PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
USO INDEVIDO DA INJUNÇÃO
EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Sumário

I - A providência de injunção, para que possa ser decretada mediante a aposição da fórmula executória, pressupõe a reclamação de cumprimento de obrigações emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00 ou, independentemente desse valor, créditos de natureza contratual emergentes de transacções comerciais que deram origem ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços.
II - O procedimento de injunção só pode ter por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil.
III - O uso, de forma indevida, do procedimento de injunção, configura uma excepção dilatória inominada, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.
IV - A transmutação do procedimento de injunção, por via de oposição que seja deduzida, em acção declarativa de condenação, não legitima a utilização indevida daquele, derivada da falta de pressupostos que o possibilitariam.

Texto Integral

Processo n.º 109743/21.8YIPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Execução da Maia – Juiz 1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.
Banco 1..., S.A., instaurou procedimento de injunção contra AA para reclamar dele o pagamento da quantia de € 6.572,90.
Alega, para o efeito, ter emprestado ao requerido a quantia de € 5.500,00 cujo pagamento devia ser efectuado em 48 prestações mensais.
O requerido não pagou nenhuma prestação, tendo a requerente resolvido o contrato, ficando em dívida a quantia de € 6.302,48, acrescida de juros de mora.
Proferiu-se o seguinte despacho liminar: “O tribunal tem dúvidas sobre a adequação da forma processual à pretensão do autor. Pois este vem fazer valer os seus direitos pelo incumprimento e resolução do contrato e não exigir o cumprimento do mesmo.
Assim, notifique o autor para querendo se pronunciar sobre esta questão e suas consequências”.
Pronunciou-se a requerente sustentando que o processo é o próprio, referindo, sumariamente, que pretende o pagamento das prestações vencidas e não pagas pelo requerido no âmbito do contrato celebrado, devidas em virtude da resolução do contrato, e não uma indemnização com fundamento em responsabilidade contratual.
Seguidamente, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se procedente a arguida excepção dilatória inominada e absolve-se o requerido da instância.
Custas pela requerente.
Valor processual: 6.419,90€.
Notifique”.
Não se conformando a requerente com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
1. A douta sentença recorrida deve ser revogada, pois nela se faz, salvo o devido respeito, errada apreciação dos factos e aplicação do direito, não existindo assim um verdadeiro impedimento para o prosseguimento dos autos para efetiva satisfação do crédito do Recorrente;
2. Entendeu o Tribunal “a quo” que o pedido deduzido pelo Recorrente não poder ser apreciado com recurso à tramitação do processo especial escolhido – procedimento de injunção – porquanto aquilo que pretende não é o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo.
3. Ora, o Recorrente não poderá concordar com o douto entendimento do Tribunal “a quo” porquanto, ainda que fundado no incumprimento contratual, a génese do crédito do Autor/Recorrente sobre o Réu tem a sua origem no capital vencido e não pago e demais valores devidamente plasmados e aceites no contrato.
4. Pois que, em sede de requerimento injuntivo fora peticionado o seguinte:
a) No âmbito da sua atividade, em 23-09-2020, a Requerente celebrou com o Requerido, AA, o contrato de crédito com o nº ..., mediante o qual lhe concedeu, a título de empréstimo, o montante total de financiamento e encargos de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
b) Mais se convencionou que o referido empréstimo, bem como os juros e demais encargos contratualmente estabelecidos, haveriam de ser pagos à Requerente em 48 prestações mensais e sucessivas, no valor, cada uma, de € 114,58, com início a 27/10/2020.
c) Por carta datada de 06/05/2021, remetida para a morada do Requerido, a requerente interpelou aquele ao pagamento das prestações em falta e concedeu-lhe prazo para pôr fim à mora, o que não sucedeu.
d) Nestes termos, foi então resolvido o contrato, ora em questão, através de carta registada com aviso de receção, datada de 07/06/2021, remetida para a morada do Requerido.
e) À data da resolução do contrato, encontrava-se em débito o montante de € 6.302,48, a que acrescem dos juros moratórios até efetiva e integral liquidação.
f) Pelo exposto, a Requerente tem direito a ser ressarcida do pagamento das quantias que se encontram em dívida, € 6.302,48, respeitante a capital, acrescida dos juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%, desde a data de resolução do contrato e que na data de (24/11/2021) perfazem o montante de € 117,42 e vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como o valor da taxa de justiça, conferindo-se, desta forma, à Injunção força executiva.
5. Ora, é pacífico na jurisprudência portuguesa que a cobrança de valores a títulos de capital, juros e despesas de cobrança pode ser efetuada através do procedimento especial de injunção.
6. Ora, à luz do DL 269/98 de 1 de Setembro, o Recorrente pode lançar mão do procedimento de injunção para obter força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de contratos de valor não superior a 15000,00 €.
7. Constitui assim pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato.
8. Com todo o respeito que nos merece a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” esta andou mal al considerar que a origem do crédito do Recorrente se funda na indemnização do contrato.
9. Sem prescindir e ainda que efetivamente tenha ocorrido um erro na forma do processo, sempre poderiam e deveriam ter sido convolados os autos especiais em autos de processo comum.
10. Pois que, o erro na forma do processo não é uma exceção dilatória, mas sim um vício definido e regulado na secção das nulidades processuais.
11. Assim deverá ter aplicabilidade o regime próprio consagrado no art. 193º do CPC, nos termos do qual, o erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.
12. Deverá assim considerar-se um vício sanável através da prática dos atos necessários à recondução do processo à forma adequada, sanação essa que só será inviável nos casos em que face às especificidades da forma adequada e da forma até aí seguida não seja possível aproveitar os atos já praticados.
13. Deste modo e com o devido respeito por opinião diversa, o erro na forma do processo, quando sanável, não determina a nulidade de todo o processo, uma vez que nos termos expressos do n.º 1 do art. 186.º do Código de Processo Civil esta só ocorre quando for inepta a petição inicial.
14. Pelo anteriormente exposto, dúvidas não podem restar que o Recorrente poderia ter lançado mão do procedimento de injunção para obter o pagamento do montante em divida pelo Réu.
15. Isto posto e salvo melhor entendimento, o Tribunal recorrido deveria ter decidido no sentido de prosseguirem os autos, ainda que fosse necessário o aperfeiçoamento do requerimento inicial, bem como a documentação que fundamente a sua pretensão.
16. Assim, não deveria o Tribunal recorrido ter julgado verificada a exceção dilatória ao abrigo dos art. 576º nº2 e 577º do CPC nem absolvido o requerido da instância.
Nestes termos e, nos mais de direito aplicáveis que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a sentença que absolveu o requerido da instância em virtude da procedência da exceção dilatória inominada, substituindo-a por uma decisão que julgue correta o procedimento injuntivo como forma de processo correta aplicável ao caso concreto e ordenando o prosseguimento dos autos em conformidade ou caso assim não se entenda, seja convolado o procedimento de injunção em processo comum, com o consequente aproveitamento dos autos praticados já praticados.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar da questão da adequação do meio processual escolhido pela mesma para deduzir a pretensão que formulou contra o requerido, aqui recorrido.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos/incidências processuais relevantes para o conhecimento do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
No presente recurso pretende-se equacionar a questão da adequação ou inadequação do meio processual de que se socorreu a apelante para deduzir a pretensão que formulou contra o requerido, ora recorrido.
A recorrente visa com o procedimento judicialmente instaurado “ser ressarcida do pagamento das quantias que se encontram em dívida, € 6.302,48, respeitante a capital, acrescida dos juros de mora vencidos, calculados à taxa legal de 4%, desde a data de resolução do contrato e que nesta data (24/11/2021) perfazem o montante de € 117,42 e vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como o valor da taxa de justiça, conferindo-se, desta forma, à Injunção força executiva”.
Invoca, para tanto, haverem as partes celebrado entre si um contrato de mútuo, que, por incumprimento do mutuário, o ora recorrido, o que implicou o vencimento automático de todas as prestações em dívida, tendo a mutuante procedido à resolução unilateral do contrato, comunicada ao requerido por carta, para a respectiva morada.
São os seguintes os factos expostos pela requerente no requerimento de injunção para fundamentar a pretensão que nele deduz:
1. No âmbito da sua atividade, em 23-09-2020, a Requerente celebrou com o Requerido, AA, o contrato de crédito com o nº ..., mediante o qual lhe concedeu, a título de empréstimo, o montante total de financiamento e encargos de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
2. Mais se convencionou que o referido empréstimo, bem como os juros e demais encargos contratualmente estabelecidos, haveriam de ser pagos à Requerente em 48 prestações mensais e sucessivas, no valor, cada uma, de € 114,58, com inicio a 27/10/2020.
3. Importa, ainda, registar que também se convencionou, que em caso de mora no pagamento da quantia mutuada ou de quaisquer outros encargos, à taxa aplicada ao empréstimo acresceria uma sobretaxa a título de cláusula penal – cfr. clausula 12.2 das Condições Gerais do Contrato.
4- Sucede que, o Requerido não liquidou a 1ª prestação, que se venceu em 27/10/2020, nem as que se venceram posteriormente, até ao momento, pelo que, nos termos dos arts. 781º e 432º do Código Civil, a falta de pagamento das prestações contratualizadas implicou o vencimento de toda a dívida.
5- Por carta datada de 06/05/2021, remetida para a morada do Requerido, a requerente interpelou aquele ao pagamento das prestações em falta e concedeu-lhe o prazo máximo de 15 dias para pôr fim à mora, o que não sucedeu.
6- Nestes termos, foi então resolvido o contrato, ora em questão, através de carta registada com aviso de receção, datada de 07/06/2021, remetida para a morada do Requerido.
7- À data da resolução do contrato, encontrava-se em débito o montante de € 6.302,48, a que acrescem dos juros moratórios até efetiva e integral liquidação”.
A injunção constitui procedimento especial destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, nos termos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro[1].
Como resulta do artigo 7.º do anexo ao mencionado diploma, tem aquele procedimento por fim conferir força executiva ao requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€, ou das obrigações emergentes das transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, independentemente do seu valor.
O procedimento de injunção começou por se aplicar ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (artigo 1.º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1.09, diploma preambular do Regime Anexo - Regime dos Procedimentos para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias Emergentes de Contratos - a que se refere esse mesmo artigo 1.º).
Posteriormente, o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17.02, procedeu à alteração do artigo 7.º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, que passou a dispor “[C]onsidera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transações comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro”.
O artigo 3.º do citado Decreto-Lei nº 32/2003, de 17.02, dispunha, por sua vez, que, para efeitos do mesmo diploma, se entendia por “transação comercial qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respetiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração”.
Na sequência da alteração introduzida pelo artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 107/2005, de 1.07, o n.º 1 do artigo 7.º do mencionado Decreto-Lei n.º 32/2003 passou a dispor que “[O] atraso de pagamento em transações comerciais nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”, sendo que, nos termos do seu n.º 2, “[P]ara valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum”, enquanto, de acordo com o seu nº 4, “[A]s ações destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.
Pressupõe a providência de injunção, para que possa ser decretada mediante a aposição da fórmula executória a reclamação de cumprimento de obrigações emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000 ou, independentemente desse valor, créditos de natureza contratual emergentes de transacções comerciais que deram origem ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços.
O procedimento de injunção só pode ter por objecto o cumprimento de obrigações pecuniárias directamente emergentes de contrato, não comportando cumprimento de obrigações emergentes de outra fonte, designadamente derivada de responsabilidade civil. O pedido processualmente admissível no procedimento de injunção será, pois, a prestação contratual estabelecida entre as partes cujo objecto seja em si mesmo uma soma de dinheiro e não um valor representado em dinheiro.
Tal entendimento é defendido, entre outros, por Salvador da Costa[2] quando explica que “o regime processual em causa só é aplicável às obrigações pecuniárias diretamente emergentes de contratos, pelo que não tem a virtualidade de servir para a exigência de obrigações pecuniárias resultantes, por exemplo, de responsabilidade civil […]”.
Sustenta o Acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2015[3] que “É […] pressuposto objetivo genérico do procedimento da injunção, a presença de obrigações pecuniárias geradas por um contrato, melhor, por um negócio jurídico plurilateral de natureza onerosa[4], apenas nos interessando para o efeito pretendido - de determinação do conceito de obrigação pecuniária actuável pela via da injunção - as obrigações pecuniárias acima referidas, como obrigações de quantidade (aquelas que têm por objecto uma prestação em dinheiro a qual é destinada a proporcionar ao credor o valor da quantia devida e não de determinada espécie monetária).
É, no entanto, em função da contraposição destas obrigações pecuniárias às obrigações de valor que se obtém o conceito operante na matéria em causa, e que é, afinal, o de obrigação pecuniária em sentido estrito.
Enquanto que obrigação pecuniária em sentido estrito é aquela em que a quantia pecuniária é o próprio objecto da prestação[5], já as obrigações de valor não têm originariamente por objecto quantias pecuniárias, mas prestações de outra natureza, intervindo o valor pecuniário apenas como meio de liquidação[6].
Será pois o conceito de obrigação pecuniária em sentido estrito o que está pressuposto nos diplomas referidos [Decretos–Leis nºs 404/93, 269/98, 32/2003, 107/2005 e 62/2013], de tal modo que se poderá dizer que «quando o dinheiro funcionar como substituto do valor económico de um bem ou da reintegração do património, não estará preenchido o pressuposto objectivo de admissibilidade do processo de injunção»[7]”.
Dada a natureza simplificada do procedimento em causa, basta ao requerente expor sucintamente a sua pretensão e os respectivos fundamentos[8] os factos que fundamentam a sua pretensão” – artigo 9.º, n.º 2, alínea d)[9].
Como esclarece Salvador da Costa[10] “[a] lei não exige a pormenorizada alegação de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em termos de brevidade e concisão. Todavia, a alegação fáctica breve e concisa não significa a postergação dos princípios gerais da concretização da matéria de facto em termos de integração dos pressupostos da respectiva norma jurídica substantiva. A invocação dos factos integrantes da causa de pedir que a lei exige não se conforma, como é natural, com a mera afirmação conclusiva de facto ou fáctico-jurídica. Assim, não satisfaz à exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir a mera referência à celebração de contratos, porque os factos em que eles se desenvolvem são, naturalmente, as declarações negociais convergentes das partes”.
No caso em apreço, alega a requerente ter celebrado com o requerido um contrato de mútuo, concedendo-lhe o empréstimo de uma determinada quantia em dinheiro, devendo o capital ser restituído, acrescido dos juros contratualmente fixados pelas partes, em 48 prestações mensais e sucessivas
Convencionou-se ainda que em caso de mora no pagamento da quantia mutuada ou de quaisquer outros encargos, à taxa aplicada ao empréstimo acresceria uma sobretaxa a título de cláusula penal – cfr. cláusula 12.2 das Condições Gerais do Contrato.
Porque o requerido não satisfez as prestações devidas, a requerente interpelou-o para proceder ao pagamento das prestações em falta, concedendo-lhe o prazo máximo de 15 dias para o efeito.
Persistindo o incumprimento do requerido após tal interpelação, a requerente resolveu o contrato, o que comunicou ao requerido por carta para a respectiva morada.
Como refere o acórdão da Relação do Porto de 15.01.2019[11], “...a lógica que preside ao procedimento de injunção é a da cobrança, rápida e simples, de dívidas pecuniárias, acompanhada das consequências indemnizatórias mais imediatas e necessárias dessa cobrança (juros e despesas de cobrança).
Dívidas que, pela sua própria natureza, implicam uma tendencial certeza da existência do direito de crédito.
Acontece que quando esteja em causa uma obrigação secundária derivada do incumprimento do contrato, e não se vise o seu cumprimento, estar-se-á a extravasar o âmbito deste procedimento, pelo que sempre se deverá concluir que a injunção não é a via processual adequada para acionar a cláusula penal, mesmo que compulsória, decorrente de mora ou de qualquer vicissitude na execução do contrato.[12] [13]
No caso aqui em discussão, o pedido formulado pela requerente através do procedimento injuntivo de que lançou mão não se subordina ao cumprimento de uma obrigação pecuniária stricto sensu, mas antes ao exercício da responsabilidade civil contratual subsequente à resolução de um contrato por incumprimento, com todas as consequências dele resultantes: vencimento imediato de todas as prestações em dívida, contabilização de juros de mora e aplicação de uma taxa a título de cláusula penal.
Tal como alerta a decisão recursivamente impugnada, não pretende a requerente com o procedimento processual instaurado reclamar o cumprimento de uma obrigação, mas antes exercer contra o requerido a responsabilidade contratual decorrente do seu incumprimento, que, acrescentamos, conduziu à resolução do contrato de mútuo celebrado entre as partes, ao vencimento imediato de todas as prestações em dívida, e à contabilização de juros moratórios e aplicação da sobretaxa convencionada a título de cláusula penal.
Ora, nestas circunstâncias o procedimento de injunção não é o meio processual adequado a dar guarida à pretensão da requerente considerando, para o efeito, a causa de pedir que lhe serve de fundamento[14].
Conclui-se, deste modo, à semelhança do que defendeu a 1.ª instância, que a requerente usou de forma indevida o procedimento de injunção, situação que configura uma excepção dilatória inominada[15], que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º do Código de Processo Civil e não de erro na forma de processo, ainda que, nesta segunda perspetiva, possa conduzir a idêntico resultado processual[16].
De acordo com o citado acórdão da Relação de Coimbra de 20.05.2014, “tal excepção dilatória inominada, afectando o conhecimento e o prosseguimento da acção especial em que se transmutou o procedimento de injunção, por não se mostrarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para a sua utilização (as condições de natureza substantiva que a lei impõe para que seja decretada a injunção, não permite qualquer adequação processual ou convite a um aperfeiçoamento; caso contrário, estava encontrado o meio para, com pensado propósito de, ilegitimamente, se tentar obter título executivo, se defraudar as exigências prescritas nas disposições legais que disciplinam o procedimento de injunção.”[17].
E adianta ainda o mesmo acórdão: “A transmutação do procedimento de injunção, por via de oposição que seja deduzida, em acção declarativa de condenação - acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato -, não legitima a utilização indevida daquele, derivada da falta de pressupostos que o possibilitariam.”
Improcede, consequentemente, o recurso, mantendo-se o decidido.

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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso da apelante Banco 1..., S.A, confirmando a decisão recorrida.
Custas: pelo apelante.

Porto, 14.09.2023
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
______________
[1] Com as sucessivas alterações que lhe têm vindo a ser introduzidas.
[2] Injunções e as Conexas Ação e Execução, 5.ª ed. actualizada e ampliada, 2005, pág. 41.
[3] Processo n.º 122528/14.9YIPRT.L1-2, www.dgsi.pt.
[4] João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p 18.
[5] Cfr João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, p 15, que aqui citam o Ac RL 27/5/2010 que a refere como aquela em que «a prestação debitória consiste numa quantia em dinheiro que se toma pelo seu valor propriamente monetário».
[6] Paradigmática obrigação de valor é a obrigação de indemnização – com tal obrigação visa-se reparar os danos efectivamente sofridos pelo lesado. (…)
[7] Paulo Duarte Teixeira, “Os Pressupostos Objectivos e Subjectivos do Procedimento de Injunção», em “Themis”, VII, nº 13, pág. 184.
[8] Artigo 1.º, n.º 1 do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.
[9] A circunstância, de resto, de o requerente no procedimento especial de injunção ter de expor a sua pretensão e respectivos fundamentos em impresso próprio, no espaço que para o efeito lhe é reservado, é já de si condicionante de uma narração sintética da materialidade que serve de suporte à pretensão formulada.
[10] “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6.ª Edição Actualizada e Ampliada, Almedina 2008, págs. 76 e 77.
[11] Processo n.º 141613/14.0YIPRT.P1, www.dgsi.pt.
[12] João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, ob. cit., pág. 23.
[13] Cfr., no mesmo sentido, por ex., Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.2.2010, proc. 206720/08.1YIPRT.L1-1 e 12.5.2015, proc. nº 154168/13.4YIPRT.L1-7; em sentido contrário, por ex., decisão singular da Relação de Coimbra de 26.6.2012, proc. nº 365/09.9 TBCNT-A.C1. todos disponíveis in www.dgsi.pt..
[14] Neste sentido, cfr., entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 15.12.2021, processo n.º 17463/20.0YIPRT.P1, www.dgsi.pt.
[15] Neste sentido, cfr. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6ª edição, págs. 171 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 14.02.2012, proc. 319937/10.3YIPRT.L1.S1, da Relação do Porto de 26.9.2005, proc. 0554261, 18.12.2013, proc. 32895/12.0YIPRT.P1, de 15.1.2019, proc. 141613/14.0YIPRT.P1, da Relação de Lisboa de 07.6.2011, proc. 319937/10.3YIPRT.L1-1 e de 29.3.2012, proc. 227640/10.4UIPRT.L1-2 e da Relação de Coimbra de 24.01.2012, proc. 546/07.0TBCBR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[16] Acórdão Relação Coimbra de 20.05.2014, proc. 30092/13.6 YIPRT.C1, www.dgsi.pt.
[17] Cfr. os citados acórdãos do STJ de 14.02.2012, da Relação do Porto de 18.12.2013 e da Relação de Lisboa de 17.12.2015, proc..122528/14.9YIPRT.L1-2, todos em www.dgsi.pt.