DIREITO DE DEFESA
DECISÃO ADMINISTRATIVA
ELEMENTO SUBJETIVO DA INFRAÇÃO CONTRAORDENACIONAL
Sumário


I - Apesar de o ilícito de mera ordenação social abranger um conjunto de situações cujo grau de censurabilidade é inferior às situações tipificadas pelo nosso ordenamento jurídico como ilícitos penais e, em virtude disso, reclamar um tratamento menos exigente do ponto de vista formal e substantivo, ficando a sua apreciação a cargo das entidades administrativas, isto não significa, porém, que estas as possam tratar de forma ligeira ou arbitrária; antes pelo contrário, uma vez que permite a punição do agente com sanções diversas e, muitas vezes, bastante gravosas, tem necessariamente de revestir-se de garantias processuais muito próximas das previstas para o processo penal, prevendo o artigo 41º, n.º 1, do RGC a aplicação subsidiária da legislação processual penal.
II - Quando a notificação efetuada em cumprimento do disposto no artigo 50º do RGC não fornecer todos os elementos necessários para que o arguido fique a conhecer os aspetos relevantes, de facto e de direito, para a decisão ocorre nulidade sanável, que é arguível no prazo de 10 dias, perante a própria administração ou, judicialmente, mediante a impugnação da decisão administrativa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 105º, n.º 1, 120º, n.ºs 1 e 3, al. c), e 283º, n.º 3, do CPP e 41º, n.º 1, do RGC; só a total omissão de cumprimento do disposto no aludido artigo 50º do RGC por parte da entidade administrativa e a consequente não concessão ao arguido da possibilidade de se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que pode incorrer configura uma nulidade insanável, enquadrável na al. c) do n.º 1 do artigo 119º do Código de Processo Penal.
III - A decisão administrativa em matéria de ilícito contraordenacional deve preencher os requisitos discriminados pelo artigo 58º, n.º 1, do RGC. Sendo proferida na fase administrativa, que se pauta pelas caraterísticas de celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação assume uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. Não obstante, é indispensável que contenha, além do mais, a indicação dos factos relevantes para a existência da contraordenação e a punibilidade do agente, bem como as normas jurídicas correspondentes, e as provas obtidas, de modo a permitir que o arguido possa aferir da sua justeza e, querendo, exercer cabalmente os seus direitos de defesa em sede de impugnação judicial.
IV - No que tange, concretamente, aos factos atinentes ao elemento subjetivo da infração contraordenacional, é exigível que a sua descrição permita concluir, pelo menos, se estamos perante uma imputação a título de dolo ou de negligência, o que tem óbvios reflexos, desde logo, quanto à gravidade da punição correspondente.
V - Não tem havido unanimidade, quer na doutrina, quer na jurisprudência, acerca da qualificação do vício decorrente da inobservância dos sobreditos requisitos – para uns, trata-se de uma nulidade, a arguir pelo interessado ou de conhecimento oficioso; para outros, de mera irregularidade.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. - RELATÓRIO

1. - No processo n.º 142/22...., a correr termos no Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por sentença de 15.05.2023, foi julgada improcedente a impugnação judicial deduzida por EMP01..., Lda., pessoa coletiva n.º ...22, relativamente à decisão proferida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, no âmbito do processo de contraordenação n.º 337/19...., de 23-05-2022, que lhe aplicou uma coima no montante de €14.000,00, pela prática de uma contraordenação por inobservância das zonas de defesa, prevista no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, e punível pelo artigo 59.º, n.º 6 do mesmo diploma, conjugado com o artigo 22.º, n.º 3, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto
2. - Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a sociedade arguida interpor recurso, nos termos que constam do respetivo requerimento e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, tendo, no termo da motivação, formulado as seguintes conclusões e petitório [transcrição[1]]:
1. A decisão administrativa é omissa quanto aos factos dos elementos do tipo da contraordenação, uma vez que os factos imputados à arguida não eram «factos» mas apenas afirmações genéricas, conclusivas e que comportavam matéria de direito, assim como é omissa quanto aos elementos do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional imputado à arguida, pelo que, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, a decisão administrativa está ferida de nulidade.
2. A própria notificação para o exercício do direito de audição prévia efetuado à arguida é nulo por ausência de factos que constituíam a contraordenação, pois que não obstante remeter para o auto de noticia, este é omisso quanto à data e circunstâncias em que a infração foi cometida, em manifesta violação do disposto no artigo 243º, nº 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 41º, nº 1, do RGCO.
3. Do auto de noticia constam conceitos jurídicos, matéria conclusiva e, como tal, de direito:
«Na data e hora referida no presente11, no exercício das funções de policiamento e fiscalização no âmbito da operação “L...” – fiscalização de atividades extrativas, esta equipa, verificou a inobservância das zonas de defesa por parte da entidade exploradora (arguido) no que diz respeito aos limites legalmente definidos.
No acompanhamento da fiscalização encontrava-se o representante legal, Sr. AA, com o NIF ...52 e residente na Estrada ..., ..., ... ....
Foi verificada que as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de caraterísticas adequadas às condições próprias do lugar, bem como as distâncias constantes no Anexo II do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro não foram observadas, nomeadamente no que diz respeito ao limite da distância entre a bordadura da escavação e o objeto a proteger (Estrada Nacional ...17) com o mínimo de 50 metros de proteção».
4. A nulidade por falta do exercício do direito de defesa implica que à arguida não lhe tenham sido fornecidos todos os elementos necessários para que esta ficasse a conhecer os aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, tendo ficado coartada no seu direito de defesa, o que sucedeu.
5. Acresce que, do não exercício do direito de audição prévia não resulta o efeito cominatório da prova dos factos constantes do auto de noticia, nem este tem o valor probatório atribuído aos documentos a que se refere o artigo 169º do Código de Processo Penal.
6. Verificou-se pela decisão administrativa a cominação de um efeito não permitido por lei para o silêncio da arguida, violando ainda o disposto no artigo 169º do Código de Processo Penal.
7. E fundamentando-se a decisão administrativa nos factos constantes do auto de noticia, que considerou provados, porque atribuiu um efeito cominatório ao silencio da arguida e porque o considerou como um dos documentos elencados no artigo 169º do CPP, passou esta decisão a estar ferida de nulidade por ser omissa quanto aos fatos concretizadores dos elementos do tipo objetivo e subjetivo do ilícito contraordenacional imputado à arguida.
8. Não obstante, a sentença recorrida admite a legalidade do auto de noticia, a legalidade da notificação do exercício do direito de audição prévia, a legalidade da decisão administrativa, a validade do efeito cominatório atribuído ao silencio da arguida quanto ao exercício do direito de audição prévia, assim como permite atribuir o valor probatório ao auto de noticia em manifesta violação do artigo 169º do Código de Processo Penal, tudo isto ao arrepio das citadas disposições legais.
9. Sem prescindir, o Tribunal, na sentença recorrida, deu como provado que «…as bordaduras de escavação da referida pedreira encontravam-se a 3 metros de distância daquela estrada», não obstante tais factos não constarem nem do auto de noticia nem da fundamentação de facto da decisão administrativa.
10. Ao dar como provada a referida factualidade, a sentença recorrida está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, por condenar por factos diversos dos descritos na acusação fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º do CPP, nulidade que expressamente se argui.
11. Ainda e sem prescindir, a sentença proferida está também ela ferida de nulidade por não fazer constar dos factos provados os factos essenciais do elemento subjetivo da contraordenação.
12. Aliás, determina o artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência, sendo um dos princípios basilares do direito contraordenacional o princípio da culpa.
13. E para que exista culpabilidade do agente no cometimento do facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência, pelo que deveria constar da fundamentação de facto que a arguida agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa – possibilidade de determinar a sua ação), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo) e conscientemente (imputabilidade), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo).
14. De acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 de 27 de janeiro, aplicável às contraordenações, na sequencia da aplicação subsidiária dos preceitos do processo criminal (ex vi artigo 41.º do referido regime), não é possível o recurso ao mecanismo do artigo 358º, nº 1 do Código de Processo Penal para integrar quer a falta, quer a deficiente descrição, por omissão narrativa, do tipo subjetivo do crime imputado, determinando, consequentemente, que a deficiente ou incompleta definição do tipo subjetivo de ilícito conduza, necessariamente, à absolvição, o que deverá ocorrer nos presentes autos.
15. Por último e sem prescindir, para o caso, aliás, não esperado de se entender que tal elemento consta da fundamentação de facto da sentença recorrida, o que não se admite nem aceita, o certo é que quer o auto de noticia, quer a decisão administrativa, são omissos relativamente a tais factos, pelo que o seu conhecimento determinaria a nulidade já invocada, prevista no artigo 379.º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, por condenar por factos diversos dos descritos na acusação fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º do CPP.
Termos em que deverá o presente RECURSO ser recebido, julgado procedente e, consequentemente, revogada a sentença proferida, absolvendo-se a arguida da contraordenação que lhe é imputada.
10 Neste sentido: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.03.2016, no processo 2572/10.2TALRA.C2, in www.dgsi.pt.
11 sublinhe-se que não consta do auto de notícia qualquer data ou hora.»
3. - A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem:
«1. A decisão da autoridade administrativa, acompanhada de todo o processado, vale como acusação (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19-05-2016, relatado por Manuela Fialho, disponível em www.dgsi.pt).
2. No caso dos autos, a decisão administrativa cumpriu, pontualmente, os requisitos formais e materiais que lhe são impostos pelo artigo 58.º n.º 1, alínea b), do RGCO, identificando cabalmente a arguida, fazendo uma descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, com indicação das provas obtidas, das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão e, bem ainda, da coima e sanções acessórias aplicáveis, não padecendo, por isso, de qualquer vício que importe a sua nulidade.
3. A decisão administrativa não olvidou o elemento subjectivo do tipo, fazendo constar expressamente que “Ao deixar de cumprir com os referidos deveres legais, o(a) arguido(a) violou a lei, o que constitui a prática de um facto ilícito, tendo prosseguido com a sua conduta, mesmo sabendo que com ela lesava os bens jurídicos que as normas visam proteger.”
4. Apesar de não indicadas no auto de notícia, a data e hora da prática dos factos mostram-se identificadas nos autos no ofício de 19-08-2020, remetido pelo NPA à ASAE, na sequência de um pedido de esclarecimentos realizado pela entidade administrativa ao órgão de polícia criminal autuante; aliás, na notificação remetida à ora Recorrente em 15-02-2021, para exercício do direito de defesa, mostrava-se já devidamente identificada a data e hora da prática dos factos que lhe são imputados, pelo que da apontada omissão constante no auto de notícia não pode, de modo algum, retirar-se a consequência de ter sido prejudicado o direito de defesa da ora Recorrente.
5. Ainda que a decisão administrativa não tenha sido proferida com a estrutura típica de uma acusação em direito penal, fica arredada qualquer nulidade quando tal decisão administrativa contenha quanto baste na descrição factual – objectiva e subjectiva – para o preenchimento do tipo objectivo e subjectivo da contraordenação nela imputada.
6. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não condenou a Recorrente por factos diversos dos constantes da decisão administrativa (ou mesmo do auto de notícia), pois que o Tribunal a quo apenas deu como provado que “(...) as bordaduras de escavação da referida pedreira encontravam-se a 3 metros de distância daquela estrada”, tal como já se havia dado como provado na decisão administrativa que “Enquanto explorador(a) de uma instalação de pedreira, o(a) arguido(a) tinha a obrigação de delimitar zonas de defesa na pedreira que explorava, o que não acautelou, violando com a sua conduta o dever de proteger os objetos classificados de interesse geral, no caso dos presentes autos, a Estrada Nacional ...17 que se encontrava a 3 m de distância das bordaduras de escavação”.
7. Não operou, por isso, qualquer alteração dos factos em virtude do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, por violação dos artigos fora 358.º e 359.º, do Código de Processo Penal.
8. A sentença recorrida fez constar dos factos provados os factos essenciais do elemento subjectivo da contraordenação, fazendo consignar que “A sociedade arguida, apesar de não ignorar aquela obrigação, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz”, fundamentando tal conclusão dizendo que “Quanto ao elemento subjetivo, retirou-se da verificação objetiva da conduta punível. Com efeito, constatada que se mostra a distância mínima de 3 metros entre a Estrada Nacional ...17 e a bordadura da escavação da pedreira, terá de tributar-se esse comportamento na condução dos trabalhos de exploração da pedreira que levaram à violação da zona de defesa, pelo menos, a uma atitude de despreocupação e descaso da arguida em face da obrigações legais violadas, as quais, atenta a sua antiguidade, nunca poderia ignorar.”
9. Com efeito, em matéria contra-ordenacional, o elemento intelectual do dolo, ou conhecimento dos elementos objectivos do tipo, surge em moldes substancialmente distintos dos que são próprios do domínio penal, sendo que a censurabilidade do comportamento, ínsita na culpa em sede de infracção contraordenacional, reside aqui fundamentalmente na imputação do facto a um comportamento responsável do seu autor; assim, concluindo-se que a arguida não agiu sem culpa, fazendo-se constar que apesar de não ignorar a obrigação, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, ficam, pois, evidenciados elementos subjectivos da contraordenação, carecendo de fundamento a nulidade invocada pela Recorrente.
10. Pelo exposto, a sentença recorrida não merece qualquer censura, devendo, por isso, manter-se inalterada.

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Nestes termos, e noutros que V/ Exas. doutamente suprirão, entende-se que não deverá ser dado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida na íntegra e nos seus precisos termos, e que, assim procedendo, V/ Exas. farão inteira e sã justiça!»
4. - Na vista a que se refere o artigo 416º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, acolhendo os argumentos aduzidos pela Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, que elaborou, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
5. - Foi cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo a recorrente apresentado resposta.
6. - Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
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II. – FUNDAMENTAÇÃO

1. - Delimitação do objeto do recurso
Decorre do preceituado no artigo 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal que o poder de cognição do tribunal de recurso é delimitado pelas conclusões – deduzidas por artigos –, já que é nelas que o recorrente sintetiza as razões – expostas na motivação – da sua discordância com a decisão recorrida.
Especificamente no caso de recurso em matéria de contraordenação, regem os artigos 73º a 75º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – Regime Geral das Contraordenações (RGC).
Ademais, importa ter em atenção o decidido no acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/2019[2] - “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”.

Da conjugação do sobredito regime legal com a transcrita jurisprudência fixada extraem-se as seguintes conclusões relativamente aos processos de contraordenação:

- A impugnação da decisão da autoridade administrativa não assume a natureza de um verdadeiro recurso, sendo antes a causa retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial – o tribunal;
- O Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista ampliada – podendo alterar a decisão do Tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido em que foi proferida ou anulá-la e devolver o processo ao mesmo Tribunal, sempre sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410.º Código de Processo Penal, por força do disposto nos artigos 41º, n.º 1, e 74º, n.º 4, do referido RGC – e como última instância, conhecendo apenas da matéria de direito[3].
2. - Tendo em perspetiva o que vimos referindo sobre o concreto âmbito dos recursos de contraordenação, considerando as conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação e observando a regra de conhecimento pela ordem lógica segundo as consequências da sua eventual procedência, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir:

2.1 - Nulidade do ato de notificação para audição prévia por ausência de indicação de factos constitutivos da contraordenação, coartando o direito de defesa;
2.2 - Nulidade da decisão administrativa por omissão da descrição de factos concretizadores dos elementos objetivo e subjetivo do tipo de ilícito contraordenacional;
2.3 - Nulidade da sentença recorrida por condenar por factos diversos dos descritos na decisão administrativa/acusação e por não conter factos provados que consubstanciam o elemento subjetivo da contraordenação.

2. - A sentença recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:
«(…)

II. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
A arguida invocou a nulidade da decisão administrativa, por ausência da descrição da fundamentação da matéria de facto, alegando o seguinte:
1. É imputado à arguida a prática de alegada conduta, constante da fundamentação da decisão ora recorrida, designadamente de que no dia 19 de fevereiro de 2019, aquando da ação de fiscalização efetuada pela GNR, na pedreira nº ..., sita na EN ...17, ..., nº 2, ..., ..., foi verificada a inobservância das zonas de defesa relativamente aos limites legalmente definidos.
2. Mais é imputado à arguida que as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de características adequadas às condições próprias do lugar, bem como as distancias constantes do anexo II do Decreto-lei nº 270/2001, de 6 de outubro, não foram observadas, nomeadamente no que diz respeito ao limite da distancia entre a bordadura da escavação e o objeto a proteger (EN ...17) com o mínimo de 50 metros de proteção.
3. Tais são os alegados factos constantes da matéria de facto dada como provada na decisão recorrida e que sustenta a aplicação da coima.
4. Isto posto, a matéria de facto, que obrigatoriamente fundamenta a decisão de direito, deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito, sob pena de nulidade da própria decisão, tal como resulta do disposto no artigo 379°, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
5. No caso dos autos, os «factos» imputados à arguida não são factos mas meras afirmações genéricas, conclusivas e que comportam matéria de direito:
- «foi verificada a inobservância das zonas de defesa relativamente aos limites legalmente definidos»;
- «as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de características adequadas às condições próprias do lugar»;
- «as distâncias constantes do anexo II do Decreto-lei nº 270/2001, de 6 de outubro, não foram observadas, nomeadamente no que diz respeito ao limite da distância entre a bordadura da escavação e o objeto a proteger (EN ...17) com o mínimo de 50 metros de proteção».
6. Os referidos «factos» integram, assim, afinações ou valorações conclusivas que mais não são do que a colocação na matéria de facto das respostas às questões jurídicas determinadas pela aplicação do Decreto lei nº 270/2001, de 6 de outubro, alterado pelo Decreto-lei 340/2007.
7. A ser assim, como é, estamos perante uma decisão que padece de nulidade, por ausência de fundamentação de facto, uma vez que as afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito têm-se por não escritas, nulidade essa que expressamente se argui com as legais consequências.
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 62.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27/10, “Recebido o recurso, e no prazo de cinco dias, deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao juiz, valendo este ato como acusação.”.
Ora, “[n]as contraordenações o que vale como acusação é a decisão condenatória da autoridade administrativa com tudo o que esta arrasta e engloba, não só em termos de factualidade dada como provada, mas também de “provas obtidas, nomeadamente o auto de noticia.” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 29/11/2000, processo n.º 452/2000, in www.dgsi.pt).
Do exposto, resulta que a decisão condenatória administrativa proferida em sede de procedimento contraordenacional vale, no seu todo, como acusação.
Nos termos do artigo 58.º n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27/10, a decisão que aplica uma coima ou sanções acessórias deve conter - conforme assim igualmente o exige o Código de Processo Penal em relação à acusação deduzida em sede de processo penal (cf. artigo 283.º n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal) - a descrição dos factos imputados ao arguido.
A descrição dos factos imputados impõe que seja expressa a facticidade integrante dos elementos objetivos e subjetivos constitutivos da contraordenação imputada - Cf. neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 28/04/2004, processo n.º 1947/2004-3, in www.dgsi.pt: “Tendo a autoridade administrativa, na sua decisão omitido qualquer facto que estabelecesse o elemento subjectivo da infracção é nula aquela decisão.” e, relativamente à acusação deduzida em sede de processo penal, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22/03/2006, processo n.º 1124/2006-3, in www.dgsi.pt, “Deve ser, essencialmente, uma narração dos factos concretos que são imputados ao agente do crime por quem deduz a acusação, narração essa que tem como sujeito o arguido.(…) e inclui os factos que integram os elementos objectivos e subjectivos exigidos pela disposição incriminadora que estiver em causa e as demais circunstâncias relevantes referidas no n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal.”).1
Vide, ainda, o acórdão da Tribunal da Relação de Lisboa, de 31-11-2019, Des. Filipa Costa Lourenço (proc. n.º 344/19.8T9MFR, disponível em www.dgsi.pt): “I- A decisão administrativa, deve obedecer a um limite apropriado no que concerne quer à descrição, que há-de ser concreta e precisa, dos factos praticados que objetivamente integrem a contraordenação em causa na sua vertente objetiva ou material, quer à natureza dolosa ou negligente da atuação a que aqueles factos se reconduzem na sua vertente subjetiva ou culposa”
No caso, da decisão recorrida, proferida pela ASAE (com sublinhado nosso) resulta, com relevo para a apreciação da nulidade arguida, o seguinte:
“I - Identificação do(a) arguido(a)
EMP01..., Lda., pessoa coletiva com o NIPC ...22 e a notificar em Avenida ..., ..., Escritório n.º 28, ... ....
II - Matéria de facto
Aos .../... de 2019, pelas 08h30m, na Pedreira n.º ..., denominada ... n.02, sito em EN ...17, ..., N.02, ... - ... e explorada pelo(a) arguido(a) acima identificado(a), aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo por uma patrulha da GNR, foi verificada a seguinte irregularidade:
“Inobservância das zonas de defesa”
Com efeito, no decurso da fiscalização à pedreira, no âmbito da Operação "L..." - fiscalização de atividades extrativas, verificou-se a inobservância das zonas de defesa por parte da entidade exploradora no que diz respeito aos limites legalmente definidos.
No acompanhamento da fiscalização encontrava-se o representante legal, Sr. AA, com o NIF ...52 e residente na Estrada ..., ..., ... .... Foi verificada que as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de caraterísticas adequadas às condições próprias do lugar, bem como as distâncias constantes no Anexo II do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro não foram observadas, nomeadamente no que diz respeito ao limite da distância entre a bordadura da escavação e o objeto a proteger (Estrada Nacional ...17) com o mínimo de 50 metros de proteção.
III- Prova
1 - Do direito de audição e defesa
Para exercer o direito de audição e defesa, o(a) arguido(a) foi notificado(a) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que define e regula o Regime Geral das Contraordenações (RGCO).
Notificado(a) dos factos noticiados e da possibilidade de apresentar defesa das correspondentes infrações e sanções aplicáveis, o(a) arguido(a) não exerceu o seu direito de defesa.
2 - Da prova testemunhal
Autuante(s): BB e CC, ambos militares da GNR do Destacamento Territorial de ....
O(a) arguido(a) não arrolou testemunhas.
3 - Da prova documental
Auto de notícia fls. 7; Relatório fotográfico fls. 8; Licença de estabelecimento de pedreira fls. 9; Certidão Permanente fls. 14 a 27; Notificação para o direito de audição e defesa de arguido(a) e respetivos anexos fls. 31 a 33; Aviso de receção fls. 35; 2.0 Notificação para o direito de audição e defesa de arguido(a) e respetivos anexos fls. 50 a 53; Aviso de receção fls. 54.
IV - Fundamentação da Matéria de Facto e de Direito
Realizada a competente instrução ficou provado que:
Aos .../... de 2019, pelas 08h30m, na Pedreira n.º ..., denominada ... n.02, sito em EN ...17, ..., N.02, ... - ... e explorada pelo(a) arguido(a) acima identificado(a), aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo por uma patrulha _da GNR, foi verificada a seguinte irregularidade:
“Inobservância das zonas de defesa.”
Com efeito, no decurso da fiscalização à pedreira, no âmbito da Operação “L...” - fiscalização de atividades extrativas, verificou-se a inobservância das zonas de defesa por parte da entidade exploradora no que diz respeito aos limites legalmente definidos.
No acompanhamento da fiscalização encontrava-se o representante legal, Sr. AA, com o NIF ...52 e residente na Estrada ..., ..., ... ....
Foi verificada que as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de caraterísticas adequadas às condições próprias do lugar, bem como as distâncias constantes no Anexo lI do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro não foram observadas, nomeadamente no que diz respeito ao limite da distância entre a bordadura da escavação e o objeto a proteger (Estrada Nacional ...17) com o mínimo de 50 metros de proteção.
O Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, aprova o regime jurídico de pesquisa e exploração de massas minerais (pedreiras), tendo como objetivo introduzir, no procedimento de licenciamento e fiscalização das pedreiras, normas que garantissem a adequação das explorações existentes à lei e a necessária ponderação dos valores ambientais.
O diploma aplica-se à revelação e aproveitamento de massas minerais, compreendendo a pesquisa, enquanto “conjunto de estudos e trabalhos, anteriores à fase de exploração, que têm por fim o dimensionamento, a determinação das características e a avaliação do interesse económico do aproveitamento de massas minerais”, bem como a exploração de pedreiras, compreendendo as atividades de escavação e extração de massas minerais.
O diploma em questão visa tutelar a saúde e a segurança das pessoas, uma vez que a ausência de zonas de defesa propícia a ocorrência de acidentes dos transeuntes que circulem perto de pedreiras.
No que respeita às zonas de defesa, estabelecem os artigos 4.º e 5.º do citado diploma, que:
“Artigo 4.º
Zonas de defesa
1 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, as zonas de defesa a que se refere o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, devem observar as distâncias fixadas em portaria de cativação e, na falta desta, as constantes do anexo ii do presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.
2 - As zonas de defesa previstas no número anterior devem ainda ser respeitadas sempre que se pretendam implantar, na vizinhança de pedreiras, novas obras ou outros objectos referidos no anexo ii e alheios à pedreira.
Artigo 5.º
Zonas especiais de defesa
1 - Devem ser ainda definidas, por portaria conjunta dos membros do Governo competentes, zonas de defesa em torno de outras obras ou sítios, quando se mostrem absolutamente indispensáveis à sua protecção, sendo proibida ou condicionada, nestas zonas, a exploração de pedreiras.
2 - A portaria a que se refere o número anterior deve sempre fixar a largura da zona de defesa e declarar se fica proibida a exploração de pedreiras ou as condições a que terá de obedecer, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Até à publicação da portaria referida no n.º 1, as ORE, as CCDR ou o ICNB, I. P., podem ordenar a suspensão dos trabalhos na área de influência das obras ou sítios que se pretendem salvaguardar.
4 - As zonas especiais de defesa terão em conta as distâncias constantes do anexo II deste decreto-lei, salvo casos excepcionais em que, mediante parecer técnico emitido pelas autoridades referidas no n.º 1 deste artigo, seja justificada a necessidade de alterá-las para garantir a protecção da obra ou sítio em questão.
5 - No caso de pedreiras já licenciadas, a delimitação prevista nos números anteriores será sempre precedida de audição dos exploradores das pedreiras eventualmente afectados e determina o pagamento de justa indemnização pelos prejuízos que lhes sejam causados.
Por sua vez, o anexo II do referido decreto-lei estabelece as distâncias de proteção relativamente aos objetos a proteger:
(…)
Enquanto explorador(a) de uma instalação de pedreira, o(a) arguido(a) tinha a obrigação de delimitar zonas de defesa na pedreira que explorava, o que não acautelou, violando com a sua conduta o dever de proteger os objetos classificados de interesse geral, no caso dos presentes autos, a Estrada Nacional ...17 que se encontrava a 3 m de distância das bordaduras de escavação.
Ao deixar de cumprir com os referidos deveres legais, o(a) arguido(a) violou a lei, o que constitui a prática de um facto ilícito, tendo prosseguido com a sua conduta, mesmo sabendo que com ela lesava os bens jurídicos que as normas visam proteger.
Apesar de devida e regularmente notificado(a), o(a) arguido(a) não exerceu o direito de defesa.
Deste modo, a matéria de facto assenta na convicção resultante da descrição factual elaborada no auto de notícia, que, não tendo sido fundadamente colocado em crise pelo(a) arguido(a), faz prova plena dos factos noticiados, nos termos do artigo 169.º do Código de Processo Penal, aplicável por via da remissão do artigo 41 .º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, na sua redação atual.
Serviram, assim, para formar a convicção desta Autoridade quanto aos factos acima dados como provados a informação constante do Auto de notícia e a Reportagem Fotográfica.
A factualidade dada como provada permite-nos concluir pela prática da seguinte contraordenação:
- Inobservância das zonas de defesa, prevista no artigo 4.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, e punível pelo artigo 59.º, n.º6 do mesmo diploma, conjugado com o artigo 22.º, n.º3, da Lei n.º 3, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, com coima mínima de € 12.000,00 e máxima de € 72.000,00 (negligência), ou mínima de € 36.000,00 e máxima de € 216.000,00 (dolo), por se tratar de pessoa coletiva. (…)”
Do ora transcrito, resulta, desde logo, que a decisão administrativa recorrida contém uma descrição sintética dos factos com relevo para o ilícito contraordenacional imputado. Com efeito, se se pode admitir que a arrumação dos factos não é perfeita, não podemos olvidar que toda a decisão administrativa (e não só o auto de notícia, ou secções isoladas da decisão administrativa) é convolado em acusação aquando da sua apresentação em tribunal pelo Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º1 do RGCO.
O que vale por dizer que, encontrando-se os factos consubstanciadores do ilícito contraordenacional minimamente descritos na decisão administrativa – ainda que não no segmento que lhe deveria competir por princípio, mormente na secção dos “factos provados” – esta há de ter-se por válida e não ferida de qualquer nulidade.
E, no caso, sem prejuízo da subsequente motivação decisória, verifica-se que, no que concerne a contraordenação imputada à arguida – prevista no artigo 59.º, n.º6 do Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro (na versão atualizada pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro) – que se refere à inobservância da zona de defesa em pedreiras, o desiderato da concretização factual – nomeadamente quanto ao elemento objetivo - se mostra suficientemente preenchido, quando se concretiza, entre o mais, que a “Estrada Nacional ...17 se encontrava a 3 m de distância das bordaduras de escavação” e, anteriormente, se localiza no tempo e no espaço a verificação dessa alegada desconformidade – “Aos .../... de 2019, pelas 08h30m, na Pedreira n.º ..., denominada ... n.02, sito em EN ...17, ..., N.02, ... - ...”.
A talhe de foice, deve notar-se, ainda, que para o caso pouco relevo assume o outro comportamento supostamente desconforme perpetrado pela arguida – ter-se verificado “que as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de caraterísticas adequadas às condições próprias do lugar” - posto que, como já se observou, a contraordenação imputada à arguida não concerne a essa eventual falta. Donde, acaba por não importar a formulação mais conclusiva dessa observação que figura quer no auto de notícia, quer na decisão administrativa.
Nestes termos, considerando como suficientemente descrita, em conformidade com o imposto pelo artigo 283.º, n.º3, alínea b) do Código de Processo Penal e 58.º, n.º1, alínea b) do RGCO a factualidade relevante para, analisada a prova produzida, se proferir decisão, indefere-se a nulidade invocada pela arguida.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados
1. Em 19-02-2019, pelas 08h30m, na Pedreira n.º ..., denominada ... n.º 2, sita na Estrada Nacional ...17, ..., ... - ... e explorada pela arguida, as bordaduras de escavação da referida pedreira encontravam-se a 3 metros de distância daquela estrada.
2. Enquanto exploradora dessa pedreira, a sociedade arguida tinha a obrigação de observar as distâncias constantes no Anexo II do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro, o que não sucedeu.
3. A sociedade arguida, apesar de não ignorar aquela obrigação, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
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Factos não provados
a) A pedreira foi licenciada em 1981, em nome de EMP02... SCRL.
b) A transmissão da licença de exploração da pedreira daquela empresa para a arguida ocorreu em 1991.
c) Em 2005 foi iniciado o processo de legalização da ampliação da pedreira, tendo sido emitida a Declaração de Impacte Ambiental em 13-05-2015.
d) Em 06-01-2021, foi enviado à arguida pela CCDRN, a 1.ª revisão do relatório, com base na visita ao local e na monitorização para avaliação, efetuadas, em 27-09-2019, o qual refere que, relativamente ao ponto 5 – reposição das zonas de defesa – se encontra conforme, acrescentando que a arguida tem vindo a fazer um aterro, desde dezembro de 2016, através do aterro controlado com terras provenientes da escavação da zona de exploração, de forma a criar uma plataforma ao longo da estrada, sensivelmente com a mesma cota, garantindo uma faixa de 50 metros até à zona de escavação existente.
e) Estão observadas as zonas de defesa relativamente aos limites legalmente definidos, ou seja, à Estrada Nacional ...17.
f) A bordadura da escavação dista daquela estrada entre os 67,5 metros e os 84,4 metros.
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Não foi integrada no elenco dos factos provados e não provados matéria conclusiva, de direito e sem interesse para o objeto do presente recurso (nomeadamente os factos atinentes à existência ou não de vedação no perímetro da pedreira, porquanto nenhuma coima foi aplicada à arguida com base nessa eventual inobservância legal).
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Motivação

Factos provados e factos não provados e) e f):
Os factos provados emergem da conjugação entre o auto de notícia de fls. 7 e ss. e respetivo aditamento de fls. 13, que faz fé em juízo, e os depoimentos dos militares da GNR BB e CC, que intervieram na ação de fiscalização e que, para o que ao caso importa, confirmaram que uma das zonas da bordadura da escavação da pedreira explorada pela arguida se encontrava, à data dos factos, a três metros de distância da Estrada Nacional ...17, distância que, para o efeito, mediram. Aliás, essa curta distância entre a zona de escavação da pedreira e o curso da Estrada Nacional ...17 fica bem patente na fotografia n.º4 da reportagem fotográfica que acompanha o auto de notícia (cujo original, a cores, foi junto já em audiência de julgamento). No que respeita ao distanciamento entre a zona de escavação da pedreira e a Estrada Nacional ...17, a arguida ofereceu versão distinta, tendo junto um documento fotográfico com o respetivo recurso (cf. fls. 74), com algumas referências manuscritas a distâncias, todas elas superiores a 50 metros. Contudo, do teor dessa fotografia – que não se sabe quando foi obtida – é possível vislumbrar que, imediatamente a seguir à estrada existe um declive acentuado – compatível com a reportagem fotográfica realizada pela GNR – onde, indubitavelmente, já se inicia a zona de escavação da pedreira. De resto, o próprio diretor técnico da pedreira, AA, assumiu que, ainda hoje, existem zonas de escavação da pedreira cuja distância relativamente à EN ...17 são inferiores a 50 metros.
Quanto ao elemento subjetivo, retirou-se da verificação objetiva da conduta punível. Com efeito, constatada que se mostra a distância mínima de 3 metros entre a Estrada Nacional ...17 e a bordadura da escavação da pedreira, terá de tributar-se esse comportamento na condução dos trabalhos de exploração da pedreira que levaram à violação da zona de defesa, pelo menos, a uma atitude de despreocupação e descaso da arguida em face da obrigações legais violadas, as quais, atenta a sua antiguidade, nunca poderia ignorar.2
2 Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15-06-2018, Des. Jorge Manuel Loureiro, proc. n.º 1208/17.5T8LMG, disponível em www.dgsi.pt, do qual se extraiu o seguinte sumário: “I – A verificação objetiva da conduta que integra a descrição típica do ilícito contra-ordenacional permite concluir, por presunção natural, judicial ou de experiência que o agente agiu, por ação ou por omissão, pelo menos negligentemente, tudo sem prejuízo da possibilidade de demonstração, designadamente pelo agente, de que o mesmo agiu sem culpa.(…)
Ao longo da audiência de julgamento, surgiu alguma discussão sobre a presença, no local, à data da elaboração do auto de notícia, do responsável técnico da pedreira ou do representante legal da sociedade arguida, identificado no auto de notícia como sendo AA, que, tendo sido inquirido em audiência de julgamento e identificando-se como responsável técnico (e não como representante legal da arguida), negou perentoriamente que estivesse no local, à hora e data da fiscalização. Por seu lado, BB, remetendo-se para o auto de notícia, referiu que se AA consta desse documento como tendo estado presente na fiscalização então é porque essa menção corresponderá à verdade. Porém, nem BB, nem CC, quando confrontados, em acareação, com AA, lograram identificá-lo, nem dele se lembravam, o que deixa algumas dúvidas sobre se esteve mesmo presente e acompanhou a fiscalização, ou se foi outra pessoa no seu lugar. Aliás, do teor do auto de notícia já é evidente, nessa parte, uma certa confusão entre a figura do representante legal da sociedade arguida e a do “diretor técnico”, o que leva a crer que poderá ter havido erro na identificação da pessoa que, in loco, acompanhou a fiscalização. Em todo o caso, dúvidas não ficaram que alguém em representação da sociedade arguida acompanhou os militares na fiscalização e que, como foi mencionado pelos mesmos em audiência, lhes forneceu elementos documentais relativos à exploração da pedreira.
Factos não provados a) a d):
No que concerne aos factos não provados em apreço, não ficaram demonstrados por prova minimamente fiável que, atenta a respetiva especificidade, teria de ser, necessariamente, documental.
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Enquadramento jurídico-contraordenacional

Dispõe o artigo 59.º, n.º6 do Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro (na versão atualizada pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro):
6 - Constitui contra-ordenação ambiental grave, punível nos termos da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, a inobservância das zonas de defesa e das zonas de defesa especiais previstas nos artigos 4.º e 5.º, o incumprimento das condições impostas nas licenças de exploração relativas ao PARP aprovado e a inobservância do disposto no n.º 3 do artigo 26.º”
As zonas de defesa previstas no artigo 4.º, n.º1 do mencionado diploma, remetem, por sua vez, para o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março, e para o disposto no anexo ii do Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro, na versão do Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro.
E desse anexo ii, resulta que, “salvo legislação específica em contrário, as zonas de defesa referidas no artigo 4.º deste decreto-lei devem ter as seguintes distâncias, medidas a partir da bordadura da escavação ou de outro elemento integrante da pedreira mais próximo do objecto a proteger:


Objetos a proteger/Distâncias de protecção (metros):                                     
(…) (…)
Estradas nacionais ou municipais /50


Sem prejuízo dos requisitos de segurança, a largura das zonas de defesa poderá, por decisão da entidade competente para a aprovação do plano de lavra, tendo em conta as características da massa mineral, sua estabilidade e localização, aumentar em função da profundidade a atingir relativamente ao objecto a proteger, assim como em função da utilização de explosivos.
Já o artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 90/90, de 16 de março estabelece que “1-Fica vedada a exploração de massas minerais em zonas de terreno que circundem edifícios, obras, instalações, monumentos, acidentes naturais, áreas ou locais classificados de interesse científico ou paisagístico, dentro dos limites que legalmente sejam definidos. 2 - A construção de obras a que seja inerente, nos termos do número anterior, uma zona de defesa que afecte pedreiras já em exploração carece de autorização prévia, a conceder por despacho conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e da Indústria e Energia. 3 - A autorização referida no número anterior será sempre precedida da audição dos
interessados e poderá determinar a cessação da actividade da pedreira ou o seu condicionamento, mediante o pagamento de justa indemnização pelos prejuízos causados.
Por pedreira há de entender-se “o conjunto formado por qualquer massa mineral objecto do licenciamento, pelas instalações necessárias à sua lavra, área de extracção e zonas de defesa, pelos depósitos de massas minerais extraídas, estéreis e terras removidas e, bem assim, pelos seus anexos” – cf. artigo 2.º, alínea p), do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, na versão do Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro.
Da conjugação destas normas resulta, em termos singelos, que o tipo objetivo da contraordenação em apreço é integrado pela inobservância da distância de 50 metros entre determinada pedreira e uma estrada municipal ou nacional, que corresponde à denominada zona de defesa, onde está vedada a exploração de massas minerais.
No que respeita ao tipo subjetivo, a contraordenação em causa é punível a título de dolo ou de negligência, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.º8 do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, na versão do Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro.
No caso, demonstrado que, em 19-02-2019, pelas 08h30m, na pedreira n.º ..., denominada ... n.º 2, sita na Estrada Nacional ...17, ..., ... - ... e explorada pela sociedade arguida, as bordaduras de escavação encontravam-se a 3 metros de distância daquela estrada, e que, enquanto exploradora de uma pedreira, a sociedade arguida tinha a obrigação de observar as distâncias constantes no Anexo II do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro, o que não sucedeu, violando com a sua conduta o dever de proteger os objetos classificados de interesse geral, no caso dos presentes autos, a Estrada Nacional ...17 e que, apesar de não ignorar aquela obrigação, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, dúvidas não há que a arguida praticou o ilícito contraordenacional pelo que foi condenada em coima pela autoridade administrativa recorrida, tendo atuado, quanto ao elemento subjetivo, com negligência consciente.
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Valor da coima

O valor da coima aplicável, por remissão à Lei das Contraordenações Ambientais, é fixado de acordo com o respetivo artigo 22.º, correspondendo, quanto às contraordenações graves praticadas por pessoas coletivas ao mínimo de € 12.000,00 e ao máximo de €72.000,00 em caso de negligência, e ao mínimo de € 36.000,00 e ao máximo de € 216.000,00 em caso de dolo.
A arguida foi condenada, em sede administrativa, na coima de € 14.000,00, sustentando-se a decisão recorrida em critérios previstos no artigo 18.º do RGCO, a saber, a gravidade da contraordenação e a culpa. Quanto à situação económica da arguida e benefício económico que esta retirou da prática da contraordenação, a decisão administrativa, por ausência de elementos para ponderar tais critérios, não os considerou.
Além destes critérios, em sede recursiva, há de sempre ser respeitado um outro, estabelecido no artigo 72.º-A do RGCO, que proíbe a “reformatio in pejus”, dispondo que “1. Impugnada a decisão da autoridade administrativa ou interposto recurso da decisão judicial somente pelo arguido, ou no seu exclusivo interesse, não pode a sanção aplicada ser modificada em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
Ainda assim, o n.º2 da mesma norma estatui que “O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de agravamento do montante da coima, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível.
Na situação em apreço, tendo em consideração que os factos foram praticados com negligência e que, à sua data, a distância a que se encontrava a bordadura de escavação da pedreira violava, por muito, o limite de 50 metros da zona de defesa que deveria ser respeitada relativamente à Estrada Nacional ...17, o que agrava a culpa da arguida, mesmo sem se conhecer, em concreto, o benefício económico obtido pela mesma com a prática do ilícito ou a respetiva situação económica - elementos que não foram colhidos e considerados em sede administrativa e, outrossim, não foram carreados para os autos pela sociedade arguida – temos por ajustada e proporcional a sanção aplicada na decisão recorrida, mantendo-se, assim, a coima no montante de €14.000,00.
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IV. DECISÃO

Nestes termos e pelo exposto, decido julgar improcedente o recurso de impugnação judicial intentado pela sociedade arguida EMP01..., Lda. e, em consequência, confirmando a decisão da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica proferida em 23-05-2022, vai a mesma condenada na coima de €14.000,00 (catorze mil euros), pela prática de uma contraordenação por inobservância das zonas de defesa, prevista no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 340/2007, de 12 de outubro, e punível pelo artigo 59.º, n.º 6 do mesmo diploma, conjugado com o artigo 22.º, n.º 3, da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, alterada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto, a que acrescem as custas já fixadas em sede administrativa, no montante de € 306,00 (trezentos e seis euros).
(…)»
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3. - Apreciação das questões supra elencadas:
3.1 - Nulidade do ato de notificação para audição prévia por ausência de indicação de factos constitutivos da contraordenação, coartando o direito de defesa.

Alega a recorrente, em síntese, que o ato de notificação para o exercício do direito de audição prévia que lhe foi efetuado é nulo por ausência de indicação de factos que constituíam a contraordenação, pois, não obstante remeter para o auto de notícia, este é omisso quanto à data e circunstâncias em que a infração foi cometida, em manifesta violação do disposto no artigo 243º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 41º, n.º 1, do RGCO, dali constando apenas conceitos jurídicos, matéria conclusiva e, como tal, de direito.
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.04.2022, sobre a questão suscitada pela recorrente já amplamente a doutrina[4] e a jurisprudência dos tribunais superiores[5] se pronunciaram, formando entendimento – que se afigura maioritário e que subscrevemos – no sentido de que a densificação da estatuição do artigo 50.º do RGCO impõe a conclusão de que o processo contraordenacional deverá garantir o efetivo exercício do direito ao contraditório prévio à decisão, desiderato que apenas se conseguirá realizar na sua plenitude mediante a comunicação integral dos factos imputados, o que implicará a sua descrição objetiva, localizada no espaço e no tempo, assim como a sua caracterização subjetiva, elementos que se reputam imprescindíveis à identificação e recorte do comportamento contraordenacionalmente relevante.
No mesmo sentido tem vindo a confluir a jurisprudência do Tribunal Constitucional, aqui se convocando, atendendo à sua clareza, o acórdão do TC n.º 99/09[6], relatado pelo Conselheiro Moura Ramos, no qual podemos ler: «(…) dos direitos de audição e de defesa consagrados no artigo 32º, n.º 10, da CRP, e densificados no artigo 50º do RGCO, extrai-se com toda a certeza que qualquer processo contraordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão; que este só poderá ser plenamente exercido mediante a comunicação dos factos imputados; que a comunicação dos factos imputados implica a descrição sequencial, narrativamente orientada e espácio-temporalmente circunstanciada, dos elementos imprescindíveis à singularização do comportamento contraordenacionalmente relevante; e que essa descrição deve contemplar a caracterização, objetiva e subjetiva, da ação ou omissão de cuja imputação se trate.»
Tal entendimento está em consonância com o subjacente ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2003, de 16.10.2002, que pôs, de algum modo, termo às divergências jurisprudenciais existentes sobre a extensão com que devia ser assegurado o direito de audição e defesa do arguido e as consequências da sua violação.
Atentemos na fundamentação do referido acórdão de fixação de jurisprudência, que infra transcrevemos parcialmente para melhor compreensão da discussão em torno da referida questão e, bem assim, das que analisaremos de seguida:
«(…)
11.3 - Em suma, a decisão administrativa de aplicação de uma coima só virtualmente constituirá uma «condenação», pois que, se impugnada, «tudo se passa como se, desde o momento em que é proferida a decisão, esta fosse uma acusação».
(…)
11.5 - Na outra hipótese, ou seja, na de impugnação judicial da «decisão administrativa», já os «preceitos reguladores do processo criminal» a haverão de encarar como se de uma «acusação» se tratasse. Donde que a equiparação da instrução contra-ordenacional ao inquérito criminal deva conduzir a que a preterição do «direito de audição» no decurso daquela (assemelhável ao incumprimento, neste, da obrigatoriedade de interrogar como arguido a pessoa determinada contra quem corra o inquérito - artigo 272.º, n.º 1, do actual Código de Processo Penal)(ver nota 34) haja de ser tratada, simplesmente, como «insuficiência do inquérito» [artigo 120.º, n.º 2, alínea d)], implicando, por isso, «nulidade dependente de arguição» (artigo 120.º, n.º 1) em prazo limitado (ver nota 35).
(…)
11.8 - De qualquer modo, a eventual preterição, no decurso da instrução contra-ordenacional, do «direito (processual) de audição» garantido pelo artigo 50.º do regime geral das contra-ordenações haveria de ficar «sanada» (ver nota 39) – por força do disposto no artigo 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal – se o arguido viesse a prevalecer-se, na impugnação judicial da «acusação» administrativa, do direito (de defesa) «a cujo exercício o acto anulável se dirigia».
11.9 - Com efeito, não faria sentido (e seria, mesmo, processualmente antieconómico) (ver nota 40) anular a «acusação» (a não ser que a impugnação se limitasse a arguir a correspondente nulidade) se o «participante processual interessado» aproveitasse a impugnação (da «decisão administrativa» assim volvida «acusação») para exercer – dele enfim se prevalecendo – o preterido direito de defesa, em ordem (cf. artigo 286.º, n.º 1) à «comprovação judicial» (negativa) (ver nota 41) da «decisão de deduzir acusação».
11.10 - Com essa excepção (sanação do vício por os participantes processuais se terem prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia), «o legislador procura evitar a anulação do processado por motivos de mera forma, contribuindo para a construção de um sistema menos formalista e mais preocupado com a justiça material. Se o acto, apesar de imperfeito, cumpriu os objectivos para os quais foi pensado pelo legislador [...], não se justifica a sua repetição» (ver nota 42).
12 - Deficiente cumprimento do disposto no artigo 50.º do RGCO
(…)
12.2 - Se – em caso de impugnação judicial da decisão administrativa – constitui nulidade (sanável) a omissão (absoluta) da audição do arguido na instrução contra-ordenacional, a deficiente satisfação, por parte da administração, desse direito do arguido (nomeadamente, em caso de audiência escrita, por a notificação do interessado «para dizer o que se lhe oferecer» não lhe conceder um «prazo razoável» (ver nota 43) ou não lhe «fornecer os elementos necessários para que fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito») (ver nota 44), também não poderá constituir – mesmo que se equipare essa «notificação» à «acusação» que, em processo penal, necessariamente precede a «decisão condenatória» (ver nota 45) – um vício formal (ver nota 46) mais gravoso que a «nulidade» (sanável) (ver nota 47) cominada, pelo artigo 283.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal, para a acusação penal que não contenha «a indicação das disposições legais aplicáveis» [alínea c)] ou «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena [...], incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para determinação da sanção que lhe deve ser aplicada» [alínea b)].
12.3 - «Neste domínio são de realçar os deveres de diligência e de boa-fé processuais [...]. O segundo impede que os sujeitos processuais possam 'aproveitar-se de alguma omissão porventura cometida ao longo dos actos processuais em que tiveram intervenção, guardando-a como um trunfo para, em fase ulterior do processo, se e quando tal lhes pareça conveniente, a suscitarem e obterem a destruição do processado' (Tribunal Constitucional, acórdão n.º 429/95, de 6 de Julho, Diário da República, 2.ª série, de 10 de Novembro de 1995). [...] O legislador português [...] criou um sistema responsabilizador e progressivo, onde os sujeitos processuais são convidados a participar na marcha processual e a denunciar, com prontidão, as infracções cometidas e onde as possibilidades de sanação do vício vão aumentando à medida que o processo se afasta do acto imperfeito e se aproxima do seu epílogo [...]. No fundo, o legislador estruturou o processo penal em etapas sucessivas que servem de barreiras à propagação de certos defeitos do acto processual penal. Ultrapassados aqueles prazos fica precludida a possibilidade de invocar a infracção cometida e os efeitos produzidos pelo acto processual imperfeito sofrem uma modificação, passando de precários a definitivos. Regime que, embora seja uma clara manifestação do princípio da conservação dos actos imperfeitos, se destina também a evitar que o interessado, em vez de arguir de imediato a nulidade, guarde esta possibilidade para utilizar no momento mais oportuno, se e quando for necessário. Conduta processual que, para além de ser muito reprovável, teria como consequência necessária a inutilização de todo o processado posterior, muitas vezes apenas na sua fase decisiva e no fim de uma longa marcha, que só com muito custo poderia ser refeita» (João Conde Correia, ob. cit., pp. 146, nota 328, e 177 a 179). (…)”.

A final, são extraídas as seguintes conclusões:
“(…) 13 - Conclusões (ver nota 48)
I - Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.º do RGC-O, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do arguido (ver nota 49), notificá-lo-á para – no prazo que o regime específico do procedimento previr ou, na falta deste, em prazo não inferior a 10 dias – dizer o que se lhes oferecer (cf. artigo 101.º, n.º 1, do Código de Processo Administrativo) (ver nota 50).
II - A notificação fornecerá os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito (artigo 101.º, n.º 2) e, na resposta, o interessado pode pronunciar-se sobre as questões que constituem objecto do procedimento, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos (artigo 101.º, n.º 3)(ver nota 51).
III - A omissão dessa notificação incutirá à decisão administrativa condenatória, se judicialmente impugnada e assim volvida «acusação», o vício formal de nulidade (sanável), arguível, pelo «acusado», no acto da impugnação [artigos 120.º, n.ºs 1, 2, alínea d), e 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações] (ver nota 52). Se a impugnação se limitar a arguir a invalidade, o tribunal invalidará a instrução, a partir da notificação omissa, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121.º, n.ºs 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Mas, se a impugnação se prevalecer do direito preterido (pronunciando-se sobre as questões objecto do procedimento e, sendo caso disso, requerendo diligências complementares e juntando documentos), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações].
IV - (ver nota a) - Se a notificação, tendo lugar, não fornecer (todos) os elementos necessários para que o interessado fique a conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, o vício será o da nulidade sanável (artigos 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), arguível, pelo interessado/notificado (artigos 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), no prazo de 10 dias após a notificação (artigos 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações), perante a própria administração ou, judicialmente, no acto da impugnação [artigos 121.º, n.º 3, alínea c), e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações) (ver nota 53). Se a impugnação se limitar a arguir a nulidade, o tribunal invalidará a instrução administrativa, a partir da notificação incompleta, e também, por dela depender e a afectar, a subsequente decisão administrativa [artigos 121.º, n.ºs 2, alínea d), e 3, alínea c), e 122.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações]. Todavia, se o impugnante se prevalecer na impugnação judicial do direito preterido (abarcando, na sua defesa, os aspectos de facto ou de direito omissos na notificação mas presentes na decisão/acusação), a nulidade considerar-se-á sanada [artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal e 41.º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações].
(…)».
Nos termos do artigo 445º, n.º 3, do Código de Processo Penal “a decisão que resolver o conflito não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão”.
Como tal, ainda que os acórdãos de uniformização de jurisprudência não sejam vinculativos, a não ser no âmbito dos processos em que foram proferidos, apenas uma divergência substancial justificará um desvio à jurisprudência fixada e a sua explanação sempre imporá, não uma genérica fundamentação, mas o cumprimento de um dever especial de fundamentação destinado a explicitar as razões de tal desvio.
E tal apenas poderá ocorrer quando houver «razões para crer que uma jurisprudência fixada está ultrapassada», o que sucederá, por exemplo, quando «o tribunal judicial em causa tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador (no seu texto ou em eventuais votos de vencido), suscetível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada», ou «se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na atualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso», ou ainda «a alteração da composição do Supremo Tribunal de Justiça torne claro que a maioria dos juízes das Secções Criminais deixaram de partilhar fundadamente da posição fixada». O que não sucede quando o tribunal judicial se limita a não acatar «a jurisprudência uniformizada, sem adiantar qualquer argumento novo, sem perceção da alteração das conceções ou da composição do Supremo Tribunal de Justiça, baseado somente na sua convicção de que aquela não é a melhor solução ou a solução legal»[7].
Como, de forma impressiva, se concluiu no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 07.02.2011, «os tribunais só podem divergir da jurisprudência uniformizada do STJ quando tenham argumentos nela não debatidos, ou seja, a divergência tem de se fundamentar em argumentos novos que não aqueles constantes da tese que ficou vencida no acórdão para fixação de jurisprudência, sob pena de a uniformização não ter qualquer efeito e os tribunais continuarem com base nos mesmos argumentos a produzirem decisões desencontradas»[8].
Não se vislumbram motivos para nos desviarmos da jurisprudência fixada pelo mencionado acórdão uniformizador.
Assim sendo, analisando a situação concreta dos autos à luz da jurisprudência fixada, resulta o seguinte quadro:
Tendo o órgão instrutor optado, em cumprimento do disposto no artigo 50º do RGC, pela audiência escrita da sociedade arguida, notificou-a fornecendo-lhe cópias do auto de notícia e do expediente acompanhante.
O auto de notícia tinha o seguinte teor:
«Na data e hora referida no presente, no exercício das funções de policiamento e fiscalização no âmbito da operação “L...” – fiscalização de atividades extrativas, esta equipa, verificou a inobservância das zonas de defesa por parte da entidade exploradora (arguido) no que diz respeito aos limites legalmente definidos.
No acompanhamento da fiscalização encontrava-se o representante legal, Sr. AA, com o NIF ...52 e residente na Estrada ..., ..., ... ....
Foi verificada que as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de caraterísticas adequadas às condições próprias do lugar, bem como as distâncias constantes no Anexo II do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro não foram observadas, nomeadamente no que diz respeito ao limite da distância entre a bordadura da escavação e o objeto a proteger (Estrada Nacional ...17) com o mínimo de 50 metros de proteção».
Apesar de, efetivamente, não estarem indicadas no auto de notícia a data e hora da prática dos factos imputados à arguida, resultam estas identificadas nos autos no ofício de 19-08-2020, remetido pelo NPA à ASAE, na sequência de um pedido de esclarecimentos realizado pela entidade administrativa ao órgão de polícia criminal autuante. Daí que, na notificação remetida à arguida em 15-02-2021 (a fls. 31), para exercício do direito de defesa, já se mostravam devidamente identificadas a data e a hora da prática dos factos que lhe eram imputados.
Por seu lado, como emerge do teor do auto de notícia supra transcrito, não corresponde à realidade que este apenas contenha conceitos jurídicos ou matéria conclusiva – pois dele se extrai que a arguida não respeitou as zonas de defesa relativamente aos limites legalmente definidos, o que é factual, sendo certo que o último segmento – ter-se verificado “que as bordaduras da escavação onde terminaram os trabalhos de avanço do desmonte, bem como as suas frentes, não se encontravam devidamente protegidas por vedação de caraterísticas adequadas às condições próprias do lugar” – nem sequer releva para a contraordenação imputada;
Ainda que assim não se entendesse, ou seja, se se considerasse que a notificação para exercício de audição prévia não havia fornecido todos os elementos factuais necessários para que o interessado ficasse a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, estaríamos perante uma nulidade sanável, em conformidade como disposto nos artigos 283.º, n.º 3, do CPP e 41.º, n.º 1, do RGC, e teria que ser arguida no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração ou, judicialmente, no ato da impugnação da decisão administrativa, nos termos preceituados conjugadamente pelos artigos 120.º, n.º 1 e n.º 3, alínea c) e 105.º, n.º 1 do CPP e 41.º, n.º 1 do RGC.
Todavia, a sociedade arguida não invocou tal nulidade, sendo certo que na impugnação judicial da decisão administrativa que apresentou até se prevaleceu do direito que agora alega ter sido preterido – abarcando na sua defesa os aspetos de facto alegadamente omissos na notificação, o que é expressivo de que não foi coartado o seu direito de defesa – pelo que sempre estaria aquela sanada, em conformidade com o disposto nos artigos 121.º, n.º 1, alínea c), do CPP e 41.º, n.º 1, do RGC.
Na verdade, só a total omissão de cumprimento do artigo 50.º do RGC por parte da entidade administrativa e a consequente não concessão à arguida da possibilidade de ser ouvida sobre a contraordenação que lhe era imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorria poderia configurar uma nulidade insanável, enquadrável na alínea c) do n.º 1 do artigo 119.º do Código de Processo Penal, nos termos supra explicitados.
Improcede, assim, a arguição de nulidade do ato de notificação para audição prévia.
           
3.2 - Nulidade da decisão administrativa por omissão da descrição de factos concretizadores dos elementos objetivo e subjetivo do tipo de ilícito contraordenacional.

Argumenta a recorrente que a decisão administrativa é omissa quanto aos factos dos elementos do tipo da contraordenação, uma vez que os factos imputados não eram «factos», mas apenas afirmações genéricas, conclusivas e que comportavam matéria de direito, assim como é omissa quanto aos elementos do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional imputado, pelo que, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, está ferida de nulidade.
Sobre a decisão [administrativa] condenatória, dispõe o artigo 58º do RGC:
“1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.
(…)”
É inquestionável que a decisão administrativa, à semelhança da sentença penal, tem que conter, além do mais, a descrição dos factos relevantes para a existência ou inexistência da contraordenação e a punibilidade ou não punibilidade do arguido, bem como as normas jurídicas correspondentes.
Os sobreditos requisitos visam, fundamentalmente, a salvaguarda da possibilidade de o arguido exercer efetivamente os seus direitos de defesa, o que só poderá suceder com o conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão[9].
Não tem havido unanimidade, quer na doutrina, quer na jurisprudência, acerca da qualificação do vício decorrente da inobservância dos requisitos formais exigidos pelo artigo 58.º, n.º 1, do RGC. Para uns, trata-se de uma nulidade, a arguir pelo interessado ou de conhecimento oficioso[10]; para outros, de mera irregularidade[11].
Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa[12] consideram que a falta de observância dos requisitos constantes do n.º 1 do artigo 58º do RGC constitui uma nulidade da decisão de harmonia com o preceituado nos artigos 374º, n.ºs 2 e 3, e 379º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal, por força da aplicação subsidiária dos preceitos do processo criminal e virtude do estatuído no artigo 41.º do referido regime,  porquanto «os requisitos previstos neste artigo [58º] para a decisão condenatória visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.   Por isso, as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício dos seus direitos.»
Por sua vez, Oliveira Mendes e Santos Cabral[13] consideram que «a polémica deverá ser resolvida com apelo às razões que levaram à consagração da necessidade de fundamentação da sentença penal, pois, a decisão administrativa proferida em processo contra-ordenacional segue a estrutura da sentença em processo penal – cfr. artigo 374º do CPP – embora de uma forma simplificada e proporcionada à fase administrativa daquele processo. Colocada a necessidade da fundamentação, e radicando a mesma num incontornável direito a conhecer as razões do sancionamento, é evidente que o mesmo é comum aos dois tipos de processo e, consequentemente, entende-se que o incumprimento dos requisitos enumerados no n.º 1 implica a existência de uma nulidade nos termos cominados no artigo 379º do Código de Processo Penal.
Importa, porém, salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada».
Efetivamente, como se vem assinalando, no âmbito da decisão administrativa em matéria de ilícito contraordenacional não se colocam com a mesma profundidade e grau de exigência as necessidades de fundamentação impostas à elaboração da sentença penal. Neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.02.2023[14], em cujo sumário podemos ler:
«I - A decisão administrativa que aplica uma coima em processo de contraordenação, ainda que apresente “alguma homologia” com a sentença penal condenatória, não consubstancia uma verdadeira e própria sentença, nem é qualificada como tal pela lei, razão pela qual não tem que obedecer ao mesmo grau de formalismo exigido para aquela última.
II - Sendo que o correspondente dever de fundamentação terá também que ser perspetivado em função da natureza do respetivo tipo de ilícito, a fase em que a referida decisão se insere, e as caraterísticas de celeridade e simplicidade que caracterizam o correspondente processo.
III - Não se exige, pois, da entidade administrativa, uma concretização factual modelar e profundamente detalhada, sendo bastante, a esse nível, uma alegação de factos minimamente escorreita, passível de compreensão e alcance ao homem médio, quanto às condutas adotadas ou omitidas, circunstanciadas e contextualizadas no tempo, lugar e espaço, e o respetivo tipo de imputação subjetiva.»
Não obstante, não podemos ignorar que, apesar de o ilícito de mera ordenação social abranger um conjunto de situações cujo grau de censurabilidade é inferior às situações tratadas pelo nosso ordenamento como ilícitos penais e, em virtude disso, reclamar um tratamento menos exigente do ponto de vista formal e substantivo, ficando a sua apreciação a cargo das entidades administrativas, isto não significa que a administração possa tratar estas questões de forma ligeira ou arbitrária.
Antes pelo contrário, uma vez que permite a punição do agente com sanções diversas e, muitas vezes, bastante gravosas, tem necessariamente de revestir-se de garantias processuais muito próximas das previstas para o processo penal, prevendo, por isso, o artigo 41º, n.º 1, do RGC a aplicação subsidiária da legislação processual penal.
Por seu lado, no domínio substantivo, o ilícito de mera ordenação social assenta, à semelhança do ilícito penal, no princípio da tipicidade, consagrado no artigo 1º do RGC, que dispõe que “[c]onstitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” (cfr. artigo 1º, n.º 1, do Código Penal), e no princípio da culpa, materializado no artigo 8º, n.º 1, que  estabelece que“[s]ó é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos expressamente previstos na lei, com negligência” (cfr. artigo 13º do Código Penal), expressão normativa do princípio nulla poena sine culpa, que se traduz no facto de não poder haver sanção sem culpa e a medida da sanção ser a medida da culpa sempre aferida em concreto.
Como decorrência, apesar da natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional é exigível a descrição de modo compreensível do elemento subjetivo da contraordenação de modo a permitir que, pelo menos, se possa concluir se estamos perante uma imputação a título de dolo ou de negligência, o que tem óbvios reflexos, desde logo, quanto à gravidade da punição correspondente.
Tendo em perspetiva o entendimento exposto, afigura-se-nos que a decisão administrativa, sindicada na sentença recorrida, está suficientemente fundamentada em termos factuais, dentro da lógica processual que a enforma, ainda que de forma pouco estruturada, na medida em que, além do mais, os factos atinentes ao elemento subjetivo da infração não estão discriminados autonomamente a seguir aos factos integrantes do elemento objetivo, antes resultando do enquadramento jurídico efetuado mais à frente, técnica incorreta, do ponto de vista formal, mas que não impede a sua inteligibilidade.
Assim, conquanto se entenda que a exposição factual não obedece à mais adequada técnica jurídica, certo é que permitiu à arguida perceber cabalmente quais os concretos factos que lhe eram imputados, nomeadamente as circunstâncias de tempo e lugar, a modalidade de ação e a forma de culpa, e em face deles deduzir impugnação, como efetivamente deduziu, denotando compreender perfeitamente tais elementos e estar a devidamente habilitada a exercer os seus direitos de defesa.
Indispensável é, como se viu, que a decisão administrativa contenha a descrição factual essencial para o preenchimento do tipo objetivo e subjetivo da contraordenação nela imputada – in casu, o tipo objetivo traduz-se na inobservância da distância de 50 metros entre determinada pedreira e uma estrada municipal ou nacional, que corresponde à denominada zona de defesa, onde está vedada a exploração de massas minerais; do ponto de vista subjetivo, a atuação pode revestir a forma dolosa ou negligente.
Assim, e no que diz respeito aos factos essenciais ao preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do tipo contraordenacional em causa, a Autoridade Administrativa exarou, além do mais, o seguinte:
«Aos .../... de 2019, pelas 08h30m, na Pedreira n.º ..., denominada ... n.º 2, sito em EN ...17, ..., N.02, ... - ... e explorada pelo(a) arguido(a) acima identificado(a), aquando de uma ação de fiscalização levada a cabo por uma patrulha _da GNR, (…), verificou-se a inobservância das zonas de defesa por parte da entidade exploradora no que diz respeito aos limites legalmente definidos.
(…)
Enquanto explorador(a) de uma instalação de pedreira, o(a) arguido(a) tinha a obrigação de delimitar zonas de defesa na pedreira que explorava, o que não acautelou, violando com a sua conduta o dever de proteger os objetos classificados de interesse geral, no caso dos presentes autos, a Estrada Nacional ...17 que se encontrava a 3 m de distância das bordaduras de escavação.
Ao deixar de cumprir com os referidos deveres legais, o(a) arguido(a) violou a lei, o que constitui a prática de um facto ilícito, tendo prosseguido com a sua conduta, mesmo sabendo que com ela lesava os bens jurídicos que as normas visam proteger.
(…)»
Estes trechos da decisão administrativa evidenciam, como se concluiu na sentença recorrida, que aquela contém uma descrição sintética dos factos com relevo para o ilícito contraordenacional imputado – os elementos objetivo e subjetivo, este na vertente cognitiva e volitiva, da ação típica imputada à arguida, que, no caso do tipo  subjetivo, não têm que corresponder necessariamente a fórmulas habitualmente utilizadas, antes descrever os factos da vida interior do agente que permitam alcançar as conclusões sobre o preenchimento, ou não, do elemento subjetivo da infração e, bem assim, se a conduta é imputada a título de dolo ou de negligência, concluindo-se, mais à frente, no ponto 2, sob a epigrafe “da culpa do agente”, que a arguida «não cumpriu com o dever de assegurar a delimitação das zonas de defesa na pedreira que explorava, descurando com a sua conduta a segurança de pessoas e bens, […] que não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, daí que tenha atuado com negligência consciente».
Afigura-se, assim, observado o disposto no 58.º, n.º 1, alínea b), do RGC.
E, convolando-se a decisão administrativa em acusação aquando da sua apresentação [e demais processado] em Tribunal pelo Ministério Público, nos termos do preceituado no artigo 62º, n.º 1, do RGC, também se considera como suficientemente descrita, ainda que de forma sintética, em conformidade com o imposto pelo artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, a factualidade relevante para aferir da responsabilidade contraordenacional da arguida.
Sustenta, ainda, a recorrente – se bem compreendemos a intrincada alegação neste conspecto – que a decisão administrativa está igualmente ferida de nulidade porquanto, fundamentando-se nos factos constantes do auto de notícia, os considerou provados porque atribuiu um efeito cominatório ao seu silêncio na sequência da notificação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50º do RGC e porque o considerou como um dos documentos elencados no artigo 169º do Código de Processo Penal.
Ora, sobressai de forma nítida da análise da decisão administrativa, por um lado, que nenhuma consequência probatória foi retirada do silêncio da recorrente, a não ser a constatação de que «não exerceu o seu direito de defesa» e, por outro lado, que nenhum valor probatório especial foi atribuído ao teor do auto de notícia que, como se vê, foi valorado conjuntamente com os demais meios de prova, que ali foram discriminados – «Da prova testemunhal (Autuante(s): BB e CC, ambos militares da GNR do Destacamento Territorial de ...: o arguido não arrolou testemunhas» e «Da prova documental” (Auto de notícia fls. 7; Relatório fotográfico fls. 8; Licença de estabelecimento de pedreira fls. 9; Certidão Permanente fls. 14 a 27; Notificação para o direito de audição e defesa de arguido(a) e respetivos anexos fls. 31 a 33; Aviso de receção fls. 35; 2.0 Notificação para o direito de audição e defesa de arguido(a) e respetivos anexos fls. 50 a 53; Aviso de receção fls. 54» –, sendo certo que não foi valorada prova oferecida pela arguida porque esta não a indicou.
Mas, ainda que assim se não entendesse, a verificação do circunstancialismo invocado pela recorrente prender-se-ia com questões de prova, insuscetíveis, in casu, de gerar nulidade da decisão.
Inexiste, pois, qualquer fundamento de nulidade da decisão administrativa.
Improcede, assim, igualmente a arguição de nulidade da decisão administrativa.

3.3 - Nulidade da sentença recorrida por condenar por factos diversos dos descritos na decisão administrativa/acusação e por não conter factos provados que consubstanciam o elemento subjetivo da contraordenação.
Alega a recorrente que o Tribunal a quo, na sentença recorrida, deu como provado que «…as bordaduras de escavação da referida pedreira encontravam-se a 3 metros de distância daquela estrada», não obstante tais factos não constarem, nem do auto de notícia, nem da fundamentação de facto da decisão administrativa, e que, em consequência, a sentença está ferida da nulidade prevista no artigo 379.º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, por condenar por factos diversos dos descritos na acusação fora dos casos e das condições previstas nos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal.
Vejamos.
Nos termos do artigo 379º do Código de Processo Penal, é nula a sentença “[q]ue condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º” [al. b) do n.º 1].
O artigo 359º do Código de Processo Penal reporta-se à alteração substancial dos factos, definida pelo artigo 1º, al. f), do mesmo diploma, como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Por seu turno, estatui o artigo 358º do Código de Processo Penal, referente à alteração não substancial de factos e à alteração da qualificação jurídica, que para o caso releva tendo e conta a concreta alegação da recorrente:
“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”
Paulo Pinto de Albuquerque[15] afirma que «não há necessidade de comunicação da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos factos nos seguintes casos:
a. a alteração derivada da posição da defesa [...]
b. a condenação por um crime menos grave do que o da acusação por força da redução da matéria de facto na sentença [...]
c. a condenação do arguido por uma forma equivalente de manifestação do mesmo tipo penal [...]
d. a ponderação para efeito da determinação concreta da pena de factos posteriores ao crime, reiteradamente praticados pelo arguido desde momento anterior e desprovidos de relevância típica [...]
e. a declaração da perda de bens e vantagens decorrentes do crime [...]
f. a condenação do arguido na sanção acessória».
Por seu turno, Frederico Isasca1[16] afirma que o que se visa impedir é que os arguidos sejam surpreendidos com factos novos, diferentes dos que lhe foram imputados pela e na acusação. Não é a alteração em si da qualificação jurídica que gera uma alteração dos factos, mas sim uma alteração dos factos que, servindo de fundamento a uma diferente qualificação jurídica, implica a qualificação daquela alteração de factos.
Revertendo ao caso dos autos, efetivamente, o Tribunal a quo considerou como provado que «(...) as bordaduras de escavação da referida pedreira encontravam-se a 3 metros de distância daquela estrada», tal como já havia sido dado como provado na decisão administrativa, conforme supra transcrito, e que «Enquanto explorador(a) de uma instalação de pedreira, o(a) arguido(a) tinha a obrigação de delimitar zonas de defesa na pedreira que explorava, o que não acautelou, violando com a sua conduta o dever de proteger os objetos classificados de interesse geral, no caso dos presentes autos, a Estrada Nacional ...17 que se encontrava a 3 m de distância das bordaduras de escavação».
Ou seja, estamos apenas perante uma forma diferente de afirmar a mesma realidade factual, sendo certo que, caso assim não se entendesse, sempre estaríamos em presença de uma mera concretização da inobservância das zonas de defesa por parte da recorrente, entidade exploradora da pedreira, no que diz respeito aos limites legalmente definidos, que também era já mencionada na decisão administrativa, que equivale, como vimos, à acusação depois de apresentada em juízo pelo Ministério Público.
Não se verifica, pois, qualquer alteração não substancial e, muito menos, substancial dos factos descritos na decisão administrativa que aqui vale como acusação e, por conseguinte, não havia que dar cumprimento ao preceituado nos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal e, como tal, nada obstava à condenação nos sobreditos moldes.
A recorrente ainda invoca que a sentença proferida está também ferida de nulidade por não fazer constar dos factos provados os factos essenciais do elemento subjetivo da contraordenação, que para existir culpabilidade do agente no cometimento do facto é necessário que o mesmo lhe possa ser imputado a título de dolo ou negligência, pelo que deveria constar da fundamentação de facto que agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa – possibilidade de determinar a sua ação), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo) e conscientemente (imputabilidade), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo), sendo que de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015 de 27 de janeiro, aplicável às contraordenações, na sequência da aplicação subsidiária dos preceitos do processo criminal, não é possível o recurso ao mecanismo do artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal para integrar quer a falta, quer a deficiente descrição, por omissão narrativa, do tipo subjetivo do crime imputado, determinando, consequentemente, que a deficiente ou incompleta definição do tipo subjetivo de ilícito conduza, necessariamente, à absolvição, o que deverá ocorrer nos presentes autos.
Ora, como sobressai da sentença recorrida, o tribunal a quo fez constar dos factos provados que «A sociedade arguida, apesar de não ignorar aquela obrigação [observar as distâncias constantes no Anexo II do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 06 de outubro], não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz». Na motivação, explicou: “Quanto ao elemento subjetivo, retirou-se da verificação objetiva da conduta punível. Com efeito, constatada que se mostra a distância mínima de 3 metros entre a Estrada Nacional ...17 e a bordadura da escavação da pedreira, terá de tributar-se esse comportamento na condução dos trabalhos de exploração da pedreira que levaram à violação da zona de defesa, pelo menos, a uma atitude de despreocupação e descaso da arguida em face das obrigações legais violadas, as quais, atenta a sua antiguidade, nunca poderia ignorar» e, no enquadramento jurídico-contraordenacional, concluiu que «apesar de não ignorar aquela obrigação, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, dúvidas não há que a arguida praticou o ilícito contraordenacional pelo que foi condenada em coima pela autoridade administrativa recorrida, tendo atuado, quanto ao elemento subjetivo, com negligência consciente.»

Na senda do que supra expendemos sobre a menor exigência na descrição do elemento subjetivo, embora sempre observando o essencial, veja-se o sumariado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18.11.2017[17]:
«III – No âmbito do direito de mera ordenação social a culpa traduz-se num juízo de censura de violação de um dever legal.
IV – O elemento subjetivo do tipo contraordenacional tem de ser analisado sob um ponto de vista flexível e adequado às concretas circunstâncias do caso, resultando de factos concretos imputados à arguida que levem à conclusão de que a mesma atuou de forma negligente ou dolosa.»

Retornando ao caso dos autos, atento o supra expendido no ponto 3.2 quanto ao elemento subjetivo e o recorte factual transcrito, afigura-se-nos que se mostra suficientemente sustentada, em termos factuais, a imputação da contraordenação a título de negligência.
Refira-se que, caso assim se não entendesse, tal seria motivo de absolvição por falta de preenchimento de um dos elementos típicos da infração, e não de nulidade da sentença.
Improcede, pois, também a arguição de nulidade da sentença.
           
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III. – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto por EMP01..., Lda. e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 4 (quatro) unidades de conta.
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(Elaborado e revisto pela relatora, sendo assinado eletronicamente pelos signatários – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)
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Guimarães, 14 de novembro de 2023

Isabel Gaio Ferreira de Castro[Relatora]
Pedro Freitas Pinto[1.º Adjunto]
Paulo Correia Serafim[2.º Adjunto]


[1] Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se alterações da formatação do texto, da responsabilidade da relatora.
[2] Publicado no Diário da República, I.ª Série, de 02.07.2019
[3] Neste sentido, o recente acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05.04.2022, que aqui seguiremos de muito perto pela similitude das situações e por nos revermos na respetiva fundamentação, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[4] Em anotação ao artigo 50.° do RGCO, afirmam Jorge Miranda e Rui Medeiros in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pag 363: “O n.º 10 garante ao arguido em quaisquer processos de natureza sancionatória os direitos de audiência e de defesa. Significa ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contraordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar, ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido e, possa defender-se das imputações que lhe são feitas. A defesa pressupõe a prévia acusação. A Constituição proíbe absolutamente a aplicação de qualquer tipo de sanção sem que ao arguido seja garantida a possibilidade de se defender.”.
No mesmo sentido, Leones Dantas, no seu estudo “Os direito de audição e defesa no processo das contraordenações”, in Revista do CEJ, 2. ° semestre 2010, n.º 14, páginas 298, 299 e 331, reportando-se ao momento a que alude o disposto no artigo 50.° do RGCO, qualifica-o como o "espaço processual por excelência para o arguido ser confrontado com a factualidade que lhe é imputada no processo e respetiva qualificação jurídica".
[5] No mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os seguintes acórdãos dos tribunais superiores, todos disponíveis em www.dgsi.pt: Acórdão da Relação de Coimbra de 16.05.2018, relatado pelo Desembargador Brízida Martins; Acórdão Relação de Lisboa de 09.04.2019, relatado pela Desembargadora Ana Sebastião; Acórdão Relação de Guimarães de 25.03.2019, relatado pela Desembargadora Cândida Martinho.
[6] Disponível em tribunalconstitucional.pt
[7] Vide Sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.02.2003, in http://www.stj.pt
[8] Disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[9] Vide Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, “Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas”, 2.ª edição de Janeiro de 2003, Vislis Editores, p. 334, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2007, processo n.º 06P3202, Henriques Gaspar, disponível para consulta em http://www.dgsi.pt.
[10] Cfr., a título meramente exemplificativo, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, ob. cit., págs. 387/390; acórdãos do STJ de 21-09-2006 proc. n.º 06P3200; da Tribunal da Relação de Coimbra de 30.03.2022, proc. 173/21.9T8TND.C1, e de 12.07.2011, proc. 990/10.5T2OBR.C1, da Relação de Évora de 17-10-2006, proc. n.º 2194/06-1; da Relação de Lisboa de 28-04-2004, proc. n.º 1947/2004-3; da Relação do Porto de 27-02-2002 e 24-02-2010, proc. n.º 0111558 e 10798/08.2TBMAL.P1, respetivamente, todos publicados em www.dgsi.pt.
[11] Cfr, igualmente a título meramente exemplificativo, António Beça Pereira, em “Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, Almedina, 2007, págs. 115/116; acórdão da Relação do Porto de 15-03-2006, proc. n.º 0443636; da Relação de Évora de 15-06-2004, publicados no sítio acima indicado, e da Relação de Lisboa, in CJ, tomo V, pág. 144.
[12] Obra e local citados
[13] Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2ª Edição, Almedina, pág. 157.
[14] Disponível para consulta em http://www.dgsi.pt
[15] In «Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, Universidade Católica Editora, pág. 930 e 931
[16] In «Alteração Substancial dos factos e sua relevância no processo penal português» Coimbra, Livraria Almadina, pág. 108
[17] Disponível para consulta em http://www.dgsi.pt