RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
PETIÇÃO INICIAL
CONHECIMENTO DO MÉRITO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Sumário


Nas situações em que o tribunal da Relação conhece de questão decidida na sentença que absolvera o réu da instância mas não mantém a decisão, determinando que o processo prossiga, a decisão em causa não comporta revista ao abrigo do n.º 1 do art. 671.º do CPC.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. AA intentou a presente acção com processo comum de declaração contra BB, pedindo a condenação deste a:

a) Reconhecer que o autor é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, sito na Rua de ..., nº 360, ..., ....

b) Reconhecer que o muro identificado por si está implantado, para lá dos limites que definem a divisão das duas propriedades, invadindo, por conseguinte, a propriedade do autor.

c) Abster-se de, no futuro, praticar atos que perturbem a posse e o direito de propriedade do autor.

d) Repor a situação no estado em que se encontrava antes da edificação do muro, ou seja, demolir o muro construído no prédio do autor em toda a sua extensão.

e) Em sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 por cada dia que ultrapasse os 30 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória a proferir.

Alega que, na qualidade de dono e legítimo possuidor do prédio urbano, sito na Rua de ..., nº 360, ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo 275. Por sua vez, o réu é o proprietário do prédio que confina com o do autor, sendo que, em agosto de 2019, o réu iniciou a construção de um muro de vedação em blocos de cimento, com um comprimento de 20 metros e 3,9 metros de altura, que entende estar para lá dos limites que definem as duas propriedades e nos demais termos alegados.

2. O réu contestou, alegando que a presente acção carece de qualquer fundamento de direito e de facto, devendo improceder, sendo o réu absolvido.

No entanto, excecionou a ilegitimidade ativa e passiva, por serem casados o autor e o réu e, por conseguinte, não podem estar desacompanhados das respetivas mulheres para os ulteriores termos da presente acção.

Por impugnação defende que o autor não identifica, nem alega de direito, nem de facto, elementos e factos que conduzam à identificação dos prédios, nem sequer da sua posse. E, tão-pouco identifica devidamente o prédio do réu que alegadamente conflitua com o seu, nos termos e fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.

3. Por despacho judicial proferido com a referência Citius nº ......54, foi dirigido ao autor o convite ao aperfeiçoamento melhor indicado.

4. Nessa sequência, o autor apresentou o requerimento que consta dos autos de fls., 35 a 36, justificando a natureza de bem próprio do prédio identificado em 1) e requerendo o chamamento da mulher do réu.

5. O réu, por requerimento, alega que o autor não deu regular cumprimento ao convite formulado pelo tribunal, tendo este insistido pela notificação do autor.

6. E, no regular cumprimento dessa notificação, o autor apresentou requerimento aperfeiçoado, deduzindo o competente incidente de intervenção principal provocada.

7. Foi proferido o competente despacho judicial, admitindo a intervenção da mulher do réu, conforme referência Citius nº. ......70.

8. A chamada CC veio apresentar contestação, a fls. 51 dos autos nos termos e fundamentos que aqui se dão por reproduzidos.

9. Foi ainda formulado novo convite, no sentido do autor melhor caraterizar o muro objeto dos autos e novamente foi respondido através do requerimento de fls. 58 a 59 dos autos, tendo o réu referido ser a segunda vez que o autor era convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial.

10. Designada audiência prévia, no âmbito desta, o Tribunal efetuou uma deslocação ao local, assim como admitiu o mais que melhor consta das atas.

11. Foi proferida, então, a seguinte decisão:

«Com todo o respeito assiste absoluta razão ao réu quando, na contestação, refere que a presente ação não contém os elementos necessários para prosseguir os seus regulares termos. Sendo de notar que, na petição inicial, o autor não alegou os devidos elementos caraterizadores de ambos prédios, a sua localização, zonas de confinância, a parte do muro construído, nem sequer a forma originária e derivada de aquisição dos prédios pelo que sempre seria impossível a este Tribunal apreciar e decidir da procedência dos pedidos formulados. Porquanto, constituindo a causa de pedir o facto jurídico de que emerge o direito do autor e que fundamenta sua pretensão em regra, traduz-se no facto concreto alegado na petição ou eventualmente nos termos da previsão legal do artigo 265º, nº1, do C.P.C.

E, visando a ação de reivindicação, como é o caso, o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa – ocupada abusivamente – necessariamente em conformidade com o disposto no artigo 5º do C.P.C., cabia ao autor alegar os factos essenciais integradores daquele direito de propriedade e da sua subsequente restituição.

A este propósito importa relembrar que constitui ónus das partes, nos termos do previsto no artigo 5º do C.P.C: “1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.

2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Note-se ainda que o nº 4 do artigo 584º do C.P.C. refere que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (…)”.

Ora, verificando-se da petição inicial e subsequentes tentativas frustradas de aperfeiçoamento da mesma que o autor não carreou os factos essenciais caraterizadores do direito de propriedade estamos perante uma objetiva e notória falta de causa de pedir, ocorrendo a ineptidão da petição inicial que acarreta a sua nulidade, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 186º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.C.

E, constituindo a ineptidão uma exceção dilatória de conhecimento oficioso (artigo 578º do C.P.C.) que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu e da chamada da presente instância, nos termos e para os efeitos legalmente previstos nos artigos 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea b), ambos do C.P.C. Pelo exposto, concluímos que o autor ao não terem respeitado os convites ao aperfeiçoamento formulados, não suprindo os vícios geradores da ineptidão verificada, padecendo a petição inicial, do vício de nulidade, designadamente, nos termos e para os efeitos legalmente previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 186º, 195º, nº 1, 278º, nº 1, alínea e), 576º, nº 1, 577º, alínea b), 578º, 590º, nº 6, todos do C.P.C. e, por consequência, decido absolver da presente instância, os réus BB e a chamada CC, que se declara extinta».

12. Inconformado, o autor recorreu para esta Relação, que conheceu do recurso e decidiu:

“Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra a ordenar o aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos supra referidos.”

13. Na fundamentação do acórdão recorrido consta (extractos selecionados):

A questão a decidir consiste em saber se se verifica a ineptidão da petição inicial, por falta de alegação de factos essenciais que constituem a causa de pedir.

(…)

A verdadeira controvérsia entre autora e ré resume-se, essencialmente, a saber se, conforme se alega no artigo 5º da petição (alterado na audiência prévia de 5.4.2022), o muro construído pelos réus, “na parte que confronta a nascente, está implantado para lá dos limites que definem a divisão das duas propriedades, invadindo a propriedade do autor”.

A decisão recorrida considera haver uma objetiva e notória falta de causa de pedir.

Crê-se, no entanto, que não há falta de causa de pedir, pois, o autor oferece cópia de uma descrição predial do prédio que afirma ser seu com uma inscrição a seu favor. Desse documento resulta uma presunção iuris tantum de titularidade do direito de propriedade a favor do autor. Anote-se que este registo não estará bem efetuado, pois que, de acordo com o título que lhe serve de base, o autor recebeu apenas a nua propriedade do imóvel, ficando a sua mãe com o usufruto do mesmo.

Neste aspeto, importa esclarecer se a usufrutuária ainda é viva, pois, em tal circunstância, a reivindicação deverá ser intentada por ambos – nu proprietário e usufrutuária – para que, assim, possa ficar definitivamente resolvida a questão – artigo 33º, nº 2, do C.P.C.

Devem ser fornecidas as medidas do muro, pois, na petição inicial foi alegado que tinha 20 metros de comprimento e 3,9 metros de altura, enquanto no requerimento de fls. 58, o mesmo apenas media 4,5 metros de comprimento, 1,40 metros de altura e 20 centímetros de largura.

A questão não é, como se disse, de falta de causa de pedir, mas de insuficiência desta, e deveria ter sido proferido de aperfeiçoamento, que não se tivesse limitado a convidar o autor a caraterizar o muro em termos de localização no terreno, altura, extensão e materiais aplicados.

Na audiência prévia de 4 de abril de 2022, foi aperfeiçoado o artigo 5º da petição, indicando-se que o muro construído se situa a nascente do prédio do autor, remetendo para documentos a definição precisa dos limites entre os prédios.

Além da caraterização do muro, importa que o autor alegue de forma concreta os limites do seu prédio, por referência a marcos ou outros sinais que definam a linha divisória em termos de orientação e extensão com o prédio dos réus, a fim de se poder, depois, concluir que o muro edificado não respeitou os limites dos dois prédios confinantes.

Os marcos ou outros sinais relevantes para a definição da estrema deverão ser referenciados de modo preciso, a fim de, inequivocamente, se determinar o local em que se acham implantados, por exemplo, com referência a, pelo menos, dois pontos fixos que permitam, por triangulação, a determinação precisa do local de implantação dos marcos ou outros sinais definidores da estrema entre os dois prédios.

Ao contrário do que pretende o autor, essa definição não poderá ser feita por meio de prova pericial, pois que as provas destinam-se a comprovar factos que hajam sido alegados. Também as áreas indicadas na matriz e/ou constantes da descrição predial não permitem essa definição e, desde logo, porque são elementos que não são fiáveis e que não gozam de qualquer especial força probatória.

Deste modo, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra a ordenar o aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos referidos.”

14. BB e mulher, CC, respetivamente, réu e chamada nos autos à margem referenciados, não se conformando com o ACÓRDÃO proferido nos autos de Apelação, vieram dele interpor RECURSO DE REVISTA, formulando as seguintes conclusões (transcrição):

“A. A sentença proferida pela Meritíssima Juiz na 1ª instância é precisa, clara e bem fundamentada, pelo que em nosso entender, será suficiente para se obter uma decisão justa e adequada ao caso sub judice.

B. A Meritíssima Juiz da 1ª instância, decidiu conscienciosamente e muito bem, absolvendo o Réu BB e a chamada CC, da instância, declarando-a extinta, pois os autos contêm todos os elementos que lhe permitiram proferir a Decisão ora posta em crise.

C. Das posições assumidas pelas partes nos articulados e nos requerimentos subsequentes, resultou para o Tribunal, oficiosamente e sem necessidade de produção ulterior de prova, o poder dever de decidir através do Saneador/Sentença, infundadamente posto em crise pelo A.

D. Efectivamente a acção Declarativa de Condenação – reivindicação - instaurada pelo A., carece de fundamento, quer de direito, quer de facto, pelo que teria forçosamente que improceder.

E. O A., não identificou na sua p.i, nem alegou de direito nem de facto os elementos e factos que conduzam à identificação dos prédios em questão, não o fazendo nomeadamente, quanto ao que insuficientemente alega como seu, nem o dos ora recorridos, nem sequer factos determinativos da sua posse.

F. Não identificou nem a localização, nem extensão e devidas características do muro, que alegou ter sido indevidamente construído.

G. Juntou com a sua p.i. uma caderneta predial e uma certidão do Registo Predial, não tendo quanto a este sequer indicado na p.i. a descrição nem identificação do prédio no registo predial. Mais,

H. Não alegou factos claros identificativos do seu prédio, que determine o seu direito.

I. O facto de estar junto aos autos uma caderneta predial e uma certidão do Registo predial, não é minimamente suficiente para fundamentar o seu direito e pedido, ao contrário do que muito sumariamente afirma o Venerando Tribunal da Relação.

J. O registo predial não é constitutivo de direitos, apenas permitindo presumir que o titular nele inscrito é proprietário do imóvel.

K. Conforme Ac. do STJ de 18-03-2021, Proc.435/11.3TBVPA.G1.S1 da 7ª Secção, “o nosso ordenamento jurídico, no âmbito dos direitos reais de gozo, assenta, sobretudo, na posse e na usucapião, não no registo predial nem na matriz das finanças, embora se presuma a existência do direito real registado, como pertencente ao titular inscrito, não importando afirmar ali, a existência de um prédio se esse prédio não tiver uma existência real e concreta”. E, continua,

L. “Os elementos identificadores do prédio constantes do registo são da responsabilidade de quem os presta, não se encontrando abrangidos pela força da presunção legal de propriedade que dela emana, a favor do titular inscrito no registo definitivo, sendo que as inscrições matriciais têm uma finalidade fiscal, não tendo virtualidade para atribuir o direito de propriedade sobre os respectivos prédios, com as características enunciadas”.

M. Cabia, pois, ao A. alegar a precisa identificação dos prédios em referência, nomeadamente com áreas e limites precisos e a posse/ usucapião sobre o seu, bem como a localização, dimensões e características do alegado muro, violador do seu alegado direito. E,

N. Apesar dos diversos convites, que lhe foram dirigidos pela Meretíssima Juiz da 1ª instância, nunca o Réu, o fez. Ora,

O. Após a contestação apresentada pelo Réu marido, ora recorrente,

P. Por despacho judicial proferido em 2021-04-24, com a referência CITIUS nº ......54, foi pelo tribunal, dirigido ao A., ora recorrido, o convite ao aperfeiçoamento da sua p.i., no prazo de dez dias, nos termos e para os efeitos previstos no artº 590º, nº 2, al. a), do CPC.

Q. O A., não deu regular cumprimento ao convite formulado pelo Tribunal, não tendo aperfeiçoado a sua p.i. conforme convite que lhe foi dirigido.

R. Em 2021-11-23, com a referência CITIUS nº ......35, para o regular prosseguimento dos autos em referência, foi o A. convidado novamente pelo Douto Tribunal da 1ª instância, a corrigir, no prazo de dez dias o seu articulado inicial, nos termos e para os efeitos do previsto no artº 590º, nº 1, 2, al. b) e 3 do Cód. Proc. Civil.

S. Mais uma vez o então A., ora recorrido, não aproveitou a oportunidade que lhe foi dada pelo Tribunal da 1ª instância, para cabalmente corresponder ao convite que lhe foi formulado e dirigido.

T. Ainda, numa derradeira e benevolente oportunidade dada pelo Tribunal da 1ª instância, conforme se pode constatar do teor da acta de 03 de Fevereiro de 2022 (Continuação), o Tribunal adiou o prosseguimento dessa diligência para prosseguir os seus regulares termos em Tribunal, noutra data, onde os articulados deveriam ser aperfeiçoados em conformidade com a realidade dos factos então verificada. Mas,

U. Nem em 05 de Abril de 2022, data da continuação da Audiência Prévia anterior, o A. aproveitou a oportunidade para cabalmente responder aos convites e oportunidades que lhe foram benevolamente concedidas pelo douto Tribunal, aproveitando para em conformidade corrigir os seus articulados, não o tendo feito mais uma vez.

V. Nesse dia apenas requereu o A., a alteração da redacção dada ao artigo 5º da petição inicial, que passaria a ser o seguinte: “No entanto esse muro, na parte que confronta a Nascente, está implantado para lá dos limites que definem a divisão das duas propriedades, invadindo, por conseguinte, a propriedade do autor, conforme documento e fotografias que se juntam e se dão por integralmente reproduzidas como doc.3”.

Ora,

W. Em nada, essa redacção veio corrigir a alegação dos factos que deveriam efectivamente ser alegados, apenas se tratando de uma alegação conclusiva.

X. Como se referiu supra, não basta a entrega de documentos ou fotografias, se não se descrevem e enunciam factos.

Y. Muito benevolente foi o Tribunal, ao abrigo do princípio da cooperação, ao insistir várias e tantas vezes, no convite ao ora recorrido, dando-lhe a oportunidade de em vários momentos, corrigir a sua inepta petição inicial. Ora,

Z. O então A., ora recorrido, não aproveitou nenhuma das oportunidades que lhe foram dadas e não respeitou os convites formulados para o aperfeiçoamento da sua p.i., não suprindo os vícios geradores da ineptidão verificada, padecendo assim a sua p.i. do vício de nulidade.

AA. Não alegou o A., ora recorrido, factos constitutivos do seu invocado direito de propriedade, nomeadamente posse/usucapião e da definição e identificação física e geográfica do mesmo sobre o objecto desse direito, nem do objecto da invocada violação.

BB. Não alegou a exacta localização e características do muro, nomeadamente extensão e altura, que alegadamente violava o seu direito e em que medida o fazia.

CC. O desfecho da acção só poderia ser o que resultou da douta decisão do Tribunal da 1ª instância, que muito bem decidiu pela Absolvição da Instância, do Réu BB e da chamada CC, declarando-a extinta, com custas pelo Autor.

DD. A decisão da 1ª instância, fez uma correcta interpretação e aplicação dos normativos legais em vigor, pelo que deve ser mantida nos seus exactos termos, devendo tal decisão/Sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância, manter-se integralmente e ser revogado o douto Acordão do Tribunal da Relação do Porto que revogou essa decisão, ordenando a sua substituição por outra que ordenasse o aperfeiçoamento da petição inicial.

EE. A decisão da 1ª instância recorrida considerou haver uma objectiva e notória falta de causa de pedir, Porém,

FF. A decisão da 2ª instância - o Venerando Tribunal da Relação do Porto - entendeu que não há falta de causa de pedir uma vez que o autor ofereceu cópia de uma descrição predial do prédio que afirma ser seu, com uma inscrição a seu favor e que desse documento resulta uma presunção iuris tantum de titularidade do direito de propriedade a favor do autor.

GG. Com o devido respeito, por posição contrária, não concordamos com tal posição.

Como supra exposto e,

HH. Conforme Ac.do STJ de 18-03-2021, Proc.435/11.3TBVPA.G1.S1 da 7ª Secção, “o nosso ordenamento jurídico, no âmbito dos direitos reais de gozo, assenta, sobretudo, na posse e na usucapião, não no registo predial nem na matriz das finanças, embora se presuma a existência do direito real registado, como pertencente ao titular inscrito, não importando afirmar ali, a existência de um prédio se esse prédio não tiver uma existência real e concreta”. E, continua,

II. “Os elementos identificadores do prédio constantes do registo são da responsabilidade de quem os presta, não se encontrando abrangidos pela força da presunção legal de propriedade que dela emana, a favor do titular inscrito no registo definitivo, sendo que as inscrições matriciais têm uma finalidade fiscal, não tendo virtualidade para atribuir o direito de propriedade sobre os respectivos prédios, com as características enunciadas”.

JJ. Aliás é jurisprudência uniforme que a presunção registral não abrange áreas e confrontações, mas apenas um núcleo mínimo essencial caracterizador da coisa.

KK. O registo predial é meramente declarativo, destinando-se essencialmente a publicitar a situação jurídica dos prédios, nele descritos, o que é feito através de inscrições autónomas e averbamentos a estas, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário – cfr artº1º do Código de Registo Predial.

LL. Aliás, conforme se referiu supra, o A. nem sequer indicou, nomeadamente no artº1º da sua p.i, qual a descrição e inscrição do seu alegado prédio.

MM. O autor não caracterizou o muro, nem alegou de forma concreta os limites do seu prédio, por referência a marcos ou outros sinais que definam a linha divisória em termos de orientação e extensão com o prédio dos réus, a fim de se poder concluir que o muro edificado não respeitou os limites dos dois prédios.

NN. Os marcos ou outros sinais relevantes para a definição da estrema deveriam ser referenciados de modo preciso, a fim de, inequivocamente, se determinar o local em que se acham implantados.

OO. Nada disto fez o A., ora recorrido.

PP. E, nada disto poderia ser feito por meio de prova pericial, pois que as provas destinam-se a comprovar factos que hajam sido alegados, como refere o douto Acórdão recorrido.

QQ. Como escreve o Professor Miguel Teixeira de Sousa (https://blogippc.blogspot.com/2019/11/jurisprudência 2019-113.html), “Importa, com efeito, ter presente que a alegação ou afirmação de factos e a sua prova correspondem a ónus distintos a cargo das partes, e que a alegação fáctica insuficiente é insusceptível de ser suprida pela ilação a extrair de documentos juntos”

RR. Há no caso dos autos uma objectiva e notória falta de causa de pedir.

SS. A aceitar-se que assim não é, então até bastaria ao A. ter alegado duas ou três coisas, pois o Tribunal sempre estaria obrigado a convidá-lo à correcção! E, mais,

TT. Segundo o Acórdão agora posto em crise, o Tribunal até lhe indica o que deve fazer e como fazer!

UU. Deve pois revogar-se o douto Acórdão aqui posto em crise e confirmar-se a decisão proferida na 1ª instância que doutamente decidiu absolver da instância o Réu BB e a chamada CC, declarando-a extinta, por padecer a p.i. do vício de nulidade, designadamente, nos termos e para os efeitos legalmente previstos na al. a) do nº2 do artigo186º,195º,n.º1, 278º, nº1 e), 576º,nº1, 577º,b), 578º, 590º,nº6 todos do Cód. Proc. Civil.

15. Não foram apresentadas contra-alegações.

16. Recebidos os autos no Supremo Tribunal de Justiça, incumbindo à relatora verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do objecto do recurso, foi proferido despacho convite, onde – além do que consta supra – se disse (transcrição):

“16. A decisão recorrida ao determinar que se efectue novo despacho convite ao aperfeiçoamento da petição inicial não se compreende no quadro das decisões a que se reporta o art.º 671.º, n.º1 como sendo decisões que comportem recurso de revista : não decide do mérito da causa, nem absolve da instância, implicando o prosseguimento dos autos.

Isso significa que para ser passível de revista ter-se-ia de encontrar outra norma, como o n.º2 do art.º 671.º do CPC.

Mas também ao abrigo desta norma existiria um obstáculo à admissão da revista, por não se conseguir descortinar, pelas conclusões do recurso – e pela alegação – que o presente recurso seja enquadrável na referida disposição, onde se diz:

“2 - Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objeto de revista:

a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível;

b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.”

17. Incumbindo ao relator a quem o processo é distribuído que verifique se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso, depois de ouvidas as partes – art.º 652.º e 655.º do CPC, determina-se que o presente despacho seja comunicado às partes, para pronúncia, querendo, no prazo legal, após o que se decidirá.

Sem custas.”

17. Responderam ao convite ambas as partes: o recorrido a louvar-se nas razões de não admissão do recurso; o recorrente a defender que o mesmo deve ser admitido e conhecido, em que os principais argumentos referidos são:

- O artigo 671º, nº 1, do CPC, na nossa ponderada e modesta interpretação, deve ser interpretado como não tendo efeito preclusivo relativamente aos Acórdãos da Relação que contrariem uma decisão de absolvição da instância do Réu na 1ª Instância, sob pena de se estabelecer uma desigualdade de “armas” entre a decisão da Relação que absolve o Réu da instância, da decisão da Relação, que ao contrário da 1ª Instância mande prosseguir os autos.

- com o novo convite para aperfeiçoamento, será dada mais uma oportunidade ao A., depois das várias e insistentes que já lhe foram concedidas para aperfeiçoar a sua p.i., o que o mesmo não conseguiu e o que vai prolongar injustificadamente o Processo.

II. Fundamentação

Relevam os elementos constantes do relatório supra.

18. Analisando a situação, dir-se-á que as razões invocadas pela recorrente não permitem, no entanto, ultrapassar o obstáculo legal do art.º 671.º, n.1º do CPC – é o legislador que define as situações em que os acórdãos do Tribunal da Relação comportam revista e quando a mesma pode ser interposta.

E no nº1 do art.º 671.º estão apenas contempladas as situações em que o tribunal conhece do mérito da causa, ou absolve da instância, fazendo o processo terminar. Nas situações em que o tribunal da relação conhece de questão decidida na sentença que absolvera o réu da instância mas não mantém a decisão, determinando que o processo prossiga, a decisão em causa não comporta revista ao abrigo do n.º1 do art.º 671.º do CPC.

19. Não vindo contrariadas as razões apontadas no despacho convite, o colectivo entende que os fundamentos aí referidos são de acolher e deve ser decidido não tomar conhecimento do objecto do recurso, dando-se aqui por reproduzidas as razões já transcritas e constantes do referido despacho, que também fundamentam o presente acórdão.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados, não se toma conhecimento do objecto do recurso.

Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.

Lisboa, 16 de Novembro de 2023

Relatora: Fátima Gomes

1ºadjunto – Dr Ferreira Lopes

2º adjunta – Dra Maria dos Prazeres Pizarro Beleza