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ACÇÃO EXECUTIVA
CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário
1–O nexo de prejudicialidade só pode ocorrer entre acções declarativas, não sendo, por conseguinte, aplicável às acções executivas porque estas não têm por fim qualquer julgamento e, a definição do direito das partes está previamente definido, rectius, delimitado, objectiva e subjectivamente.
2–Assim, não é aplicável à acção executiva o disposto no artº 272º nº 1, 1ª parte, ou seja, não é admissível a suspensão da instância executiva com fundamento na pendência de causa prejudicial.
Texto Integral
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I–RELATÓRIO
1–No âmbito de execução para pagamento de quantia certa veio JVR, terceiro, por requerimento de 15/02/2023, requerer fosse ordenada a suspensão da instância executiva e ordenada a revogação do despacho que determinou a desocupação coerciva da fracção autónoma.
Alegou, em síntese, que é arrendatário dessa fracção desde 1975 e, instaurou acção declarativa, que corre termos como Proc. 71/23.1T8AMD (do juízo local cível da Amadora, juiz 1) pela qual pediu o reconhecimento da posição de arrendatário da fracção e, em consequência, a transmissão da posição de locador para o comprador da fracção nesta execução, RSC. Defende que aquela acção (Proc. 71/23) constitui causa prejudicial, nos termos do artº 272º nº 1 do CPC, relativamente ao prosseguimento da presente acção executiva, concretamente quanto à desocupação da fracção, visto que a sentença a proferir naquele processo poderá modificar e destruir os fundamentos da execução da desocupação da fracção.
2–O adquirente da fracção, veio pronunciar-se, a 27/02/2023, pugnando pelo indeferimento da pretendida suspensão da execução e da entrega coerciva da fracção.
3–Por despacho de 03/05/2023, foi decidido:
“Pelo exposto, inexistindo fundamento legal para a requerida suspensão da instância/diligência de entrega, decido indeferir a pretensão do requerente JVR.”
4–Inconformado, o requerente/terceiro, JVR, veio interpor o presente recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª-O presente recurso tem por objeto o despacho proferido pela Mma. Juíza a quo que indeferiu os requerimentos apresentados pelo Recorrente em 15/02/2023 e 27/02/2023, a requerer a suspensão da execução ao abrigo do n° 1 do art. 272° do Código de Processo Civil. 2ª-A referida decisão fundamentou-se no entendimento de que a suspensão por existência de causa prejudicial prevista no art. 272° do Código de Processo Civil, invocada para ordenar a suspensão da instância, não é aplicável à ação executiva e não constitui motivo justificado; 3ª-A interpretação do n°1 do artigo 272° do CPC feita na decisão recorrida assentou na doutrina e na jurisprudência anterior ao Código de Processo Civil vigente, com a justificação da semelhança na redação da norma em questão, sem atender aos demais elementos indicados no artigo 9º do Código Civil, que assim foi violado. 4ª-Segundo este dispositivo legal, na interpretação e aplicação da lei, o julgador, não pode abstrair-se dos elementos histórico, sistemático nem do ratio legis que pre(si)diriam à elaboração do Código de Processo Civil de 1939 e à elaboração do Código vigente. 5ª-O Recorrente, nos requerimentos indeferidos alegou factos e juntou documentos dos quais resulta que este:
• Tem a sua habitação permanente na casa cuja desocupação foi ordenada, segundo os contratos de água e luz que juntou, desde 1975;
• Instaurou uma ação declarativa a pedir o reconhecimento da sua qualidade de arrendatário da casa em questão desde 1974, ainda pendente;
• não tem outra casa para habitar e os baixos rendimentos que aufere - unicamente a pensão de reforma - serem insuficientes para arrendar outra habitação;
• é idoso e tem graves problemas de saúde, designadamente, obesidade, glaucoma no olho esquerdo e insuficiência cardíaca, pelo que a desocupação da casa implicaria a perda da sua autonomia e independência e agravaria, quiçá irremediavelmente, a pouca saúde que ainda lhe resta. 6ª-A interpretação do n° 1 do art. 272° do CPC segundo as regras estabelecidas no artigo 9º do CC permite ao julgador suspender a instância executiva na situação em apreço.
Com efeito, 7ª-As referidas circunstâncias, alegadas nos requerimentos indeferidos, constituem causa prejudicial relativamente ao despacho a ordenar a desocupação da casa proferido na ação executiva, bem como motivo justificado para suspender a execução. 8ª-A decisão em recurso, ao decidir que a situação em apreço não constitui fundamento legal para a requerida suspensão da instância executiva/diligência de desocupação da casa, faz uma interpretação do n° 1 do art. 272° do CPC que viola o disposto no art. 9° do Código Civil, bem como os artigos 5°, 6°, 547° do CPC e ainda os princípios da justiça e proporcionalidade consagrados na Constituição.
Termos em que,
Deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene a suspensão da execução ou da desocupação coerciva.
5–Não foram apresentadas contra-alegações.
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II–FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, caso as haja, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
-Se a pendência da acção declarativa (Proc. 71/23) constitui causa prejudicial ou fundamento para ordenar a suspensão da execução e da entrega coerciva da fracção já vendida.
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2-Factualidade Relevante.
Com relevância, têm-se em consideração os elementos constantes do Relatório supra.
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3–A Questão Enunciada: se a pendência da acção declarativa (Proc. 71/23) constitui causa prejudicial ou fundamento para ordenar a suspensão da execução e da entrega coerciva da fracção já vendida.
Segundo o requerente/apelante, a acção declarativa (Proc. 71/23) - pela qual pede que seja reconhecido como inquilino da fracção objecto da venda e, em consequência, que o comprador (RSC) seja considerado senhorio da fracção – constitui causa prejudicial relativamente à execução, nos termos do artº 272º nº 1 do CPC e, por consequência, deve ser suspensa esta execução e a entrega coerciva da fracção até à decisão daquele processo. Será assim?
A 1ª instância, em despacho muito bem fundamentado, entendeu que a suspensão da instância por pendência de causa prejudicial, não se aplica à acção executiva escrevendo, além do mais:
“No caso vertente, o interveniente JVR pede a suspensão da ação executiva devido a ter instaurado uma ação declarativa contra RSC (adquirente nestes autos) onde peticiona: “a)- Ser reconhecida a posição de arrendatário do Autor relativamente á fração identificada no artigo 1º da petição inicial, pelo menos, desde 1989; b)- Ser declarada a transmissão para o R da posição de locador no referido contrato de arrendamento.” A fração em causa foi penhorada (AP. 18 de 2013/01/14) e adjudicada, em 01.10.2020 (AP.3396, de 2020/10/01), ao proponente RSC, sendo que a aquisição, até este ato de transmissão, mostrava-se registada a favor dos executados FL e DC (AP. 23 de 2000/07/28). A referida ação corre termos no Juízo Local Cível da Amadora - Juiz 1, tendo-lhe sido atribuída o processo nº71/23.1T8AMD. Em tal ação discute-se a existência do invocado contrato de arrendamento verbal. Sobre a temática relativa à peticionada suspensão da instância, seguiremos de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.05.2020, no proc. 1075/09.2TBCTB-E.C1, que num caso semelhante aos destes autos, citando também vária doutrina e jurisprudência, pronunciou-se nos seguintes termos: - (…) “Todavia, actualmente quer a doutrina quer a jurisprudência, entendem que a 1ª parte do n.º 1 do art.º 272.º do CPC não é aplicável à acção executiva, mantendo-se em vigor a doutrina do Assento de 24/05/60 (BMJ nº 97, pág.163), agora transformado em acórdão uniformizador de jurisprudência (art.17 nº2 do DL nº 329-A/95 de 12/12), ao fixar a seguinte jurisprudência – “A execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do art. 284.º do Código de Processo Civil “. Igualmente, conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2004 o entendimento da jurisprudência é praticamente uniforme no sentido de que a norma do referido artigo 272.º, nº 1 (antigo 279.º, nº 1), não é aplicável às ações executivas. Não é assim possível suspender os termos de uma acção executiva com o fundamento na prejudicialidade de uma outra causa que se encontra pendente, pois a uma acção executiva não é propriamente uma causa a decidir, mas antes, contem em si um direito já efectivamente declarado ou reconhecido, não havendo, por isso, e em princípio, qualquer nexo ou razão de prejudicialidade.”
Pois bem, desde já se diga que se concorda inteiramente com a bem fundamentada decisão da 1ª instância.
Na verdade, determina o artº 272º nº 1 do CPC:
“O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”
Ora, a doutrina e a jurisprudência são, ao que sabemos, unânimes no sentido de a acção executiva não poder ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial. Sem preocupações de exaustividade, refiram-se os seguintes autores:
-Lebre de Freitas, et alii (CPC Anotado, Vol. 1º, 1999, pág. 502):
“A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, pois, não tendo por fim a decisão de uma causa, não pode nela verificar-se a razão de dependência referida no preceito. Isso mesmo foi decidido, na pendência do CPC 1939, por Assento de 24/05/60 (BMJ 97, 173) cuja força vinculativa, como decidiu o STJ em 05/03/71, BMJ 205, pág. 195, em 04/06/80 (BMJ 298, 302), de 14/01/1993 (CJ-STJ, t.I, pág. 59) se manteve com o código de 61 (até ao DL 329-A/95), dado que o preceito interpretado não teve nele alteração.” Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, vol. II, 3ª edição, pág. 45):
“Embora a lei não distinga no artº 279º entre acção declarativa e acção executiva, e se trate de uma norma geral sobre suspensão da instância, a redacção da 1ª parte do nº 1 torna inaplicável esse comando à execução propriamente dita. Realmente, desde que a suspensão, neste caso, resulta de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta, parece clara a sua inaplicabilidade ao processo de execução, em que não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado. Neste sentido, decidiu o Supremo em relação ao artº 284º do código anterior, pelo Assento de 24/05/1960.” Lopes do Rego (Comentários ao CPC, vol. I, pág. 281):
“Mantém actualidade o Assento do STJ de 24/05/1960, segundo o qual a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do preceito. A funcionalidade típica da acção executiva rejeita tal possibilidade de suspensão da instância, por estarem previstos meios processuais específicos para a impugnação do título executivo e regulados expressamente os efeitos da sua utilização sobre o prosseguimento da execução destinada à realização coerciva do direito do exequente.” Geraldes/Pimenta/Sousa (CPC anotado, vol. I, 2ª edição,2021, pág. 333):
“Mantém-se a jurisprudência fixada em Assento de 24/05/1960, que considerou não ser aplicável à acção executiva a suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial. Na verdade, continua a não fazer sentido a invocação de uma causa prejudicial no confronto com o exercício do direito sustentado num título com força executiva, tanto mais que o artº 733º prescreve agora a suspensão potestativa mediante a prestação de caução e legitima que noutros casos seja decretado o mesmo efeito.” Teixeira de Sousa (CPC online, Blog do IPPC, em anotação ao artº 272º - consultado a 23/10/2023):
“Segundo o Ass. do STJ 24/05/1960 (Diário do Governo, I, de 15/06/1960=BMJ 97, 392) “a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artº 284º (272). A orientação está correcta, porque a “execução propriamente dita” não é contraditória e, por isso, não pode ser efectuada por nenhuma outra acção que esteja ou venha a estar pendente.”
Na jurisprudência, entre outros:
-STJ, de 27/01/2010 (Álvaro Rodrigues):
“I- O processo de execução visa dar realização efectiva e prática ao direito do exequente, definido pelo tribunal em sede de acção declarativa ou consubstanciado em outro título a que a lei atribua força executiva. II- Mantém-se em vigor a doutrina fixada pelo Assento do STJ de 24-05-1960, no sentido de que o art. 279.º do CPC não se aplica ao processo executivo, uma vez que «a execução não é uma causa por decidir; é a sequência de uma decisão». III- A execução apenas admite uma espécie de prejudicialidade no âmbito da própria acção executiva, através do instituto da oposição e da possibilidade desta dar origem a suspensão da própria execução.”
-TRL, de 02/02/2010 (Abrantes Geraldes):
“A rejeição oficiosa da execução ao abrigo do art. 820º do CPC deve ser reservada para situações em que inequivocamente estejam verificados os pressupostos que do mesmo constam. É vedado ao juiz decretar ex officio a suspensão da instância executiva com fundamento na necessidade de aguardar decisão definitiva a proferir em acção declarativa pendente. A instância executiva não pode ser suspensa com fundamento em causa prejudicial, mantendo-se válida a doutrina do Assento do STJ, de 15-7-1960”.
-TRC, de 19/05/2020 (Ana Vieira):
“A acção executiva não pode ser suspensa com fundamento na pendência de causa prejudicial, dado na mesma não haver decisão sobre o mérito da causa (visto que o direito que se pretende efectivar já está declarado), não podendo verificar-se a relação de dependência exigida no artigo 272.º, n.º 1, do CPCivil. Contudo admite-se a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº1 do art.272.º do CPC, isto é, “por outro motivo justificado”, desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução, pois em princípio a execução só pode ser suspensa mediante prestação de caução. Para que se ordene a suspensão de uma acção executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite.
-TRG, de 17/02/2022 (Jorge Santos):
“- Não é de ser suspender a acção executiva com fundamento na pendência de causa prejudicial, porquanto na mesma não há lugar a decisão sobre o mérito da causa (pois o direito que se pretende efectivar já está declarado), não se verificando, por isso, a relação de dependência exigida no artigo 272.º, n.º 1, do CPCivil. - A lei admite a suspensão da instância executiva com fundamento na 2ª parte do nº1 do art.272.º do CPC, ou seja, “por outro motivo justificado”, desde que não se trate do caso de ter havido oposição à execução ou embargos de terceiro, pois em princípio a execução só pode ser suspensa nos termos previstos nos art. 733º e 347º do CPCivil. - Para se ordenar a suspensão de uma acção executiva com base em ocorrência de motivo justificado é necessário que o motivo invocado seja outro que não a pendência de uma qualquer outra causa autónoma, caso contrário estar-se-ia, na mesma a funcionar, no fundo, como uma verdadeira causa prejudicial, o que a lei não permite.”
Compreende-se a razão desta unanimidade de posição da doutrina e da jurisprudência: o nexo de prejudicialidade só pode ocorrer entre acções declarativas, não sendo, por conseguinte, aplicável às acções executivas porque estas não têm por fim qualquer julgamento e, a definição do direito das partes que está previamente definido, rectius, delimitado objectiva e subjectivamente.
Pelo que se expôs e sem necessidade de outros considerandos resta concluir que o apelante não tem razão. Note-se que, de resto, não indicou quaisquer argumentos doutrinais ou jurisprudenciais que abonem a favor da sua tese.
Numa palavra: o recurso improcede.
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III–DECISÃO
Em face do exposto, acordam neste colectivo da 6ª secção cível do tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantém a decisão sob recurso.
Custas, na fase de recurso, pelo apelante, sendo certo que as custas na vertente de taxa de justiça se mostram previamente satisfeitas, não há lugar a custas na vertente de encargos e, por não terem existido contra-alegações não há lugar a custas de parte.)