OPOSIÇÃO À PENHORA
PROPORCIONALIDADE
PENHORA
ALEGAÇÃO DE FACTOS
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
IMPENHORABILIDADE
Sumário

I - O incidente de oposição à penhora previsto no artigo 784º do Código de Processo Civil deve assentar nos fundamentos enunciados no n.º 1 desse normativo legal, entre eles, a inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela tenha sido realizada, e a sua procedência determina o levantamento da penhora, como estatui o n.º 6 do art.º 785º do Código de Processo Civil.
II - Atento o princípio da proporcionalidade da penhora, que decorre do disposto no artigo 735º, n.º 1 do Código de Processo Civil, esta pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda, não devendo ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a execução da obrigação.
III - O indeferimento liminar assenta no princípio da economia processual com vista a evitar o dispêndio inútil de actividade judicial; a manifesta improcedência do pedido a que alude a alínea c) do n.º 1 do artigo 732º do Código de Processo Civil corresponde a situações em que é evidente que a pretensão não pode proceder por ser manifestamente inviável ou inconcludente, tornando inútil qualquer instrução e discussão subsequente.
IV – Compete ao executado/oponente o ónus de alegar os factos concretos que traduzam o preenchimento de determinada categoria de impenhorabilidade ou, quando invoque a violação do princípio da proporcionalidade da penhora, a existência de outros bens penhoráveis que possam satisfazer integralmente o crédito exequendo no lapso de tempo previsto na lei.
V – Porque o incidente de oposição à penhora tem natureza declarativa e segue a tramitação prevista nos artigos 293º a 295º do Código de Processo Civil (por força do estatuído no artigo 785º, n.º 3 deste diploma legal), a analogia das situações justifica a aplicação do disposto no artigo 590º, n.º 4 daquele Código, pelo que, tendo sido alegada a base factual essencial para a pretensão de levantamento e/ou redução da penhora, deveria o tribunal recorrido ter proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de oposição à penhora, omissão que justifica a anulação da decisão de improcedência baseada na falta de alegação de factos considerados necessários à procedência da pretensão.

Texto Integral

Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A [ BANCO …] apresentou, em 8 de Julho de 2011, requerimento executivo para pagamento de quantia certa contra B, C e D com base em título executivo constituído por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança com data de 18 de Agosto de 2004 mediante a qual concedeu ao primeiro um empréstimo bancário, no montante de €80.000,00 (oitenta mil euros), para aquisição de habitação própria e outra escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança, mediante a qual concedeu ao mesmo executado o empréstimo bancário, no montante de €9.640,00, tendo sido constituída hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “F” do prédio urbano situado na Rua do Urano, n.º , Casais de Mem Martins, freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 383 G e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7126, tendo os segundos executados declarado, em tais escrituras, serem solidariamente devedores e principais pagadores da dívida contraída pelo executado B (cf. Ref. Elect. 2389563).
Os executados D e C foram citados para pagar ou opor-se à execução em 2 de Novembro de 2012 (cf. Ref. Elect. 4540255 e 4580058).
Em 6 de Julho de 2013 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre a fracção autónoma acima identificada, sendo consignado no auto como valor da quantia exequenda €113.811,78, acrescido de despesas prováveis no valor de €5.690,50, num total de €119.502,37 (cf. Ref. Elect. 6238517).
Conforme consulta ao registo predial aferiu-se a existência de duas penhoras anteriores incidentes sobre o referido bem imóvel realizadas em 28 de Janeiro de 2013, para garantia da quantia exequenda no valor de €2.685,92, referente ao processo executivo 649/13.1T2SNT do Juízo de Execução da Comarca da Grande Lisboa Noroeste – Sintra e em 30 de Janeiro de 2012, para garantia da quantia exequenda no valor de €4.550,00, referente ao processo executivo 11052/08.5TMSNT do 1º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores e Juízos Cíveis de Sintra, conforme Ap. 32 de 2013/01/28 e Ap. 3078 de 2012/01/30 (cf. Ref. Elect. 6238603).
Em 11 de Agosto de 2013 a agente de execução comunicou aos autos a sustação da execução relativamente ao bem penhorado, nos termos do art.º 871º, n.º 2 do CPC de 1961.
Em 8 de Março de 2018 a agente de execução proferiu decisão de suspensão da execução relativamente ao executado B por este ter sido declarado insolvente, por decisão proferida em 7 de Novembro de 2017, no âmbito do processo n.º 14346/17.5T8SNT do Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira – Juiz 1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte (cf. Ref. Elect. 11891262).
Em 10 de Setembro de 2018, o exequente comunicou à agente de execução que o imóvel penhorado pertencente ao executado B foi por aquele adquirido no âmbito do processo de insolvência pelo valor de €66.600,00, requerendo o prosseguimento da execução para cobrança do valor remanescente e em 14 de Setembro de 2018 a agente de execução informou que iria prosseguir com a execução para penhora de outros bens e valores dos executados D e C (cf. Ref. Elect. 13094331).
Com data de 20 de Setembro de 2018 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre dois depósitos de saldos bancários no valor, cada um deles, de €148,76, da titularidade, respectivamente, de D e C, dele constando como quantia exequenda o valor de € 113 811,78, acrescido de despesas prováveis de € 5 690,59, num total de € 119 502,37 (cf. Ref. Elect.- 13155025).
Os executados foram notificados da realização da penhora por ofício expedido em 24 de Setembro de 2018 (cf. Ref. Elect. 13155062 e 13155066).
Com data de 20 de Novembro de 2018 foram lavrados autos de penhoras que incidiu sobre a pensão de velhice dos executados D e C, nos valores de €75,24 e de €90,54, respectivamente, deles constando como quantia exequenda o valor de € 113 811,78, acrescido de despesas prováveis de €5.690,59, num total de €119.502,37, sendo os executados notificados por carta de 27 de Novembro de 2018 (cf. Ref. Elect. 13617510, 13617523 13617553 e 13617597).
Com data de 28 de Novembro de 2018 foi lavrado auto de penhora que incidiu sobre os seguintes prédios:
1) Prédio rústico descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número 108, da freguesia de Torres de Mondego e inscrito na matriz sob o artigo 1732 dessa freguesia, sito na Carapinheira ou Carapinhais, com a área total de 3.980 m2, com o valor de €27,34;
2) Prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número 2626, da freguesia de Torres de Mondego, omisso na matriz, sito em Dianteiro, com a área total de 1.760 m2, sendo área coberta de 110 m2 e área total descoberta de 1.650 m2, com o valor de €51.013,90,da titularidade dos executados D e C, casados entre si segundo o regime da comunhão de adquiridos, constando do auto como quantia exequenda o valor de €113.811,78, acrescido de despesas prováveis de €5.690,59, num total de €119.502,37 (cf. Ref. Elect. 13902444).
Os executados foram notificados desta penhora por carta de 14 de Janeiro de 2019 (cf. Ref. Elect. 13902477 e 13902509).
Em 28 de Janeiro de 2019, os executados D e C deduziram incidente de oposição à penhora requerendo o cancelamento e o levantamento da penhora que incidiu sobre os seus bens, com a seguinte ordem de fundamentos:
- Os executados foram fiadores de seu filho B garantindo, por meio de fiança, dois empréstimos que este contraiu junto do exequente, no valor, respectivamente, de €80.000,00 (oitenta mil euros) e de €9.640,00 (nove mil seiscentos e quarenta euros), num total de €89.640,00 (oitenta e nove mil seiscentos e quarenta euros);
- Ninguém lhes explicou o significado de benefício de excussão prévia e consequências da respectiva renúncia, pelo que a prestação de fiança é nulo;
- Não lhes foi dado conhecimento da existência de um contrato bancário e de um documento complementar, que não lhe foram lidos, nem explicados;
- O devedor principal deixou de cumprir as suas obrigações e foi requerida a sua insolvência tendo sido vendido, no âmbito do processo n.º 14346/17.5T8SNT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Comércio de Vila Franca de Xira - Juiz 1, o imóvel adquirido por meio dos empréstimos hipotecários;
- Do Auto de Penhora constam valores que não reflectem a venda desse imóvel, nem os montantes que, entretanto, foram penhorados das reformas dos opoentes, pelo que a penhora é ilegal, por inadmissível na extensão em que é feita;
- No âmbito do processo de insolvência o devedor principal requereu o perdão do passivo restante que, se lhe for concedido, extingue a dívida, não podendo ser cobrada aos segundos devedores;
- Os opoentes são pessoas idosas e doentes, tendo o opoente D um grau de incapacidade de 60% e a executada C um grau de incapacidade de 80%;
- Para além da casa que constitui a habitação permanente dos executados, encontram-se também penhorados o imóvel descrito na verba 1 do auto e as prestações de reforma dos dois executados, pelo que requerem que seja levantada a penhora da casa de morada de família, descrita na verba 2 do auto de penhora, mantendo-se a penhora sobre as prestações de reforma e o imóvel descrito na verba um.
Em 13 de Novembro de 2019 foi proferida decisão que indeferiu liminarmente a oposição deduzida à penhora (cf. fls. 43 e 44 dos autos).
É desta decisão que os oponentes/recorrentes recorrem, concluindo assim as respectivas alegações:
A- Os recorrentes têm interesse em agir em virtude de a douta sentença recorrida, com o indeferimento liminar da PI de oposição à penhora, pôr em causa e violar o Direito à sua habitação própria e permanente, direito social constitucionalmente consagrado no art.º 65.º da Constituição da República Portuguesa.
B- Não assiste razão ao douto tribunal a quo ao afirmar que os Recorrentes se limitaram a alegar uma mera incorreção do auto de penhora.
C- Os Recorrentes alegaram que souberam já no decurso da execução que foi vendido o imóvel adquirido por meio dos empréstimos hipotecários de que os aqui executados foram fiadores, tendo inclusive identificado o processo no âmbito do qual tal aconteceu, acrescentando os mesmos que tal venda e o abatimento do seu valor não se encontrava refletido no auto de penhora (e do montante indicado à penhora). Tal significa para um homem médio que o auto de penhora contém em si mesmo um excesso de penhora e um abuso na extensão da mesma penhora, tal como foi fundamentado de facto e de direito pelos aqui Recorrentes.
D- Os Recorrentes alegaram também que não está plasmado no auto e no cômputo da penhora o montante que lhes tem vindo a ser descontado nas suas prestações de reforma.
E- Contrariamente ao afirmado pelo Mmo. Juiz a quo, os Recorrentes alegaram o excesso de penhora e um abuso na extensão da mesma penhora, tendo fundamentado tais alegações de facto e de direito.
F- Determina o art.º 713.º CPC que a penhora tem de ser certa, exigível e líquida, se o não for em face ao título executivo, sendo que tanto a certeza como a liquidez e principalmente a exigibilidade têm de ser verificadas no momento em que se inicia a execução forçada e não naquele em que se forma o título, o que o douto tribunal a quo, apesar do princípio do inquisitório vertido no art.º 411.º CPC, que deve pautar a sua intervenção processual, não fez.
G- Admite a douta sentença recorrida que da oposição apresentada poderia retirar-se invocação de excesso de penhora. Contudo em violação da lei não convidou os Recorrentes a corrigi-la, completá-la e integrá-la, de forma a aperfeiçoá-la (art.º 590.º e 265.º CPC).
H- O Mmº. juiz a qu,o no caso em apreço, fez tábua rasa desse princípio e nem sequer convidou ao aperfeiçoamento da PI, como era sua obrigação, o que fere a decisão recorrida de nulidade.
I- Tendo a oposição à penhora sido notificada aos exequentes, os mesmos, em prazo, não vieram impugnar a matéria alegada pelos executados fiadores, aqui Recorrentes, pelo que, com o devido respeito, não compete ao douto tribunal, vir substituir-se aos exequentes, como o fez.
J- O bem que agora é penhorado é a casa de morada de família e habitação exclusiva e permanente dos Recorrentes, sendo pessoas de provecta idade e com graus de incapacidade elevada e comprovados nos autos. Pelo que, tendo o Exequente em seu poder a possibilidade de se ressarcir do crédito que subsista (após dedução dos valores já pagos através do imóvel que foi afiançado e das prestações de reforma que estão a ser penhoradas), de forma fácil e com carácter de regularidade e continuidade, através da penhora das prestações de reforma dos Recorrentes, como tem vindo a fazer, não se justifica permaneça penhora e subsequentemente vendida a sua habitação/casa de morada de família.
K- Pelo que dúvidas não restam que face às circunstâncias do caso concreto o tribunal a quo errou ao indeferir liminarmente a PI de oposição à penhora, violando desta forma o estipulado no art.º 615.º n.º 1 al. b) e c), sendo em consequência nula a sentença de que se agora se recorre.
Nestes termos, requerem que seja dado provimento à apelação e a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que admita a oposição à penhora.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95).
Assim, perante as conclusões da alegação dos opoentes/recorrente há que apreciar se em face das razões aduzidas no requerimento de oposição à penhora se justifica o seu indeferimento liminar, por manifesta improcedência, tal como sustentado na decisão recorrida ou se esta padela da nulidade que lhe é imputada.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra, que se apuraram através da consulta ao processo electrónico relativo aos autos de execução, mais se atendendo ao seguinte:
1. Em 13 de Novembro de 2019, o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão:
“Notificados, nos termos e para os efeitos dos art.ºs 784.º e 785.º do Código de Processo Civil, das penhoras efetuadas sobre dois prédios de sua propriedade, vieram os executados D e C deduzir oposição à penhora, para tanto alegando, em síntese, que o contrato através do qual prestaram fiança a favor do seu filho B é nulo, por não lhes ter sido explicado o significado e as consequências da renúncia ao benefício de excussão prévia, que só agora se aperceberam que assinaram mais do que uma escritura pública, uma vez que as mesmas não lhes foram lidas nem explicadas, e que desconheciam sequer as condições do empréstimo; que o auto de penhora não reflete o valor já recebido pelo exequente em consequência da venda do imóvel dado em garantia, que foi vendido no processo de insolvência do seu filho, devedor principal, nem os montantes que já foram descontados nas suas reformas, pelo que a penhora efetuada é excessiva, não estando em dívida o valor constante do auto; que, se no processo de insolvência, vier a ser concedida ao seu filho a exoneração do passivo restante, a dívida se extinguirá também em relação a eles; e que são pessoas idosas e doentes, inclusivamente com graus de incapacidade elevados, sendo um dos imóveis penhorados a sua casa de habitação permanente. Concluíram requerendo o levantamento da penhora relativamente a este imóvel, mantendo-se apenas as efetuadas sobre o outro imóvel, as contas bancárias e as pensões de reforma.
Vejamos.
O incidente de oposição à penhora apenas pode ter por fundamento alguma das questões a que aludem as alíneas do n.º 1 do art.º 784.º daquele diploma legal.
Dispõe este normativo legal, que reproduz, sem alterações, o art.º 863.º-A do anterior Código de Processo Civil, que:
Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.”
No caso, verifica-se que, apesar de deduzirem oposição à penhora, alguns dos fundamentos invocados são, na realidade, de oposição à execução e não de oposição à penhora, uma vez que os executados põem em causa a própria existência da dívida.
Ocorre que os oponentes foram regularmente citados para os termos da execução já em 02.11.2012, sem que lhe tenham deduzido oposição, mostrando-se há muito precludida a possibilidade de o fazerem, pelo que a oposição não pode, sequer, ser convertida em embargos à execução.
Como fundamento válido de oposição à penhora poderia retirar-se, apenas, a invocação do excesso de penhora.
Porém, concretamente, do alegado apenas se retira a invocação de uma incorreção existente no auto quanto ao valor ainda em dívida, que não teve em consideração o montante de €66.000,00 já recebido pelo exequente no processo de insolvência do devedor principal. Tal incorreção configura, porém, apenas isso mesmo, uma incorreção no auto de penhora, que é retificável e que, como é manifesto, não teve, no caso, qualquer influência quanto à extensão das penhoras efetivamente efetuadas.
Concluíram os oponentes pedindo o levantamento da penhora efetuada sobre o prédio urbano que constitui a sua casa de morada de família. Contudo, não alegaram quaisquer factos concretos de onde se retire um efetivo excesso de penhora, pois que, designadamente, não alegaram que o valor do prédio rústico penhorado, somado ao dos descontos efetuados nas suas pensões de reforma e dos saldos bancários, seja suficiente para dar integral pagamento ao valor ainda em dívida.
Impõe-se por isso o indeferimento liminar da oposição deduzida à penhora, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 732.º, n.º 1, als. b) e c) e 785.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Termos em que, face ao exposto, indefiro liminarmente a oposição deduzida à penhora pelos executados D e C.
Custas pelos oponentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC (art.º 7.º, n.º 4, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela II que do mesmo faz parte integrante), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Registe e notifique.”
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3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Os opoentes/apelantes pretendem ver revogada a decisão que indeferiu liminarmente a oposição à penhora que deduziram pela seguinte ordem de fundamentos:
- A alegação da tomada de conhecimento da venda do imóvel adquirido por via dos empréstimos bancários, cujo valor não está reflectido no montante em dívida indicado no auto de penhora, assim como não o estão os valores já deduzidos nas suas pensões de reforma, o que significa que este auto contém um excesso de penhora;
- Incumbia ao senhor juiz a quo, entendendo que o alegado no requerimento inicial era insuficiente para evidenciar o alegado excesso de penhora, convidar os opoentes a procederem ao respectivo aperfeiçoamento ou diligenciar pelo apuramento do valor ainda em dívida, pelo que, não o tendo feito, a decisão é nula.
Não obstante a acção executiva de que estes autos constituem apenso ter tido início antes da vigência do actual Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a lei adjectiva aqui aplicável é a que dele decorre, atento o estatuído no art.º 6º, n.º 4 deste diploma legal.
Nos termos do art.º 817º do Código Civil, se o devedor não cumprir voluntariamente uma obrigação a que se encontre vinculado, o credor tem o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor.
A penhora, enquanto “garantia especial das obrigações” consiste numa apreensão judicial do património do executado com vista à sua posterior venda executiva e subsequente satisfação da obrigação exequenda através do produto dessa alienação forçada.
Todos os bens e direitos do devedor que sejam susceptíveis de penhora respondem, em regra pela obrigação (exceptuam-se os bens legalmente qualificados como absoluta, relativa ou parcialmente impenhoráveis ou quando se verifique a autonomia patrimonial decorrente da separação de patrimónios – art.ºs 736º a 739º e 740º a 745º do CPC) – cf. art.º 601º do C. Civil e 735º, n.º 1 do CPC.
A acção executiva visa assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, seja através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais daquele devedor ou da realização, por terceiro devedor, em favor da execução, da prestação – cf. art.º 4º, n.º 3 do CPC e art.º 817 do Código Civil.
Tal como decorre do disposto no art.º 735º, n.º 1 do CPC, a regra geral no âmbito do processo executivo é a de que só podem ser penhorados bens que pertençam ao devedor, posto que a execução seja movida contra este.
Não existe actualmente uma imposição legal atinente a uma ordem de prioridade em relação aos bens que devem ser penhorados, estatuindo o art.º 751º, n.º 1 do CPC, que a penhora deve começar pelos bens cujo valor pecuniário seja de “mais fácil realização” e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
Em processo executivo o executado pode defender-se por dois meios: opondo-se à execução, atacando o direito que o exequente pretende efectivar, através de embargos de executado (cf. art.º 728º e seguintes do CPC); ou opondo-se à penhora, quando entenda que os bens atingidos por esta diligência não o devem ser, quer porque não devem, em concreto, ser apreendidos, quer porque o foram para além do permitido pelo princípio da proporcionalidade (cf. art.º 784º e seguintes do CPC).
A oposição à execução por embargos constitui um incidente de natureza declarativa, enxertado no processo executivo e dele dependente, por meio do qual o executado pretende obter a improcedência total ou parcial da execução, seja pelo não preenchimento dos pressupostos substantivos ou processuais da exequibilidade extrínseca ou intrínseca, seja por vício de natureza formal que obste ao prosseguimento da execução, ou seja, através da oposição o executado contesta o direito do exequente a proceder à execução forçada – cf. Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2ª Edição Revista e Aumentada, 2018, pág. 227.
A procedência dos fundamentos invocados determina a extinção da execução – cf. art.º 732º, n.º 4 do CPC.
De modo distinto, o incidente de oposição à penhora previsto no art.º 784º do CPC cinge-se à impugnação do acto de penhora, que deve assentar nos fundamentos enunciados no nº 1 desse normativo legal, desde logo, na inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela tenha sido realizada. O incidente de oposição à penhora é, conforme refere Rui Pinto, a «acção funcionalmente acessória da acção executiva, pela qual o executado se defende de um acto de penhora de um bem seu com fundamento em violação das regras sobre o objecto penhorável». – cf. apud acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 450/08.4TBSTB-D.E1, disponível na Base de Dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I. P. em endereço www.dgsi.pt.[2]
Neste incidente, a procedência de alguns dos fundamentos invocados determina o levantamento da penhora, como estatui o n.º 6 do art.º 785º do CPC ou a sua redução.
A oposição à penhora pode ser cumulada com a oposição à execução que o executado pretenda também deduzir, mas só nos casos em que a citação tenha sido efectuada após a penhora, conforme decorre do disposto nos art.ºs 727º, n.º 4 e 856º, n.º 3 do CPC.
Neste caso, os recorrentes, enquanto fiadores e principais pagadores no âmbito dos empréstimos bancários que constituem o título executivo, invocaram a nulidade da fiança assente na alegada violação do cumprimento do dever de informação, colocando em causa a própria existência da dívida, tendo a decisão recorrida considerado inadmissível essa invocação em sede de oposição à penhora, não sendo também aproveitável como fundamento de embargos de executado por estar ultrapassado o prazo para a sua dedução.
Contudo, os executados/recorrentes não colocam em crise o decidido nessa sede, cingindo-se a sua impugnação à parte da decisão que julgou manifestamente improcedente a oposição à penhora fundada no seu alegado excesso.
O acto de penhora pode revelar-se objectiva ou subjectivamente excessivo. A penhora é objectivamente excessiva quando atinge bens ou direitos que, embora pertencentes ao executado, não devam responder pela satisfação do crédito exequendo; a penhora é subjectivamente excessiva quando tiver por objecto bens ou direitos que não são do executado. No primeiro caso, a penhora é objectivamente ilegal; no segundo é-o apenas subjectivamente.
Tendo presente o estatuído no art.º 784º, n.º 1 do CPC, só podem ser invocados como fundamentos de oposição à penhora a inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; a imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda; a incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
A alínea a) do n.º 1 do art.º 784º do CPC abrange os casos em que tenham sido penhorados bens ou direitos cujo valor exceda o da quantia exequenda e demais custas da execução, em violação do princípio da proporcionalidade, previsto nos art.ºs 735º, n.º 3 e 751º do CPC.
O art.º 735º, n.º 3 do CPC consagra o princípio da proporcionalidade da penhora, de acordo com o qual esta deve limitar-se aos bens do devedor que sejam necessários e suficientes para garantir a satisfação da dívida exequenda e as custas da execução.
A penhora pressupõe uma adequação entre meios e fins, o que significa que não devem ser penhorados mais bens do que os necessários para a satisfação da pretensão exequenda.
A agressão do património do executado só é permitida enquanto seja adequada e necessária para a satisfação da pretensão do exequente, o que impõe a indispensável ponderação dos interesses do exequente, na realização da prestação e do executado, na salvaguarda do seu património.
Tal significa que no processo executivo vigora o princípio segundo o qual não deve ser causado ao executado um dano ou um prejuízo superior ao necessário para a execução da obrigação, de modo que a actuação do credor pode configurar uma situação de abuso de direito quando promove a penhora de bens de valor consideravelmente superior ao montante da dívida, não obstante o devedor possuir no seu património bens de menor valor suficientes para satisfazer a obrigação – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 332, nota 1176.
O princípio da proporcionalidade tem uma génese constitucional posto que a faculdade de penhorar bens do devedor (ou de terceiro) representa uma agressão a um património alheio e, portanto, a um direito de propriedade constitucionalmente consagrado, pelo que uma interpretação constitucionalmente conforme, impõe o respeito do princípio constitucional da proporcionalidade referido às restrições aos direitos, liberdades e garantias – cf. art.ºs 817º e 818º do Código Civil e art.ºs 18º, n.º 2 e 62º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa; cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 526.
De todo o modo, o princípio da proporcionalidade não pode justificar a não realização coactiva da prestação, sustentada no título executivo, ainda que o valor do crédito exequendo seja diminuto.
Não existindo uma ordem de prioridade dos bens sobre os quais deve incidir a penhora, não deixa a lei de orientar o agente de execução no sentido de a fazer recair inicialmente sobre os bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e que se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo (cf. art.º 751º, n.º 1 do CPC), havendo ainda que respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, a menos que tal indicação viole norma legal imperativa, ofenda o princípio da proporcionalidade ou infrinja manifestamente o princípio da adequação.
De igual modo, ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial de que o executado seja titular, é admissível, mas, em manifestação do princípio da proporcionalidade, apenas nos casos previstos no n.º 3 do art.º 751º do CPC, ou seja, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor nos prazos fixados nas diversas alíneas desse normativo legal.
O princípio vertido no n.º 3 do art.º 735º do CPC – que fixa o limite da penhora aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução (que se presumem, para este efeito, correspondentes ao valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor) – aplica-se também aos casos de pluralidade subjectiva passiva, sendo de ponderar se o valor global dos bens penhorados é suficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e das demais custas e despesas da execução – cf. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 333; cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-04-2013, relator Henrique Antunes, processo n.º 3234/09.9T2AGD-C.C1.
Em tal situação, como sucede no caso dos autos, qualquer executado pode opor-se à penhora dos seus bens com fundamento no excesso da penhora já realizada em bens de outro ou outros executados. Quando isso se verifique, pode suceder que apenas o património de um dos executados seja sacrificado para satisfação do direito do exequente (sendo que nas relações internas entre os executados, tal questão deverá ser resolvida em face do título).
A violação do princípio da proporcionalidade justifica, pois, a oposição do executado – cf. art.º 784º, n.º 1, a), segunda parte do CPC.
Com efeito, se forem penhorados mais bens do que os necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, pode o executado deduzir oposição à penhora.
Na situação sub judice, foram penhorados os seguintes bens:
- Em 6 de Julho de 2013, com vista ao pagamento da quantia exequenda de €113.811,78, acrescida de despesas prováveis de €5.690,59, num total de €119.502,37 - a fracção autónoma designada pela letra “F” do prédio urbano situado na Rua do Urano, n.º 5, Casais de Mem Martins, freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º 383 G e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7126, da titularidade do executado B;
- Em 20 de Setembro de 2018, mantendo-se no auto como referência a quantia exequenda de €113.811,78, acrescida de despesas prováveis de €5.690,59, num total de €119.502,37 - dois depósitos de saldos bancários no valor, cada um deles, de €148,76, da titularidade, respectivamente, de D e C;
- Em 20 de Novembro de 2018, mantendo-se no auto como referência a exequenda de €113.811,78, acrescida de despesas prováveis de €5.690,59, num total de €119.502,37 - a pensão de velhice dos executados D e C, nos valores de €75,24 e de €90,54;
- Em 28 de Novembro de 2018, mantendo-se no auto como referência a quantia exequenda de €113.811,78, acrescida de despesas prováveis de €5.690,59, num total de €119.502,37, os seguintes prédios:
1) Prédio rústico descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número 108, da freguesia de Torres de Mondego e inscrito na matriz sob o artigo 1732 dessa freguesia, sito na Carapinheira ou Carapinhais, com a área total de 3.980 m2, com o valor de € 27,34;
2) Prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o número 2626, da freguesia de Torres de Mondego, omisso na matriz, sito em Dianteiro, com a área total de 1.760 m2, sendo área coberta de 110 m2 e área total descoberta de 1 650 m2, com o valor de €51.013,90,
Foi contra este último acto de penhora realizado em 28 de Novembro de 2018 que os executados D e C vieram reagir argumentando o seguinte:
- Do auto de penhora constam valores que não reflectem o facto de o imóvel penhorado em 6 de Julho de 2013 ter sido objecto de venda no âmbito do processo de insolvência que correu contra o executado B;
- Também os valores mencionados no auto não reflectem os montantes penhorados sobre as pensões de reforma dos recorrentes e sobre os depósitos bancários;
- Parte da quantia exequenda está paga, pelo que a penhora é excessiva em face do valor considerado para o seu efeito;
- Os executados, auferindo prestações certas, estão em condições de garantir o pagamento total da dívida, após a sua correcção, pelo que não se justifica a penhora que incidiu sobre a sua casa de habitação, que constitui o imóvel descrito no ponto 2) do autos, devendo apenas manter-se a realizada sobre o imóvel identificado em 1).
Perante esta alegação, o tribunal recorrido entendeu que os recorrentes apenas invocaram uma incorrecção existente no auto de penhora quanto ao valor ainda em dívida, onde não se considerou o valor de €66.000,00, já recebido pelo exequente no processo de insolvência, e que tal incorrecção é rectificável e não teve qualquer influência quanto à extensão das penhoras efectivamente efectuadas; mais referiu a 1ª instância que os opoentes não indicaram factos concretos para se aferir o alegado excesso, nomeadamente, que o valor do prédio rústico penhorado, somado aos dos descontos efectuados nas pensões de reforma e saldos bancários, seria suficiente para assegurar o pagamento da dívida remanescente, pelo que indeferiu liminarmente a oposição, por manifestamente improcedente.
Compulsados os autos de execução apenas foi possível aferir, quanto às penhoras realizadas e valores arrecadados para os autos, o que consta do relatório supra. Ou seja, sabe-se que o imóvel penhorado pertencente ao executado B foi adquirido pelo exequente no âmbito do processo de insolvência pelo valor de €66.600,00 (cf. Ref. Elect. 13094331), que a execução prosseguiu com a realização de penhora sobre os bens dos demais executados e que foram efectuadas as penhoras acima descritas.
No entanto, não consta dos autos de execução qualquer liquidação provisória da execução, é totalmente desconhecido o montante já arrecadado para os autos relativamente à penhora das pensões de reforma dos recorrentes e não há notícia de ter sido efectuada qualquer entrega ao exequente de valores penhorados nos autos.
É, assim, inviável determinar qual o valor remanescente da dívida exequenda que se deve ter por referência para efeitos de ponderação da proporcionalidade ou excesso das penhoras realizadas.
O senhor juiz a quo considerou que o valor vertido nos autos de penhora - que se mantém idêntico ao inicialmente indicado no primeiro auto de penhora realizado antes da venda do imóvel do co-executado B - consiste num mera incorrecção do auto e que nenhum reflexo teve na extensão das penhoras realizadas.
Ora, poderia admitir-se esta afirmação se fosse possível conhecer os factos em que se baseou o senhor juiz para a produzir, o que não sucede no caso presente.
Com efeito, não se lobriga do conteúdo do despacho recorrido por que razão entende a 1ª instância que os bens penhorados não excedem o necessário para assegurar o pagamento da quantia ainda em dívida, pois que não foi indicado qual seja esse valor.
Certo é que constam dos autos notificações dirigidas à Caixa Geral de Aposentações para penhora das pensões dos executados que contêm a referência a um valor total previsto de €75.000,00 (cf. Ref. Elect. 13094802 e 13094810), mas a decisão recorrida não fez qualquer referência a ser esse o valor em falta, nem tão-pouco cuidou de apurar ou mencionar quais os valores pecuniários efectivamente penhorados, até à data, nos autos, seja os relativos à pensão de reforma, seja os atinentes aos depósitos bancários, para efeitos de sindicância da necessidade da penhora que incidiu sobre os dois imóveis e contra a qual os recorrentes se insurgem.
Ainda que a menção constante do auto de penhora relativa ao valor inicial da quantia exequenda, sem dedução dos valores já alcançados pelo exequente possa ser tida como um lapso passível de ser corrigido, o que se verifica é que, ao momento do indeferimento liminar, não existiam nos autos elementos objectivos suficientes para se proceder a tal correcção, porque não se consegue concretizar qual o montante ainda em dívida à data da realização da penhora.
Assim, para se poder afirmar que essa «incorrecção» não teve qualquer reflexo na extensão com que a penhora foi realizada importaria saber qual o valor ainda em dívida para se poder avaliar da contenção do acto de penhora dentro dos parâmetros do necessário para assegurar o pagamento em falta.
Essa ponderação não foi efectuada no despacho recorrido onde se omitiram, aliás, quaisquer elementos de facto que hajam sido atendidos pelo senhor juiz a quo.
A alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC estipula que a Relação deve anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta.
A decisão pode manifestar-se total ou parcialmente deficiente, obscura ou contraditória, por via da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, inviabilizando uma consistente integração jurídica do caso em apreço.
A anulação da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes, pois que os mencionados vícios poderão ser supridos pela apreciação oficiosa da Relação, desde que constem dos autos os elementos em que o tribunal a quo se fundou.
Trata-se de uma faculdade que não está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objectiva de factos relevantes – cf. A- Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 263.
Como se disse, não dispõe esta Relação dos elementos necessários para fixar os dados factuais em falta, porquanto da mera consulta do processo de execução não se consegue dilucidar qual o montante real ainda em dívida.
Assim, impor-se-á a baixa dos autos à 1ª instância a fim de que sejam apurados tais elementos em falta, quando é certo que a actuação do senhor juiz a quo ficou aquém dos poderes de averiguação que a lei lhe confere (art.º 411º do CPC).
Além disso, considerou-se que a oposição à penhora baseada no alegado excesso desta era manifestamente improcedente, o que conduziu à decisão de indeferimento liminar, pelo facto de os opoentes não terem indicado o valor do prédio rústico penhorado para, somado ao dos valores penhorados na pensão de reforma e saldos bancários, demonstrar que seria aquele suficiente para assegurar o pagamento da quantia em dívida.
O indeferimento liminar baseia-se no princípio da economia processual evitando o dispêndio inútil de actividade judicial.
A manifesta improcedência do pedido a que alude na alínea c) do n.º 1 do art.º 732º do CPC (para o qual remete o art.º 785º, n.º 2 do mesmo diploma legal) reconduz-se, na essência, a situações em que é evidente que a pretensão não pode proceder por ser manifestamente inviável ou inconcludente, ou seja, em que se aprecia liminarmente do mérito da acção aferindo-se que esta está irremediavelmente votada ao insucesso, ainda que se procedesse à produção das provas apresentadas.
Assim, o indeferimento liminar apenas deve ter lugar quando “a improcedência da pretensão […] for tão evidente que se torne inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial” - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018 já mencionado.
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos e que incumbe à parte onerada a fim de obter uma decisão favorável – cf. art.ºs 341º, 342º e 346º do Código Civil e 414º do CPC.
Atenta a sua relevância para a prolação de uma decisão favorável e integrando um ónus que recai sobre a parte, tem-se configurado a existência de um direito à prova, enquanto reflexo do direito constitucional a um processo equitativo – cf. art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa –, que, para além do direito à sua proposição, abarca o direito à sua produção (sobremaneira, no que respeita às provas constituendas).
No entanto, os actos relativos à produção da prova, como qualquer outro acto processual, estão submetidos a um princípio da utilidade ou de economia, ou seja, não podem ser praticados actos no processo, pelas partes ou pelo tribunal, que sejam inúteis, ou seja, desnecessários para a tutela da situação jurídica invocada em juízo – cf. art.ºs 130º e 534, n.º 1, 1ª parte e 2 do CPC; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-04-2013, processo n.º 3234/09.9T2AGD-C.C1, acima referido.
Como tal, também no incidente de oposição à penhora não deverá ter lugar o exercício da prova se, independentemente desse exercício, for manifesto que a pretensão do opoente não pode proceder.
Os apelantes sustentam que alegaram factos que conduzem ao excesso da penhora e que o tribunal recorrido deveria, em obediência ao princípio do inquisitório, ter averiguado todos os factos relatados, designadamente, quanto ao apuramento do valor ainda em dívida ou convidando os opoentes a corrigir e completar a sua petição de oposição à penhora.
Na verdade, recai sobre o executado/oponente o ónus de alegar os factos concretos que traduzam o preenchimento de determinada categoria de impenhorabilidade ou, quando invoque a violação do princípio da proporcionalidade da penhora, de alegar os elementos donde decorra tal violação, nomeadamente, a existência de outros bens penhoráveis que possam satisfazer integralmente o crédito exequendo no lapso de tempo previsto na lei – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-06-2010, relator Tomé Gomes, processo n.º 88726/05.2YYLSB-C.L1-7.
Ainda que, efectivamente, os recorrentes não tenham indicado o valor que atribuem ao imóvel penhorado sob a verba número 1) para efeitos de a considerarem bastante para assegurar o pagamento da dívida, certo é que não deixaram de requerer a sua manutenção em conjugação com os valores entretanto já penhorados e, bem assim, com o facto de subsistir a penhora incidente sobre as suas pensões de reforma que, no seu entender, também assegurariam a cobrança coerciva da quantia exequenda em tempo útil.
Em face do alegado pelos opoentes, e que acima já se deixou transcrito, é de considerar minimamente cumprido o ónus de alegação que sobre eles impendia, pois que invocaram a base factual nuclear ou essencial em que estribam a pretensão deduzida em obediência ao que decorre do estatuído no art.º 5º, n.º 1 do CPC.[3]
Ainda que não tenham concretizado os valores já arrecadados – certamente por não o conseguirem fazer -, os recorrentes não se limitaram a alegar o excesso de penhora, por si só, remetendo antes para a existência de cobrança parcial da dívida e para as entregas de valores que existiram na sequência da penhora das suas pensões de reforma, o que, naturalmente, tem de ser ou estar reflectido no processo de execução.
Conforme se referiu acima, a documentação electrónica não permite apurar os valores concretamente penhorados, nem existe informação por parte da agente de execução que os revele ou permita quantificá-los.
Contudo, incumbia ao tribunal recorrido, desde logo, apurar, em concreto, qual o valor em dívida para poder sindicar cabalmente a adequação da penhora colocada em crise, o que não fez.
A este propósito refere-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 2-10-2018, relatora Albertina Pedroso, processo n.º 450/08.4TBSTB-D.E1 já acima referido:
“[…] sendo certo que continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa, com o novo Código de Processo Civil «atribui-se ao juiz um poder mais interventor»
Na verdade, o juiz tem agora uma maior amplitude na conformação de facto da acção porquanto, face ao disposto nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados, os factos instrumentais que resultem da instrução da causa e os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles aquelas tenham tido a possibilidade de se pronunciarem, bem como - à semelhança do que já ocorria no regime de pretérito -, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Efectivamente, de harmonia com o actualmente preceituado no artigo 412.º, n.º 2, do CPC, para além dos factos notórios a que alude o n.º 1 deste normativo, não carecem igualmente de alegação ou de prova, os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Acresce que, atento o princípio do inquisitório ínsito no artigo 411.º do CPC, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, devendo ainda, em obediência ao disposto no artigo 413.º do CPC que rege sobre as provas atendíveis, tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las.
De facto, o referido princípio do inquisitório tem actualmente um conteúdo que «obriga a repensar a natureza de alguns poderes instrutórios do juiz. Aceitando-se que este princípio se desenha hoje como um verdadeiro poder-dever do juiz, tem este a obrigação de ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer».
Finalmente, o artigo 607.º, n.º 4 impõe ainda ao juiz que na fundamentação da sentença, para além do mais, tome ainda em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão, os quais, de harmonia com o disposto no n.º 5, estão subtraídos ao princípio da livre apreciação da prova.
Em suma, pese embora não tenha posto fim ao princípio dispositivo substituindo-o pelo princípio do inquisitório - conforme expressamente decorre dos artigos 3.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do CPC -, observados que sejam os ónus de alegação das partes e, bem assim, os princípios do contraditório e da igualdade das partes, vertidos no n.º 3 do referido artigo 3.º e no artigo 4.º da codificação processual civil, o legislador atribuiu ao juiz, os amplos poderes acima referidos quanto à conformação de facto da acção tendo em vista a prevalência do fundo sobre a forma, ou por outras palavras, concedeu ao juiz os instrumentos necessários à tendencial obtenção da justa composição do litígio.
Assim […] tendo a deduzida oposição à penhora por fundamento o seu excesso, não podemos deixar de concluir que o princípio do inquisitório vertido no artigo 411.º do CPC, impõe ao juiz o dever de averiguação dos factos que está obrigado a conhecer, como aqueles que resultam e estão documentados nos autos - tanto no apenso como no processo executivo - e os que eventualmente entenda necessários para a justa composição do litígio, dever cujo cumprimento a primeira instância manifestamente omitiu.”
Como já se referiu, a consulta electrónica do processo executivo não permite a esta Relação apurar os valores pagos e ainda em dívida.
Acresce, por outro lado, que os recorrentes não indicaram o valor que atribuem aos imóveis penhorados para que, com base nisso, apurados que sejam os valores monetários já cobrados nos autos e aqueles outros que foram já entregues ao exequente, se afira da suficiência do imóvel descrito sob a verba 1) para assegurar a cobrança coerciva do remanescente da quantia exequenda.
Mas essa falta de indicação não deveria ter conduzido ao indeferimento liminar da oposição à penhora, justificando antes a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, tal como propugnam os recorrentes.
Com efeito, o incidente de oposição à penhora tem natureza declarativa e por força do disposto no art.º 785º, n.º 2 do CPC, segue a tramitação prevista nos art.ºs 293º a 295º do mesmo diploma legal.
Ainda que esta tramitação não contemple norma idêntica à que decorre do vertido no n.º 4 do art.º 590º do CPC, não deixará esta de aqui colher aplicação, porquanto, embora os incidentes não constituam processos especiais[4], conduzem à aplicação das normas do processo comum nos casos omissos, sempre que a analogia das situações o imponha – cf. art.º 549º, n.º 1 do CPC; J. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pág. 475.
No que às imprecisões na exposição da matéria de facto diz respeito, o n.º 4 do art.º 590º do CPC determina que “Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.”
Trata-se de um verdadeiro dever legal do juiz – despacho de aperfeiçoamento vinculado – no sentido de identificar os aspectos que importa corrigir.
Mas o convite ao aperfeiçoamento dos articulados, previsto para situações de imprecisão, vacuidade, ambiguidade ou incoerência e, bem assim, para peças com teor conclusivo, pressupõe sempre que estas contenham um quadro factual mínimo, pois que se torna necessário que a causa de pedir da pretensão nela esteja individualizada.
Como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 679:
“O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é perceptível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos. Daí o convite ao aperfeiçoamento, destinado a completar ou a corrigir um quadro fáctico já traçado nos autos. Coisa diversa, e afastada do âmbito do art.º 590º, n.º 4, seria permitir à parte, na sequência desse despacho, apresentar, ex novo, um quadro fáctico até então inexistente ou de todo imperceptível (o que, aqui, equivale ao mesmo), restrição que, aliás, também decorre do art.º 590º, n.º 6.”
No mesmo sentido propende a essencialidade da doutrina e jurisprudência, ou seja, o juiz só pode convidar a parte a corrigir a exposição ou concretização da matéria de facto quando esta tenha a densidade suficiente para constituir uma causa de pedir inteligível – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2018, Volume II, pág. 109.
Note-se que há insuficiência da causa de pedir quando os factos, apesar de terem sido alegados, são insuficientes para determinar a procedência da acção. Ou seja, não é o núcleo essencial da causa de pedir que está em falta, mas sim a aclaração ou correcção de factos essenciais ou o aditamento de factos complementares.
Em consonância com o acima expendido, face àqueles que foram os fundamentos aduzidos pelos opoentes, à sua clara invocação da suficiência da penhora incidente sobre o imóvel descrito sob a verba 1) do auto de penhora de 28 de Novembro de 2018 e, bem assim, da penhora que recaiu sobre as pensões de reforma para assegurar o pagamento da quantia exequenda ainda em dívida e na ausência de concretização de qual seja o valor em falta e de quais os montantes já arrecadados para os autos por via da penhora das pensões e de depósitos bancários, estavam reunidas as condições para justificar, não só a averiguação oficiosa pelo tribunal recorrido dos valores já penhorados e da quantia em falta, mas também o convite dirigido aos opoentes para concretizarem qual o valor que atribuem aos imóveis penhorados para efeitos de concluírem, como fazem, que o imóvel descrito em 1) é suficiente e que a penhora da sua casa de habitação (verba 2)) extravasa aquilo que é necessário para o pagamento da dívida exequenda, em violação do disposto no art.º 735º, n.º 1 do CPC – cf. no sentido da admissibilidade do convite ao executado para corrigir o seu requerimento de oposição à penhora, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pp. 296 e 297 mencionado por Marco Carvalho Gonçalves, op. cit., pág. 380, nota 1348.
A omissão de tal despacho inquina necessariamente a decisão de indeferimento liminar que veio a ser proferida, pela singela razão de que esta se louvou, precisamente, na falta de concretização do valor atribuído aos bens penhorados sem ter concedido aos executados a oportunidade de corrigirem o seu requerimento.
Sabe-se que a jurisprudência tem vindo a considerar que nas situações de causa de pedir deficiente, a omissão do dever de formular convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, no sentido de a completar com a alegação ou explicitação dos factos necessários a “completar” a causa de pedir se situa “a montante”, isto é, no momento em que é omitido o exercício do poder-dever de formular o convite ao aperfeiçoamento, concluindo, desse modo, pela verificação de uma nulidade processual, nos termos do art.º 195º, n.º 1, segunda parte do CPC.
Diversamente, o Prof. Miguel Teixeira de Sousa sustenta que a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão sempre que a deficiência do articulado constitua o fundamento em que se baseia o tribunal para julgar improcedente o pedido, o que fundamenta do seguinte modo:
“A omissão do convite ao aperfeiçoamento não gera, em si mesma, nenhuma nulidade processual. Para confirmar esta asserção, basta pensar em dois casos:
– Ainda que fosse dirigido o convite ao aperfeiçoamento e a parte correspondesse a esse convite, o pedido formulado pela parte haveria sempre de ser julgado improcedente com base numa excepção de conhecimento oficioso (como, por exemplo, a nulidade ou a caducidade) ou com base na falta de qualquer fundamento possível de procedência daquele pedido; se o tribunal vier a considerar, no despacho saneador ou na sentença final, o pedido improcedente, não há motivo para se entender que a omissão do convite ao aperfeiçoamento constitui uma nulidade processual, dado que não foi a omissão desse convite e a consequente falta de supressão das deficiências do articulado que determinaram a improcedência do pedido;
– Ainda que, num juízo objectivo, se possa considerar que o articulado é deficiente, o tribunal assim não entendeu e proferiu uma decisão de procedência sobre o pedido da parte; também neste caso não há razão para se considerar que foi cometida uma nulidade processual, dado que da omissão do despacho de aperfeiçoamento não decorreu nenhuma consequência desfavorável para a parte.
Do exposto parece poder concluir-se que a nulidade que decorre da omissão do despacho de aperfeiçoamento não é absoluta, mas apenas relativa e circunstancial: afinal, tudo depende da relevância que a deficiência não suprida pela falta daquele despacho venha a assumir na decisão do pedido. Como os exemplos acima referidos demonstram, tanto uma decisão de improcedência, como uma decisão de procedência é susceptível de justificar a conclusão de que a omissão daquele despacho não constitui nenhuma nulidade processual.
Dito de outro modo: a nulidade resultante da omissão do despacho de aperfeiçoamento só se verifica se, na apreciação do pedido da parte, for dada relevância à deficiência do articulado, ou seja, se o pedido formulado pela parte for julgado improcedente precisamente com fundamento naquela deficiência.
Se assim é, então não pode concordar-se com a afirmação de que “o vício está a montante, na omissão do despacho, que não a jusante, no conhecimento do que poderia ter sido suprido caso tal omitido despacho tivesse sido proferido…e correspondido.” Como se procurou elucidar, a omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizada como fundamento da decisão do tribunal. É por isto que não parece desacertado concluir que a omissão do despacho de aperfeiçoamento se traduz num excesso (circunstancial) de pronúncia: sem o proferimento desse despacho, o tribunal não pode considerar improcedente o pedido da parte com base na deficiência do seu articulado […] Em contrapartida, tendo proferido despacho de aperfeiçoamento, o tribunal está em condições de considerar improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento nas deficiências do seu articulado.
Em suma: a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte.” – cf. Blog do Instituto Português de Processo Civil, 19/01/2015 - A consequência da omissão do convite ao aperfeiçoamento: um apontamento disponível em https://blogippc.blogspot.com/search?q=convite+aperfei%C3%A7oamento+nulidade+decis%C3%A3o.
Todavia, no essencial, importa reter que a omissão do dever de formular convite ao aperfeiçoamento conduz à nulidade da decisão final de improcedência quando esta é motivada pela deficiência do articulado, como se verifica no caso em apreço.
Face ao explanado, considerando que a nulidade decorrente da omissão do convite ao aperfeiçoamento se revelou com a prolação da decisão de indeferimento liminar que conclui pela manifesta improcedência da oposição à penhora por falta de concretização dos factos necessários para se aferir se os bens penhorados excedem o necessário para satisfazer a quantia exequenda, há que reconhecer que a decisão, conhecendo do mérito da pretensão sem conceder a oportunidade da correcção do articulado, aprecia a questão num momento em que estão em falta factos complementares relevantes para uma correcta análise da pretensão, o que justifica, também por esta razão, a sua anulação para ampliação da matéria de facto, nos termos do art.º 662º, n.º 2, c) do CPC.
Em consequência, impõe-se anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo praticar os actos instrutórios omitidos, averiguando o valor da quantia exequenda ainda em dívida e dos montantes pecuniários penhorados e/ou entregues ao exequente e proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento, a fim de que os opoentes esclareçam, designadamente, o valor que atribuem aos imóveis penhorados, em conformidade com o acima explanado.
Nestes termos, procede a apelação.
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Das Custas
De acordo com o disposto no art.º 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art.º 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
Uma vez que a pretensão recursória dos apelantes merece provimento, as custas (na vertente de custas de parte) ficam cargo do exequente/apelado, parte vencida no recurso.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em anular a decisão impugnada e, em consequência, ordenar a devolução do processo ao tribunal recorrido, a fim de que profira despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de oposição à penhora e, após a realização das diligências que repute necessárias, profira novo despacho sobre o prosseguimento do incidente deduzido.
Custas a cargo do apelado.
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Lisboa, 3 de Março de 2020[5]
Micaela Sousa
Cristina Silva Maximiano
Maria Amélia Ribeiro
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[1] Adiante designado pela sigla CPC.
[2] Na falta de indicação em contrário, todos os arestos mencionados encontram-se publicados na Base de Dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.
[3] “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”
[4] O Prof. José Lebre de Freitas refere que “constituem tramitações estruturalmente diferenciadas da do processo principal, mas subordinam-se a este por uma relação de dependência […] são meras sequências procedimentais […] que não têm autonomia funcional e, por isso, deve considerar-se que estão à margem da classificação entre processo especial e processo comum, sem prejuízo de, na medida em que a analogia das situações o impuser, se recorrer à norma subsidiária genérica do art.º 549-1 […]” – cf. Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, pp. 468-469.
[5] Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.