº4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que aditou o artº.6º-B, à Lei nº1-A/2020, o qual continha uma série de excepções à suspensão dos prazos processuais, consagrando a existência de processos que puderam continuar a ser tramitados. Ainda assim, os nºs.3 e 4 do referido artº.6º-B, mantiveram a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade em moldes idênticos aos da redacção inicial.
III Quanto ao caso concreto dos prazos prescricionais, na Lei nº. 1-A/2020, de 19 de Março, quer na redacção original quer nas sucessivas redacções dadas pelas Leis nº4-A/2020, nº16/2020, nº4B/2021 e nº13-B/2021, o legislador nunca referiu que os mesmos não teriam o seu início durante o período de suspensão.
IV O legislador nas suspensões dos prazos de prescrição e de caducidade fixadas na legislação especificamente publicada na sequência da pandemia de Covid-19, apenas se pronunciou sobre a suspensão dos prazos, nada tendo dito quanto ao seu início, optando por uma terminologia totalmente distinta da utilizada no Cód. Civil.
V O nº3 do artº.6º-B, da Lei nº1-A/2020, dada pela Lei nº4B/2021, deve ser interpretado no sentido de que a suspensão dos prazos de caducidade ali prevista se aplica aos já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da norma, bem como àqueles que viessem a iniciar-se posteriormente.
VI Considerando o supra dito, e salvo sempre o devido respeito por melhor opinião, a destrinça feita pelo legislador nos diplomas publicados na sequência da pandemia de Covid-19 relativa a prazos processuais, prazos administrativos e prazos de caducidade e prescrição, deu também origem a regimes próprios para cada um deles, não sendo aplicáveis aos prazos de prescrição as regras relativas aos prazos processuais e de caducidade administrativos abrangidos pelo artº.4º da Lei nº13-B/2021, de 5 de Abril.
VII Do texto dos artºs. artº.7º, nºs.3 e 4 da Lei nº1-A/2020, redacção inicial, do artº.6º da Lei nº16/2020, de 29 de Maio, dos nºs.3 e 4 do artº.6º-B, da Lei nº1-A/2020, aditado pelo artº.2 a Lei nº4B/2021, de 1 de Fevereiro, e do artº.5º da Lei nº13-B/2021, de 5 de Abril, resulta que em todas as referidas normas, são utilizadas expressões – “alargados” e “acresce” – cujo significado é aumentar, tornar-se maior.
VIII Se a intenção do legislador fosse aplicar aos prazos de prescrição suspensos como consequência da pandemia de Covid-19 uma mera suspensão, bastaria ao mesmo dizer que aqueles ficavam suspensos e, cessando a causa da suspensão, mencionar expressamente que os prazos de prescrição deixava de estar suspensos.
IX No entanto, o legislador não só não fez isso, como ainda foi mais longe, delimitando regras específicas para os prazos administrativos e para os prazos de prescrição e caducidade, quer na Lei nº16/2020 (artº.5), quer na Lei nº13-B/2021 (artº.4º).
X Logo, sendo o artº.5º da Lei nº13-B/2021 aplicável a prazos de prescrição e de caducidade, o seu regime tem plena aplicação na situação sub judice.
XI A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março entrou em vigor no dia 12 de Março de 2020 – cfr. artº.37º -, data em que todos os prazos de prescrição e caducidade ocorridos nos dias 9, 10 e 11 de Março de 2020 já se tinham esgotado, tendo os titulares dos respectivos direitos “perdido” os mesmos ou “perdido” a possibilidade de exercício dos mesmos.
XII Com a publicação da Lei nº. 4-A/2020, todos os direitos prescritos, ou caducos, em 9, 10 e 11 de Março de 2020 renasceram na esfera jurídica dos seus titulares, os quais, por força do disposto no artº.6º da Lei nº16/2020, viram os mesmos alargados, respectivamente, por 85, 84 e 83 dias, após a entrada em vigor desta última.
XIII Tendo em atenção a retroactividade de efeitos da Lei nº1A/2020, da Lei 4-A/2020, de 06 de Abril, e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, constata-se que numa situação excepcional, provocada pela pandemia de Covid-19, que praticamente paralisou o país em dois anos consecutivos, não é defensável a tese de que com a publicação da referida legislação o legislador apenas se preocupou em criar condições para que os titulares dos direitos em curso não ficassem prejudicados pela impossibilidade de exercerem os seus direitos, esquecendo todos aqueles cujos prazo nasceram na fase em que os efeitos da pandemia eram mais acentuados.
XIV Tal tese ainda se torna mais incompreensível quando é o próprio legislador que com base no agravamento da situação pandémica permite não só o renascimento, pela via legislativa de direitos já juridicamente “mortos”, como ainda concede aos respectivos titulares um alargamento do prazo para o seu exercício; tal situação é uma manifestação clara de que a intenção do legislador foi evitar de maneira o mas abrangente possível que os titulares dos direitos fossem prejudicados no normal exercício dos mesmos pelas limitações de circulação – que era quase total para as pessoas de idade avançada -, de reunião, de acesso aos seus advogados, de acesso aos serviços do Estado, nomeadamente tribunais, etc… .
XV Da leitura conjugada dos artºs.5º e 6º da Lei nº16/2020 e 4º e 5º da Lei nº13-B/2021, infere-se claramente que a intenção do legislador foi no sentido de criar um regime de alargamento dos prazos de prescrição e caducidade em função do tempo decorrido desde a verificação do facto que deu origem ao início dos ditos prazos, independentemente de estes terem, ou não, ocorrido durante a vigência dos diplomas que decretaram a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade.
XVI Daí que, também por esta via não tenha sido acertada a douta decisão em crise, a qual violou o disposto nas disposições conjugadas dos números 3º e 4º d artº.6º.-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e artº. 5 da Lei 13-B/2021, de 5 de Abril.
XVII Alicerçada nos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, vigora no nosso ordenamento jurídico vigora a teoria da impressão do destinatário, sendo o mesmo aplicável às normas jurídicas, conjuntamente com as regras de interpretação das mesmas previstas no artº.9º do Cód. Civil.
XVIII No caso da suspensão de um prazo prescricional, o este pura e simplesmente pára a sua contagem, a qual se reinicia logo que cessa a causa geradora da suspensão, enquanto que no caso de interrupção, todo o prazo anterior é inutilizado, recomeçando a contagem do prazo do seu início.
XIX Numa situação de total normalidade social, económica e jurídica, a suspensão dos prazos prescricionais obedeceria a regras muito simples, ou seja, o prazo suspendia a contagem na sequência de um determinado evento, e retomaria de imediato a mesma logo que o aquele cessasse, seguindo-se nesse caso as regras constantes do disposto no artº.279º, alínea b), do Cód. Civil.
XX In casu a factualidade e a legislação aplicáveis têm por base uma situação de total anormalidade social, económica e jurídica, causada por uma pandemia com efeitos devastadores, que não eram, nem podiam ser, conhecidos na sua globalidade nos anos de 2020 e 2021.
XXI Apesar dos diplomas legislativos relativos às suspensões dos prazos de prescrição e caducidade terem, com algumas excepções [cfr. artºs.7º e 9 do artº.6º-E, da Lei nº1-A/2020, na redacção dada pela Lei nº13-B/2021 ] -, feito cessar as mesmas de forma definitiva em 5 de Abril do ano de 2021, a verdade é que só em Setembro de 2022 o legislador iniciou o processo legislativo com vista à revogação da legislação especificamente criada na âmbito da pandemia de Covid-19.
XXII Só decorrido perto de um ano e meio sobre a publicação da Lei nº13-B/2021, é que a sociedade portuguesa, no seu todo, retornou a uma quase total normalidade, tendo o legislador reconhecido esse facto e aprovado legislação com vista à revogação mais de 100 (cem) diplomas legais publicados em consequência da pandemia de Covid-19.
XXIII Face ao tal cenário de absoluta excepcionalidade, lícito é concluir que a rigidez do sistema jurídico teria que ser flexibilizada em função da total desestruturação das circunstâncias concreta da vida das pessoas, sendo impossível, e ilógico, em tal situação pretender que o legislador seguisse à letra todos os entendimentos básicos e estruturantes do direito tal como os mesmos são definidos pela doutrina e pela jurisprudência em situações de total normalidade.
XXIV A pandemia de Covid-19 teve um impacto brutal na vida dos tribunais, impacto esse que teve origem, entre outras coisas, na circunstância de o legislador ter sido obrigado a procurar soluções adequadas, e por vezes engenhosas, de forma a salvaguardar na medida do possível todas as situações que apenas podiam ser resolvidas por via legislativa.
XXV Para se tentar perceber, e interpretar, correctamente as palavras do legislador, na legislação elaborada no contexto de pandemia é preciso, para além de todos o elementos interpretativos, ter também em consideração o estado concreto de evolução da pandemia em cada momento.
XXVI A razão porque terá o legislador colocado em quatro diplomas legais expressões que, inequivocamente, são sinónimos claríssimo de“aumentar”, “tornar-se maior”, das quais se infere claramente que a intenção daquele foi ampliar os próprios prazos de prescrição, foi porque, de facto, a sua vontade foi mesmo no sentido de na situação excepcional criada pela pandemia de Covid-19 arranjar uma solução também excepcional em matéria de prazos de prescrição e de caducidade.
XXVII Se assim não fosse, bastaria na Lei nº1-A/2020, de 19 de Março de 2020, o artº.7º, conter apenas o nº.3 (A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.), e o artº.6.º-B, da mesma, aditado pela Lei nº4-B/2021, conter também apenas o nº3 (em tudo idêntico à redacção do nº3 do atº.7º, versão inicial ), para que os prazos ficassem suspensos de uma forma “normal”.
XXVIII A Lei nº13-B/2020, a qual no seu artº. artº.3º, aditou artº.6º-E à Lei nº1-A/2020, em cujo nº7, alíneas d) e e), o legislador consagrou também uma suspensão dos seus prazos de prescrição e de caducidade, sem mencionar qualquer alargamento dos mesmos, sendo que o nº 9 desse mesmo artigo, de forma autónoma, prevê expressamente que o disposto nas alíneas d) e e) do n.º 7 prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, que são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
XXIX Foi precisamente devido ao próprio contexto pandémico que presidiu à necessidade de elaboração pelo legislador deste regime excepcional, que o mesmo optou por, excepcionalmente, aumentar os prazos de prescrição na exacta medida da sua suspensão.
XXX Qualquer outra interpretação parece ser claramente violadora do disposto no nº3 do artº.9º do Cód. Civil, transformando o aplicador da lei em legislador, desvirtuando totalmente a diferença entre o poder legislativo e poder judicial.
XXXI A interpretação do artº.5ºda Lei nº13-B/2020, de 5 de Abril, no sentido de que a mesma só é aplicável aos prazos já iniciados no momento da sua entrada em vigor, e que não contempla o efectivo alargamento dos prazos de prescrição por um período correspondente a da sua suspensão, viola o princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2º. da Constituição e também o direito a um processo justo e equitativo, previsto no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Termos em que, deve ser admitido o presente recurso de apelação, e a final julgado provado e procedente, sendo revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.”

2.2. Contra-alegou a Recorrida, concluindo do modo seguinte:
“1. O contrato de trabalho do Recorrente cessou no dia 15 de fevereiro de 2021, pelo que, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, os créditos cuja existência e pagamento pretende ver reconhecidos na presente ação prescreveriam no dia 16 de fevereiro de 2022.
2. No entanto, por força da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que veio estabelecer a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, nomeadamente do prazo de prescrição dos créditos laborais, com efeitos reportados a 22 de janeiro de 2021, aquele prazo não se chegou a iniciar no dia 16 de fevereiro de 2022.
3. Com efeito, nos termos do disposto Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, que veio promover a cessação do regime de suspensão de prazos, com efeitos reportados a 6 de abril de 2021, o prazo de prescrição em causa iniciou a sua contagem no dia 6 de abril de 2021, assim se esgotando no dia 6 de abril de 2022.
4. A norma que prevê o alargamento do prazo de prescrição só é aplicável aos prazos que se iniciaram antes da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, ou seja, antes de 22 de janeiro de 2021, e que, nessa medida, foram suspensos no decurso da sua contagem, o que não é caso do prazo prescricional dos autos, o qual não chegou sequer a iniciar, pelo que não é possível concluir que o mesmo retomou o seu curso no dia 6 de abril de 2021.
5. O que o legislador pretendeu assegurar com o alargamento do prazo foi um período de transição para os prazos de prescrição ou caducidade já iniciados e que viessem a ser suspensos por força da referida legislação.
6. Em 6 de abril de 2021, era previsível alguma potencial instabilidade e constrangimento decorrente da retoma abrupta dos prazos entretanto suspensos, donde o legislador garantiu, de modo a acautelar essa transição para a normalidade, um alargamento dos prazos que já se tivessem iniciado e tivessem sido suspensos por força da legislação excecional e transitória em causa.
7. Alargamento esse que não foi previsto, nem faria qualquer sentido para um prazo de prescrição ou caducidade que, durante aquele período de constrangimento pandémico, nem sequer se havia iniciado e que, por isso, correria integralmente já em período de normalidade.
8. Muito menos sentido faria prever um período de transição ou um alargamento de um prazo que, para além de nem sequer se ter iniciado durante o período de suspensão, é de 1 ano.
9. Apesar de o legislador ter criado disposições excecionais que discriminavam positivamente alguns casos, como o do Recorrente (que viu o seu prazo prescricional se iniciar apenas em 6 de abril de 2021), esta realidade não lhe permite defender que deveria ter sido ainda mais discriminado positivamente e que devia dispor de 463 dias e não de 414 dias para reclamar créditos laborais.
10. A interpretação de normas excecionais deve obedecer ao princípio leges exceptionem a lege continent strictae subsunt interpretationi, isto é, as leis excecionais devem ser sujeitas a uma interpretação estrita (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de abril de 2002, Processo n.º 026797).
11. Exatamente por se tratar de normas excecionais e transitórias, impunha-se prudência na atuação processual das partes, o que seguramente não se coaduna com aguardar 407 dias, todos e cada um deles decorridos já em período de normalidade, para reclamar créditos cujo prazo prescricional é de 1 ano.
12. A jurisprudência citada pelo Recorrente (nomeadamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de novembro de 2021 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 4 de março de 2021) afigura-se totalmente inaplicável ao presente caso, por discorrer sobre processos urgentes e, consequentemente, sobre um outro enquadramento legal.
13. Assim, quando o Recorrente intentou a presente ação (18 de maio de 2022) e quando a Recorrida foi citada para a mesma (23 de maio de 2022) já se havia esgotado o prazo prescricional de 1 ano iniciado no dia 6 de abril de 2021, pelo que os créditos laborais invocados nos presentes autos se encontram prescritos.
14. A interpretação do artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021 assumida pelo Tribunal a quo (e sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 19 de maio de 2022, Processo n.º 16/21.3YFLSB) não enferma de inconstitucionalidade por suposta violação do princípio da confiança e do direito a um processo justo e equitativo.
Nestes termos, e nos melhores de Direito cujo suprimento de V. Exas. se espera e invoca, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se, em consequência, inalterada a decisão recorrida.”

2.3. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo.

3. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer a que alude o n.º 3 do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho (CPT), pronunciou-se pela improcedência do recurso interposto, parecer esse ao qual respondeu o Recorrente, mantendo as razões e posição que resultam do recurso que interpôs.
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Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir passa por saber se o Tribunal recorrido errou na aplicação do direito ao ter considerado que ocorreu a prescrição dos créditos invocados na ação pelo Autor.
*

III – Fundamentação
1. Fundamentação de facto
Os factos relevantes para a apreciação do presente recurso resultam do relatório que antes se elaborou, incluindo decisão recorrida.

2. Discussão
Tendo em vista a apreciação por parte deste Tribunal da Relação da questão colocada no presente recurso, em face das conclusões que delimitam o objeto do recurso, invoca a Recorrente, em síntese, os argumentos seguintes:
- Quanto ao caso concreto dos prazos prescricionais, na Lei nº.º1-A/2020, de 19 de março, quer na redação original quer nas sucessivas redações dadas pelas Leis nº4-A/2020, nº16/2020, nº4B/2021 e nº13-B/2021, o legislador nunca referiu que os mesmos não teriam o seu início durante o período de suspensão – o legislador apenas se pronunciou sobre a suspensão dos prazos, nada tendo dito quanto ao seu início, optando por uma terminologia totalmente distinta da utilizada no Código Civil –, devendo o n.º 3 do artigo 6º-B, da Lei nº1-A/2020, na redação dada pela Lei n.º 4B/2021, ser interpretado no sentido de que a suspensão dos prazos de caducidade ali prevista se aplica aos já iniciados ou em curso à data da entrada em vigor da norma, bem como àqueles que viessem a iniciar-se posteriormente;
- Do texto dos artigos 7º, nºs.3 e 4 da Lei nº1-A/2020, redação inicial, 6º da Lei nº 16/2020, de 29 de maio, 6º nºs. 3 e 4 da Lei nº 1-A/2020, aditado pelo artigo 2º da Lei nº4B/2021, de 1 de fevereiro, e 5º da Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril, resulta que em todas as referidas normas, são utilizadas expressões – “alargados” e “acresce” – cujo significado é aumentar, tornar-se maior, sendo que, se a intenção do legislador fosse aplicar aos prazos de prescrição suspensos como consequência da pandemia de Covid-19 uma mera suspensão, bastaria ao mesmo dizer que aqueles ficavam suspensos e, cessando a causa da suspensão, mencionar expressamente que os prazos de prescrição deixavam de estar suspensos – o legislador não só não fez isso, como ainda foi mais longe, delimitando regras específicas para os prazos administrativos e para os prazos de prescrição e caducidade, quer na Lei nº16/2020 (artº.5), quer na Lei nº13-B/2021 (artº.4º), logo, sendo o artº.5º da Lei nº13-B/2021 aplicável a prazos de prescrição e de caducidade, o seu regime tem plena aplicação na situação sub judice;
- Tendo em atenção a retroatividade de efeitos da Lei nº1A/2020, da Lei 4-A/2020, de 06 de abril, e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, constata-se que numa situação excecional, provocada pela pandemia de Covid-19, que praticamente paralisou o país em dois anos consecutivos, não é defensável a tese de que com a publicação da referida legislação o legislador apenas se preocupou em criar condições para que os titulares dos direitos em curso não icassem prejudicados pela impossibilidade de exercerem o seus direitos, esquecendo todos aqueles cujos prazos nasceram na fase em que os efeitos da pandemia eram mais acentuados, inferindo-se pelo contrário claramente da leitura conjugada dos artigos 5º e 6º da Lei nº16/2020 e 4º e 5º da Lei nº13-B/2021, que a intenção foi no sentido de criar um regime de alargamento dos prazos de prescrição e caducidade em função do tempo decorrido desde a verificação do facto que deu origem a início do dito prazos, independentemente de estes terem, ou não, ocorrido durante a vigência dos diplomas que decretaram a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade – pelo que a decisão recorrida violou o disposto nas disposições conjugadas dos números 3º e 4º do artigo 6º.-B, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e artigo da Lei 13-B/2021, de 5 de abril;
- A interpretação do artigo 5º da Lei nº13-B/2020, de 5 de abril, no sentido de que a mesma só é aplicável aos prazos já iniciados no momento da sua entrada em vigor, e que não contempla o efetivo alargamento dos prazos de prescrição por um período correspondente ao da sua suspensão, viola o princípio da proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2º da Constituição e também o direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Por sua vez, defendendo o julgado, invoca a Recorrida nomeadamente o seguinte:
- Tendo o contrato de trabalho do Recorrente cessado no dia 15 de fevereiro de 2021, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho, os créditos cuja existência e pagamento pretende ver reconhecidos na presente ação prescreveriam no dia 16 de fevereiro de 2022, mas, por força da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que veio estabelecer a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade, nomeadamente do prazo de prescrição dos créditos laborais, com efeitos reportados a 22 de janeiro de 2021, aquele prazo não se chegou a iniciar no dia 16 de fevereiro de 2022, sendo que, nos termos do disposto Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, que veio promover a cessação do regime de suspensão de prazos, com efeitos reportados a 6 de abril de 2021, o prazo de prescrição em causa iniciou a sua contagem no dia 6 de abril de 2021, assim se esgotando no dia 6 de abril de 2022;
- A norma que prevê o alargamento do prazo de prescrição só é aplicável aos prazos que se iniciaram antes da entrada em vigor da Lei n.º 4-B/2021, ou seja, antes de 22 de janeiro de 2021, e, nessa medida, foram suspensos no decurso da sua contagem, o que não é caso do prazo prescricional dos autos, o qual não chegou sequer a iniciar, pelo que não é possível concluir que o mesmo retomou o seu curso no dia 6 de abril de 2021 – o que o legislador pretendeu assegurar com o alargamento do prazo foi um período de transição para os prazos de prescrição ou caducidade já iniciados e que viessem a ser suspensos por força da referida legislação, alargamento esse que não não foi previsto, nem faria qualquer sentido, para um prazo de prescrição ou caducidade que, durante aquele período de constrangimento pandémico, nem sequer se havia iniciado e que, por isso, correria integralmente já em período de normalidade;
- A interpretação de normas excecionais deve obedecer ao princípio leges exceptionem a lege continent strictae subsunt interpretationi, isto é, as leis excecionais devem ser sujeitas a uma interpretação estrita, sendo que, exatamente por se tratar de normas excecionais e transitórias, impunha-se prudência na atuação processual das partes, o que seguramente não se coaduna com aguardar 407 dias, todos e cada um deles decorridos já em período de normalidade, para reclamar créditos cujo prazo prescricional é de 1 ano;
- Assim, quando o Recorrente intentou a presente ação (18 de maio de 2022) e quando a Recorrida foi citada para a mesma (23 de maio de 2022) já se havia esgotado o prazo prescricional de 1 ano iniciado no dia 6 de abril de 2021, pelo que os créditos laborais invocados nos presentes autos se encontram prescritos;
- A interpretação do artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021 assumida pelo Tribunal a quo não enferma de inconstitucionalidade por suposta violação do princípio da confiança e do direito a um processo justo e equitativo.
Pronunciando-se o Ministério Público junto desta Relação, no parecer que emitiu, pela improcedência do recurso, tendo em vista a apreciação, constata-se que o Tribunal a quo fez constar da decisão recorrida o seguinte (transcrição):
“(…) Cumpre, assim, apreciar da suspensão dos prazos gerais de caducidade e prescrição com a entrada em vigor da lei n.º 1-A/2020, conforme invoca o autor.
Estipula o n.º 1 do art. 337º do Código do Trabalho que “o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”.
Resulta assim deste preceito, e tal como tem vindo a ser entendido, que os créditos decorrentes da relação laboral apenas prescrevem um apenso após a data de sua cessação, e quer o titular do direito seja o trabalhador ou o empregador.
A prescrição consiste na perda ou extinção de um direito disponível ou não declarado, por lei, isento de prescrição, por virtude do seu não exercício durante certo tempo - art. 298º o Código Civil. Ou seja, é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei e que varia conforme os casos.
As causas interruptivas da prescrição dividem-se em duas categorias: as que dependem de atos praticados pelo titular do direito, e as que dependem de atos praticados contra quem o direito pode ser exercido. Os arts. 323º e 324º do Código Civil referem-se àquela primeira espécie e o art. 325º do prevê a causa interruptiva da segunda espécie.
Dispõe o art. 326ºdo Código Civil que a interrupção inutiliza para a prescrição todo tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo e a nova prescrição está sujeita, em princípio, ao prazo da prescrição primitiva. Obviamente, a interrupção só é possível enquanto o prazo não decorrer de todo, pois com o seu completo decurso extingue-se o direito.
Tendo o contrato de trabalho celebrado entre as partes cessado a 15/2/2021, o prazo de prescrição iniciar-se-ia a 16/2/2021 e terminaria a 16/2/2022 (art. 279º, c), do Código Civil). Porém, na sequência da situação de pandemia causada pelo vírus covid-19, A 1 de fevereiro de 2021 foi publicada a Lei n.º 4-B/2021 que introduziu o art. 6º-B à referida Lei n.º 1- A/2020, cujo n.º 1 dispõe que “são suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes”; sendo certo que o seu n.º 3 expressamente estipula que “são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.”. Decorre, assim, de forma clara desta lei, que estão suspensos os prazos de prescrição e caducidade que necessitem de processos ou procedimento judiciais para a sua interrupção.
Esta lei, que entrou em vigor no dia 2 de fevereiro (cfr. seu art. 5º), estipula expressamente que o aditado art. 6º-B à Lei n.º 1-A/2020 produz efeitos a 22 de janeiro de t
Este artigo 6º-B da Lei n.º 1-A/2020 foi expressamente revogado pela Lei n.º 13- B/2021, e cujo art. 5º estipula que “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.
Esta lei entrou em vigor a 6 de abril de 2021.
Deste modo, é de considerar que na data em que cessou o contrato de trabalho estava suspenso o prazo de prescrição dos créditos laborais, pelo que o mesmo apenas se iniciou a 6 de abril de 2021.
Defende o autor que ao prazo de prescrição de um ano acresce o período de suspensão, por força do disposto no citado art. 5º da Lei n.º 13-B/2021.
No entanto, e como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/5/2022 (processo n.º 16/21.3YFLSB, in www.dgsi.pt) este indicado alargamento de prazos processuais só se aplica aos prazos que tenham sido suspensos por força da entrada em vigor do art. 6º-B da Lei n.º 1-A/2020, introduzido pela Lei n.º 4-B/2021, e não àqueles que só se iniciaram após a sua revogação (por força da suspensão que existia).
Na verdade, e como ali se escreveu, quanto «ao invocado artigo 5.º da Lei n.º 13- B/2021, é manifesto que ele não tem aqui aplicação. Com o alargamento dos prazos que aí se contempla, o legislador terá pretendido assegurar, e justificadamente, a transição (mais) gradual para a retoma da contagem dos prazos que estavam suspensos, evitando o esgotamento abrupto dos que estivessem na iminência de terminar aquando da suspensão. Sublinha-se: naquele artigo 5.º estão apenas em causa os prazos que, encontrando-se em curso à data da suspensão generalizada dos prazos, tenham sido suspensos por via da Lei n.º 1-A/2020 tal como alterada pela Lei n.º 4-B/2021 e, portanto, impedidos de correr na sua totalidade. Ora, antes do início da vigência da Lei n.º 13-B/2021, o prazo para a propositura da presente acção não havia sequer começado a correr, pelo que não era susceptível de ser suspenso nem, consequentemente, retomado, não fazendo sentido falar em alargamento “pelo período correspondente à vigência da suspensão”.»
De igual modo, o prazo de prescrição dos créditos do autor não estava em curso aquando da entrada em vigor do art. 6º-B da Lei n.º 1-A/2020, e tendo o contrato de trabalho cessado na sua vigência, o mesmo apenas se iniciou após a sua revogação, pelo que não lhe é aplicável o disposto no referido art. 5º da Lei n.º 13-B/2021.
Assim, e aderindo à jurisprudência consagrada no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, é de considerar que tendo o prazo de um ano de prescrição se iniciado a 6/4/2021 este estava já integralmente decorrido mesmo aquando da instauração da presente ação a 18/5/2022. (…)”
Na consideração da fundamentação constante da decisão recorrida e dos argumentos que em contrário são indicados pelo Recorrente, desde já avançamos ser nosso entendimento que a este não assiste razão, como melhor explicaremos de seguida.
Como nota inicial, importa dizer que o regime da suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade contemplado nas Leis invocadas para o caso se aplica ao prazo prescricional contemplado no n.º 1 do artigo 337.º do Código de Trabalho/2009[1].
Justifica-se, então, que façamos algumas considerações sobre o instituto da prescrição, que, assumindo-se como tem sido reconhecido como vertente basilar da repercussão do tempo nas relações jurídicas, pretende responder, na sua regulação legal, como resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional de 12 de fevereiro de 2014, que aqui seguiremos de muito perto, a uma pluralidade de fundamentos, assim, designadamente, a probabilidade da efetivação do pagamento pelo devedor, a presunção de renúncia do credor e a sanção para a sua negligência, a promoção do exercício oportuno dos direitos, ou a necessidade social de certeza e de segurança jurídica. Como se escreve do referido Acórdão, socorrendo-se dos ensinamentos de Vaz Serra nos trabalhos preparatórios que conduziram ao Código Civil vigente: “o respetivo regime jurídico obedece, conforme o aspeto encarado, a um ou a outro de tais fundamentos, configurando “instituto complexo, em que confluem razões várias e se debatem interesses contraditórios, cuja conciliação não é sempre fácil” (cfr. Prescrição extintiva e caducidade, BMJ 105, pág. 33; para a resenha das várias visões doutrinais sobre os fundamentos da prescrição, cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Ed., 2008, págs. 20 a 22). No seu cerne encontra-se, cabe sublinhar, imperativo de justiça. Nas palavras de Cunha de Sá: “Como meio e modo de cooperação humana, o vínculo obrigacional tem em vista a satisfação do interesse do credor através da conduta que por alguém passa a ser-lhe devida. Se aquele não exerce o crédito durante um espaço de tempo mais ou menos longo isso significa objetivamente que lhe passou a ser indiferente a prossecução do seu interesse e não faria sentido que, contra todas as expectativas criadas pela sua abstenção, o devedor fosse forçado a realizar a prestação. O exercício coativo do crédito revelar-se-ia até, em muitos casos, verdadeiramente chocante para a consciência jurídica” (cfr. Modos de Extinção das Obrigações, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. I, Almedina, 2012, pág. 247).
Resultando também do mesmo Acórdão, a respeito da suspensão da prescrição, que essa “supõe uma causa, subjetiva ou objetiva, que constitua obstáculo de facto ao exercício do direito, ou que o torne especialmente difícil, com expressão tal que afasta a verificação de negligência do seu titular e, então, torna injusto o curso do prazo prescricional”, o que levou o legislador “a estabelecer uma regra geral, conferindo efeito suspensivo a todos os eventos ou motivos que impeçam de facto, ou dificultem significativamente, o exercício do direito pelo seu titular, optando pela consagração de certas causas suspensivas da prescrição”, no entanto, para além das causas expressamente previstas no nosso ordenamento civil (veja-se artigo 318.º, quanto a causas objetivas, e o artigo 319.º sobre causas subjetivas, ou ainda artigo 322.º relativo à prescrição dos direitos da herança ou contra ela, assim como o artigo 320.º, que rege a especial condição dos menores, interditos ou inabilitados, em que se contemplam causas de suspensão do termo da prescrição), como no mesmo Acórdão também se assinala, citando-se, “A especificidade das causas de suspensão do curso do prazo de prescrição, ou do seu termo, que se vêm de referir, não esgotam, porém, as situações de merecimento de proteção neste domínio, como foi salientado por Vaz Serra. A resposta a essa necessidade encontra-se precisamente no disposto no n.º 1 do artigo 321º, completando através da cláusula geral de motivo de força maior, o elenco legal das causas suspensivas de prescrição, que de outro modo ficaria incompleto (cfr. Prescrição extintiva e caducidade, BMJ n.º 106, págs. 175 a 178).”
Como se escreve ainda no mesmo Acórdão:
«Cabe referir que, nos trabalhos preparatórios, o problema surge equacionado a partir da resposta à questão da determinação de quando deve começar a correr o prazo da prescrição. Tendo em atenção que, na tradição romanística, o início da prescrição ligava-se à ideia da actio nata: actioni nondum natae non praescribitur; mas discutia-se quando deve a ação considerar-se nascida – se no momento da violação do direito alheio (teoria da violação), se naquele em que o direito pode ser exercido (teoria da realização) –, depois de ponderar a doutrina e o direito comparado, concluiu Vaz Serra não ser de aceitar solução que faça correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito de impugnação, pois “uma vez que a prescrição se funda na inércia do titular do direito, deve ela, logicamente, começar no momento em que o direito pode ser exercido”, não sendo esse curso impedido pela ignorância do titular sobre a existência do direito e sobre a sua titularidade (cfr. BMJ n.º 105, págs. 190 a 198). O que, porém, não afasta preocupações de equidade, atendendo designadamente à natureza do direito e à duração – curta ou longa - do prazo de prescrição em questão.
Referindo-se especificadamente ao direito de indemnização, em causa nos presentes autos, disse Vaz Serra:
«Parece, realmente, que o princípio deve ser que o início da prescrição não é impedido pela ignorância do titular sobre a existência do direito e sobre a sua titularidade. Embora não haja então negligência do titular, ou possa não a haver, sempre há inércia da sua parte e a parte contrária não deve ficar à mercê da ignorância do titular, a qual, de resto, pode prolongar-se por muito tempo: não pode então dizer-se que a prescrição se funda numa presunção de renúncia ao direito, mas, como se viu, a razão de ser da prescrição não é só essa, intervindo também outras considerações e, entre elas, a da vantagem de segurança jurídica. Mas isto não significa que a lei deva sempre manter-se neste princípio, e não deva, antes, para os casos em que isso se mostre especialmente razoável (e que são sobretudo casos de prescrição de curto prazo), fixar, para início da prescrição, o momento em que o seu titular se acha em situação de facto que lhe permita exercer o seu direito. (...) É (...) o que se propõe para a prescrição curta do direito de indemnização (...): este direito prescreveria por três anos contados da data em que o lesado teve conhecimento desse direito e da pessoa do responsável. Funda-se na particular importância do direito de indemnização, que não parece deva prescrever sem que o seu titular tenha a possibilidade prática de o exercer. Além desta curta prescrição, parece que o direito de indemnização deve ficar sujeito à prescrição ordinária, contada da data em que o direito pode fazer-se valer, isto é, daquela em que se reúnem os requisitos da responsabilidade civil (...). A circunstância, porém, de se firmar o princípio de que o começo da prescrição não é impedido pela ignorância do titular acerca da existência e titularidade do direito ou por algum outro obstáculo de facto, não parece dever conduzir, sem mais nada, a que o titular deva ser sacrificado sem possibilidade de se defender. Embora se não admita, em termos amplos, a regra contra non valentem agere non currit praescriptio, sempre se afigura razoável que aquele princípio seja temperado de algum modo por esta outra regra. O problema põe-se em matéria de início da prescrição e em matéria de suspensão do curso desta, pois o impedimento de facto ao exercício do direito pode existir na data em que o prazo deveria começar a correr ou pode surgir só quando esse prazo está já em curso» (ob. cit., págs. 198 e 199).
Nestes termos, a suspensão da prescrição por motivos de força maior visou dar resposta a impedimentos de exercício do direito à ação sobrevindos, aproximando-se, então, de institutos adjetivos, como seja o do justo impedimento, previsto no artigo 146.º do Código de Processo Civil, de 1961, em que se admite a prática do ato para além do prazo respetivo, se o juiz julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. Regime esse que, na ausência de outras previsões e perante o caráter excecional das causas de suspensão da prescrição, a doutrina admitia no domínio do Código de Seabra como única via de atingir uma solução justa para as situações que inibem o credor de agir contra o devedor, pese embora não a mais apropriada (assim, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, 1987 (reimpressão), págs. 457 e 458).
A solução acolhida no n.º 1 do artigo 321.º pelo legislador no Código Civil vigente veio precisamente ultrapassar a dificuldade notada pela doutrina. Contempla a suspensão do prazo de prescrição por causa objetiva derivada de situação jurídica relevante, como seja motivo de força maior (conceito oriundo do Código de Seabra e que corresponde ao de impossibilidade, acolhido em previsões aproximadas, como observa Menezes Cordeiro, in Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, Almedina, 2007, pág. 191) que impeça titular do direito de o fazer valer nos últimos três meses do prazo de prescrição, facultando o seu exercício pelo tempo que durar tal impedimento, ou seja, por período que pode atingir, na sua expressão máxima, três meses.
(…) Como se vê, a causa objetiva de suspensão consagrada no n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil (o n.º 2 do preceito contempla outra causa objetiva de suspensão, que não releva para o presente recurso) obedece essencialmente a considerações de equidade, temperando o funcionamento de outras normas do regime da prescrição, designadamente as que permitem que o prazo de prescrição tenha início e corra sem que o titular do direito saiba da sua existência e da sua titularidade, como que aquelas que estipulam que o prazo de prescrição, mesmo aquele de duração curta, não detenha o seu curso sempre – e em todo o tempo - que o titular do direito esteja impedido de o exercer.
Sendo esse o seu escopo e alcance, Menezes Cordeiro distingue-a de outras figuras, que aponta como limítrofes, como seja o não-início – reconduzido às situações em que, por força do disposto no artigo 306.º, por não poder ser exercido, certo direito não vê, contra ele, correr a prescrição – e a impossibilidade – que aponta, a partir do acórdão do STJ de 6 de julho de 2000, CJ (STJ), VIII, págs. 155 a 158, como “figura jurisprudencialmente referida para retratar casos em que, fora do artigo 306.º, a prescrição não podia iniciar-se, por ausência de direito actuável” – a par da imprescritibilidade e da interrupção da prescrição (ob. cit., pág. 192). (…)”
Depois das considerações anteriores, admitindo-se que a resposta a dar ao caso que se decide possa não ser isenta de dúvidas, importa esclarecer que esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto já se pronunciou, em diversos Arestos, sobre situações que chamavam à aplicação diversos aspetos do regime que foi estabelecido nos diplomas legais de natureza especial e extraordinária que também no caso são invocados, sendo que, esclareça-se também, limitada a nossa análise à questão que é colocada no presente recurso, também sobre essa se debruçou o recente Acórdão de 17 de abril de 2023[2], nos termos seguintes (transcrição):
“(…) Ora, porque, como se disse, a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito (art.º 323º, nº 1 do Código Civil), significa que o prazo de prescrição que aqui nos ocupa se reporta a um dos processos referidos no nº 1 do art.º 6º-B da Lei nº 1-A/2020 (redação vigente em março de 2021), a um processo que para ter lugar a citação da Ré teria que ser iniciado.
Ou seja, para aplicação desse regime legal não é requisito que estivesse pendente processo judicial, apenas se exigindo a existência de prazo de prescrição em curso ou iniciado na vigência do mesmo, e isso acontecia no caso em apreço.
Concluindo que o regime é aplicável ao prazo previsto no art.º 337º, nº 1 do Código do Trabalho[3], ou seja, que o prazo de prescrição a iniciar em 03/03/2021 ficou suspenso, o mesmo deixou de estar suspenso com a revogação do citado art.º 6º-B pela Lei nº 13-B/2021, de 05 de abril (art.º 6º).
Dispondo o art.º 5º dessa Lei nº 13-B/2001 que os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão, impõe-se ver em o que significa esse alargamento, mais propriamente se efetivamente o prazo passa a ser de mais que um ano, ou se afinal é de um ano, mas ressalvado o período de suspensão, ou seja, afinal alargado significa que na prática o prazo é de um ano mais o período em que esteve suspenso o prazo.
Acompanhamos o recente acórdão desta Secção Social do TRP de 20/03/2023[4], no qual se escreveu que nenhuma razão lógica existe que justificasse decorrer do art.º 5º, da Lei 13-B/2021, de 05 de abril, o propósito do legislador proceder a uma alteração dos prazos de prescrição e caducidade, introduzindo-lhes um acréscimo de tempo, ou seja, visando que passassem a ter uma duração diferente da estabelecida na lei, para lhes ser acrescido o período de tempo correspondente ao da suspensão, o que no caso levaria a que o prazo de um ano, previsto no art.º 337.º, nº 1 do Código do Trabalho, fosse aumentado para 1 ano e 73 dias; o propósito do legislador não foi alterar os prazos de prescrição [ou caducidade], mas sim salvaguardar os interesses de titulares de direitos sujeitos a prescrição, que por efeito da situação extraordinária vivida durante a pandemia que justificaram adoção de medidas extraordinárias, para além do mais, restringindo a liberdade de circulação e obstando à prática de atos judiciais, ficaram impedidos, por causa não imputável aos próprios, de exercer os seus direitos por via judicial.
Ou seja, tal como decidido neste aresto, afigura-se-nos claro que o alargamento referido não traduz uma alteração do prazo de prescrição, apenas esclarecendo que o prazo é o da prescrição (no caso um ano) mas que, na medida em que não corre no período de suspensão, na prática o prazo de prescrição é um ano mais o tempo em que houve suspensão.
Deste modo, in casu, o prazo de prescrição que se iniciava em 03/03/2021 ficou no imediato suspenso em face da legislação então em vigor, pelo que efetivamente o prazo se veio a iniciar quando essa suspensão cessou, em 06/04/2021, com a entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021 (art.º 7º) quer revogou a norma que o considerava suspenso.
Quer isto dizer que o prazo de prescrição se iniciou em 06/04/2021 e findou em 06/04/2022, o que significa que quando as Rés foram citadas, no início de maio de 2022, já estava verificada a prescrição (por isso não podia já haver interrupção).
Sendo assim, estando prescritos os créditos da Autora decorrentes da cessação da relação laboral invocada, fica prejudicado o conhecimento da questão de fundo (se houve despedimento/se a ação devia prosseguir para julgamento). (…)”
No mesmo sentido, para além do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça invocado na decisão recorrida, veja-se o Acórdão também desta Relação de 23 de março de 2023[5]: “(…) Efetivamente, como defendem os Recorrentes, neste caso não é aplicável o art.º 5º da Lei nº 13-B/2021 - (“Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”) ─, dado que o prazo de suspensão aqui em causa nem sequer tinha ainda começado a sua contagem. E esse art.º 5º da Lei nº 13-B/2021 só é aplicável aos prazos que já tivessem iniciado a contagem. Neste sentido, o acórdão do STJ: «Quanto ao invocado artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, é manifesto que ele não tem aqui aplicação. Com o alargamento dos prazos que aí se contempla, o legislador terá pretendido assegurar, e justificadamente, a transição (mais) gradual para a retoma da contagem dos prazos que estavam suspensos, evitando o esgotamento abrupto dos que estivessem na iminência de terminar aquando da suspensão. Sublinha-se: naquele artigo 5.º estão apenas em causa os prazos que, encontrando-se em curso à data da suspensão generalizada dos prazos, tenham sido suspensos por via da Lei n.º 1-A/2020 tal como alterada pela Lei n.º 4-B/2021 e, portanto, impedidos de correr na sua totalidade. Ora, antes do início da vigência da Lei n.º 13-B/2021, o prazo para a propositura da presente acção não havia sequer começado a correr, pelo que não era susceptível de ser suspenso nem, consequentemente, retomado, não fazendo sentido falar em alargamento “pelo período correspondente à vigência da suspensão”.» [10]”
Na consideração do regime que antes se enunciou, bem como pronúncias jurisprudenciais que se citaram, descendo ao caso que se decide, em termos de enquadramento da questão que nos é colocada, importa assinalar que, afinal, tal questão relaciona-se com saber se, em face do disposto nas leis invocadas e aplicadas, como é dito de natureza excecional, em que se estabeleceu um regime de suspensão no que ao caso importa do prazo de prescrição, se nessas se deve incluir um prazo de prescrição que, como resulta dos autos, apenas se deveria iniciar já num período em que vigorava o regime de suspensão operado por aquelas leis. Melhor dizendo, está em causa saber quando se iniciou o prazo de prescrição e ou se ocorreu alguma circunstância que determine a suspensão ou interrupção de tal prazo.
No sentido de darmos resposta à referida questão, ou seja a respeito do início do curso do prazo de prescrição, socorrer-nos-emos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de setembro de 2016[6], quando se refere o seguinte:
“(…) como assinala António Menezes Cordeiro [Tratado de Direito Civil, V, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2015, pág. 202 e seg.], o início do prazo é inquestionavelmente «fator estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objetivo e o subjetivo».
O primeiro «é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respetivo credor, sendo compatível com prazos longos». O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas «quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos».
Nesta matéria, o art.º 306º, nº 1, do Cód. Civil, adotou o sistema objetivo, que, como atrás se salientou, dispensa qualquer conhecimento, por parte do credor, dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido», sendo que a injustiça a que tal sistema possa dar lugar é temperada pelas regras atinentes à suspensão e interrupção da prescrição (art.ºs 318º a 327º, do Cód. Civil). A expressão constante daquela disposição (art.º 306º, nº 1, do Cód. Civil), “quando o direito puder ser exercido” deve ser interpretada no sentido de o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder atuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação [Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª edição, pág. 83], isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida e, uma vez iniciado o prazo de prescrição de qualquer direito, a respetiva contagem prossegue a menos que ocorra qualquer suspensão ou interrupção (art.ºs 318º e segs. do Cód. Civil), não relevando sequer a sua transmissão (art.º 308º, nºs 1 e 2, do Cód. Civil).”
Conforme refere o Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 10ª Edição, a páginas 626, o prazo da prescrição conta-se “… do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.”
Importa notar que o artigo 306º nº 2 Código Civil estabelece ainda que “A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.”
O artigo 270º refere que a condição suspensiva consiste na subordinação da produção dos efeitos do negócio jurídico pelas partes a um acontecimento futuro e incerto.
Quanto ao termo suspensivo refere-se em Teoria Geral do Direito Civil, Carlos Alberto da Mota Pinto, 4ª Edição, a páginas 577 que o termo é a “cláusula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas na dependência de um acontecimento futuro, mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se tornam exercitáveis a partir de certo momento…”
Pois bem, acompanhando-se o entendimento que resulta do antes transcrito, consideramos que, em face do regime estabelecido nas invocadas e aplicadas leis – assim, designadamente: artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que estabelece que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”, e artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril, de que resulta que “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão” –, as mesmas são apenas aplicáveis aos prazos de prescrição que já se encontravam em curso no momento em que entraram em vigor, pois é tal solução que resulta da respetiva interpretação, como melhor esclareceremos de seguida.
É que, importando ainda recordar que está legalmente impedida a aplicação analógica dos citados preceitos, enquanto normas excecionais que são – pois que nos termos do artigo 11.º do CC “As normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva” –, importa ter presente que: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (artigo 9.º/1 do CC); “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9.º/2 do CC); “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” (artigo 9.º/3 do CC).
Ou seja, resulta do artigo 9.º do CC transcrito que na interpretação da lei devem considerar-se os elementos literal, histórico, sistemático e teleológico, tudo tendo em vista alcançar-se o resultado final pretendido, assim o de ser desvendado o espírito da lei, sendo que, porém, como do preceito se extrai, o ponto de partida do intérprete é constituído pelo elemento literal que, para além disso, também se constitui como limite da interpretação – a letra da lei tem assim duas funções, a negativa ou de exclusão, que impõe o afastamento de qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão), e a positiva ou de seleção que determina sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
Assim o relembramos pois que logo por aqui se verifica que a interpretação sustentada pelo Apelante no sentido da aplicação do regime do artigo 5.º da Lei n.º 13-B/2021, constando desse a referência literal expressa “os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei”, permita aí ter como previsto a um caso em que o prazo de prescrição não estava em curso aquando da publicação das leis que estabeleceram a suspensão dos prazos de prescrição, nomeadamente o artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, que determinou que “A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos”.
Com efeito, por um lado, partindo-se de uma enunciação taxativa constante do dispositivos legais em causa relativamente aos prazos de prescrição logo se verifica que a enunciação legal taxativa não comporta, ainda que imperfeitamente expressa, a mínima alusão a prazos de prescrição referentes a direitos que só no futuro se viessem a criar, razão pela qual, mas com a natural salvaguarda do respeito devido por diverso entendimento, consideramos que a interpretação preconizada pelo Recorrente tenha na lei sequer um mínimo de apoio.
Por outro lado, o legislador não poderia deixar de conhecer que, para além dos prazos de prescrição referentes ao exercício de direitos que já estavam em curso aquando da publicação da lei em causa, viriam a nascer, após a sua publicação, direitos novos sujeitos em geral também a prazos de prescrição, razão pela qual, nada mais dizendo na referida lei, o que se extrai é que, quanto a esses, entendeu que não se justificava que expressamente em relação aos mesmos se tivesse de referir. Com efeito, como na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º/3 do CC), depois se se afirmar “constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade” apenas se encontra utilidade no acrescento que se faz de seguida “relativos a todos os tipos de processos e procedimentos” se com ela se pretendia apenas incluir, dentro do âmbito de aplicação dessa norma, limitada a nossa análise, à prescrição, os casos em que os prazos de exercício dos direitos já se tinham iniciado e por essa razão podiam ser objeto dos processos e procedimentos que se referiram.
É verdade que, como antes o vimos, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, devendo antes reconstituir o pensamento legislativo (art. 9º/1 do CC), sendo igualmente verdade que se por essa via reconstitutiva se chegar à conclusão de que o texto da lei “diz menos do que aquilo que se pretendia dizer”, deve então fazer-se uma interpretação extensiva, estendendo o texto de modo a abarcar os casos que, embora não diretamente abrangidos pela letra da lei, estarão em condições de ser abrangidos pelo seu espírito. No entanto, no caso, afigura-se-nos que o legislador foi suficientemente claro ao expor o que pretendia, tanto mais que, circunstância que importa também atender, no mesmo diploma estipulou medidas, para além do mais, que afetavam, limitando-a, no que aqui importa, o desenvolvimento normal da atividade dos tribunais.
Por outro lado, não se encontrando trabalhos preparatórios da Lei 1-A/2020 e da Lei 4-A/2020, do mesmo modo que delas nada consta em termos de exposição de motivos, não pode sustentar-se que a história desses diplomas legais induza à conclusão de que o legislador se pronunciou em termos divergentes e mais amplos do que aqueles em que pretendia pronunciar-se, sendo que, acrescente-se, a idêntica conclusão se chega no plano do elemento sistemático que indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo sistemático, pois que não existem outros diplomas legais a partir dos quais possa sustentar-se que os termos taxativos e restritivos em que o legislador se pronunciou no artigo que interpretamos contrariam a unidade do sistema jurídico, a que também deve atender-se em sede interpretativa. Por último, também se nos afigura que o elemento racional ou teleológico, que leva a atender-se ao fim ou objetivo que a norma visa realizar (ratio legis), permita sustentar de forma inequívoca que a solução suspensiva decorrente do citado n.º 3 do artigo deveria ser extensível, também, a prazos de prescrição que ainda não estavam em curso, sendo que, pelo contrário, assim o entendemos, tudo parece apontar no sentido de estar na base do entendimento legislativo plasmado nas normas que aqui se interpretam que quanto a esses, ao estabelecer o regime de suspensão em causa, mas também todas as demais medidas estabelecidas no restante texto da lei, em particular na parte em que afetavam o regular funcionamento das entidades, em particular os tribunais, mas não só, sequer o termo inicial ocorreria enquanto vigorassem as medidas especiais e extraordinárias que expressamente estabelecera.
É que, relembrando-se o que antes dissemos, assim ao citarmos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de setembro de 2016[7], nomeadamente os ensinamentos de António Menezes Cordeiro[8], sendo o início do prazo de prescrição «fator estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente”, adotando nessa matéria o artigo 306.º, n.º 1, do CC, o sistema objetivo, que dispensa qualquer conhecimento por parte do credor dos elementos essenciais referentes ao seu direito, iniciando-se o decurso do prazo de prescrição «quando o direito puder ser exercido», esta expressão “deve ser interpretada no sentido de que o prazo de prescrição se iniciar quando o direito estiver em condições (objetivas) de o titular o poder atuar, portanto desde que seja possível exigir do devedor o cumprimento da obrigação[9], isto é, ocorre a partir do momento em que o credor tem a possibilidade de exigir do devedor que realize a prestação devida”. Salientando de novo este aspeto, por ter importância decisiva para a apreciação da questão que nos é colocada, socorrendo-nos agora do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2022[10], «explicando esta solução legislativa Vaz Serra refere que “o tempo legal da prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito” não sendo de aceitar uma solução que faça “correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito”, sublinhando que o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objetiva, no aspeto jurídico - e não de mero facto - das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas (impedimentos de natureza jurídica) que obstem ao exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição – in, “Prescrição e Caducidade”, in BMJ, nº 105, págs. 190, 193 e 194».
Ora, em face do regime antes exposto, que importa aplicar ao caso que se aprecia, consideramos que, em face precisamente, também, das razões que estiveram subjacentes à estipulação legal das medidas restritivas ao exercício dos direitos e em particular face a essas medidas, que levaram, aliás, à suspensão expressa dos prazos de prescrição e caducidade que então já se encontravam em curso, em tais condições objetivas, não se pode dizer, no que ao caso importa, que o aqui Autor, quanto ao direito que invocou na presente ação estivesse, em 3 de março de 2021, data em que em tese se poderia iniciar o prazo de prescrição, objetivamente em condições de exercer o seu direito, enquanto vigoraram aquelas medidas legislativas, ou seja, até 6 de abril de 2021, com a entrada em vigor da Lei nº 13-B/2021.
Daí que, como já resulta do que antes dissemos, em termos de interpretação, diversamente do que parece defender o Recorrente, da letra da lei, assim artigo 5.º invocado, estando previsto que os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela lei em que se insere “são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão”, apenas se extrai, como sentido lógico e possível, que tal alargamento tem como pressuposto que os prazos a que se refere são aqueles que tivessem sido suspensos por aplicação das leis invocadas e aplicadas, o que, como vimos, não temos por aplicável à situação que aqui se aprecia, pois que o prazo de prescrição, porque se iniciaria num momento em que vigoravam as medidas limitativas/restritivas estabelecidas por essas leis, em que se incluía a suspensão dos prazos de prescrição que se encontrassem a decorrer, sequer iniciou o seu curso.[11]
E não se diga, por último, diversamente do que sustenta o Recorrente, que tal interpretação viola o princípio da proteção da confiança, plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, como ainda o direito a um processo justo e equitativo, previsto na mesma, seu artigo 20.º, n.º 4, e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
A jurisprudência do Tribunal Constitucional[12] é unânime no entendimento de que só haverá violação do princípio da confiança quando se possa afirmar que: (i) O Estado adotou comportamentos que geraram nos cidadãos «expetativas» de continuidade; (ii) que essas expectativas são legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; (iii) que os cidadãos realizaram planos de vida assentes na expectativa legitima da manutenção do “comportamento” do Estado; e (iv) que não ocorram razões de interesse publico a justificar a cessação desse comportamento. Neste sentido, “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança [...], terá de ser entendida como não consentida pela lei básica”[13]. Tudo está em saber, pois, em que circunstâncias a afetação da confiança dos cidadãos deve ser considerada “inadmissível, arbitrária e demasiado onerosa”, sendo sobejamente conhecidos os critérios que a jurisprudência constitucional estabilizou a este propósito[14], podendo dizer-se que a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudessem contar (i); e quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes, o que remete para uma ponderação a efetuar nos termos do princípio da proibição do excesso (ii). Por outras palavras, a conclusão pela inadmissibilidade de uma medida legislativa à luz do princípio da proteção da confiança dependerá, em primeiro lugar, de um juízo sobre a legitimidade das expectativas dos cidadãos visados, que deverão ser fundadas em boas razões, e cuja consistência carece, de acordo com a jurisprudência constitucional, da exteriorização de uma conduta estadual concludente e apta a gerar expectativas de continuidade, por um lado, e da materialização ou tradução em atos ("planos de vida") da confiança psicológica dos particulares, por outro.
Ora, no aludido contexto, sequer se percebe, diga-se, qual a razão e/ou fundamento em que residiria no caso a genérica invocação de que a interpretação constante da decisão recorrida viole o princípio da proteção da confiança, desde logo porque, como resulta do que antes dissemos, a respeito dos critérios que a jurisprudência constitucional estabilizou a este propósito, podendo dizer-se que a afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não pudessem contar, a mutação na ordem jurídica que se operou no caso, resultante da aplicação das genericamente designadas “leis Covid”, traduziram-se, no que ao aqui Autor diz respeito, em que sequer o prazo de prescrição para o exercício do seu direito se iniciou enquanto aquelas vigoraram, contando depois, afinal, em pleno com o prazo que desde há muito resulta da lei para o efeito, sendo que, importa dizê-lo também, tratou-se afinal de medidas ditadas, sem dúvidas, pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes.
Restando analisar o mais invocado, como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional antes identificado e citado em parte, Esse Tribunal “foi já chamado diversas vezes a apreciar a conformidade constitucional de normas de direito ordinário que estabelecem prazos de prescrição ou de caducidade, concluindo invariavelmente que a simples fixação de tais prazos não importa a violação do direito de acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva. Valores objetivos de certeza e de segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, justificam a imposição de um determinado prazo dentro do qual o respetivo direito carece de ser exercido, esgotado o qual fica privado de exigibilidade em juízo (cfr. Acórdãos n.ºs 148/87, 140/94, 70/2000, 411/2010 e 8/2012). O que não significa que tais limitações ao exercício do direito de acesso aos tribunais não encontrem, por seu turno, limites, desde logo pela sua condição jusfundamental: por efeito do disposto no artigo 17.º da Constituição, porque de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, encontra-se sujeito nas suas restrições ao regime do artigo 18.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição. Ponto é que estejamos perante restrição ao direito de acesso aos tribunais, e não em face de um simples condicionamento, ou seja, perante normas que encurtem em termos desadequados e desproporcionados o conteúdo e alcance do direito, o que no caso passa por considerar que o prazo aqui em questão inviabiliza ou onera de modo particularmente intenso a posição jurídica subjetiva do credor, em termos de diminuir de forma juridicamente censurável a possibilidade de exercício do direito à indemnização por danos decorrentes da atuação de entidade pública”.
Daí que, com salvaguarda de novo do respeito devido por diverso entendimento, no que ao caso importa, tanto mais que o aqui Recorrente contou, afinal, a partir do momento em que se deve considerar iniciado o prazo de prescrição (6 de abril de 2021), com o mesmo prazo de um ano que se encontrava previsto na lei para o exercício do seu direito, tal prazo não pode considerar-se excessivamente curto em termos de dele decorrer efetiva e desrazoável limitação do direito que se tutela. Ao invés, temos que estamos perante condicionamento que decorre das exigências de harmonização e de concordância prática entre as exigências constitucionais de sinal contrário que decorrem do direito de acesso aos tribunais e do princípio de tutela jurisdicional efetiva, por um lado, e do princípio da certeza e da segurança jurídica, por outro.
Por decorrência do exposto, carece também de adequado fundamento a invocação da violação dos princípios antes apreciados.

Decaindo no recurso, o Recorrente é responsável pelas custas (artigo 527.º, do CPC).
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:
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IV - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, com confirmação da decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.



Porto, 30 de outubro de 2023
(assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
Paula Leal de Carvalho
Rita Romeira

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[1] Ac. RL de 24-03-2021, Relator Desembargador Leopoldo Soares, in www.dgsi.pt.
[2] apelação n.º 2254/22.2T8MAI.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão, com intervenção, como 1.ª adjunta, da também aqui Exma. 1.ª Adjunta.
[3] Neste sentido, a propósito dos nos 3 e 4 do art.º 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, cfr. acórdão do TRL de 24/03/2020, consultável em www.dgsi.pt, processo nº 2072/20.2T8CSC.L1-4.
[4] Consultável em www.dgsi.pt, processo nº 5592/21.8T8MTS.P1.
[5] Relatora Desembargadora Isabel Silva, in www.dgsi.pt.
[6] processo 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, relatado pelo Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt
[7] processo 125/06.9TBMMV-C.C1.S1, relatado pelo Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt
[8] Tratado de Direito Civil, V, 2ª edição revista e atualizada, Almedina, 2015, pág. 202 e seg.
[9] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª edição, pág. 83
[10] Relator Conselheiro Manuel Capelo, in www.dgsi.pt.
[11] De resto, em termos de algum modo similares, com as necessárias reservas, ao regime se encontra previsto no n.º 2 do artigo 306.º do Código Civil, para a prescrição de direitos sujeitos a termo suspensivo – ao termo suspensivo refere-se, em Teoria Geral do Direito Civil, Carlos Alberto da Mota Pinto, 4ª Edição, a páginas 577, como sendo a “cláusula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas na dependência de um acontecimento futuro, mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se tornam exercitáveis a partir de certo momento…” –, cujo termo inicial, como aí se determina, só começa depois de a condição se verificar. Ao termo suspensivo refere-se, em Teoria Geral do Direito Civil, Carlos Alberto da Mota Pinto, 4ª Edição, a páginas 577, como sendo a “cláusula acessória típica pela qual a existência ou a exercitabilidade dos efeitos de um negócio são postas na dependência de um acontecimento futuro, mas certo, de tal modo que os efeitos só começam ou se tornam exercitáveis a partir de certo momento…”
[12] Crf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 505/2008, 188/2009, 85/2010 e 509/2015.
[13] cfr. Acórdão 556/03, disponível em w.tribunalconstitucional.pt
[14] cf., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 287/90, 303/90 e 399/10, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt