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REGISTO PREDIAL
PENHORA
ARRESTO
Sumário
I - O registo não constitui formalidade de penhora, podendo até ser lavrado, como provisório, antes da penhora ser efectuada. II - As razões que levam a lei a exigir o registo de bens imóveis ou de bens móveis sujeitos a registo, verificam-se igualmente no caso de penhora de quota-parte do executado nesses bens. III - O arresto não convertido em penhora é mera providência cautelar, não concedendo qualquer preferência de pagamento de crédito ou graduação de créditos.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I – Relatório
B....., C....., Lda. e D..... vieram, por apenso à execução em que é exequente E..... e executados F..... e G....., reclamar um crédito no valor de € 21.053,92, acrescido de juros à taxa de 12%, contados sobre a quantia de € 19,951,92 desde 18-11-02 até efectivo pagamento, bem como o montante das custas que vierem a ser fixadas no processo nº. ./B/99, do -.º juízo Cível do Tribunal de.....
Os reclamantes B..... e C....., Lda alegaram, em síntese, que:
Por despacho de 13-11-98, proferido no proc. nº.403/98, do -º juízo Cível de..... foi decretado o arresto do direito dos aqui executados a metade indivisa do barco "H.....", para garantia do pagamento das quantias de 1.198.349$00 e juros legais ao reclamante B..... e de 980.000$00 e juros à segunda reclamante;
O referido despacho foi notificado aos aqui executados e exequente, que era a comproprietária do direito à restante metade indivisa;
Porém, depois de notificada do arresto, a aqui exequente requereu também o arresto do mesmo direito, apresentando como causa justificativa do seu pedido a decisão do arresto anterior pedido pelos aqui reclamantes;
Por despacho de 15-12-98 foi decretado o arresto requerido pela aqui exequente, que esta registou provisoriamente em 16-12-98 e definitivamente em 20-01-99
Em 21-04-99 o dito barco foi vendido na acção de divisão de coisa comum n.º ../99 do Tribunal de Circulo de....., pelo valor total de 19.500.000$00, correspondendo 9.750.000$00 ao direito dos executados;
Os reclamantes instauram, entretanto, acção definitiva que terminou por transacção, homologada por sentença de 18-01-00, mediante a qual os executados foram condenados a pagar ao 1.º reclamante a quantia de 1.195.000$00, acrescida de juros legais e à segunda reclamante a quantia de 980.000$00;
Como tais quantias não foram pagas pelos aqui executados, instauram acção executiva contra estes, nomeando à penhora os mesmos bens aqui penhorados;
Na dita execução pediram e foi declarada a conversão em penhora do arresto da quantia 9.750.000$00, correspondente ao preço da venda do direito dos executados a metade indivisa do referido barco.
Defendem que apesar de terem como certo que ao arresto são aplicáveis as regras da penhora, que a penhora de um barco está sujeita a registo e que em relação a terceiros a penhora de imóveis ou móveis sujeitos a registo só produz efeitos desde a data do registo, tendo em conta que se trata de um direito a um bem indiviso, a sua penhora efectiva-se com a notificação a que alude o art.º 862.º do C.P.Civil, não se exigindo o registo;
Por outro lado, ainda que assim não se entendesse, sempre seria de ter em conta que o arresto, independentemente de registo, é eficaz "inter partes" e atentas as circunstâncias supra aludidas acerca da intervenção da aqui exequente no arresto do mesmo direito e o conhecimento que tinha do arresto anteriormente efectuado pelos reclamantes, não pode aquela ser considerada terceira para efeitos de registo.
Por sua vez o reclamante D..... alegou que por despacho da mesma data – 13-11-98 –, proferido no processo n.º 410/98, do -º juízo Cível da comarca de....., foi também decretado o arresto do mesmo direito, para garantia do pagamento de 4.000.000$00 e juros legais ao aqui reclamante.
Pelos mesmos motivos invocados pelos outros reclamantes, defende este que o seu crédito deve ser graduado antes do da aqui exequente.
Concluem que os reclamados créditos gozam de garantia real e devem ser graduados em lugar anterior ao do crédito da exequente relativamente à quantia depositada na CGD de 48,632,79 euros e juros deste depósito, correspondente ao preço da venda do direito dos executados a metade indivisa do referido barco.
Por despacho de fls. 71, foram as reclamações liminarmente admitidas e notificados a exequente e os executados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 866.º nº2 do CPC.
A exequente deduziu oposição, defendendo que o arresto não foi convertido em penhora nem o podia ter sido por não ter sido registado, nem os reclamantes têm penhora sobre o mesmo bem mais antiga que a da exequente/reclamada, pelo que não se pode falar na preferência dos reclamantes na graduação dos seus créditos.
Invocou ainda a existência de caso julgado, alegando que no Ac. da Relação do Porto, de 20-02-2001, proferido na acção de divisão de coisa comum n.º 244/99, do -º Juízo da....., ficaram decididas as questões levantadas também nestes autos pelos reclamantes, pelo que não podem as mesmas voltar a ser discutidas.
E pediu a condenação dos reclamantes como litigantes de má fé, pois sabiam que a sua pretensão carece de fundamento e que as questões que suscitam já foram decididas.
No saneador foi julgada improcedente a deduzida excepção do caso julgado e julgados verificados os créditos dos reclamantes, tendo os mesmos sido graduados a seguir ao crédito da exequente.
Inconformados os reclamantes interpuseram o presente recurso de apelação, tendo na sua alegação formulado as seguintes conclusões:
1- Foram decretados em 1º lugar os arrestos dos apelantes (depois convertidos na penhora de quantia certa) do direito dos executados à metade indivisa dum barco de pesca costeira artesanal, nos termos do artigo 826º do CPC, e não o arresto do próprio barco – tendo a outra contitular (aqui apelada) sido notificada do despacho que os decretou com a advertência de que o direito dos executados ficou à ordem do tribunal, nos termos do artigo 862º n.º 1, do CPC;
2- De facto, a diligência do arresto do direito a metade indivisa desse barco "consiste unicamente na notificação do arresto ao administrador e aos contitulares, com expressa advertência de que o direito arrestado fica à ordem do tribunal;
3- O advérbio “uicamente”, retirado da letra do n.º 1 do artigo 862º, do CPC, é, no dizer de A. dos Reis, significativo de que o arresto do direito a metade indivisa consiste apenas (se basta) na notificação do facto ao administrador e aos demais contitulares do bem, com expressa advertência de que o direito arrestado fica à ordem do tribunal;
4- A notificação pessoal ao administrador e aos contitulares visa possibilitar que estes tomem posição sobre a existência do direito do executado e sobre a sua indisponibilidade, que fica consignada ao tribunal, assim se bastando a “ratio legis” – sendo, pois, irrelevante, pelo menos perante a notificada, a existência ou não de registo;
5- Prevendo o art. 862º do CPC a penhora do direito a bens indivisos, isto é, abrangendo quer o regime da compropriedade, quer o da comunhão (ex. bens de uma herança) não deve o intérprete distinguir essas duas previsões legais, antes tratá-las de igual forma;
6- Sabendo-se que o registo se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica (art. 1º do CRP) e tendo a contitular (apelada) sido notificada pessoalmente dos 1ºs arrestos, com expressa advertência de que o direito do arrestado ficou à ordem do Tribunal (procº dos apelantes), a notificada não é “terceiro de boa fé”, face à definição do douto Acórdão Uniformizador do STJ n.º 3/99 que definiu assim o conceito de terceiro: “terceiro para efeitos do disposto no artigo 5º do C.R.Predial são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa”.
7- A protecção dispensada pelas leis do registo (art. 5º, 17º, do CRP, de acordo com o dito Ac. Uniformizador n.º 3/99, com o art. 834º-A do CPC e 291º e 762º do C. Civil) exige que o seu titular esteja de boa fé – o que não é o caso da apelada face à notificação nos termos do artigo 862º do CPC – cfr. Oliv. Ascensão in “Efeitos Substantivos do Reg. Predial na ordem Jurídica Portuguesa, pág. 21 e 22.
8- A Apelada ao justificar até o seu pedido de arresto na procedência dos arrestos anteriores, dos aqui apelantes, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé ao pretender colocar-se agora na frente dos arrestantes e vestir a pele de “terceiro” (artigo 334º, do C. Civil).
(A Apelada está na análoga situação do 2º comprador dum imóvel que sabe muito bem que o imóvel fora antes vendido e se acha possuído por terceiros. Mas, não obstante esse seu conhecimento, corre a registar a sua 2ª compra, pretendendo colocar-se à frente do verdadeiro dono e possuidor do imóvel …)
9- Violou a douta sentença recorrida por erro de interpretação o vertido nos artigos 862º do CPC, o artigo 5º, 17º do C.R. Predial na interpretação do Ac. Uniformizador n.º 3/99 do STJ, em conjugação com o art. 291º e 762º do C. Civil e por erro de aplicação do art. 838º n.º 4 do CPC e ainda por erro de omissão do artigo 334º do C. Civil.
Nestes termos deve revogar-se, substituindo-se por outra que gradue os créditos dos apelantes no lugar anterior ao crédito exequendo (prevalecendo sobre ele).
II – Questões a decidir
A única questão a decidir consiste em saber se o crédito dos reclamantes, por beneficiar de arresto, não registado, mas decretado em data anterior ao arresto registado que garante o crédito do exequente, deve prevalecer sobre este.
III – Fundamentos
1.De facto
A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:
1. Correu termos acção de divisão de coisa comum (processo n.º 255/99, do -.º juízo do Tribunal de.....), relativamente ao barco de pesca "H.....", matriculado na Conservatória do Registo Comercial da..... sob o n.º 82/SR, proposta por E....., exequente nos autos principais, proprietária de metade indivisa, contra F.....e mulher G....., donos da outra metade indivisa.
2. Por despachos de 13-11-98, proferidos no proc. n.º 410/98 e no proc. n.º 403/98, respectivamente, do -º e do -º Juízo da Comarca de....., foi decretado o arresto da metade indivisa dos ali Réus F..... e mulher, para garantia de créditos dos ora reclamantes.
3. Depois de efectuados esses dois arrestos, também a exequente dos autos principais requereu o arresto da referida metade indivisa, arresto esse que veio a ser decretado por despacho de 15-12-98, proferido nos autos de arresto apensos a estes.
4. Em 21-4-99 foi o barco referido vendido em hasta pública, pelo preço de 19.500.000$00, ficando tal quantia depositada à ordem do Tribunal de Círculo de......
5. Em 11-5-99 os reclamantes requereram que a parte do preço a que os réus F..... e mulher tinham direito, no montante de 9.750.000$00, não fosse entregue aos mesmos, devendo tal quantitativo ser mantido à ordem dos processos de que são dependência os arrestos requeridos pelos reclamantes.
6. Por ofício de 26-5-99, a Sra. Juiz da Comarca da..... solicitou ao Sr. Juiz do Tribunal de..... que o valor correspondente à metade indivisa arrestada fosse colocado à sua ordem.
7. Em 2-6-99, pronunciando-se sobre o referido ofício, o Sr. Juiz do Tribunal de Círculo proferiu o seguinte despacho. "Satisfaça, nos termos solicitados. D.N.";
8. Do arresto decretado a favor da exequente foi efectuado registo provisório que se tornou definitivo em 24-2-99.
9. Os arrestos decretados a favor dos reclamantes não foram registados.
1. Direito
O arresto visa obstar ao risco de se perder a garantia patrimonial do crédito, sendo os seus efeitos os mesmos da penhora, constituindo numa antecipação desta (artigo 622º n.º 1 e 2, do C. Civil).
Nos termos do artigo 822º n.º 1 do mesmo Código, salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.
Acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que tendo os bens do executado sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto.
Por outro lado, as prioridade entre sucessivas penhoras, quando não estejam sujeitas a registo, deve ser graduada em harmonia com a prioridade da sua data, enquanto as penhoras sujeitas a registo, devem graduar-se em harmonia coma prioridade dos seus registos.
Não oferece dúvidas que entre os bens móveis sujeitos a registo contam-se, os navios.
Defendem, porém, os apelantes que a penhora não estaria sujeita a registo por os executados serem titulares apenas de metade do barco, tendo portanto a penhora incidido sobre um bem indiviso.
Argumentam, em primeiro lugar, que a não sujeição a registo decorre do disposto no artigo 862º n.º 1, do CPC.
Mas claramente sem razão.
Estabelece o citado artigo 862º n.º 1, do Código de Processo Civil que se a penhora tiver por objecto o direito a bens indivisos, a diligência consiste unicamente na notificação dos factos ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do tribunal de execução”.
Porém, o advérbio unicamente é utilizado apenas para marcar a diferença relativamente à penhora de bens imóveis, que é feita mediante termo no processo, e à penhora de bens móveis, que é feita com efectiva apreensão de bens (cfr. artigos 838º n.º 3, 848º n.º 1, do CPC).
O registo não constitui formalidade da penhora, podendo até ser lavrado, como provisório, antes da penhora ser efectuada.
Não permite, pois, a citada norma concluir que a penhora de bens indivisos, a que a mesma se refere, não está sujeita a registo.
As razões que levam a lei a exigir o registo de bens imóveis ou de bens móveis sujeitos a registo, verificam-se igualmente no caso da penhora, no caso de compropriedade, incidir apenas sobre a quota-parte do executado sobre esses bens.
Defendem ainda os apelantes que mesmo sendo exigível o registo, sempre os arrestos efectuados a seu favor terão de considerar-se eficazes perante a apelada, uma vez que o registo apenas é condição de eficácia em relação a terceiros e a apelada, por ter sido notificada dos referidos arrestos como comproprietário do direito arrestado, não é terceiro, mas sim parte dessa diligência
Mas também sem razão.
Pelo facto da apelada, na qualidade de contitular do bem arrestado ter sido notificada nos termos do artigo 862º n.º 1, do Código de Processo Civil, não pode ser considerada parte. As partes na requerida providência cautelar de arresto são apenas os requerentes e o requerido.
Por outro lado, o registo do arresto não pode sequer ser visto como uma simples condição de eficácia em relação a terceiros.
O n.º 4, do artigo 838º do CPC, estabelece que em relação a terceiros a penhora só produz efeitos desde a data do registo. Impõe, porém, a segunda parte do citado n.º 4 que seja junto ao processo certificado do registo e certidão dos ónus que incidam sobre os bens abrangidos pela penhora. Sendo que sem essa junção, não pode a execução passar à fase de convocação de credores e verificação de créditos (art. 864º n.º 1). O que permite afirmar que o registo da penhora de imóveis, ou móveis sujeitos a registo, é obrigatório na medida em que, sem ele, a execução não pode prosseguir.
Como acima se referiu, a penhora confere ao exequente o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.
Tendo os bens penhorados sido previamente arrestados, a anterioridade da penhora reportar-se à data do arresto, pelo que estando este sujeito a registo é a prioridade do registo dele que determina a da penhora.
Ora, os apelantes não efectuaram o registo do arresto decretado para garantir o pagamento dos seus créditos, nem a conversão do arresto em penhora. Registo que foi feito pela apelada relativamente ao arresto decretado para garantir o pagamento do seu crédito, que assim beneficia da prioridade do registo.
Não assiste, pois, aos apelantes, o direito de serem pagos dos seus créditos com preferência à apelada, pois não registaram ainda os arrestos decretados a seu favor, enquanto a apelada registou o arresto de que beneficia.
Nem foi adquirido pela apelada direito incompatível sobre o mesmo bem.
Acresce que nem sequer resulta demonstrado que os arrestos invocados pelos reclamantes tenham sido convertidos em penhora sendo que, como decidiu o recente acórdão desta Relação de 21-10-04 (in http://www.dgsi.pt) “o arresto não convertido em penhora é mera providência cautelar, não concedendo qualquer preferência de pagamento do crédito”.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes
*
Porto, 30 de Novembro de 2004
Alziro Antunes Cardoso
Albino de Lemos Jorge
Rui Fernando da Silva Pelayo Gonçalves