FORÇA VINCULATIVA DO CONTRATO
LIBERDADE CONTRATUAL E AFASTAMENTO DE REGRAS ESTABELECIDAS EM CONTRATAÇÃO COLETIVA
REGIME ESTABELECIDO NO ART.º 476º DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário

I - Celebrado um contrato, plenamente válido e eficaz, o mesmo adquire força imperativa entre as partes, como resulta do artigo 406.º do Código Civil, desenvolvendo-se através de outros três princípios: o da pontualidade, utilizando a lei a palavra «pontualmente» com o alcance de que o contrato deve ser executado ponto por ponto, quer dizer, em todas as suas cláusulas e os da irretratabilidade ou da irrevogabilidade dos vínculos contratuais e da intangibilidade do seu conteúdo – os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contratos.
II - Ao abrigo da liberdade contratual prevista no citado 405.º do Código Civil, independentemente das regras de aplicação dos IRCT’s constantes do Código do Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que o trabalhador e o empregador estabeleçam que o contrato seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo, ou que apliquem à relação laboral parte do regime previsto num IRCT.
III - A violação do regime estabelecido no artigo 476.º, do Código do Trabalho, pressupõe que o regime remuneratório aplicado ao trabalhador seja menos favorável ao que se encontre previsto para as funções contratadas no CCT aplicável.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 3316/20.6T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2

Autora / recorrente: AA
Réu / recorrido: Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do ...

_______

Nélson Fernandes (relator)
Rui Penha
Teresa Sá Lopes





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto


I - Relatório
1. AA intentou a presente ação comum contra Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do ..., pedindo a condenação deste a pagar-lhe: » a quantia de €25.152,61 relativa ao acréscimo de retribuição, decorrente do valor de diuturnidades e das diferenças salariais daí decorrentes; » a importância que se vier a liquidar relativa às diferenças salariais, decorrentes da discriminação de que a autora foi objeto; » juros à taxa legal em vigor (4%), desde a data da citação, até ao efetivo e integral reembolso, sobre o capital em divida.

Realizada a audiência de partes, e frustrada que se mostrou a conciliação, veio o Réu a contestar, pugnando pela improcedência da ação.

Fixado em €25.152,61 o valor da ação, foi de seguida proferido despacho saneador, após o que se prescindiu da identificação do objeto de litígio e dos temas de prova.

Realizada a audiência de julgamento, veio posteriormente a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Face ao exposto, julgo a acção totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente absolvo o réu Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do ... dos pedidos contra si formulados pela autora AA.
Custas da acção a cargo da autora (artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho).
Valor da acção: o estabelecido aquando da elaboração do despacho saneador.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o decidido, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, rematado as respetivas alegações, após convite do aqui relator ao respetivo aperfeiçoamento, com as conclusões seguidamente transcritas:
“I A Recorrente vem impugnar a decisão do Tribunal “a quo” que julgou a ação improcedente.
Ainda que limitando o recurso, quanto ao seu objeto, quanto à seguinte matéria, como se indica:
Da decisão quanto ao pedido de aplicação à relação laboral estabelecida entre a autora e o réu da Portaria de Regulamentação do Trabalho (PRT) para os trabalhadores administrativos e nessa medida, da decisão sobre o direito da autora a receber os valores reclamados (no valor global de €25.152,61), a título de diuturnidades vencidas durante a vigência daquela relação entre as partes.
II Com relevância para a decisão, quanto ao objeto do presente recurso, foram dados como provados, na douta sentença recorrida, nomeadamente, os seguintes factos, constantes do Cap. IV – Fundamentação - 1. De facto - 1.1. Factos provados:
▪ Pontos da sentença 1.1.6., 1.1.8., 1.1.10., 1.1.14., 1.1.15., 1.1.16. e 1.1.17.
III Com fundamento naqueles factos assentes, a M.mo juiz “a quo” julgou que:
“Não sendo de aplicar à relação laboral entre a autora e o réu a PRT para os trabalhadores administrativos, terá de improceder o pedido por aquela formulado, no que respeita às diferenças salariais e diuturnidades, no valor de €25.152,61, que, como tal, não lhe são devidas.”
Com a seguinte fundamentação:
i. O acordo celebrado em 1978 [1.1.15 e 1.1.16].
ii. A subscrição, em 2000, pela Autora do documento de fls. 39. [1.1.17].
iii. A A. durante 18 anos, nunca reclamou a aplicação da referida PRT.
iv. Conduta que consubstancia abuso de direito por parte da A./Recorrente.
v. Estando excluída a aplicação da PRT (cfr. o disposto na Base I, BTE n.º 11, 1ª série, de 22.03.1986) às relações de trabalho entre as partes, porque abrangidas por IRCT convencional (acordo quanto à aplicação do CCTV da Metalurgia).
IV A referida fundamentação não tem suporte em qualquer matéria de facto dada como assente e é ilegal na medida em que viola diversas disposições legais. Com efeito,
Daqueles factos (i, ii e iii de III), o tribunal “a quo” concluiu que: (i) a autora conhecia aquele acordo de 1978 e com ele concordava, (ii) e ao assinar aquele documento de fls. 39 sabia que à sua relação laboral era aplicável o CCTV da Metalurgia (iii) e que apesar de ter sido admitida em data posterior ao acordo, o mesmo estendia-se à sua relação laboral.
Ora, o citado CCTV para a Metalurgia não podia, nunca, ser aplicável à relação laboral entre a autora e o Sindicato réu (mesmo em caso de acordo), porquanto qualquer IRCT só pode aplicar-se ao setor de atividade que regula (no caso, a atividade industrial da metalurgia).
Decorre essa conclusão da alínea c) do nº 1 do art. 492º do Cód. do Trabalho.
Isso mesmo decorre de outros dispositivos legais, como seja o caso regulado no art. 497º, nº 1 do Cód. do Trabalho (sob a epígrafe “escolha de convenção aplicável”).
Acresce que aquele acordo, aceite como válido pelo tribunal “a quo”, não pode ser considerado como fonte de direito de trabalho e aplicável às relações entre autora e réu.
Para tal, deveria consubstanciar uma qualquer fonte de direito prevista na lei, maxime no Cód. do Trabalho. E, nesse caso, apenas poderia ser um “acordo de adesão” - art. 2º , nº 2 do CT (no caso àquela convenção da Metalurgia) ou um “acordo de empresa” [art. 2º , nº 3, al. c) do CT].
Ora, de acordo com as citadas disposições legais aquele acordo não integra a figura jurídica de “acordo de adesão” (art. 504º do Cód. do Trabalho, nomeadamente o seu nº 2), nem um “acordo de empresa” [al. c) do nº 3 do art. 2º do Cód. do Trabalho].
Nem ocorreu publicação do acordo, conforme exigência do nº 4 da citada norma do art. 504º do Cód. do Trabalho.
V A M.ma juiz “a quo” considera também, na douta sentença, que, a Recorrente (se se aplicasse a PRT para os trabalhadores administrativos) teria de devolver ao réu o que tivesse recebido a mais, fundamentação que não tem não tem qualquer suporte legal na medida em que todas as PRTs para os trabalhadores administrativos continham uma disposição (artigo 12º, nº 5) nos termos do qual “as diuturnidades acrescem à retribuição efetiva”. Independentemente, portanto, da retribuição convencional ou legal.”
VI Quanto ao fundamento da decisão relativo ao abuso de direito da Recorrente, pelo exercício do direito decorridos 18 anos, que levaria à improcedência da ação, discorda-se totalmente do entendimento da M.ma juiz.
Desde logo, ignora-se se o tribunal se refere à reclamação em sede judicial ou extrajudicial (esta, perante a entidade patronal). Quanto a esta última hipótese nada ficou provado.
Se a M.ma juiz “a quo” se pretende referir à não reclamação em sede judicial, não tem razão alguma, porquanto o direito à retribuição (onde as diuturnidades estão compreendidas) é um direito indisponível, pelo menos durante a vigência da relação laboral, cujo regime se prende com a subordinação jurídica e económica do trabalhador à sua entidade patronal, donde não pode resultar qualquer má fé pelo não exercício do respetivo direito.
VII Da apreciação quanto à fundamentação de direito supra alegada, resulta evidente que há erro no julgamento de direito e na aplicação da lei.
Ao decidir, como decidiu, violou a douta sentença recorrida as disposições legais do art. 607º, nomeadamente o seu nº 4, do Cód. Proc. Civil e dos arts. 2º, 492º e 504º, todos do Código do Trabalho.
Nos termos expostos deve ser concedido provimento ao presente recurso, julgando-se procedente por provada a ação, quanto ao pedido de pagamento das diferenças salariais decorrentes da retribuição devida a título de diuturnidades, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue, nessa parte, procedente a ação e o pedido da A.
Termos em que deve, com o douto suprimento de Vossas Excelências, ser concedido provimento ao presente recurso, com o que se fará a habitual JUSTIÇA”

2.1. Contra-alegou o Réu, concluindo do modo seguinte:
“A A douta sentença recorrida fez inteira e correcta aplicação da Lei e do Direito.
Termos em que,
Deve ser mantida.
Assim se fará, como sempre JUSTIÇA!”

2.2. Admitido que foi o recurso como de apelação, subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, subiram os autos a este Tribunal da Relação.

3. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, fazendo constar para além do mais o seguinte:
“(…) Com a expressão “antes de termos optado pela aplicação do CCTV da metalurgia”, constante do documento que a Recorrente subscreveu, depreende-se que a mesma tinha consciência de que à relação laboral se aplicava a referida CCTV.
Entende a Recorrente, porém, que este acordo só poderia tratar-se de um “acordo de adesão” ou “acordo de empresa” e não foram formalmente estabelecidos.
Mas, salvo melhor opinião, o que aqui se acordou foi o estatuto remuneratório, e eventualmente socio-profissional, dos trabalhadores do Recorrido por referência a uma CCTV.
O que se entende que podia ser feito, conquanto que fosse mais benéfico para o trabalhador, afastando a aplicação de IRCT, da PRT referida.
Neste caso, como se refere na douta sentença recorrida, fls. 21, a Recorrente de acordo com a PRT, mesmo considerando as diuturnidades, receberia uma retribuição inferior à que recebeu, de acordo com o CCTV.
Pelo que, salvo melhor opinião, não terá sido prejudicada. E não pode receber de acordo com o acordado mais o que estava previsto na PRT, cuja aplicação afastou. (…)”.
3.1. Não ocorreu pronúncia das partes sobre tal parecer.
***

Cumpridas as formalidades legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a questão a decidir prende-se com saber se a sentença recorrida aplicou adequadamente a lei e o direito, em termos de declarar improcedente a ação.
*
III – Fundamentação
A) Fundamentação de facto
Considerou-se na sentença recorrida como «factos provados» o que seguidamente se transcreve:
“1.1.1. A autora foi admitida ao serviço do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Hoteleira e Similares do Distrito ..., no dia 1 de setembro de 1974, para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização, mediante retribuição.
1.1.2. E para desempenhar funções inerentes à categoria profissional de escriturária (assistente administrativa) como tal tendo sido classificada.
1.1.3. Sempre tendo desempenhado, desde a data de admissão, as funções correspondentes à referida categoria, consistentes em redigir relatórios, cartas, notas informativas e outros documentos, manualmente e à máquina e a computador, dando-lhe o seguimento apropriado; tirava notas necessárias à execução das tarefas que lhe competiam; examinava o correio recebido, separava-o, classificava-o e compilava os dados necessários para preparar as respostas; recebia pedidos de informações e transmitia-os à pessoa ou ao serviço competente; punha em caixa os pagamentos de contas e entregava recibos; ordenava e arquivava cartas e outros documentos.
1.1.4. Tendo executado sempre (após a sua criação/alteração de conteúdo e de denominação de escriturário) as funções inerentes à categoria de assistente administrativa consistentes (para além das supra alegadas) em executar tarefas relacionadas com o expediente geral do Sindicato, utilizando equipamento informático e equipamento de escritório; registava e atualizava, manualmente ou utilizando aplicações informáticas, dados necessários à gestão, nomeadamente relativos ao economato, à faturação e associados, compras e fornecedores, pessoal e salários, stocks e aprovisionamento; atendia e encaminhava, telefónica ou pessoalmente, os associados aos diversos serviços do réu ou à direção, em função do tipo de informação ou do serviço pretendido.
1.1.5. Para além das funções acima referidas, a autora providenciava pela entrega de peças processuais, nomeadamente petições, contestações e recursos e outros documentos nos tribunais e pelo pagamento de cauções, custas, preparos e depósitos, acompanhava o andamento dos processos e requerida cópias das sentenças e de certidões junto dos serviços competentes.
1.1.6. Em 1 de dezembro de 1984, a autora passou a trabalhar para o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Distrito de ..., com sede em ... (...) na Delegação de ....
1.1.7. À data o Sindicato da Indústria Hoteleira atravessava dificuldades financeiras e pretendia cessar o contrato com a autora.
1.1.8. A associação sindical - ... – em que a autora, ingressou em 1.12.1984, foi sendo objeto de diversas alterações orgânicas e estatutárias, tendo sido objeto de diversas fusões com outras congéneres associações sindicais, dando origem apenas a alteração de denominação social ou, em alguns acasos, a novas associações, a saber: o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas dos Distritos de ... até finais de 1995; o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas dos Distritos de ... e ... até final de junho 1998; o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas dos Distritos de ..., ... e ... de Julho de 1998 até final de junho de 2007; o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas dos Distritos de ..., ..., ... e ... de julho de 2007 até julho de 2010; o Sindicato dos Trabalhadores das Industrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do ... (...), em 1 de agosto de 2010 (por processo de fusão).
1.1.9. Tendo em 1. 08.2010, alterado a identificação de pessoa coletiva para o atual NIF ...00.
1.1.10. A autora sempre desempenhou as funções inerentes à sua categoria profissional de escriturária e assistente administrativa na delegação dos sindicatos supra identificados em ..., sita na Av. ..., em ..., à excepção do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Hoteleira para o qual trabalhou até 30/11/1984 na sua Delegação de ..., sita na Av. ... em ....
1.1.11. Em 08 de agosto de 2019, a autora fez cessar o contrato de trabalho com o réu, mediante comunicação de 7.06.2019, ficando, entretanto, a observar o prazo de aviso prévio de 60 dias.
1.1.12. O réu, por sua iniciativa e sem a oposição da autora, pagou a esta a retribuição integral correspondente ao mês de agosto de 2019, comunicando aos serviços do Instituto de Segurança Social a cessação do contrato com efeitos ao dia 31 desse mês de agosto, devendo, pois, considerar-se que a cessação do contrato de trabalho entre as partes operou os seus efeitos naquela data de 31.08.2019.
1.1.13. Decorrente do exercício das funções desempenhadas com caráter predominante desde a data de admissão, a autora devia ser classificada e foi-o efetivamente, de 1.09.1974 a 31.08.1975, como Estagiária do 1º ano de escriturária; de 1.09.1975 a 31.08.1976, como Estagiária do 2º ano de escriturária; de 1.09.1976 a 31.08.1979 como 3ª Escriturária (3 anos); de 1.09.1979 a 31.08.1982, como 2ª Escriturária (3 anos); e de 1.09.1982 em diante como 1ª Escriturária
1.1.14. A autora auferiu nos períodos infra discriminados, os seguintes salários mensais:
o 01.01.1984 a 31.01.1984 = € 102,01
o 01.02.1984 a 31.05.1984 = € 123,70
o 01.06.1984 a 31.01.1985 = € 128,69
o 01.02.1985 a 31.03.1986 = € 156,13
o 01.04.1985 a 31.03.1987 = € 184,06
o 01.04.1987 a 28.02.1988 = € 205,76
o 01.03.1988 a 28.02.1989 = € 223,46
o 01.03.1989 a 28.02.1990 = € 245,91
o 01.03.1990 a 28.02.1991 = € 282,82
o 01.03.1991 a 30.04.1991 = € 323,97
o 01.05.1991 a 31.01.1992 = € 339,19
o 01.02.1992 a 28.02.1993 = € 404,03
o 01.03.1993 a 28.02.1994 = € 428,27
o 01.03.1994 a 31.12.1994 = € 454,01
o 01.01.1995 a 28.02.1996 = € 476,86
o 01.03.1996 a 28.02.1997 = € 498,80
o 01.03.1997 a 28.02.1998 = € 518,75
o 01.03.1998 a 31.01.1999 = € 533,72
o 01.02.1999 a 31.01.2000 = € 549,93
o 01.02.2000 a 31.01.2001 = € 566,64
o 01.02.2001 a 31.12.2001 = € 589,64
o 01.01.2002 a 31.12.2002 = € 613,00
o 01.01.2003 a 31.12.2003 = € 635,00
o 01.01.2004 a 31.12.2004 = € 655,00
o 01.01.2005 a 31.12.2005 = € 675,00
o 01.01.2006 a 31.12.2006 = € 692,00
o 01.01.2007 a 31.12.2007 = € 713,00
o 01.01.2008 a 31.12.2008 = € 731,00
o 01.01.2009 a 31.12.2009 = € 746,00
o 01.01.2010 a 31.12.2010 = € 755,00
o 01.01.2011 a 31.12.2011 = € 767,50
o 01.01.2012 a 31.12.2012 = € 867,50
o 01.01.2013 a 31.12.2016 = € 889,00
o 01.01.2017 a 31.12.2017 = € 906,50
o 01.01.2018 a 31.12.2018 = € 920,00
o 01.01.2019 a 31.08.2019 = € 940,00
1.1.15. Em 1978, foi celebrado acordo com todos os trabalhadores do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Distrito de ..., no qual ficou estabelecido que, a todos os funcionários do referido Sindicato seria aplicada a CCTV da Metalurgia e Metalomecânica
1.1.16. Todos os trabalhadores aceitaram o referido acordo.
1.1.17. A autora subscreveu e assinou documento, com data de Dezembro de 2000 com o seguinte teor (que consta de folhas 39 de que o teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
“Proposta
- Tendo em conta que se avizinha a apresentação do Plano de Contas do STIMMD... para o ano de 2001.
- Tendo em conta a boa situação económica do Sindicato, fruto aliás, de uma gestão equilibrada desenvolvida por esta Direcção.
- Considerando que as diuturnidades eram uma das regalias existentes na antiga Portaria dos funcionários sindicais, antes de termos optado pela aplicação do CCTV da metalurgia.
- Considerando que a atribuição das diuturnidades é uma velha aspiração dos funcionários do STIMMD...:
Os funcionários do Sindicato dos Metalúrgicos de ..., ... e ..., vêm solicitar à Direcção, sem carácter reivindicativo, a atribuição de diuturnidades nos seguintes termos:
Aos funcionários sindicais é-lhes atribuída, por cada período de cinco anos de antiguidade, uma diuturnidade no valor de 1.500$00, até ao limite de 5 diuturnidades, a ser revista anualmente e que fará parte integrante da retribuição mensal.
Certos de merecer a melhor atenção, apesentamos as nossas cordiais saudações sindicais (..)”
1.1.18. BB, CC, DD, EE, FF, GG, funcionários do Sindicato dos Metalúrgicos de ..., ... e ... subscreveram e assinaram documento, com a mesma data e igual conteúdo ao referido em 1.1.17.
1.1.19. Em Março de 1997, o réu atribuiu ao seu trabalhador BB a categoria de escriturário principal.
1.1.20. Este trabalhador prestava o seu trabalho na sede do Sindicato sita em ....
1.1.21. A sede do Sindicato dá apoio à sua zona sindical e às Delegações de ... e ....
1.1.22. Na Zona sindical da sede do Sindicato estão inscritos 2.206 sócios.
1.1.23. Nas Delegações de ... e ... estão inscritos
2.169 sócios.
1.1.24. Na Zona sindical de ... estão inscritos 1.337 sócios.
1.1.25. A zona sindical da sede do Sindicato abrange cerca de 38 empresas, com sócios do réu.
1.1.26. A zona sindical de ... abrange cerca de 56 empresas, com sócios do réu.
1.1.27. A zona sindical de ... abrange cerca de 13 empresas com sócios do réu.
1.1.28. Desde pelo menos 1995 até 2012 na zona sindical da sede do sindicato foram propostas 737 acções em Tribunal, foram realizadas 444 respostas a Notas de Culpa, foram feitos 387 pedidos de Intervenção à Autoridade para as Condições do Trabalho.
1.1.29. No mesmo período na zona sindical de ... foram propostas 344 acções, foram elaboradas 47 respostas a Notas de Culpa, e foram solicitadas 60 intervenções junto da Autoridade para as Condições do Trabalho.
1.1.30. BB auferiu nos períodos infra discriminados, os seguintes salários mensais:
o De 01.01.2005 a 31.01.2005 - €697,00
o De 01.02.2005 a 28.02.2016- € 718,00
o De 01.03.2006 a 28.02.2007- € 736,00
o De 01.03.2007 a 31.09.2007- € 760,00
o De 01.10.2007 a 28.02.2008- € 928,80
o De 01.03.2008 a 30.04.2009- € 952,00
o De 01.05.2009 a 30.04.2010- €971,50
o De 01.05.2010 a 30.04.2011 - €982,50
o De 01.05.2011 a 31.01.2013 - €995,00
o De 01.02.2013 a 22.01.2017 - €1020,00.
1.1.31. BB prestou trabalho para o réu até 22.01.2017.
1.1.32. A autora possuía de habilitações literárias o atual 9º ano de escolaridade.
1.1.33. BB possuía de habilitações literárias o 12º ano de escolaridade.”
*

B) Discussão
Não sendo dirigido o recurso à impugnação da matéria de facto, no que à aplicação do direito diz respeito, afirmando que a sentença violou “as disposições legais do art. 607º, nomeadamente o seu nº 4, do Cód. Proc. Civil e dos arts. 2º, 492º e 504º, todos do Código do Trabalho”, invoca a Recorrente, em face do que refere nas conclusões, que como é sabido delimitam o objeto do recurso (salvo questões de conhecimento oficioso), como argumentos, no essencial, o seguinte:
- O CCTV para a Metalurgia não podia ser aplicável à relação laboral entre a autora e o Sindicato réu (mesmo em caso de acordo), porquanto qualquer IRCT só pode aplicar-se ao setor de atividade que regula (no caso, a atividade industrial da metalurgia), o que, diz, decorre da alínea c) do nº 1 do artigo 492º do Cód. do Trabalho, bem como, ainda, o caso regulado no artigo 497º, nº 1 do Cód. do Trabalho (sob a epígrafe “escolha de convenção aplicável”);
- O acordo, aceite como válido pelo tribunal “a quo”, não pode ser considerado como fonte de direito de trabalho e aplicável às relações entre autora e réu – para tal, deveria consubstanciar uma qualquer fonte de direito prevista na lei (designadamente não se configura como um “acordo de adesão” nem um “acordo de empresa”;
- considerando-se na sentença, que, se se aplicasse a PRT para os trabalhadores administrativos, teria de devolver ao réu o que tivesse recebido a mais, tal fundamentação não tem não tem qualquer suporte legal na medida em que todas as PRTs para os trabalhadores administrativos continham uma disposição (artigo 12º, nº 5) nos termos do qual “as diuturnidades acrescem à retribuição efetiva”. Independentemente, portanto, da retribuição convencional ou legal”;
- Diversamente do que foi considerado, nunca se estaria perante abuso de direito da sua parte.

Pronunciando-se, defende a Ré a adequação do julgado, no que é acompanhada pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação.
Limitada aqui a análise às questões que nos são expressamente colocadas no presente recurso, o Tribunal a quo, pronunciando-se, fez constar da sentença o seguinte (citação):
“(…) Em face do manancial fáctico dado como provado, é indubitável a existência de um contrato de trabalho, entre a autora e o réu, que cessou em 8 de Agosto de 2019.
Tal factualidade não é, sequer, posta em causa pelas partes, nem mesmo a antiguidade com início em 1.09.1974, data em que a autora passou a trabalhar para o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Hoteleira e Similares do Distrito de ....
I – Aplicação da PRT para os trabalhadores administrativos:
- Comecemos por averiguar se à relação laboral estabelecida entre autora e réu é aplicável a Portaria de Regulamentação do Trabalho para os trabalhadores administrativos e se, nessa medida, a autora deve receber os valores por si reclamados, a título de diuturnidades vencidas durante a vigência daquela relação, no valor global de €25.152,61.
- A este propósito, alega a autora que as Portarias de Regulamentação do Trabalho para os trabalhadores administrativos aplicáveis às relações entre as partes, são, nomeadamente, as que constam do artigo 25º da sua petição inicial.
A Portaria de Regulamentação do Trabalho (PRT), em causa, inicialmente denominada de PRT para empregados de escritório e correlativos foi primeiramente publicada no BTE n.º 42, 1ª série de 15.11.1974.
A referida Portaria – PRT para empregados de escritório e correlativos- foi sofrendo diversas alterações, nomeadamente as contempladas e publicadas:
BTE n.º 21, 1ª série de 15.11.1976;
BTE n.º 4, 1º Série de 29.01.1978;
BTE n.º 26, 1ª série, de 15.07.1979; - BTE n.º11, 1ª série, de 22.03.1986.
Na última publicação referida, a base I, definindo o âmbito de aplicação da identificada Portaria estabelecia, no seu n.º1, que “A presente Portaria é aplicável, no território nacional a todas as entidades patronais que tenham ao seu serviço trabalhadores cujas funções correspondam às de qualquer das profissões ou categorias profissionais constantes do anexo I, bem como a estes trabalhadores, salvo o disposto na base seguinte (..)”. Por seu turno, na base II, no seu n.º1, referia-se que “ são excluídas do âmbito de aplicação da presente portaria as relações de trabalho abrangidas por regulamentação colectiva de trabalho, administrativa ou convencional, publicada após 31 de Dezembro de 1974 ou em vias de publicação.”
Entretanto, com a publicação no BTE n.º 21, 1ª Série, de 8.06.1987, a Portaria passou a ter a denominação actual de PRT para os trabalhadores administrativos, mantendo esta o mesmo campo de aplicação e de exclusão acima referidos. Foi sendo revista e actualizada nos termos constantes das seguintes publicações:
BTE n.º 13, 1ª série, de 8.04.1989;
BTE n.º 18, 1ª série de 15.05.1991;
BTE n.º 26, 1ª série, de 15.07.1992;
BTE n.º 43, 1ª série, de 22.11.1994;
BTE n.º 9, 1ª série, de 8.03.1996;
BTE n.º 35, 1ª série, de 22.09.1997;
BTE nº 2, 1ª série, de 15.01.1999;
BTE nº 31, 1ª série, de 22.08.1999;
BTE nº 34, 1ª série, de 15.08.2000;
BTE nº 35, 1ª série, de 22.09.2001;
BTE nº 48, 1ª série, de 29.12.2003;
BTE nº 7, 1ª série, de 22.02.2003 –Retificação;
BTE nº 3, 1ª série, de 22.01.2004;
BTE nº 43, 1ª série, de 22.11.2005;
BTE nº 27, 1ª série, de 22.07.2006;
BTE nº 37, 1ª série, de 08.10.2006 –Retificação;
BTE nº 46, 1ª série, de 15.12.2007;
BTE nº 2, 1ª série, de 15.01.2009;
BTE nº 14, 1ª série, de 15.04.2010;
BTE nº 39, 1ª série, de 22.10.2010;
BTE nº 27, 1ª série, de 22.07.2012;
BTE nº 26, 1ª série, de 15.07.2018 e DR nº 119, 1ª série, de 22.06.2018
Considerando esta última publicação, prevê a aludida portaria no seu artigo 1º o seguinte “1-A presente portaria é aplicável no território do Continente às relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores ao seu serviço cujas funções correspondam a profissões e categorias profissionais constantes do anexo I.
2- A presente portaria não é aplicável:
a) Às relações de trabalho em que sejam parte, empregadores que exerçam atividade pela qual se possam filiar em associações de empregadores legalmente constituída;
b) Às relações de trabalho abrangidas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.”
É certo que de acordo com esta Portaria, se estabelece que o trabalhador tem direito a diuturnidades, encontrando-se estas definidas nos termos do artigo 12º.
A propósito dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho estabelece o artigo 2º do Código do Trabalho que tais instrumentos podem ser negociais ou não negociais, ali se elencando uns e outros.
No caso dos autos, à relação laboral estabelecida entre autora e réu foram aplicadas as normas de instrumento de regulamentação colectiva negocial, qual seja a CCTV da Metalurgia (assim denominado pelas partes).
E no entender da autora deveriam ter sido aplicadas as normas das PRTs para os trabalhadores administrativos.
Vejamos o que decorre da matéria de facto dada como provada.
A autora foi admitida ao serviço do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Hoteleira e Similares do Distrito de ..., no dia 1 de Setembro de 1974, para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização mediante retribuição, tendo passado a trabalhar para o Sindicato dos Trabalhadores das Industrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Distrito de ..., com sede em ..., na Delegação de ..., em 1 de Dezembro de 1984.
Tal mudança da autora ocorreu por o primeiro dos Sindicatos, à data, atravessar dificuldades financeiras e pretender cessar o contrato com aquela. E não como alega a autora a pedido e no interesse do réu.
A autora sempre desempenhou as funções inerentes à sua categoria profissional de escriturária e assistente administrativa na delegação dos sindicatos supra identificados em ..., sita na Av. ..., em ..., à excepção do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Hoteleira para o qual trabalhou até 30/11/1984 na sua Delegação de ..., sita na Av. ... em ....
Em 08 de agosto de 2019, a autora fez cessar o contrato de trabalho com o réu, mediante comunicação de 7.06.2019, ficando, entretanto, a observar o prazo de aviso prévio de 60 dias.
Decorrente do exercício das funções desempenhadas com caráter predominante desde a data de admissão, a autora devia ser classificada e foi-o efetivamente, de 1.09.1974 a 31.08.1975, como Estagiária do 1º ano de escriturária; de 1.09.1975 a 31.08.1976, como Estagiária do 2º ano de escriturária; de 1.09.1976 a 31.08.1979 como 3ª Escriturária (3 anos); de 1.09.1979 a 31.08.1982, como 2ª Escriturária (3 anos); e de 1.09.1982 em diante como 1ª Escriturária, tendo auferido nos períodos referidos em 1.1.14, as remunerações ali descritas.
Acontece que, antes da autora passar a trabalhar ao serviço do réu, mais concretamente em 1978, foi celebrado acordo com todos os trabalhadores do réu (Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e Metalomecânicas do Distrito de ...), no qual ficou estabelecido que, a todos os funcionários do referido Sindicato seria aplicada a CCTV da Metalurgia e Metalomecânica, tendo todos os trabalhadores (à data) aceitado o referido acordo.
Em concreto a autora subscreveu e assinou documento, com data de Dezembro de 2000 com o seguinte teor (que consta de folhas 39 de que o teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
“Proposta
- Tendo em conta que se avizinha a apresentação do Plano de Contas do STIMMD... para o ano de 2001.
- Tendo em conta a boa situação económica do Sindicato, fruto aliás, de uma gestão equilibrada desenvolvida por esta Direcção.
- Considerando que as diuturnidades eram uma das regalias existentes na antiga Portaria dos funcionários sindicais, antes de termos optado pela aplicação do CCTV da metalurgia.
- Considerando que a atribuição das diuturnidades é uma velha aspiração dos funcionários do STIMMD…:
Os funcionários do Sindicato dos Metalúrgicos de ..., ... e ..., vêm solicitar à Direcção, sem carácter reivindicativo, a atribuição de diuturnidades nos seguintes termos: Aos funcionários sindicais é-lhes atribuída, por cada período de cinco anos de antiguidade, uma diuturnidade no valor de 1.500$00, até ao limite de 5 diuturnidades, a ser revista anualmente e que fará parte integrante da retribuição mensal.
Certos de merecer a melhor atenção, apesentamos as nossas cordiais saudações sindicais (..)”
Mais se provou que BB, CC, DD, EE, FF, GG, funcionários do Sindicato dos Metalúrgicos de ..., ... e ... subscreveram e assinaram documento, com a mesma data e igual conteúdo ao acima referido e transcrito.
Ora, de tal documento resulta que todos os funcionários do Sindicato, onde se inclui a autora conheciam o acordo celebrado entre o Sindicato e os seus funcionários à data, e com ele concordavam, pretendendo, contudo, beneficiar de um regime de diuturnidades, à semelhança do que se encontra previsto na PRT dos trabalhadores administrativos.
A autora assinou tal documento, e ali não fez qualquer ressalva, pelo que não pode agora alegar que desconhecia ou não sabia que à sua relação laboral era aplicado o CCTV da Metalurgia, nem nada foi alegado, ou resultou provado nesse sentido. E nem o podia ser, já que a autora, por força das funções que desempenhava, tinha a obrigação de conhecer os IRCT aplicáveis, não sendo de todo convincente e credível que apenas tivesse tomado consciência de tal realidade após a cessação da relação laboral. Ora, aquele documento data do ano de 2000, e a relação laboral cessou em 2018, ou seja, passados 18 anos, sem que a autora tivesse reclamado pela aplicação da PRT para os trabalhadores administrativos.
Como verificamos, resulta da PRT para os trabalhadores administrativos que estão excluídas do seu âmbito de aplicação as relações de trabalho abrangidas por regulamentação colectiva de trabalho. Ora, no caso dos auto, por acordo entre os trabalhadores administrativos e o réu foi acordado que às relações laborais estabelecidas ente ambos seria aplicável a CCTV do sector da Metalurgia. Não obstante a autora ter iniciado funções ao serviço do réu em momento posterior a tal acordo, este acordo estende-se à sua relação laboral e esta aceitou-o e com ele concordou, ainda, que tacitamente (como aliás decorre do documento que subscreveu e assinou em 2000).
De todo o modo, não foi alegado e provado pela autora, como lhe incumbia, os termos em que ocorreu a sua passagem para o aqui réu e o que nessa altura foi acordado entre si e o réu, bem assim que direitos esta tinha quando se encontrava ao serviço do Sindicato da Industria Hoteleira, se beneficiava de diuturnidades ou não.
Face ao que resultado provado, terá de sucumbir a pretensão da autora ao pretender beneficiar da aplicação da PRT para os trabalhadores administrativos.
Acresce que, considerando as funções que a autora desempenhava, ainda que lhe fosse aplicada a PRT para os trabalhadores administrativos (que entendemos que não é), à mesma não lhe podia ser atribuída a categoria de técnica de apoio jurídico, mas antes a de assistente administrativa, já que embora aquela desempenhasse algumas das funções daqueloutra categoria, fazia-o de forma acessória. E se, assim concluíssemos a autora beneficiaria de uma retribuição mínima de €632,00 (a partir de 1.07.2018), muito aquém daquela que ela auferiu, por força da aplicação do CCTV da Metalurgia. Pelo que, considerando o valor das diuturnidades, previstas na PRT para os trabalhadores administrativos, o montante da remuneração que auferiu foi mesmo assim superior àquele que receberia ao abrigo desta PRT. Desta forma, e porque a autora não poderia beneficiar da aplicação de dois IRCT em simultâneo, se lhe fosse aplicável a PRT para os trabalhadores administrativos, teria de devolver ao réu o montante que ultrapassasse a soma da retribuição mínima, acrescida do subsídio de alimentação e diuturnidades, ali previstas. Já que não poderia ficar com o valor das retribuições que auferiu por força da aplicação do CCTV da Metalurgia e beneficiar, agora, das diuturnidades estabelecidas na PRT para os Trabalhadores administrativos.
Finalmente, como afirmamos anteriormente, a autora apenas reclama da aplicação da PRT para os trabalhadores administrativos, após a cessação da sua relação laboral e volvidos 18 anos desde a subscrição e assinatura do documento, que em conjunto com os outros funcionários administrativos, apresentou à Direcção para que lhe foi concedido o regime das diuturnidades ali desenhado, mantendo a remuneração estabelecida na CCTV da Metalurgia.
Ora, expressa a lei ser ilegítimo o exercício de um direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (cfr. artigo 334.º do Código Civil).
Reporta-se, pois, este artigo à existência de um direito substantivo exercido com manifesto excesso em relação aos limites decorrentes do seu fim social ou económico, em contrário da boa fé ou dos bons costumes, proibindo essencialmente a utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de interesses exorbitantes do fim que lhe inere.
O fim económico e social de um direito traduz-se, essencialmente, na satisfação do interesse do respetivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos; e os bons costumes são, grosso modo, o conjunto de regras de comportamento relacional, acolhidas pelo direito, variáveis no tempo e, por isso, mutáveis conforme as conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade de referência em determinados tempo e espaço.
O entendimento da jurisprudência, no seguimento da doutrina, tem sido no sentido de que este instituto funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica.
Volvendo ao caso dos autos, atento o tempo decorrido, sem que tivesse pedido ao réu a aplicação da PRT para os trabalhadores administrativos e o seu conhecimento dos IRCT aplicáveis, por força das funções que desempenhava junto do réu, afigura-se-nos que a autora ao interpor a acção, pedindo, apenas, neste momento, a aplicação daquela PRT actua em abuso de direito, razão pela qual a acção também teria de improceder por este fundamento.
À luz do exposto, não sendo de aplicar à relação laboral estabelecida entre a autora e o réu a PRT para os trabalhadores administrativos, terá de improceder o pedido por aquela formulado, no que respeita às diferenças salariais e diuturnidades, no valor de €25.152,61, que, como tal, não lhe são devidas. (…) (fim de citação)
Em face da citada fundamentação, desde já diremos que não assiste razão à Recorrente, na consideração, o que assume relevância determinante, de que os argumentos que avança não têm em devida atenção a circunstância, que entendemos resultar evidenciada da factualidade provada, de que estamos perante um acordo expresso entre os trabalhadores (em que se incluiu a Recorrente) e o Réu no sentido da aplicabilidade da CCT que foi aplicada, acordo esse que, porque mais favorável aos trabalhadores, como bem evidencia o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, deve ser atendido, por aplicação, aliás, desde logo do princípio basilar pacta sunt servanda plasmado no artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil (CC).
Na verdade, de acordo com o princípio da liberdade contratual, as partes têm o direito de, dentro dos limites da lei, contratar e fixar livremente o conteúdo dos contratos (artigo 405.º do CC), sendo que, estando em causa o aludido princípio da liberdade de celebração e de estipulação, fixação e modelação do contrato, uma vez celebrado o contrato passa a ter força vinculativa (pacta sunt servanda), devendo ser pontualmente cumprido. Ou seja, celebrado um contrato, resultam determinados princípios definidos por lei, entre os quais se destaca, no que aqui importa, o princípio da força vinculativa, que se traduz, celebrado o contrato, em considerar plenamente válido e eficaz no âmbito das relações entre as partes – constitui-se como que em lei imperativa entre as partes.
Fazendo-se apelo, precisamente, ao aludido princípio e suas decorrências, como relevância para a questão que se aprecia, pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/09/2017[1], o seguinte (transcrição):
(…) É o que expressa o artº 406º do Código Civil: “o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei.”
Desenvolve-se, portanto, a norma ou princípio da força vinculativa através de outros três princípios: o da pontualidade, utilizando a lei a palavra “pontualmente” com o alcance de que o contrato deve ser executado ponto por ponto, quer dizer, em todas as suas cláusulas, os da irretractabilidade ou da irrevogabilidade dos vínculos contratuais e da intangibilidade do seu conteúdo.
Os dois últimos fundem-se no que também se designa por princípio da estabilidade dos contratos.
Todavia o próprio artº 406º, nº 1, do Código Civil prevê desvios justificados à regra clássica «pacta sunt servanda». Tais desvios da estabilidade contratual podem resultar da vontade das partes, directamente de uma providência legislativa, ou ainda da intervenção judicial- cfr. Ac. da Rel. de Lisboa de 23/5/2013, proc. 2286/09.6TJLSB.L1-6, in www.dgsi.pt.
Ao abrigo da liberdade contratual prevista no citado 405.º do Código Civil, independentemente das regras de aplicação dos IRCT’s constantes do Código do Trabalho, não havendo outro IRCT aplicável que se imponha necessariamente e que com ele conflitue, nada impede que o trabalhador e o empregador estabeleçam que o contrato seja regulado por um determinado CCT, a ele aderindo, ou que apliquem à relação laboral parte do regime previsto num IRCT. (…)”.
Esclareça-se, também a propósito da afirmação que antes fizemos de que se trate de regime mais favorável, pois que o artigo 476.º, do Código do Trabalho (CT), com a epígrafe «Princípio do tratamento mais favorável», estabelece que “As disposições de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador”.
Ou seja, a violação da citada disposição legal pressuporia, no que ao caso que se aprecia se refere, que o regime remuneratório aplicado pelo Réu aos seus trabalhadores e assim também à Autora, fosse menos favorável ao que se encontrasse previsto para as funções contratadas no CCT aplicável, o que, como bem se evidencia na sentença, que assim acompanhamos, não se verifica, sendo que, enquanto constitutivo do direito a que se arroga, o ónus de alegação e prova impendia sobre a Autora / aqui recorrente.
Por decorrência do exposto, carecendo de fundamento, em face das razões antes mencionadas, a invocação da Recorrente, aqui se incluindo aliás a referência às normas e princípios que indica, pois que não logram dar-lhe sustentação, o recurso terá, necessariamente, de improceder.
A responsabilidade quanto a custas impende sobre a Recorrentes (artigo 527.º do CPC).

*
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão:
………………………….
………………………….
………………………….

***

IV. Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

Custas pelos Recorrentes, referente a cada um dos recursos.

*

Porto, 30 de outubro de 2023
(acórdão assinado digitalmente)
Nélson Fernandes
Rui Penha
Teresa Sá Lopes

_____________
[1] Relator Desembargador Ramalho Pinto, in www.dgsi.pt.