ADVOGADO EM CAUSA PRÓPRIA
PROCESSO PENAL
ARGUIDO
Sumário


I. No processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de atos que a lei reserva ao defensor, como o é o caso do exercício do direito ao recurso.

II. O arguido tem direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis, mas tal direito de recurso, seja ele ordinário ou extraordinário, só poderá ser exercido com a assistência do defensor, cuja obrigatoriedade decorre de forma inequívoca e expressa do artigo 64.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.

III. Qualquer arguido, ainda que tenha a qualidade de advogado, tem de ser assistido por defensor nos casos em que tal assistência é obrigatória, sofrendo, portanto, restrições na jurisdição penal o direito que, em geral, se reconhece ao advogado de litigar em causa própria, restrição essa que, necessariamente, o impede de renunciar ao direito de ser assistido por outro advogado, por a tal se opor o artigo 32.º, n.º 3 da nossa Constituição da República Portuguesa.

Texto Integral


Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 3465/19.... que corre termos pelo Juízo Local Criminal ..., Tribunal Judicial da Comarca ..., a 11 de maio de 2022, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo [transcrição]:

“IX – DECISÃO 
Pelo exposto, e em consequência, decide-se:
a) Condenar o arguido, AA, pela prática, como autor material, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos arts. 180º, nº1 e 184º, por referência ao art. 132º, nº2, al.l), todos do C.Penal, na pena de 05 (cinco) meses de prisão;
b) Tendo em conta a imagem global dos factos, afigura-se que a simples censura do facto e a ameaça de prisão serão suficientes para dissuadir o arguido da prática de futuros crimes, pelo que se decide substituir a pena de 05 (cinco) meses de prisão aplicada por uma pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz um montante total de €1.000,00 (mil euros) (cfr. art.º 45º do C.Penal);
c) Julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB totalmente procedente, e consequentemente, condenar o demandado cível no pagamento da quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença, e até integral pagamento;
d) Determinar que o arguido aguardará os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção do Termo de Identidade e Residência, o qual se extinguirá com a extinção da pena, nos termos do art. 214º, nº1, al.e) do C.P.Penal;
e) Condenar o arguido nas custas e encargos do processo crime, fixando-se em 02 (duas) UC´s a taxa de justiça (art. 513º, nº1 do C.P.Penal; e art. 8º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III a esta anexa);
f) Sem custas na parte cível (art. 4º, nº1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais).
(…)”.

I.2 Recurso da decisão

Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor recurso para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

“(…)
III. CONCLUSÃO. O PEDIDO RECURSÓRIO
 16. Do que antecede lícito será extrair as seguintes conclusões:
i) A Sentença sob impugnação parte, no essencial, de uma afirmação falsa: a de que o signatário não deduziu contestação nem arrolou testemunhas;
ii) Efectivamente, é essa uma afirmação judicial contra a verdade material, documentada, dos próprios autos;
iii) Por consequência, é essa decisão monocrática nula pleno jure;
iv) Antes disso, porém, a própria audiência de julgamento de que a sentença recorrida é resultante não podia, legalmente, ter tido lugar, porquanto estava então, como está ainda agora,  pendente de decisão o recurso lidimamente interposto contra, precisamente, a decisão de não admissão da contestação;
v) demais a mais, já nesse recurso o signatário deixara assente a arguição de que a não admissão da contestação em causa integra violação, quer direito à defesa própria persona garantido no n.º 2 do artigo 48.º da Carta dos Direitos Fundamentais da EU,
vi) quer do direito à renúncia ao defensor nomeado de ofício, garantido no n.º 4, in fine, do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 9.º da Directiva 2013/48/EU,
vii) e mais: a arguição, outrossim, de que já a decisão então recorrida aplica a norma do n.º 1 do artigo 78.º do CPP segundo uma dimensão hermenêutica inconstitucional, por violação do direito ao processo equitativo;
viii) Por consequência, também o próprio acto do julgamento resulta írrito e nulo: nulidade ipso jure;
ix) pelo que terá o julgamento de ser repetido, em harmonia com a Constituição, o direito internacional e europeu e a lei vigorantes.

17. Fazendo no caso, consequentemente, sã e inteira justiça, como sói, dignarse-á o Alto Tribunal ad quem:
A) Admitir, em definitivo, o presente recurso,
B) ao qual concederá, a final, o justíssimo provimento,
C) revogando a Sentença impugnada,
D) e mais: declarando nulo e mandando repetir o julgamento entretanto, contra legem, realizado,
tudo conforme vai expressamente requerido.
(…)”.

A 07-07-2022, foi proferido despacho de não admissão do referido recurso, face ao entendimento ali expresso pelo tribunal a quo de que “o arguido não pode representar-se a si próprio, estando-lhe vedada a interposição de recurso sem a intervenção da Il. Defensora nomeada”.

Na sequência de reclamação apresentada ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal, pelo Exmo. Senhor Juiz Presidente deste Tribunal da Relação de Guimarães, foi determinado o recebimento do referido recurso, mediante decisão proferida a 15-11-2022, que, no que aqui releva, se transcreve:
“(…)
Como preceitua o artº 405º, nº 1, do Código de Processo Penal (CPP), a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige destina-se apenas contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso.  Não visa conhecer do mérito do recurso.
No caso sub judice, a questão reclamanda para a rejeição do recurso (com base na falta das condições necessárias para o arguido recorrer) entronca directamente na questão preliminar imanente a tal recurso, qual seja a de auto-representação do arguido, sendo advogado, por não reunir as condições necessárias para se defender por si, sem ser assistido pelo respectivo defensor oficioso, estando em causa, desde logo, o exercício do direito (ou não) à renúncia de acesso a defensor.
 
É este estrito fundamento - de não admissibilidade de o arguido se ‘autorepresentar’, renunciando ao direito de acesso a um defensor em processo penal - que alicerça ab initio quer a questão (prévia) no recurso interposto, quer o despacho reclamado, quer ainda a reclamação apresentada.
E este encadeamento vicioso não foi, aliás, ignorado pelo tribunal a quo, aquando da prolação do despacho sobre a reclamação, apresentada apenas pelo arguido em causa própria, abrindo a porta à sua admissibilidade. Ora, não se ignorando - bem pelo contrário - a tendência maioritária quer da doutrina, quer da jurisprudência, designadamente de índole constitucional, no sentido de refutar essa ‘auto-representação’ do arguido-advogado em processo penal (ainda que não se descure também a posição oposta inerente ao voto de vencido do Exmº Cons. Guilherme da Fonseca no Acórdão do TC nº 578/2001, de 18.01.2001, Processo nº ...01 e também o clausulado no artº 9º da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2013) – certo é que, no caso presente, tendo em vista esse estrito motivo de a possibilidade ou não de o arguido se fazer representar por si em processo penal (e afinal no pressuposto de lhe não assistir a renúncia ao direito de acesso a advogado em processo penal)  ter servido viciosamente de suporte para o indeferimento da pretensão do arguido de impugnação da decisão recorrida, tendemos a admitir a reclamação, já que et por cause tal fundamento constitui o cerne da questão prévia suscitada no próprio recurso interposto.
Em suma, em matéria desta natureza, relativa a direitos de defesa do arguido, importa não cercear a apreciação pelo tribunal ad quem de questão recursiva que constitui um dos fundamentos do recurso interposto, sendo a razão da rejeição deste precisamente a mesma que serviu de base à tramitação processual que desembocou na decisão recorrida.
Caso contrário, salvo melhor opinião, a reclamação não deixaria de configurar uma abordagem desta questão de mérito, extrapolando os contornos da previsão normativa ínsita ao artº 405º, nº 1, do CPP.
Traduzir-se-ia, assim, numa forma enviesada de se afastar o direito ao recurso, imiscuindo-se na decisão de mérito, pelo menos parcialmente.
 
Fica prejudicado o conhecimento das questões de inconstitucionalidade e de reenvio prejudicial suscitados.
 
Concluindo, atende-se a reclamação pelos motivos aduzidos.

III. Decisão

Pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada, devendo o Tribunal de 1ª instância proferir despacho de admissão do recurso, se não houver outros fundamentos que obstem à admissibilidade dos mesmos.
(…)”. [sublinhado nosso].

Em obediência a tal decisão, veio o recurso a ser admitido, mediante despacho proferido nos autos a 23-01-2023.

I.3 Resposta ao recurso

Uma vez admitido o recurso e efetuada a legal notificação, o Exmoº Senhor Procurador da República junto da 1.ª instância respondeu ao mesmo, pugnando pela sua parcial procedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
CONCLUSÕES:
1.º Pretende o recorrente a impugnação da sentença de 11.05.2022, sob a referência ...00, por via da qual se decidiu condenar o arguido/recorrente AA pela prática, a título doloso, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, e 184.º, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. l) todos do Código Penal, na pena de 05(cinco) meses de prisão substituída por 200(duzentas) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
2.º As conclusões do recurso fixam o seu objeto e, nessa medida, ainda que parcas, das conclusões do recurso interposto, são as seguintes as questões a apreciar:
i. a de saber se a douta sentença é nula:
a. quer porquanto contém menção falsa, a de que não foi apresentada contestação;
b. quer, ainda, porque procede de audiência de discussão e julgamento nula porque realizada sem que tenha sido proferida decisão quanto à reclamação apresentada contra o despacho que rejeitou o recurso interposto contra o despacho de não admissão da contestação apresentada pelo próprio arguido advogando em causa própria;
ii. a de saber se pode o arguido, advogado, exercer a sua própria defesa;
iii. a de saber se a pena deve ser alterada, na parte da substituição da pena de prisão por multa, de 200dias para 100dias;
3.º O arguido, advogado que é, pretende exercer o patrocínio da sua própria pessoa, auto-representando-se, o que não lhe foi admitido pelo Tribunal, pelo que, conhecer o recurso por aquele interposto, em nome próprio e sem a intervenção da Ilustre Defensora nomeada, pressupõe a aceitação de tal auto-representação.
4.º Porém, por questão lógicas e do iter processual, entende o Ministério Público que a primeira questão a apreciar passa por saber se a Sentença recorrida padece de nulidade nos termos indicados em 2.i. destas conclusões.
Assim:
5.º Entende o recorrente que a sentença proferida padece de nulidade absoluta porquanto decorre de julgamento também ele nulo porquanto o Tribunal a quo realizou julgamento desconsiderando em absoluto o recurso pelo mesmo interposto a 16.03.2022, a fls. 240, contra o Despacho de 11.03.2022, com a referência ...07, de fls. 235, e, subsequentemente, concluiu e proferiu sentença quando se mostrava em curso prazo para eventual apresentação de reclamação contra o despacho de 02.05.2022, com a referência ...97, de fls. 284, por via do qual rejeitou aquele recurso interposto.
6.º Tanto assim que em 19.05.2022 veio o arguido deduzir reclamação, a fls. 308 a 318, tendo já a sentença sido proferida em 11.05.2022, a fls. 291 e ss.
7.º Com efeito, o Tribunal realizou a audiência de discussão e julgamento com sessões em 24.03.2022 e 07.04.2022, documentada em atas de fls. 250 a 252 e 282 a 283verso, quando já o arguido havia, em 16.03.2022, interposto – bem ou mal – recurso contra o Despacho de não admissão da contestação, apenas tendo tomado posição quanto ao mesmo no dia 02.05.2022, a fls. 284.
8.º Sob o olhar do Ministério Público, merece provimento o recurso nesta parte, pois que, com efeito, o Tribunal a quo ao não conhecer, previamente, o recurso interposto – ainda que o rejeitasse – contra o Despacho de não admissão da contestação, obstou a que o arguido exercesse, em tempo, a sua defesa e esgotasse os meios processuais ao seu dispor para o efeito.
9.º Com efeito, ainda que se entendesse que o ato não poderia ser praticado pelo próprio arguido, a verdade é que o arguido recorreu de tal Despacho, que, de resto, é recorrível, nos termos dos artigos 399.º e 400.º, a contrario, do Código de Processo Penal, sendo que o Tribunal a quo só se pronunciou sobre esse recurso em 02.05.2022, já depois de ter concluído todo o julgamento e ter sido reaberta a audiência em 07.04.2022 apenas para solicitar relatório social, cuja audiência decorreu em 24.03.2022 e 07.04.2022.
10.º Negou-se, assim, a realização da justiça na sua plenitude, impondo-se a subsequente declaração de nulidade de todos os atos praticados após a interposição daquele recurso de 16.03.2022, de fls. 240 e ss. pelo arguido, a saber a audiência de discussão e julgamento e subsequente sentença, ficando, apenas, validamente praticados quer o Despacho que rejeitou o recurso interposto, de 02.05.2022, de fls. 284, quer a subsequente reclamação apresentada a 19.05.2022, sob fls. 308 a 318.
11.º E, consequentemente, seja determinada a baixa dos autos à primeira instância para receber aquela reclamação e a apresentar ao Tribunal devido seguindo-se, aí, os legais trâmites processuais.
12.º Com o que, nesta parte, merece provimento o recurso interposto pois que o Tribunal não conheceu de todas as questões que devia conhecer, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Penal e do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Sem prejuízo do exposto, assim se não entendendo:
13.º Mais invoca o arguido recorrente, ainda, que a sentença é nula porquanto fez constar que o arguido não apresentou contestação, padecendo de nulidade.
14.º Não observando a mais precisa ocorrência processual, poderia o Tribunal – e humildemente se considera que o deveria ter feito – indicar que o arguido, pessoalmente, apresentou contestação, que não foi admitida.
15.º Optou o Tribunal por dizer tão parcamente que o arguido não apresentou contestação.
16.º Ainda que não tão precisa tal afirmação, não deixa de ser verídica, pois que ao não ser admitida para todos os legais efeitos processuais tal contestação não existe, sendo que apenas se mostra fisicamente nos autos porquanto não se determinou o seu desentranhamento, porém, a mesma processualmente não existe porquanto não foi admitida.
17.º Assim, nesta parte, não merece provimento o recurso.
18.º Sob o ponto 2.ii) da exposição desta resposta, pretende o arguido seja admitido a intervir em causa própria, na qualidade processual de arguido cumulada com a de advogado que é.
19.º Não se admitiu pelo Tribunal a quo, e bem, pois que tal não colide com qualquer normativo nacional ou supra nacional, como o seja o artigo 6.º, nº 3, da C.E.D.H., pois que mesmo nessa Convenção se deixou margem de conformação aos Estados-contratantes, quer por via legislativa quer jurisprudencial.
20.º Nesse sentido se pronunciaram, entre tantos outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 12.10.2011, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.05.2006 acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 15/2016, de 06.12.2016, do Supremo Tribunal de Justiça (todos disponíveis em www.dgsi.pt).
21.º Mais, tal como refere Gaspar, Henriques, “[a] imposição da representação por defensor ou advogado, mesmo tratando-se o arguido de profissional forense, é estatuída não só no interesse do próprio arguido, mas também do valor da justiça”, pois que o defensor não é um sujeito processual, como o é o arguido, mas sim um “órgão de administração da justiça com direitos e deveres que podem não ser inteiramente conciliáveis com a posição pessoal de arguido”, apresentando, nesses termos, inequívocos “riscos de perturbação externa e de constrangimento dos demais intervenientes processuais”.
22.º Por fim, já o aqui arguido apresentou com sucesso essa questão ao Mais Alto Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em ação movida contra a República Portuguesa, sob o processo n.º ...2, não tendo obtido provimento, ainda que num acórdão muito interessante e com vozes dissidentes.
23.º Pelo que, também nesta parte não merece provimento o recurso.
24.º Por fim, e quanto ao ponto 2.iii) considera-se que padece a sentença recorrida de manifesto lapso de escrita na sua fundamentação, na página 23, suscetível de retificação ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, porquanto não altera o sentido da decisão, devendo fazer-se ali constar, conforme decorre de todo o texto da sentença e sua fundamentação e, bem assim, do dispositivo, que o arguido foi condenado na pena de 5(cinco) meses [e não em 1(um) ano como se disse na página 23 para apuramento da multa de substituição] de prisão substituída por 200(duzentas) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.
25.º Nesta parte, não merece, pois, provimento o recurso interposto, salva a referida retificação.
26.º E assim fazendo farão, pois, V. Exas., como sempre, a tão acostumada JUSTIÇA.
(…)”.

I.4 Parecer do Ministério Público

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no que aqui releva, nos seguintes termos [transcrição]:
“(…)
2.2
O presente recurso foi subscrito pelo arguido exercendo patrocínio em causa própria – “O Recorrente, advogando em causa própria”.
Tem ele defensor designado, a Sr.ª Dr.ª CC e que esteve presente na leitura da dita sentença, sentença que foi depositada no mesmo dia, 11/05/2022 e à qual o arguido faltou apresentando justificação para tal.
A defensora referida não subscreveu o recurso apesar do pleno conhecimento que dele teve.

3.
O Ministério Público (MºPº) na 1.ª instância produziu a resposta ao recurso considera, em resumo, o seguinte:
a) Que “8.º Sob o olhar do Ministério Público, merece provimento o recurso nesta parte, pois que, com efeito, o Tribunal a quo ao não conhecer, previamente, o recurso interposto – ainda que o rejeitasse – contra o Despacho de não admissão da contestação, obstou a que o arguido exercesse, em tempo, a sua defesa e esgotasse os meios processuais ao seu dispor para o efeito.”;
b) Que “9.º Com efeito, ainda que se entendesse que o ato não poderia ser praticado pelo próprio arguido, a verdade é que o arguido recorreu de tal Despacho, que, de resto, é recorrível, nos termos dos artigos 399.º e 400.º, a contrario, do Código de Processo Penal, sendo que o Tribunal a quo só  se  pronunciou  sobre  esse  recurso  em 02.05.2022, já depois de ter concluído todo o julgamento e ter sido reaberta a audiência em 07.04.2022 apenas para solicitar relatório social, cuja audiência decorreu em 24.03.2022 e 07.04.2022”; e
 c) Que “10.ºNegou-se, assim, a realização da justiça na sua plenitude, impondo-se a subsequente declaração de nulidade de todos os atos praticados após a interposição daquele recurso de 16.03.2022, de fls. 240 e ss. pelo arguido, a saber a audiência de discussão e julgamento e subsequente sentença, ficando,  apenas, validamente praticados quer o Despacho que rejeitou o recurso interposto,  de  02.05.2022,  de  fls. 284, quer a subsequente reclamação apresentada a 19.05.2022, sob fls. 308 a 318.”.
 E sem prejuízo do acabado de expor, entende aquele magistrado que não se deverá dar provimento ao recurso, a não ser a rectificação a realizar na sua pagina 23 passando aí a constar “5 meses” já não “1 ano”.
 
4.
 Importa, então, manifestar a nossa posição sobre o recurso tendo em vista tudo o que atrás já se mencionou.
 
4.1
 Assume prioridade apurar se, efectivamente, e como alude o magistrado do MºPº na 1.ª instância, ocorreu circunstância processual que afecta “a realização da justiça na sua plenitude”.
 Vejamos se tal acontece, dando notícia, então, da tramitação processual relevante
 Assim:
a) O arguido, advogando em causa própria, apresentou contestação a 24/02/2022;
b) Não foi admitida a contestação por despacho de 11/03/2022;
c) O arguido reagindo a este despacho interpôs recurso deste despacho, advogando em causa própria, anexando o requerimento de recurso em PDF, por email, a 16/03/2022;
d) Este recurso não foi admitido, recurso que se entendeu dirigido para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por despacho de 02/05/2022;
e) É proferida sentença condenatória a 11/05/2022;
f) O arguido, como acima já se referiu, interpôs recurso da sentença, advogando em causa própria, recurso interposto a 24/06/2022;
g) Este recurso não foi admitido por despacho de 07/07/2022;
h) Reagindo a tal decisão, o arguido, agindo sempre como advogado em causa própria, apresentou reclamação da não admissão do seu recurso da sentença para o Presidente deste Tribunal da relação de Guimarães, por email, a 31/08/2022;
i) Como peticionou a recusa da M.ma Juíza que proferiu o despacho de não admissão do recurso, fazendo-o também por email, a 31/08/2022;
j) Por este TRG foi negado provimento ao pedido de escusa, por acórdão de 10/10/2022;
k) O M.mo Juiz Presidente do Tribunal da Relação foi ordenado o recebimento do recurso por seu despacho de 15/11/2022.
Perante este fluir processual, devemos assentar, claramente, que o arguido perante o despacho de 11/03/2022 e que lhe não recebeu a contestação que então subscreveu, interpôs um recurso que não foi recebido por despacho de 02/05/2022, tendo-se conformado com tal decisão pois que dela não reclamou – art.º 405 do CPPenal, para o M.mo Juiz do Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães. 
E não releva o momento do recebimento daquele recurso porquanto, por um lado, a admissibilidade do recurso verificou-se antes da prolação da sentença, por outro, se tivesse êxito uma reclamação do arguido para o mencionado Juiz Presidente do TRG – art.º 405 do CPPenal, reclamação que não foi efectuada, a consequência seria sempre a admissão do recurso sendo que a sua subida só ocorreria com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final – artigos 406 e 407 do CPPenal. E caso, a final, fosse ordenada a admissão da contestação por via do recurso interposto, tal conduziria à nulidade da sentença e do julgamento realizado.
Então, de verdade, não se vê onde a plenitude da justiça foi posta em causa na situação referida quando, afinal, se observaram não só todos os ditames legais, como até a vontade do arguido que, afinal, não reclamou da não admissão do seu recurso.
Aliás, a afirmação do magistrado do MºPº na 1.ª instância relativa à realização da justiça na sua plenitude só teria efectiva consistência se fosse acompanhada da referência legal, isto é, dos concretos normativos legais que então não foram acatados, situação que aquele não concretizou.  
Sendo assim, o que devemos considerar de seguida e porque não há nenhum recurso retido é, exclusivamente, a sentença recorrida.
 
4.2
 E no que concerne à decisão recorrida, efectivamente surge, como questão prévia, a questão jurídica da autodefesa que o arguido concretizou, tendo apresentado recurso da sentença condenatória acima referida, advogando em causa própria, colocando completamente à margem a defensora que lhe foi nomeada e que acompanhou todo o seu julgamento e prosseguiu sempre com os demais trâmites processuais.
Cuidando de ser sintético, estamos, em termos finais, com o que escreveu José Alfredo Gameiro Costa, ”Exposições, Memoriais e Requerimentos Ipso facto Auto-Representação Judiciária” in RMP n.º 154, 2018, pág. 201:
“Portanto, a nossa lei processual penal impõe que o arguido [13] tenha obrigatoriamente um defensor nas situações descritas do artigo 64.º do CPP [14], e não é admissível a defesa pelo próprio arguido, ou seja, ele não pode prescindir do advogado e assumir a própria defesa, por mais qualificado que seja. O que nos leva a concluir que a nossa lei adjetiva penal impõe a defesa técnica nos termos dos artigos 61.º, n.º 1, alínea e), 62.º e 64.º, do CPP, não obstante o disposto no referido artigo 6.º, n.º 3, alínea c), da CEDH, e que, como vimos, tem sido entendido pelo TC como perfeitamente harmónico com a CRP.”.
E aproveitando ainda mais o que este autor escreveu e tendo presente até um processo que seguiu seus termos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), o Processo Correia de Matos v. Portugal - n.º. 56402/12:
“As teses da admissibilidade de auto-representação fundamentam-se essencialmente no disposto do artigo 6.º, n.º 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), a que supra se fez referência. Contudo, no acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) em 04.04.2018 [10] foi decidido pela “Não admissibilidade de o requerente – enquanto advogado – exercer a sua própria defesa no referido processo criminal em que era arguido.”. Esta mesma questão já tinha sido apreciada em queixa anteriormente apresentada e o TEDH decidiu, em Setembro de 2000, no sentido de não declarar violada a referida alínea c) do n.º 3 do artigo 6.º da CEDH. O atual acórdão proferido pela Grande Chambre, em 04 de abril de 2018, manteve a jurisprudência anterior nesta matéria e relevou para o efeito, que o arguido não goza, face ao supracitado artigo 6.º da CEDH, de um direito de decidir, por si, sobre a maneira como deve ser exercida a sua defesa. Refira-se, ainda, e de enorme relevância face ao enquadramento jurídico-constitucional penal, que ora nos importa, a Grande Chambre salientou que a opção entre as duas possibilidades previstas na norma em apreço releva o princípio da lei interna, em que os Estados gozam de uma margem de apreciação para fazer essa opção, mas, no entanto, esta não é ilimitada e deve assentar em razões suficientes e pertinentes. Ou seja, o TEDH considerou neste caso que a lei interna assentava em motivos válidos, tal como já desenvolvidos pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e Tribunal Constitucional (TC), visando assim uma melhor proteção do arguido, através de uma defesa objetiva e desapaixonada, prosseguindo, assim, uma finalidade de boa administração da justiça e de prossecução de uma defesa efetiva. Veja-se, também, neste sentido, o Acórdão do TC n.º 578/01 (BRAVO SERRA)[11], ao considerar que a opção legislativa decorrente da interpretação normativa de que não é admissível a auto-representação de arguido, ainda que advogado de profissão, não viola a Constituição da República Portuguesa. Portanto, do ponto de vista jurídico processual, esta opção justifica-se perfeitamente, porquanto, a não ser assim, violaria manifestamente as normas legais sobre o exercício do mandato judicial.”.(sublinhado nosso)
 
E se a doutrina assim observa a questão em apreço, a jurisprudência também avança no mesmo sentido. 
 Retenha-se, neste contexto, o que se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25/06/2008, proc. 850/03.6TACBR.C1, com o relator desembargador Vasques Osório;
 “3.1. A Constituição da República Portuguesa consagra no seu art.º 52.º, n.º 1, o direito de petição. Trata-se de um direito político através do qual os cidadãos podem dirigir-se aos órgãos de soberania ou a qualquer outra autoridade pública, para defesa de direitos pessoais, da própria Constituição, das leis ou de interesses gerais (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Anotada, Vol. I, 4.ª Ed., Revista, 693 e ss.). O art.º 98.º do C. Processo Penal veio concretizar, ao nível do processo, o exercício deste direito, no sentido de que o arguido pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos, em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objecto daquele ou tenham por fim a salvaguarda dos seus direitos fundamentais. No entanto, o requerimento de interposição de recurso não se inclui nos requerimentos previstos neste artigo, pois tratando-se de um específico direito do arguido, a regulamentação própria que tem noutros preceitos do CPPenal, determina a intervenção obrigatória do defensor na peça recursória …”.
  
 E acrescenta:
 “ Assim, o arguido não pode recorrer sozinho das decisões que lhe são desfavoráveis, tendo que constituir advogado ou fazer-se assistir do seu defensor, que interporá e acompanhará o recurso em seu nome (Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª Ed., 2007, 96). E a este respeito, o Tribunal Constitucional, no acórdão 461/2004 (in http://wwwtribunalconstitucional.pt) pronunciou-se no sentido de não ser inconstitucional a obrigatoriedade de patrocínio na apresentação da motivação do recurso, nele se podendo ler, “A norma em causa (art.º 32, n.º 1, c), do C. Processo Civil), ao exigir patrocínio por advogado para a subscrição da motivação de recurso em processo penal, visa garantir a intervenção (no caso, perante um tribunal de recurso) de profissionais devidamente qualificados, assegurando a devida preparação técnica e o respeito pelos princípios deontológicos da profissão, cujo cumprimento cabe à Ordem dos Advogados assegurar, bem como, por outro lado, assegurar no recurso uma defesa, além de tecnicamente preparada, desapaixonada, serena e desinteressada do arguido, não contendo, pois, qualquer ofensa ou restrição inconstitucional às garantias de defesa ou a outras normas ou princípios constitucionais.”.

 No mesmo sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21/05/2019, proc. 76/19.7YREVR, com a relatora desembargador Fátima Bernardes:
“Sendo obrigatória a intervenção de advogado, no incidente de recusa de juiz apresentado pelo arguido, no decurso da audiência de julgamento, e não podendo o arguido, que seja advogado, auto representarse na prática de atos que a lei reserva ao defensor, não pode o arguido, sozinho, desacompanhado de mandatário ou de defensor que o representa/assiste, deduzir tal incidente.”.

Ainda com igual orientação, se decidiu no acórdão de 18/12/2017, deste Tribunal da Relação de Guimarães, proc. 143/15.6T9PTL-B.G1, com a relatora desembargador Maria José Matos:
 “I) No processo penal o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de actos que a lei reserva ao defensor (artº 64º, nº 1, do CPP), sendo que tal orientação legal é conforme com a Lei fundamental. II) É o que sucede no caso dos autos, em que o arguido, não obstante a sua qualidade profissional de advogado não tem capacidade, porque para tal não tem legitimidade, para se autorepresentar, nomeadamente para apresentar um requerimento onde, para além do mais, suscita a invalidade da nomeação de Defensor Oficioso e, bem assim para requerer a abertura de instrução, questões que pela sua própria natureza implicam discussão de direito que, assim, tem que ser operada pelo Defensor do arguido e, não já, pelo próprio.”.
 
Talqualmente se decidiu no acórdão de 12/10/2011 do Tribunal da relação do Porto, no proc. 1997/08.8TAVCD-A.P1, com o relator desembargador António Gama:
 “No processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de actos que a lei reserva ao defensor [art.º 64.º, n.º 1, do CPP]. Esta solução legal é conforme à CRP e não afronta as disposições constantes de instrumentos internacionais sobre a matéria, designadamente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”.
 
Assim, usufruindo do que vem sendo dito, necessariamente temos de concluir que no ordenamento jurídico português não é legalmente admissível a autodefesa. E sendo assim, o recuso interposto pelo arguido advogando em causa própria, recurso de pleno conhecimento da defensora que lhe foi nomeada e que não o assumiu tornando-o seu, é então um recurso a que “falta motivação”, devendo ser rejeitado nos termos dos artigos 414, nº2 e 420, n.º1, al. b), do CPPenal.
 
Assim e em conclusão: 
O recurso do arguido que recai sobre a sentença que o condenou em pena de prisão substituída por trabalho em favor da comunidade deverá ser rejeitado por ser um recurso não subscrito e não adoptado pela defensora do arguido e que a este foi nomeada, e estando subscrito apenas pelo arguido agindo como advogado em causa própria, auto-representando-se, está, afinal, a arrogar-se de funções que legalmente não pode exercer por não caberem no elenco dos seus direitos previstos no art.º 61 do CPPenal e não ser actividade contida no art.º 98 do mesmo Código, sendo funções que cabem em exclusivo àquela defensora – art.º 64, n.º1, al. e) daquele CPPenal. Sendo assim, então, o recurso não possui motivação e a sua rejeição decorre do disposto nos artigos 414, n.º2 e 420, n.º2, al. b) do CPPenal.
 (…)”.

I.5. Resposta

Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na pessoa da ilustre defensora do arguido, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.

I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.


II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].

Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:

® Questão prévia:
Saber se poderia o arguido, na qualidade de advogado de profissão, exercer a respetiva defesa em causa própria, concretamente interpor o presente recurso.

Na eventualidade de se concluir de forma afirmativa a tal questão:
® Saber se o ato da audiência de julgamento deve ser declarado nulo [por na data da sua realização se encontrar pendente de decisão o recurso interposto contra o despacho de não admissão da contestação apresentada pelo arguido, advogando em causa própria].
® Saber se a decisão recorrida [a saber: sentença de condenação do arguido/recorrente proferida pelo tribunal a quo a 11-05-2022] se encontra ferida de nulidade [por ali se ter feito constar uma alegada “afirmação falsa”: a de que o signatário não deduziu contestação, nem arrolou testemunhas.].

II.2- Compulsados os autos, com relevo para a decisão [sobretudo, para o caso de o arguido vir a obter provimento no recurso quanto à citada questão prévia], há a destacar a seguinte tramitação processual:

® O arguido, advogando em causa própria, apresentou contestação/requerimento probatório, a 24/02/2022 [ref. citius n.º ...08].

® Sobre tal requerimento, incidiu despacho datado de 11/03/2022, com o seguinte teor:
“Veio o arguido, pessoalmente e sem intermédio da Defensora, apresentar contestação nos autos, alegando assumir a qualidade de advogado em causa própria.
Acontece que, carece o aqui arguido de legitimidade para apresentar a contestação pelos próprios meios, já que, em processo penal o arguido, ainda que assuma a qualidade de advogado, não se pode auto-representar na prática de actos que a lei reserva ao defensor (cfr. nº1 do art. 64º do C.P.Penal). O arguido, ainda que possua a qualidade de advogado, com a devida certificação pela Ordem dos Advogados, não tem capacidade, porque para tal não tem legitimidade, para se auto-representar, nomeadamente para apresentar a contestação e requerimento de prova (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.12.2017, in www.dgsi.pt).
Assim, por falta de legitimidade do arguido para tal, não se admite a contestação e requerimento probatório por si apresentado.
Notifique.
Dê conhecimento à Defensora nomeada nos autos.”
 
® Tomando conhecimento de tal despacho, veio o arguido, advogando em causa própria, interpor recurso do mesmo, anexando o requerimento de recurso em PDF, por email enviado aos autos a 16/03/2022 [ref. citius n.º ...74].

® A 02/05/2022 foi proferido despacho de não admissão de tal recurso, que se entendeu dirigido para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que aqui se transcreve:
“Veio o arguido, por requerimento dirigido aos autos, recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem do despacho que não admitiu a sua intervenção na qualidade de advogado em causa própria.
Conforme se encontra previsto no art. 35º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem só toma conhecimento sobre uma matéria depois de esgotadas todas as vias de recurso internas dos Restados Membros, em conformidade com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos e num prazo de seis meses a contar da data da decisão interna definitiva. É, portanto, imperativo esgotar todos os recursos judiciais existentes na ordem jurídica interna ou demonstrar que os recursos em causa não eram eficazes.
No presente caso, o arguido vem recorrer directamente para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sem, previamente, ter esgotado as vias de recurso internas, sendo, como tal inadmissível. Ademais, a petição de recurso terá de ser apresentada junto daquele Tribunal Europeu e não junto destes autos.
Pelo exposto, por legalmente inadmissível, não se admite o recurso interposto.
Notifique”.


® A 19/05/2022, advogando em causa própria, o arguido reagiu ao despacho de não admissão do recurso de 02/05/2022 apresentando reclamação, ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal. [ref.ª citius n.º ...66].

® Sobre a reclamação apresentada incidiu despacho proferido a 24/05/2022 do seguinte teor [transcrição]:
“Refª: ...66
Não podendo, como já antes decidido, o arguido intervir como advogado em causa própria, dê conhecimento à Il. Defensora do requerimento que antecede, para os fins tidos por convenientes. 
Mais, informe o arguido de que, não podendo intervir a não ser por intermédio da Il. Defensora nomeada, o requerimento por si apresentado não será objecto de apreciação judicial.”

® A 25/05/2022, foi enviada notificação desse despacho à ilustre defensora do arguido.

® Na mesma data, foi enviada notificação desse despacho ao arguido, mediante via postal simples com prova de depósito, depositada no recetáculo postal domiciliário a 26/05/2022.

® A 01/06/2022, veio o arguido apresentar incidente de recusa de juiz [cuja pretensão veio a ser negada, por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10/10/2022], tendo anexado vários documentos, entre os quais, anexou, como doc. ..., o referido despacho datado de 24/05/2022.

® Entretanto, a 11/05/2022 havia sido proferida sentença condenatória.
® Advogando em causa própria, a 24/06/2022, o arguido apresentou recurso da referida sentença, que, pese embora inicialmente não admitido pelo tribunal a quo, acabou por subir a este Tribunal da Relação de Guimarães, em obediência ao decidido pelo Exmo. Sr. Juiz Presidente deste Tribunal [conforme despacho já transcrito supra], em virtude de reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal.

II.3- Apreciação do recurso
Questão prévia:

Importa, antes do mais, decidir, a título de questão prévia [assim denominada, aliás, pelo próprio recorrente na motivação do recurso], se poderia o arguido, na qualidade de advogado de profissão, exercer a respetiva defesa em causa própria, concretamente interpor o presente recurso, pessoalmente, sendo certo que a sua ilustre defensora nomeada nos autos não o subscreveu.

Vejamos:
Com relevo para a apreciação de tal questão importa, desde logo, trazer à colação as seguintes disposições legais:
Da Constituição da República Portuguesa:
Artigo 32.º
(Garantias de processo criminal)
1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
(…)
3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória. [sublinhado nosso].

Do Código de Processo Penal:
Artigo 61.º
Direitos e deveres processuais
1 - O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de:
(…)
e) Constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor;

(…)
k) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
(…).”[sublinhado nosso].

Artigo 64.º
Obrigatoriedade de assistência
1 - É obrigatória a assistência do defensor:
(…)
e) Nos recursos ordinários ou extraordinários;
(…)
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, se o arguido não tiver advogado constituído nem defensor nomeado, é obrigatória a nomeação de defensor quando contra ele for deduzida a acusação, devendo a identificação do defensor constar do despacho de encerramento do inquérito.
4 - No caso previsto no número anterior, o arguido é informado, no despacho de acusação, de que fica obrigado, caso seja condenado, a pagar os honorários do defensor oficioso, salvo se lhe for concedido apoio judiciário, e que pode proceder à substituição desse defensor mediante a constituição de advogado.
(…)”. [sublinhado nosso].

Da conjugação de tais disposições legais decorre, portanto, que o arguido tem direito de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis, mas tal direito de recurso, seja ele ordinário [como o é in casu] ou extraordinário, só poderá ser exercido com a assistência do defensor, cuja obrigatoriedade decorre de forma inequívoca e expressa do citado artigo 64.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal.
E compreende-se que assim o seja.
Na verdade, como bem refere Henriques Gaspar[3]“A obrigatoriedade de defensor nos recursos tem a razão de ser na especificidade do meio; o recurso é um remédio jurídico contra erros de julgamento de facto ou de direito, nos limites e pressupostos de admissibilidade previstos na lei. Nos recursos dirigidos aos tribunais superiores, a matéria e o objeto apresentam componente técnicas e jurídicas, cuja apresentação e discussão não podem ser compreendidas fora do exercício da defesa técnica através de defensor.”.
Como afirmam J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao citado artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, “a assistência do defensor é, segundo a Constituição, um direito do arguido em todos os actos do processo (i. é, em todos os actos em que o arguido intervenha ou possa intervir), sendo obrigatória independentemente da vontade dele (…). Incumbe também à lei (depois da revisão de 1997) especificar os casos em que é obrigatória a assistência por advogado. Trata-se de uma concretização do direito ao advogado que implicará uma densificação legal dos casos e fases em que se torna indispensável a competência, a experiencia e saber de um profissional do foro para tornar efectiva a defesa nos momentos processuais decisivos à garantia dos direitos materiais e processuais (interrogatório para decretação de medidas de coacção, audiência de julgamento, exercício do direito de recurso)”[4] [sublinhado nosso].
Perante o invocado quadro legal, mantém-se válido o entendimento de que todo e qualquer arguido, ainda que tenha a qualidade de advogado, tem de ser assistido por defensor nos casos em que tal assistência é obrigatória, sofrendo, portanto, restrições na jurisdição penal o direito que, em geral, se reconhece ao advogado de litigar em causa própria, restrição essa que, necessariamente, o impede de renunciar ao direito de ser assistido por outro advogado, por a tal se opor o artigo 32.º, n.º3 da nossa Constituição da República Portuguesa.
Note-se, aliás, que a própria norma contida no n.º 1, do artigo 9.º, da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013 [relativa, designadamente, ao direito de acesso a um advogado em processo penal] no qual o arguido sustenta o seu direito de renúncia, exceciona a legislação nacional que exige a presença ou a assistência de um advogado [a saber: “1. Sem prejuízo da legislação nacional que exige a presença ou a assistência de um advogado, os Estados-Membros devem assegurar que, relativamente a qualquer renúncia a um dos direitos referidos nos artigos (…)”].
Prosseguindo:
Trata-se de entendimento hoje pacífico e que vem sendo seguido, quer na jurisprudência quer na doutrina, já desde os tempos da vigência do Código de Processo Penal de 1929, sendo exemplo disso a posição de Luís Osório que, a respeito do artigo 22.° desse diploma, defendia que "ainda quando o réu for um advogado deve o juiz nomear-lhe um defensor oficioso (...). A intervenção do defensor é uma garantia de ordem pública e não diminui, em coisa alguma, os direitos do réu e antes torna mais eficaz a sua defesa; pois (...) é sempre difícil e muitas vezes perigoso o patrocínio de si mesmo".[5]
E justifica-se, que assim o seja, também porque “a própria carga emocional que a qualidade de arguido envolve nem sempre permite, mesmo a quem disponha de refinados conhecimentos jurídicos, conservar a lucidez necessária para fazer as melhores opções em termos de estratégia de defesa”.[6]
De facto, "as faculdades do arguido encontram-se diminuídas pelo peso da acusação, que presumivelmente lhe obnubila a clareza do raciocínio; e tem que haver-se com o aparato dos órgãos de justiça, impregnado de fórmulas técnicas e provido de conhecimentos jurídicos que ele, na maioria dos casos, não possui. (...) a existência de um órgão de defesa, de defensor, é obrigatória naqueles casos em que é de presumir a insuficiência do arguido para conduzir convenientemente a própria defesa, ou em determinados actos processuais particularmente graves para o arguido. Não importa, aliás, que o arguido tenha ele próprio conhecimentos jurídicos; nos casos de obrigatoriedade do defensor, este é igualmente necessário nessa hipótese, porque a defesa não é estabelecida apenas em favor do arguido, mas também para garantir o bom funcionamento da justiça, e é sempre de presumir uma perturbação de espírito do arguido, que possa afectar a segurança da defesa".[7] [sublinhado nosso].
Acresce a tudo isto dizer que são diversas as regras processuais dos estatutos do defensor e do arguido que tornam incompatível o exercício do auto-patrocínio, sendo inequívoco que "num processo de estrutura acusatória, os poderes que por lei são atribuídos ao defensor não são em muitas situações conciliáveis com a sua posição de arguido, v.g, os Art.ºs 141°, n.° 6, 326° e sobretudo o Art.º 352°" .[8]
Tem sido este o entendimento da jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que vêm concluindo no sentido de que a regra que permite aos advogados litigarem em causa própria é inaplicável aos casos em que o advogado é, ele próprio, arguido em processo penal, de que são exemplos, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 26/11/2003, in C. J. - Acórdãos do S.T.J., Ano XI - 2003, Tomo III, Pág. 241;  Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, datados de 13-12-1989, C. J., Ano XIV - 1989, Tomo V, Pág. 157 e de 15/06/2010, Processo n.º 1218/08.3TDLSB-A.L1-5, consultável em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 25/01/1995, C. J., Ano XX - 1995, Tomo I, Pág. 56; Acórdãos deste Tribunal da Relação de Guimarães, datados de 03/05/2004, Processo n.º 390/04-2; de 18/12/2017, Processo n.º 143/15.6T9PTL-B.G1 e de 25/01/2021, Processo n.º 6032/19.8GMR.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Tal posição não se mostra incompatível com o direito do arguido se defender pessoalmente, o mesmo será dizer que não é contrária aos instrumentos de direito internacional dos quais Portugal faz parte designadamente, à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, como, aliás, assim já se decidiu a respeito de queixa apresentada pelo ora arguido junto do THDH - Correia de Matos c. Portugal - queixa nº 56402/12, sobre a qual incidiu o acórdão datado de 04/04/2018, no sentido da não violação do artigo 6.º da Convenção, decisão votada por maioria, de cuja publicação[9] decorre o seguinte [transcrição]:
“1- Factos: O Requerente, advogado, foi acusado e condenado em processo-crime por injúria agravada a um juiz.
Os tribunais nacionais não permitiram que o requerente se defendesse a si próprio no processo-crime. O requerente alega que tais decisões nacionais violam o Artigo 6º nºs 1 e 3 (c) da Convenção.
2 - Decisão:
(a) Observações preliminares sobre a queixa do requerente: O caso em apreço respeita ao direito dos advogados se puderem defender a si próprios. Contudo, à data dos factos o requerente encontrava-se suspenso pela Ordem dos Advogados, pelo que não poderia exercer advocacia.
Por outro lado, o requerente já tinha apresentado uma queixa semelhante, perante o Tribunal, a qual deu lugar a uma decisão de 15 de Novembro de 2001 (Correia de Matos contra Portugal (dec.), queixa nº 48188/99). Nessa decisão, o TEDH constatou que, muito embora, em regra, os advogados se pudessem representar a si próprios em tribunal, as autoridades competentes, no âmbito da sua margem de apreciação, poderiam exigir a nomeação de um representante legal para defender um advogado no âmbito de um processo-crime, caso entendessem que o mesmo não tinha condições para avaliar devidamente os interesses em causa. Deste modo, o Tribunal rejeitou a referida queixa por considerar que a mesma era manifestamente infundada.
(b) Análise dos fundamentos subjacentes à legislação portuguesa: É jurisprudência assente do Tribunal que os Estados têm liberdade para escolher os meios pelos quais asseguram que os respectivos sistemas jurídicos estão em conformidade com o Artigo 6.º, n.º 3, alínea c) da Convenção. Com efeito, a ratio da norma em causa é a assegurar a equidade global do processo penal.
In casu, as decisões dos tribunais nacionais refletem a jurisprudência assente quer do Tribunal Constitucional, quer do Supremo Tribunal de Justiça, segundo a qual a obrigatoriedade da assistência de defensor ou mandatário constituído em processo penal não visa limitar a ação da defesa, mas antes proteger o arguido, garantindo uma defesa eficaz.
Neste âmbito, as normas relevantes do Código de Processo Penal partem da premissa de que a defesa de um arguido é melhor acautelada por um profissional que possa oferecer uma defesa lúcida, imparcial e efectiva.
Tais considerações são ainda mais prementes no caso concreto do requerente, uma vez que o mesmo se encontrava suspenso pela Ordem dos Advogados, pelo que não poderia sequer prestar assistência jurídica a terceiros. Por outro lado, o requerente já tinha sido condenado por crime idêntico contra magistrado. Tendo em conta a importância do papel dos advogados na administração da justiça, neste contexto específico em especial os deveres de urbanidade e de cooperação, existiam dúvidas fundadas de que o requerente poderia não ter a objetividade e imparcialidade necessárias para conduzir sua própria defesa de forma eficaz.
Ademais, a circunstância da legislação portuguesa não permitir que um advogado se represente a si próprio em processo penal, não impedia o requerente de escolher a forma como a sua defesa era conduzida, porquanto a lei processual confere ao arguido vários meios pelos quais o mesmo pode participar e intervir ativa e pessoalmente no processo.
Por último, qualquer arguido que não esteja satisfeito com a defesa levada a cabo pelo defensor nomeado, pode – mediante fundamentos válidos e razoáveis - pedir a sua substituição ou constituir mandatário da sua confiança. Muito embora os arguidos condenados tenham que suportar os custos relacionados com a nomeação de defensor, podem sempre pedir apoio judiciário caso não possam suportar tais custos. Assim, apesar da legislação nacional obrigar à representação em processo penal através de defensor, na prática, os arguidos podem participar ativamente na sua própria defesa, sendo que a ratio da lei em causa visa garantir a boa administração da justiça, respeitando o direito do arguido à igualdade de armas. Considerando o contexto processual como um todo, e tomando em consideração a margem de apreciação de que dispõem os Estados-Membros quanto à escolha dos meios para assegurar a defesa dos arguidos, o Tribunal considera que, in casu, as razões apresentadas pelos tribunais nacionais para a exigência de obrigatória de defensor são relevantes e suficientes.
(c) Equidade global do julgamento: A defesa do requerente foi assegurada por um defensor oficioso.
O requerente optou por não comparecer à audiência de discussão e julgamento, pelo que decidiu deliberadamente não participar ativamente na sua defesa em conjunto com o defensor nomeado. Por outro lado, não só o requerente não contactou o defensor por forma a delinear com ele uma estratégia de defesa, como não apresentou qualquer queixa relativa aos serviços prestados pelo defensor, nem alegou qualquer falha processual por parte do mesmo. Por último, importa ainda sublinhar que também optou por não constituir mandatário.
Pelo exposto, inexistem razões para duvidar de que a defesa do requerente pelo defensor oficioso nomeado pelo tribunal tenha sido conduzida de forma adequada. Resulta das observações do requerente e das suas sucessivas queixas apresentadas perante o Tribunal que a sua principal preocupação não era tanto a sua posição processual no processo crime do qual foi alvo, mas antes o seu desejo de fazer valer a sua posição de princípio contra a obrigatoriedade de assistência por defensor em processo penal.”
O mesmo será dizer que o direito de auto-patrocínio a que se alude na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, "não é, …, um direito absoluto, podendo os Estados, pela via legislativa ou por decisão judicial, impor a obrigação de a defesa ser assegurada por um advogado". [10]
A própria Ordem dos Advogados já foi chamada a dar parecer sobre a questão, tendo-­se pronunciado no mesmo sentido, cfr. Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados n.° E-21/1997 de 02-06-1999.
Submetida a questão ao Tribunal Constitucional, veio este tomar posição no sentido de que "a opção legislativa decorrente da interpretação normativa em causa, que exige que o arguido, mesmo que advogado, seja defendido por um advogado que não ele, não se vê que seja contraditada pela Constituição".[11]
Neste alinhamento, só nos resta concluir, portanto, que no processo penal, o arguido que é advogado não se pode auto-representar na prática de atos que a lei reserva ao defensor, como o é o caso do exercício do direito ao recurso.
Como vimos, é esta a solução legal decorrente, expressamente, do artigo 64.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, encontra-se conforme à Constituição da República Portuguesa [artigo 32.º, n.º 3] e não afronta as disposições constantes de instrumentos internacionais sobre a matéria, designadamente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.[12]
De resto, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15/06/2010, já citado, argumento que aqui sufragamos, “a interpretação normativa em causa não restringe nenhum direito de defesa do arguido, antes os amplia, na medida em que introduz um factor acrescido de protecção do arguido, fazendo com que beneficie de um apoio técnico que complementa os seus próprios conhecimentos, com o benefício de provir de alguém que tem o distanciamento suficiente para avaliar os riscos com serenidade e evitar que o próprio, com as emoções penhoradas numa questão que tão profundamente o afecta (emoções essas que também o podem levar a convencer-se de que se pode bastar a si próprio na sua defesa), se deixe trair por elas.”
Por outro lado, o facto de beneficiar de (mais um) apoio técnico-jurídico não significa que não possa oferecer a sua avaliação jurídica própria e de, juntamente com o colega investido nas funções de seu defensor, contribuir para delinear a estratégia de defesa a prosseguir.

Aqui chegados, face a tudo quanto se acabou de expender, só nos resta concluir que o arguido, não obstante a sua qualidade profissional de Advogado, não podia/não pode, porque para tal não tem legitimidade, se auto-representar no requerimento de interposição de recurso em análise, cuja obrigatoriedade de assistência de defensor, como vimos, decorre expressamente da lei.
O mesmo será dizer que, verificando-se que o requerimento de interposição do presente recurso se encontra subscrito apenas pelo arguido, e não pela sua ilustre defensora, não se colocando sequer a questão de ratificação do ato em apreço e mostrando-se o prazo perentório de recurso já ultrapassado, só nos resta concluir por uma resposta negativa à questão prévia suscitada, ou seja, o arguido não podia/não pode, na qualidade de advogado de profissão, exercer a respetiva defesa em causa própria, concretamente, não podia interpor o presente recurso, pessoalmente, desacompanhado da assistência da sua ilustre defensora.

Consequentemente, mostra-se prejudicada a análise das restantes questões suscitadas no âmbito desse mesmo recurso.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

A. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, manter a sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique.

Guimarães, 17 de outubro de 2023
[Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]

Os Juízes Desembargadores
Isilda Maria Correia de Pinho [Relatora]
Ana Teixeira [1.º Adjunto]
António Teixeira [2.º Adjunto]


[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.

[3] In Código de Processo Penal comentado, Almedina, 2014, pág. 228.
[4] Constituição da Republica Anotada, Vol. I, 4ª edição, página 520.
[5] Cfr. Comentário ao Código de Processo Penal Português, 1º Vol., Págs. 281 e segs..
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-06-2010, Processo n.º 1218/08.3TDLSB-A.L1-5, in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. I, Edição de 1955, Págs. 156 e seg..
[8] Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. I, 2ª Edição, Pág. 316.
[9] https://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-181828.
[10] Cfr. Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3ª Edição, pág. 169.
[11] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 578/01 de 18-12-2001, in D.R., II Série, de 28-02-2002.
[12] Neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 12/10/2011, 1997/08.8TAVCD-A.P1, in www.dgsi.pt.