PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
Sumário

I- É suficiente para o exequente comprovar o cumprimento da obrigação de comunicação para integração no PERSI a junção dos escritos relativos ao PERSI e a alegação de que os enviou ao executado, através de carta simples, para a morada contratual;
II- Para a comunicação de extinção do procedimento, na sequência do decurso do prazo de 91 dias, não basta a referência por “expiração”.
(Sumário da Relatora)

Texto Integral

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

Por requerimento datado de 31-01-2022 veio a sociedade “(…), S.A.” instaurar a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum sumário, contra (…) e (…), oferecendo como título executivo uma escritura pública de «Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca» outorgada em 13-06- 2001 e respectivo «Documento Complementar», cujos teores se consideram integralmente reproduzidos.
Foi proferida decisão que julgou oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente “(…), S.A.”, da demonstração das obrigações decorrentes do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver os executados (…) e (…) da instância executiva, determinando a extinção da execução – artigos 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Desta decisão recorreu o exequente que formulou as seguintes conclusões (transcrição):
«a) Entendeu o tribunal a quo não ter ficado demonstrado que as cartas enviadas pelo banco originador, Caixa (…) Geral (doravante designado de Caixa) em cumprimento do PERSI, tivessem efetivamente sido enviadas aos executados,
b) A Recorrente juntou aos autos as cartas de integração e extinção do PERSI remetidas a ambos executados,
c) No regime do PERSI, a lei não exige o envio de carta registada com aviso de receção, mas tão somente que o cliente/destinatário seja informado mediante comunicação em “suporte duradouro”.
d) Com efeito, as cartas foram enviadas para a morada prevista não havendo porque considerar que não foram entregues, pelo que o tribunal a quo errou na interpretação do sentido do artigo 14.º, n.º 4, do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
e) Julgou ainda o tribunal a quo não se ter verificado a válida comunicação da extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 (doravante designado de PERSI), considerando verificada a exceção dilatória inominada insanável e, em consequência, absolver os requeridos da instância executiva, determinando a extinção da execução.
f) Os recorridos foram integrado no PERSI no cumprimento do artigo 14.º do diploma supra citado, mediante o envio das cartas de integração no PERSI juntas aos autos, na qual a Caixa (…) Geral, S.A. lhe solicitou os seguintes documentos: última declaração de IRS e respetiva Nota de liquidação, últimos 3 recibos de vencimento, declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (em caso e desemprego), certidão da Conservatória do Registo Predial ou respetivo código de acesso e caderneta predial dos imóveis que garantem o financiamento.
g) Decorre no disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Decreto Lei n.º 227/2012, de 25/10, que: “Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo de 10 dias.”,
h) E da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º que: “O PERSI extingue-se no 91º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento…”
i) Ora, sucede que os recorridos nunca cumpriram com a obrigação que sobre eles impedia de enviar a documentação solicitada pela instituição bancária, razão pela qual a mesma, ao fim de 90 dias, após a comunicação de integração no PERSI, comunicou a extinção do procedimento por “EXPIRAÇÃO”.
j) Tendo “expirado” o prazo dentro do qual o PERSI podia manter-se em vigor a aguardar o envio da documentação solicitada aos recorridos não restou outra alternativa à Caixa que não fosse extingui-lo pelo decurso o tempo legalmente admitido sem qualquer input por parte dos recorridos.
k) Da decisão de extinção do PERSI, com o fundamento de “Expiração”, resulta claro que decorridos os 91º dias não se verificou o pagamento dos valores em mora pelo recorrido nem a obtenção de acordo entre as partes com vista à regularização.
l) O dever de fundamentação da decisão de extinção do PERSI encontra-se consubstanciado no motivo de “EXPIRAÇÃO”.
m) Em momento algum os recorridos fizeram prova de que tivessem enviado à Caixa a documentação solicitada, e tendo a recorrente sugerido ao tribunal a quo, mediante o seu requerimento de 15.03.2023, que indagasse junto dos recorridos se a documentação solicitada através das cartas de integração no PERSI foi ou não enviada pelos recorridos o tribunal a quo limitou-se a proferir sentença de absolvição dos executados, destituindo-se do seu dever de descobrir a verdade material.
n) A Recorrente considera, em suma, que a matéria em crise foi incorretamente julgada, tanto na interpretação dos normativos supra enunciados no que diz respeito à forma das comunicações para integração e extinção do cliente bancário no PERSI, bem como, na interpretação e aplicação ao caso concreto dos requisitos legais previstos para a decisão de extinção do PERSI.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, devendo a sentença ser alterada em conformidade com o acima exposto, prosseguindo a ação executiva os seus termos.»
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Os factos relevantes considerados assentes são os seguintes:
-Sob a ref.ª 91903281 de 14-12-2022 viria a ser proferido o seguinte despacho (1.ª parte):
«Tendo presentes as disposições conjugadas dos artigos 551.º, n.º 3 e 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e face à natureza do crédito exequendo, é relevante aferir se foi dado cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
De facto, e na esteira do que tem jurisprudencialmente entendido de forma pacífica, entendemos que sendo o PERSI obrigatório, o seu cumprimento consubstancia uma condição objetiva de procedibilidade para a execução, impondo-se, por conseguinte, perante o seu eventual desrespeito, a absolvição do executado da instância por procedência de excepção dilatória inominada insanável, de conhecimento oficioso – artigos 573.º, n.º 2 e 578.º, do Código de Processo Civil.
Destarte, convido a exequente a demonstrar nos autos, no prazo de 10 (dez) dias, o cumprimento do PERSI relativamente aos executados».
Em resposta junta sob a ref.ª 9293327 de 28-12-2022 a exequente veio «proceder à junção das cartas do cumprimento do PERSI».
Juntou quatro documentos. - 1.º Documento:
Trata-se de missiva datada de 18-07-2014, indicando como destinatário o aqui executado (…) e contendo o seguinte teor:
«(…) No decorrer do acompanhamento permanente efetuado pelo Banco, e dando seguimento ao Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, informamos que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do(s) contrato(s) identificado(s) no verso, foi integrado no Processo Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI):
Data de integração no PERSI: 18-07-2014
O PERSI visa promover a negociação entre as instituições de crédito e os clientes bancários de soluções extrajudiciais para as situações de incumprimento. Deste modo, vimos manifestar a nossa total disponibilidade para encontrar, em conjunto consigo, a solução adequada para o incumprimento registado, bem como para outros que se venham a verificar, pelo que se solicita a entrega, no seu Balcão, da seguinte documentação:
- Última Declaração de IRS e respetiva Nota de Liquidação
- Últimos 3 recibos de vencimento
- Declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (em caso de desemprego)
- Certidão da Conservatória do Registo Predial ou respetivo código de acesso e Caderneta Predial dos imóveis que garantem o financiamento, se aplicável.
Em anexo enviamos informação adicional, em conformidade com o estabelecido pelo Aviso 17/2012 do Banco de Portugal.
Para informações ou esclarecimentos adicionais, estamos à sua disposição no Balcão (…):
(…) – (…) através do número (…)»;
- 2.º Documento:
Trata-se de missiva datada de 18-10-2014, indicando de igual modo como destinatário o aqui executado (…) e, neste caso, com o seguinte teor:
«(…) Em conformidade com o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos que em virtude de EXPIRAÇÃO foi extinto o seu enquadramento no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
Deste modo, a Caixa (…) Geral, poderá exercer o direito de resolver o(s) contrato(s) celebrado(s), recorrendo à via judicial para recebimento dos montantes em dívida.
Caso tenha sido enquadrado, no âmbito do PERSI, um crédito com garantia hipotecária informamos que o mesmo, no que respeita à resolução e ao direito à retoma do contrato, passa a ser regulamentado pelo Decreto-lei 349/98, de 11 de novembro, na relação (sic) da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, que cria salvaguardas para os mutuários de crédito à habitação.
Informamos ainda, que caso esteja abrangido pela Lei 58/2012, de 9 de novembro, relativa ao Regime Extraordinário de Proteção de Devedores de Crédito à Habitação em Situação Económica Muito Difícil, poderá recorrer às medidas substitutivas da execução hipotecária. (…)
Sempre que o PERSI tenha tido origem num contrato destinado à habitação, e que o cliente intervenha ainda como mutuário em contrato(s) de crédito celebrado(s) com a instituição, poderá recorrer, no prazo de cinco dias a contar desta comunicação, à intervenção de um Mediador de Crédito, de forma a manter as garantias associadas ao PERSI. Para tal, é necessário que, cumulativamente a estes requisitos, se verifique a extinção com um dos seguintes fundamentos:
- Ter sido atingido o 91º dia subsequente à data de enquadramento no PERSI;
- Ter sido apurada pelo Banco, a incapacidade financeira para o pagamento;
- O cliente recusa proposta apresentada pelo Banco;
- O Banco recuse alterações sugeridas pelo cliente a proposta anterior.
- 3.º Documento:
Missiva datada de 18-07-2014, indicando como destinatária a aqui executada (…) e contendo o seguinte teor:
«(…) No decorrer do acompanhamento permanente efetuado pelo Montepio, e dando seguimento ao Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, informamos que em virtude do incumprimento com as responsabilidades assumidas no âmbito do(s) contrato(s) identificado(s) no verso, foi integrado no Processo Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI):
Data de integração no PERSI: 18-07-2014
O PERSI visa promover a negociação entre as instituições de crédito e os clientes bancários de soluções extrajudiciais para as situações de incumprimento. Deste modo, vimos manifestar a nossa total disponibilidade para encontrar, em conjunto consigo, a solução adequada para o incumprimento registado, bem como para outros que se venham a verificar, pelo que se solicita a entrega, no seu Balcão, da seguinte documentação:
- Última Declaração de IRS e respetiva Nota de Liquidação
- Últimos 3 recibos de vencimento
- Declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (em caso de desemprego)
- Certidão da Conservatória do Registo Predial ou respetivo código de acesso e Caderneta Predial dos imóveis que garantem o financiamento, se aplicável.
Em anexo enviamos informação adicional, em conformidade com o estabelecido pelo Aviso 17/2012 do Banco de Portugal.
Para informações ou esclarecimentos adicionais, estamos à sua disposição no Balcão (…):
(…) – (…), através do número (…)»;
- 4.º Documento:
Missiva datada de 18-10-2014, indicando de igual modo como destinatária a aqui executada (…) e, neste caso, com o seguinte teor: «(…) Em conformidade com o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, informamos que em virtude de EXPIRAÇÃO foi extinto o seu enquadramento no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).
Deste modo, a Caixa (…) Geral, poderá exercer o direito de resolver o(s) contrato(s) celebrado(s), recorrendo à via judicial para recebimento dos montantes em dívida.
Caso tenha sido enquadrado, no âmbito do PERSI, um crédito com garantia hipotecária informamos que o mesmo, no que respeita à resolução e ao direito à retoma do contrato, passa a ser regulamentado pelo Decreto-lei 349/98, de 11 de novembro, na relação (sic) da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, que cria salvaguardas para os mutuários de crédito à habitação.
Informamos ainda, que caso esteja abrangido pela Lei 58/2012, de 9 de novembro, relativa ao Regime Extraordinário de Proteção de Devedores de Crédito à Habitação em Situação Económica Muito Difícil, poderá recorrer às medidas substitutivas da execução hipotecária. (…)
Sempre que o PERSI tenha tido origem num contrato destinado à habitação, e que o cliente intervenha ainda como mutuário em contrato(s) de crédito celebrado(s) com a instituição, poderá recorrer, no prazo de cinco dias a contar desta comunicação, à intervenção de um Mediador de Crédito, de forma a manter as garantias associadas ao PERSI. Para tal, é necessário que, cumulativamente a estes requisitos, se verifique a extinção com um dos seguintes fundamentos:
- Ter sido atingido o 91º dia subsequente à data de enquadramento no PERSI;
- Ter sido apurada pelo Banco, a incapacidade financeira para o pagamento;
- O cliente recusa proposta apresentada pelo Banco;
- O Banco recuse alterações sugeridas pelo cliente a proposta anterior. (…)».
Os executados reagiram espontaneamente através da ref.ª 9298972 de 30-12-2022, vindo «impugnar os documentos juntos com a referência 44252202, pela Exequente, atinentes ao PERSI, o que fazem nos termos e com os fundamentos seguintes:
1º Os documentos não estão assinados, pelos administradores ou responsáveis da Caixa (…) Geral, pelo que se impugna a sua validade;
2.º A Exequente não junta comprovativo (nomeadamente, comprovativo de envio de CTT – aviso de recepção --, que devidamente comprove que tais documentos ora juntos pela Exequente, tenham efectivamente sido comunicados aos Executados e lhe tenha sido dado conhecimento do procedimento obrigatório, pelo que, por maioria de razão se impugnam;
3.º Ou seja, apesar da junção de tais documentos, não assinados, a Exequente não faz prova, de que os mesmos tenham sido enviados aos Executados;
4.º Pelo que os Executados requerem a V/Exas que notifique a Exequente para no prazo de 10 dias, vir aos Autos juntar comprovativos de aviso de recepção da carta de envio dos documentos aos Executados, fazendo assim prova de correio de envio dos mesmos aos Executados, sob pena de absolvição dos Executados da instância».
Notificada nos termos do disposto no artigo 221.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a exequente nada disse.
Seguiu-se o despacho vertido na ref.ª 92377664, de 09-02-2023:
«Notifique a exequente para, no prazo de 10 (dez) dias, requerer e/ou documentar o que demais tiver por conveniente face à posição manifestada pelos executados na ref.ª 9298972 de 30-12-2022 e, bem assim, para exercer, querendo, o respectivo contraditório acerca da eventual adopção do entendimento de acordo com o qual as cartas de comunicação de extinção do PERSI que juntou através da ref.ª 9293327, de 28-12-2022 não são susceptíveis de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicarem o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões de facto pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento».
Eis a resposta (ref.ª 9520927 de 15-03-2023): «(…)
As cartas enviadas aos executados no cumprimento do PERSI foram expedidas pela a Caixa (…) Geral, S.A. (mutuante) através de correio simples, não exigindo a lei e envio através de correio registado.
Conforme decorre das cartas de extinção do PERSI o fundamento da extinção foi a “expiração”,
Devendo o referido fundamento ser analisado à luz do disposto no Decreto Lei n.º 227/2012, de 25/10.
Os executados foram integrados no PERSI no cumprimento do artigo 14º do diploma supra citado, tendo a Caixa (…) Geral, S.A. (mutuante) lhes solicitado, aquando do envio das cartas de integração no PERSI, os seguintes documentos, cfr. cartas de integração no PERSI já juntas aos autos:
- última declaração de IRS e respetiva Nota de liquidação; - últimos 3 recibos de vencimento;
- declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (em caso de desemprego);
- Certidão da Conservatória do Registo Predial ou respetivo código de acesso e caderneta predial dos imóveis que garantem o financiamento, se aplicável.
Decorre do disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Decreto Lei nº 227/2012, de 25/10, que: “Salvo motivo atendível, o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo de 10 dias.”
E da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º que: “O PERSI extingue-se no 91º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento…”
Ora, sucede que os executados nunca cumpriram com a obrigação que sobre eles impendia de enviar a documentação à instituição bancária, razão pela qual a mesma, ao fim de 90 dias após a comunicação da integração no PERSI, veio comunicar a extinção pelo decurso do prazo previsto na lei.
Dado ter expirado o prazo dentro do qual o PERSI podia manter-se em vigor a aguardar o envio da documentação solicitada aos executados, o mutuante extinguiu o procedimento com o fundamento legal previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º com a indicação de “expiração”.
A alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto Lei n.º 227/2012, de 25/10 não é mais do que um expediente para evitar que o PERSI se mantenha em aberto ad eterno à espera do input das partes.
Ora, não tendo os executados enviado ao mutuante a documentação solicitada não restou outra alternativa àquele que não fosse extinguir o PERSI pelo decurso dos 91º dias previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º.
Resulta claro do fundamento aposto nas cartas de extinção do PERSI que, conforme previsto na lei para efeito a extinção do PERSI, decorridos os 91º dias da integração, não se verificou o pagamento dos valores em mora nem a obtenção de acordo entre as partes com vista à regularização.
Pelo que não poderá o d. tribunal concluir pela falta de fundamentação da decisão de extinção do PERSI,
Admitindo-se, porém, havendo dúvidas, e em nome do princípio da descoberta da verdade material, que possa indagar junto dos executados se estes cumpriram com os deveres que lhe eram impostos por lei no que respeita ao envio da documentação solicitada pelo mutuante».
Nenhum elemento probatório adicional foi indicado. *
Resultando os factos relevantes do relatório vindo de enunciar, cumpre, finalmente, apreciar e decidir, enfrentando fundamentalmente duas questões.
A primeira consiste em saber se se pode considerar demonstrado o envio aos executados das missivas acima citadas e a segunda se as missivas datadas de 18-10-2014 são ou não susceptíveis de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 (relativamente ao qual é in casu aplicável a redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06/08, correspondendo-lhe por isso todas as menções que ao mesmo serão feitas).
Isto sendo certo que, na economia da decisão, é para nós evidente que a escritura pública de «COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA» dada à execução se insere no âmbito de aplicação desse diploma [cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea b)], o que, de resto, não foi posto em causa pela exequente e está também em linha com a circunstância de ter procedido à junção das sobreditas missivas com vista a demonstrar o cumprimento do PERSI.
Começando, deste modo, pela primeira questão, não podemos considerar demonstrado que tais missivas tenham efectivamente sido enviadas aos executados.
Com efeito, e tal como cristalinamente se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021 (disponível em www.dgsi.pt sob Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1), a demonstração do efectivo envio daquelas comunicações e da sua recepção pelo destinatário constitui ónus da exequente (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), enquanto condição de admissibilidade da própria execução, sendo que «a simples junção aos autos das referidas cartas e a alegação de que foram enviadas» aos executados não constituem, «por si só, prova do respectivo envio e da consequente recepção das mesmas» por aqueles, mas antes e tão-somente «princípio de prova desse envio».
Neste conspecto, não tendo sido indicada pela exequente qualquer prova diversa da mera junção das missivas em causa, o que se manteve mesmo depois da notificação determinada pelo despacho plasmado na ref.ª 92377664, de 09-02-2023, é inelutável concluir, face à impugnação vertida na ref.ª 9298972, de 30-12-2022, por aquela falta de demonstração.
Ademais, estando-se perante um ónus a cargo da exequente relacionado com uma condição objectiva de admissibilidade da própria execução, não faz qualquer sentido, salvo o devido respeito, indagar junto dos executados «se estes cumpriram com os deveres que lhe eram impostos por lei no que respeita ao envio da documentação solicitada pelo mutuante», sob pena de inadmissível transferência para estes de um ónus que não lhes compete.
Mas ainda que assim não fosse, e entrando agora na análise da segunda questão enunciada, importa sublinhar que o artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do Decreto-Lei n.º 227/2012 rege do seguinte modo:
«3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 – O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3».
Em cumprimento deste n.º 5, foi dado à estampa o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012), de cujo artigo 8.º, sob a epígrafe «[c]omunicação de extinção do PERSI», decorre o que segue:
«A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
b) Consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos;
c) Quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação, informação acerca do regime constante do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro, na redação da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, relativamente à resolução e ao direito à retoma do contrato de crédito;
d) No caso de o cliente bancário estar abrangido pelo regime extraordinário de regularização do incumprimento de contratos de crédito à habitação, referência, quando tal decorra do referido diploma legal, ao direito do cliente bancário à aplicação de medidas substitutivas, bem como aos termos em que poderá solicitar a sua aplicação;
e) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;
f) Indicação dos elementos de contacto da instituição de crédito através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento».
Revertendo à situação dos autos, e salvaguardando o devido respeito pelo esforço argumentativo da exequente, estamos em crer que as supra citadas comunicações com data de 18-10-2014 não satisfazem os requisitos enunciados, mormente os que foram objecto de negrito e sublinhados nossos.
Na verdade, para além de remeterem genericamente para «o estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de Outubro» – o que não se coaduna com a exigência de indicação do concreto fundamento legal –, de tais comunicações resulta que os PERSI´s se extinguiram «em virtude de EXPIRAÇÃO», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informar os destinatários em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção dos procedimentos, descrevendo os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo aos mesmos.
É certo que nas mesmas missivas se referiu que «[s]empre que o PERSI tenha tido origem num contrato destinado à habitação, e que o cliente intervenha ainda como mutuário em contrato(s) de crédito celebrado(s) com a instituição, poderá recorrer, no prazo de cinco dias a contar desta comunicação, à intervenção de um Mediador de Crédito, de forma a manter as garantias associadas ao PERSI. Para tal, é necessário que, cumulativamente a estes requisitos, se verifique a extinção com um dos seguintes fundamentos:
- Ter sido atingido o 91º dia subsequente à data de enquadramento no PERSI; (…)».

2 – Objecto do recurso.

Face ao disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir (por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) são as seguintes:
1ª Questão – Saber se é ou não suficiente para o exequente comprovar o cumprimento da obrigação de comunicação para integração no PERSI a junção dos escritos relativos ao PERSI e a alegação de que os enviou ao executado, através de carta simples, para a morada contratual;
2ª Questão – Saber se para a comunicação de extinção do procedimento, na sequência do decurso do prazo de 91 dias, desde a data da integração do cliente bancário em PERSI, basta a referência por “EXPIRAÇÃO.

3- Análise:

1ª Questão – Saber se é ou não suficiente para o exequente comprovar o cumprimento da obrigação de comunicação para integração no PERSI a junção dos escritos relativos ao PERSI e a alegação de que os enviou ao executado, através de carta simples, para a morada contratual;

A sentença considerou que o exequente não demonstrou a comunicação, aos executados, da integração no PERSI por ter apenas juntado as missivas e alegado o envio, o que é só um princípio de prova que a exequente embora notificada para tal, não completou.
Como sabemos, o PERSI – Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – tem por objectivo, de acordo com o preâmbulo do DL 227/2012, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06-08: “aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”
Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigo 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial. A lei estipula que a informação deve ser comunicada através de «suporte duradouro», cuja noção consta do artigo 3.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, ao estipular: «h) «Suporte duradouro» qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.».
O Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 estabelece que, a instituição de crédito deve informar o cliente/consumidor que integrou o cliente em PERSI através de suporte duradouro que contenha os seguintes elementos: identificação do contrato de crédito, a data de vencimento das obrigações em mora, o montante total em dívida, com descrição detalhada dos montantes relativos ao capital, juros e encargos associados à mora, a data de integração no PERSI e elementos do contato da instituição de crédito para informação adicional e para negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento que lhe sejam propostas (artigos 7.º).
No caso dos autos, a comunicação de integração do PERSI foi comunicadas através de carta simples para a morada contratual (tais documentos foram juntos aos autos e não se encontram impugnados).
O modo de provar as ditas comunicações envolve alguma polémica jurisprudencial e a esse propósito o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 13-04-2021, Proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Relatora: Graça Amaral, disponível em www.dgsi.pt pronunciando-se nos seguintes termos:
«I – A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do CPC).
II – Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do artigo 362.º do CC.
III – Tratam-se de declarações receptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada.
IV – A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova.»
Seguimos esta posição do STJ e da jurisprudência que cremos ser maioritária, no sentido de que, as cartas simples ou e-mails endereçados ao devedor para as moradas que constam do contrato celebrado, correspondem a um facto-indiciário, a um princípio de prova, podendo o mesmo ser complementado por outro meio de prova, mormente testemunhal, realçando que a lei não exige uma formalidade específica para prova do envio e receção das ditas comunicações, mormente uma carta com aviso de receção ou sequer registos postais, bastando para cumprimento da lei, o envio de tais missivas em conformidade com o estabelecido no contrato para a comunicação entre as partes, devendo essa documentação constar do referido suporte duradouro a que se reporta a lei e que se tivesse sido intenção do legislador exigir que a prova do envio e receção das comunicações fosse feita através de um meio prova como seja o registo postal ou o aviso de receção, decerto tê-lo-ia consagrado expressamente (sendo que o intérprete se encontra sujeito às regras da interpretação do artigo 9.º do Código Civil, não podendo ser considerado um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso).
A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada deve ser considerada como princípio de prova da remessa. Ou, por outras palavras, a exigência “ad probationem” apenas se reporta ao cumprimento da obrigação procedimental (o documento é exigido apenas para prova da declaração), mas a prova da entrega das missivas ao cliente pode ser concretizada por qualquer meio probatório, inclusive por prova testemunhal».
Assim, entendemos que a instituição bancária pode fazer a prova do envio e receção das comunicações mediante a junção de cartas simples, enviadas para a morada contratualmente convencionada, ou mesmo comunicação eletrónica se tal procedimento tiver sido estipulado.
No nosso caso, tendo sido remetidos os escritos à executada, por correio simples para a morada por si indicada, aquando da celebração do contrato de crédito ao consumo, há um princípio de prova do envio das comunicações, pelo que o juiz não pode oficiosamente e liminarmente concluir pelo não envio ou não receção das mesmas, competindo à executada alegar o não recebimento, e só então recair sobre o exequente o ónus de provar o efetivo envio e recebimento da correspondência.
Ora a executada não o fez, pelo que, devemos concluir que os autos indiciam que o exequente deu cumprimento ao exigido por lei.
Em suma, não acompanhamos o primeiro argumento expresso na sentença recorrida para determinar a extinção da execução.

2ª Questão – Saber se para a comunicação de extinção do procedimento, na sequência do decurso do prazo de 91 dias, desde a data da integração do cliente bancário em PERSI, basta a referência por “EXPIRAÇÃO.

A sentença, argumenta ainda que, ainda que não ocorresse o supra exposto, ocorre uma outra razão para concluir que o exequente violou as normas de carácter imperativo, o que redunda numa excepção dilatória atípica ou inominada e insuprível determinando a extinção da execução, Refere que sempre se teria que se entender que o exequente não deu cumprimento ao disposto nas alíneas a) e b) do artigo 8.º do Aviso de Banco de Portugal quanto à extinção do PERSI.
E quanto a este argumento, acompanhamos a sentença recorrida.
Senão vejamos:
Em causa está assim apurar quais os requisitos da comunicação de extinção do PERSI.
Nos termos do artigo 17.º - Extinção do PERSI
1 - O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário.
2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
a) Seja realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor;
b) Seja proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas;
c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;
e) O cliente bancário pratique atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito;
f) O cliente bancário recuse a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; ou
g) A instituição de crédito recuse as alterações sugeridas pelo cliente bancário a proposta anteriormente apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo anterior.
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5 - O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
Em cumprimento deste n.º 5, foi dado à estampa o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012), de cujo artigo 8.º, sob a epígrafe «[c]omunicação de extinção do PERSI», decorre o que segue:
«A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
b) Consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos;
c) Quando esteja em causa um contrato de crédito à habitação, informação acerca do regime constante do Decreto-Lei n.º 349/98, de 11 de novembro, na redação da Lei n.º 59/2012, de 9 de novembro, relativamente à resolução e ao direito à retoma do contrato de crédito;
d) No caso de o cliente bancário estar abrangido pelo regime extraordinário de regularização do incumprimento de contratos de crédito à habitação, referência, quando tal decorra do referido diploma legal, ao direito do cliente bancário à aplicação de medidas substitutivas, bem como aos termos em que poderá solicitar a sua aplicação;
e) Identificação das situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito mantendo as garantias associadas ao PERSI;
f) Indicação dos elementos de contacto da instituição de crédito através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento».
Revertendo à situação dos autos, estamos em crer que, a acima citada comunicação dirigida aos aqui executados dando-lhe conta da extinção do PERSI não satisfaz os requisitos enunciados.
Está em causa a interpretação do artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, donde decorre que, o PERSI se extingue no 91.º subsequente à data da integração do cliente bancário neste procedimento.
Para tal comunicação bastará – como nos autos – referir que o procedimento se extinguiu por “EXPIRAÇÃO”?
Ou,
Será ainda necessário informar, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis das concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os factos que determinaram a extinção do PERSI ou que justificaram a decisão de pôr termo ao mesmo.
A resposta depende de como se entender o n.º 1, alínea c), do artigo 17.º do PERSI:
- Ou, se entende que, ainda que o fundamento legal da extinção seja o decurso do referido prazo, a entidade não fica dispensada de comunicar o fundamento ou até a razão que, no seu entender, torna inviável a manutenção do procedimento.
A tal propósito há quem defenda que é necessário comunicar e basta a menção ao decurso dos 91 dias subsequente à data da integração do cliente bancário neste procedimento – neste sentido, por exemplo, o Ac. de 9.02.23, proc. n.º 3358/20.1T8ENT.E1, Relatora: Maria João Faro.
Há quem defenda que, não basta a menção ao decurso dos 91 dias subsequente à data da integração do cliente bancário neste procedimento, sendo necessário ainda que a entidade bancária informe o cliente bancário não só do fundamento legal para essa extinção, mas as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento, ou seja, que há que distinguir entre «fundamento legal» para a extinção e «razões» donde decorre a inviabilidade da persistência do procedimento. Veja-se por exemplo, neste sentido, o Ac. desta Relação de 25-11-2021, proc. n.º 17026/20.0T8PRT.E1, Relatora: Maria Adelaide Domingos, podendo ler-se neste último o seguinte:
«Se é certo que da literalidade deste segmento da norma decorre que o decurso dos 91 dias subsequentes à data da integração do cliente bancário no PERSI faz extinguir este procedimento, também da letra e da inserção sistemática dos n.ºs 3 e 4 no mesmo preceito, resulta que a comunicação de extinção só produz efeitos após a entidade bancária informar o cliente bancário comunicando-lhe o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento.
(…) Na verdade, os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º não excluem da sua previsão a alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito.
Assim, do elemento literal e sistemático do normativo decorre que há que distinguir entre «fundamento legal» para a extinção e «razões» donde decorre a inviabilidade da persistência do procedimento que, aliás, poderia prosseguir após o 91.º, se as partes por escrito nisso acordassem.
Mas também pelo elemento racional ou teleológico da interpretação se chega a igual conclusão.
Como foi dito supra, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 visou criar uma série de medidas preventivas de incumprimento (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento – PARI) e, caso já exista incumprimento, um procedimento de regularização do mesmo (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento – PERSI) que passa pela identificação das razões do incumprimento das obrigações e pela adoção de medidas/propostas viáveis e suscetíveis de reverter o incumprimento. O que implica, por parte das entidades bancárias, todo um procedimento de avaliação da natureza pontual ou duradoura do incumprimento e da avaliação da capacidade financeira do cliente inadimplente.
Como decorre dos artigos 12.º a 16.º do PERSI, este procedimento tem várias fases (como acima já referido) que implicam, em suma, diligências tendentes à avaliação, negociação das propostas apresentadas pela instituição bancária (artigos 14.º a 16.º) e, finalmente, extinção do PERSI nas situações elencadas no artigo 17.º.
Estas normas têm caráter imperativo e todas as referidas fases estão cobertas pelos princípios gerais do artigo 4.º: diligência, lealdade, boa fé e adoção de medidas adequadas quer para evitar o incumprimento, quer para a obter a regularização das obrigações incumpridas.
A razão última do regime é, no fundo, evitar que o cliente bancário entre em incumprimento ou já se encontrando nessa situação, encontrar medidas que lhe permitam regularizar o incumprimento.
Esse ónus, na ótica do legislador recaí essencialmente sobre a instituição bancária, desde logo, porque o legislador reconhece que na relação negocial estabelecida existe uma «assimetria de informação» entre aquele tipo de instituições e os consumidores (como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012 – elemento histórico da interpretação), compreendendo-se que a eficácia da implementação de medidas preventivas ou de regularização esteja no domínio da instituição bancária, carecendo o cliente de um especial apoio de obtenção de informações, de aconselhamento e acompanhamento, ou seja, de uma rede de apoio a que se reporta o diploma, que lhe conceda uma especial proteção enquanto parte mais frágil da relação contratual incumprida[10] (cfr. artigos 23.º e seguintes).
Deste modo, a entidade que está em condições de explicar as razões para o insucesso do PERSI, decorrido o prazo de 91 dias após a integração do consumidor naquele procedimento, é, sem dúvida, a entidade bancária, pelo que é sobre a mesma que recaí o ónus de, para além de invocar o fundamento legal da extinção do procedimento, também explicar as razões da falta de viabilidade do mesmo (n.º 3 do artigo 17.º).
É o que igualmente está subjacente e decorre do Aviso do BdP n.º 17/2012 já antes citado.
Sendo que a falta da comunicação prevista no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo 17.º).
Se a justificação, explícita ou implícita, da inviabilidade do procedimento passasse apenas pelo decurso do tempo, de pouco ou nada servia o diploma em causa. Bastava que nada fosse feito, bastando a comunicação formal da inclusão do devedor no âmbito do PERSI e a comunicação da extinção do mesmo decorrido o prazo previsto na lei. Corresponderia, assim, a uma espécie de moratória e não a um procedimento ativo a cargo das entidades bancárias com as finalidades que o legislador gizou para tal instituto.
No caso, o ora apelante indicou o fundamento legal (decurso do prazo), mas não indicou as razões da inviabilidade da manutenção do procedimento.
No fundo, o que comunicou aos ora apelados foi que continuavam em incumprimento decorrido o prazo do PERSI, logo considerava-o extinto.
Deste modo, fica-se sem saber quais as razões para a falta de viabilidade da regularização da dívida visada com o PERSI.
Foi devida a inação da entidade bancária? Falta de colaboração dos devedores? Total incapacidade financeira dos mesmos para regularizarem a dívida? Houve outras razões? Não se sabe!»
- Por outro lado há quem entenda que o n.º 1, alínea c) do artigo 17.º do PERSI prevê uma extinção legal e automática que se verifica apenas pelo decurso do tempo.
Neste sentido por exemplo o Ac. RE de 26-05-2022 Proc. 18/22.2T8ENT.E1, Relator: Mário Coelho, onde se argumenta o seguinte:
«Pela nossa parte, respeitando naturalmente opinião contrária, notamos que o DL n.º 272/2012 prevê, nos respectivos artigos 14.º, 15 e 16.º, diversas fases procedimentais, com uma fase inicial, seguida de uma fase de avaliação e proposta, e outra de negociação. Estas fases exigem também a colaboração do cliente bancário – maxime, prestando certas informações sobre a sua capacidade financeira ou propondo alterações às propostas apresentadas pela instituição de crédito, como resulta do artigo 15.º, n.ºs 2 e 3 e do artigo 16.º, n.º 2 e 3 – não se podendo assim afirmar que o PERSI é um procedimento unilateral da instituição de crédito. E daí possa suceder que, sem a colaboração do cliente bancário, todo o procedimento fique votado ao insucesso, decorrendo os 91 dias apenas com a proposta inicial da instituição de crédito, sem qualquer resposta do cliente.
Por outro lado, os documentos apresentados devem ser interpretados no seu contexto, e certo é que foi remetida informação adicional aos executados, sobre vários temas do PERSI, esclarecendo que este se extinguia “no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo das partes, ou com a declaração de insolvência do cliente bancário.”
Neste quadro, ao enviar as cartas de extinção do PERSI invocando o decurso do prazo referido no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), não se pode afirmar, sem mais, que os executados não estavam informados que o decurso do aludido prazo era causa de extinção do procedimento.
Ademais, interpretando o artigo 8.º, alínea a), do Aviso n.º 17/2012 do Banco de Portugal, a comunicação de extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respectivo fundamento legal, o que é compatível com os n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do DL n.º 272/2012, que incluem factos que automaticamente extinguem o procedimento – o pagamento, o acordo, o decurso do prazo legal ou a declaração de insolvência do cliente bancário – e outros que envolvem um processo decisório da instituição de crédito.
Nestes termos, não se pode dizer que as cartas que comunicaram a extinção do PERSI por decurso do prazo estipulado no artigo 17.º, n.º 1, alínea c), não sejam suficientemente claras, rigorosas e legíveis, em especial quando o cliente já estava devidamente informado das consequências do decurso do prazo de 91 dias.
Ponderando, finalmente, que nos encontramos perante um despacho liminar de indeferimento, que deve ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido, mesmo que subsistam dúvidas sobre a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, a execução deve prosseguir, tanto mais que o processo admite aos executados a oportunidade de deduzir a sua oposição, podendo invocar todos os fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração – artigo 731.º do Código de Processo Civil.»
Porém, no nosso caso concreto, faz-se apenas referência à expressão “EXPIRAÇÂO” o que é manifestamente insuficiente para considerar cumprido o dever de comunicação, como foi defendido no Ac. de 07.04.2022, proc. 364/21.2T8ENT.E1, Relatora: Maria João Faro.
Com efeito, como decorre do preâmbulo do citado Decreto-Lei n.º 227/2012, «[a] concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril e, assim sendo, o cliente deve ser informado de forma pelo menos clara da sua situação, o que não se basta com a referência vaga, genérica e conclusiva de EXPIRAÇÃO.
Como se pode ler no referido Ac. de 07.04.2022: «(…) nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-los em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção dos procedimentos, descrevendo os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo aos mesmos.”.
Concluindo, em suma, dir-se-á o seguinte:
Além de não ser indicada a concreta base legal de suporte, à mesma foi transmitido que aquele procedimento se extinguiu «por motivo de: “EXPIRAÇÃO”, mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-la em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo ao mesmo.
Assim, no caso em apreço, a comunicação de extinção não produziu efeitos e, consequentemente, mantêm-se as garantias dos ora apelados previstas no artigo 18.º do PERSI, no caso, o impedimento da entidade bancária instaurar a presente ação executiva (alínea b) do n.º 1), por faltar uma condição de admissibilidade da sua instauração e, instaurada, como sucedeu, verifica-se uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância executiva com a correspondente absolvição da instância dos executados, o que confirma a conclusão a que chegou o tribunal recorrido (ter como verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI e extinguir a execução).
Improcede, pois, a apelação.

Sumário: (…)

4 – Dispositivo.

Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do recorrente (artigo 527.º do CPC).
Évora, 23.11.2023
Elisabete Valente
Manuel Bargado
Maria João Faro